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Política Externa Brasileira

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N.fham. 327(81) 048p 
Autor: Oliveira, llenrique Alternani de, 
Título: A política externa brasileira 
11111111111111111111111111111111111111111111111111 I 
I 0210639 A c. 980497 
Ex 7 BCE 
Henrique Altemani de Oliveira 
Professor do Curso de Relações Internacionais e Coordenador 
do Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais da PUC/SP. 
Contato com o autor: altemani@editorasaraiva.com.br 
POLÍTICA I I 
(\111 Editor<'!. 
~ Sara1va 
Apresentação 
inda que o curso de Relações Internacionais da 
Universidade de Brasília (UnB) tenha tido seu 
início em 1974, será somente depois de 1995, quando a Ponti-
fícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP) começou a 
oferecê-lo, que se observará um elevado crescimento dos cursos 
voltados a transmitir aos alunos os instrumentos básicos para 
se analisar o modus operandi do meio internacional. Assim, no 
período de praticamente uma década, foram criados, aproxima-
damente, 60 cursos de relações internacionais no País. 
O crescimento dos cursos de graduação foi igualmente 
acompanhado pelo surgimento de uma nova e maior oferta 
de programas de pós-graduação. Dessa forma, instituciona-
lizaram-se, com o apoio das agências financiadoras (CNPq 
e Capes), os programas de doutorado da UnB e da Pontifícia 
Universidade Católica do Rio de Janeiro (IRI-PUC/RJ), man-
tendo-se, ainda, os programas de mestrado nessas duas ins-
tituições, sendo oferecidos três novos programas de relações 
internacionais e um de integração.' 
O rápido desenvolvimento da área de relações internacio-
nais caracterizou-se também, o que não deixa de ser normal, 
pelo surgimento de alguns problemas. De um lado, o não en-
1 Com o apoio direto da Capes, por meio do Programa Especial San Tiago Dantas, passaram a 
ser oferecidos os mestrados em relações internacionais da Universidade Federal do 
Rio Grande do Sul e da Universidade Federal Fluminense, e o mestrado interinstitucio-
nal da Unesp, Unicamp e PUC/SP. Na Universidade Federal de Santa Maria desenvol- ~. ': ,';V ..... ,._·_·'-· .. 1., .. 1.,> 
veu-se o mestrado em integração latino-americana. ~ .· _. 
Política Externa Brasileira 
tendimento do que é a área gerou inicialmente uma diversidade de 
projetos, disciplinas, ementas e programas de ensino, o que passou a 
ser saneado, em primeiro lugar, pela ação da Secretaria de Ensino Su-
perior do Ministélio da Educação (Sesu/MEC) e, em seguida, pelas 
políticas de avaliação do Inep. 
De outro lado, o problema que se somou foi a carência de 
profissionais de relações internacionais que pudessem assumir as 
disciplinas específicas dos diversos cursos e a quase inexistência de 
disponibilidade de bibliografia no País. 
No caso específico de avaliação da inserção internacional do 
Brasil, os diferentes cursos, quase em sua maioria, oferecem as 
disciplinas Polítíca Externa Brasileira e de História da Política 
Exterior do Brasil (em alguns, denominada História Diplomática 
do Brasil), complementadas em um número limitado de cursos pela 
disciplina Análise da Política Externa Brasileira. 
Dessa forma, em primeiro lugar, o objetivo deste livro é dispo-
nibilizar aos alunos dos cursos de Relações Internacionais (gradua-
ção e pós-graduação), bem como aos de cursos afins, que também 
apresentam essas disciplinas em seu projeto (em especial Direito, 
Ciências Sociais, Economia e Thrismo), uma visão seqüencial e 
analítica dos pressupostos políticos que fornecem a base do proces-
so de inserção internacional brasileira. 
O que se pretende não é realizar um levantamento completo dos 
acordos e vínculos que o Brasil foi estabelecendo no decorrer de sua 
história, mas "tentar identificar inflexões ou mudanças significati-
vas ocorridas nos padrões de relacionamento externo do País"? 
Por exemplo, a implementação dos governos militares implicou 
mudanças nas diretrizes básicas da política externa? E, da mesma 
forma, a redemocratização correspondeu a alterações na definição 
da política externa? Por outro lado, quais as relações entre redefini-
ções do sistema internacional, seus aspectos estruturais e conjuntu-
rais e a definição e implementação da política externa brasileira? 
anos de política externa brasileira, 1958-1998: três inflexões. Revista Brasileira de Política 
Internacional, n. 41, p. 8, 1998. (Número Especial "40 Anos"). 
Apresentação 
Sendo assim, para um plano de ensino da disciplina, tem-se a 
seguinte definição: 
O objetivo do presente curso é realizar um estudo da 
evolução da política externa brasileira em suas várias 
faces e fases, ressaltando-se os aspectos políticos mais 
que históricos - de sua formulação nas últimas décadas, 
a partir de um prisma técnico de relações internacionais. 
Realizar-se-á uma reflexão crítica sobre a ação diplo-
mática brasileira, avaliando-se as diferentes abordagens 
desenvolvidas para a compreensão da inserção interna-
cional do Brasil. 
Da mesma forma que não serão enfatizados os aspectos mais re-
levantes da História Diplomática do Brasil, também não serão ana-
lisados, e muito menos aprofundados, os mecanismos que levaram 
à definição da política externa. Isto é, o objetivo dessa disciplina 
é raciocinar sobre a ação diplomática e não sobre o processo que 
conduz à sua definição. 
Rosenau, ao trabalhar teoricamente com política externa, con-
sidera que, tanto os analistas que trabalham diretamente com o 
processo decisório quanto os que se envolvem com a ação acabam 
desenvolvendo conceitos específicos, facilitando a identificação e 
organização de diferentes dimensões. Mas, igualmente, dificultam o 
estabelecimento de interação entre esses diferentes níveis de análise. 
Mais precisamente, a penalidade pela concentração no 
processo decisório é a incapacidade para explicar os 
resultados: isto é, o que acontece depois que as decisões 
foram definidas e a ação tomada. O conhecimento das 
percepções e motivações dos policy-makers dificilmen-
te pode servir como uma previsão dos resultados se 
estiverem operando com estimativas erradas sobre suas 
próprias capacidades ou sobre a natureza do meio inter-
nacional. De outro lado, o custo de se concentrar nos 
resultados e tratando-os como decorrentes de diferentes 
nações construindo diferentes equilíbrios entre seus in-
teresses e suas capacidades é a incapacidade de identifi-
X Política Externa Brasileira 
car as fontes do experimento decisório. A compreensão 
do que acontece quando nações fracas atacam fortes é 
de pequeno valor na explicação das razões porque as 
primeiras, às vezes, desafiam as outras. 3 
O que se pretende deixar claro é que, a forma como o curso 
foi estruturado e a própria limitação de tempo de cada disciplina 
inviabilizam a imersão na análise do processo decisório brasileiro. 
Esse conteúdo deveria estar inserido na disciplina Análise de Polí- . 
fica Externa. 
De qualquer modo, a ênfase será, portanto, sobre as inflexões, 
mudanças e continuidades nas diretrizes da política externa brasi-
leira, não havendo, igualmente, a busca de definição mais satisfató-
ria do que se entende por interesse nacional ou quais segmentos da 
sociedade brasileira são mais beneficiados. 
O conceito de interesse nacional é usado tanto na análise 
política quanto na ação política. Como um instrumental 
analítico, é empregado para descrever, explicar ou ava-
liar as fontes ou a adequação da política exterior de uma 
nação. Como um instrumento de ação política, serve 
como um meio de justificar ou propor políticas. Em 
ambos .os usos, em outras palavras, refere-se ao que é 
melhor para a sociedade nacional. 4 
Historicamente, aparece muito mais como instrumento de ação 
política e correspondendo ao que se chamava "vontade do príncipe", 
"interesses dinásticos" ou "razão de Estado". A terminologia atual 
não deixa de refletir, igualmente, as novas lealdades em decorrência 
da moderna formatação dos Estados: "honra nacional", "interesse 
público" e "bem-estar geral". 
Para Morgenthau, 
o conceito de interesse definido como poder impõe ao 
observadoruma disciplina intelectual e introduz uma 
3 ROSENAU, J. N. The scienfific study of foreign policy. New York: Nichols Publishing Company .. 1980, 
p. 243. 
4 lbid., p. 283. 
Apresentação 
ordem racional no campo da política, tornando possível, 
desse modo, o entendimento teórico da política. No que 
diz respeito ao ator, contribui com a disciplina racional 
em ação e cria essa assombrosa continuidade em matéria 
de política externa, que faz com que a política exterior 
americana, britânica ou russa se nos apresente como algo 
sujeito a uma evolução contínua, inteligível e racional, 
em geral coerente consigo própria, a despeito das distin-
tas motivações e preferências e das qualidades morais 
dos políticos que se sucederam. Uma teoria realista da 
política internacional evitará, portanto, duas falácias 
populares: a preocupação com motivos e a preocupação 
com preferências ideológicas. 5 
XI 
Não que não seja importante, mas, como seria outro trabalho 
e outra disciplina, a avaliação da política externa brasileira aqui 
apresentada não se envolve precisamente com as questões diretas 
do processo decisório e, muito menos, com a definição de qual é o 
interesse nacional que se está buscando com os diferentes momen-
tos da política externa. 
5 MORGENTHAU, H. J. A política entre as nações: a luta pelo poder e pela paz. Brasília: EDUnB/Impren· 
sa Oficial do Estado de São Paulo/lpri, 2003, p. 7. 
Sumário 
Capítulo 1 
O Conceito de Política Externa ..................................... 1 
1.1 Política Externa e Estado ......................................... 1 
1.2 O Conceito de Política Externa ................................ 5 
1.3 Algumas Questões na Definição 
do Conceito de Política Externa .............................. 11 
1.4 O Processo Decisório em Política Externa ............. 15 
1.5 O Ministério das Relações 
Exteriores (Itamaraty) ............................................ 23 
Leituras Complementares .............................................. 27 
Capítulo 2 
De Rio Branco à Segunda Guerra Mundial ................ 29 
2.1 A Política Externa no Império ............................... 29 
2.2 A Americanização da Política Externa 
com o Barão do Rio Branco .................................... 32 
2.3 A Barganha Política entre as Perspectivas 
de Alinhamento com a Alemanha ou 
com os Estados Unidos .......................................... .42 
Resumo ........................................................................... 51 
Leituras Complementares ............................................... 52 
XIV Política Externa Brasileira 
Capítulo 3 
Do Contexto Sub-regional à Constituição 
do Sistema lnteramericano ................................................... 55 
3.1 O Contexto Internacional.. .............................................. 55 
3.2 O Sistema Interamericano ............................................... 60 
3.3 A Política Externa dos Governos Dutra e Vargas ........... 63 
Capítulo 4 
A Operação Panamericana e a Política 
Externa Independente ........................................................... 73 
4.1 O Contexto Internacional.. .............................................. 75 
4.2 A Política Externa de JK ................................................ 76 
4.3 A Operação Panamericana (OPA) .................................. 81 
4.4 A Política Externa Independente .................................... 87 
Capítulo 5 
A Política Externa nos Governos Militares ....................... 107 
5.1 Castelo Branco e a Política da Interdependência .......... 108 
5.2 A Diplomacia da Prosperidade ..................................... 118 
5.3 O Contexto Internacional no Início 
dos Anos 1970 ............................................................... 131 
5.4 Do Projeto de Brasil Potência ao 
Pragmatismo Responsável ............................................ 136 
Capítulo 6 
A Universalização da Política Externa Brasileira ............. 169 
6.1 O Contexto Internacional.. ............................................ 170 
6.2 A Universalização da Política Externa 
Brasileira e a Diversificação das Dependências ........... 176 
6.3 A Retomada do Relacionamento com 
a América Latina .......................................................... 194 
Sumário XV 
Capítulo 7 
A Política Externa na Nova República ............................... 201 
7.1 A Redemocratização: Mudança ou 
Continuidade na Politica Externa? ................................ 202 
7.2 O Plano de Integração Brasil-Argentina ....................... 213 
7.3 As Negociações com os Estados Unidos ...................... 220 
Capítulo 8 
A Política Externa no Pós-guerra Fria ............................... 229 
8.1 Continuidade e Mudança na 
Política Externa Brasileira ............................................ 231 
8.2 De Fernando Collor a Itamar Franco ............................ 240 
8.3 De Fernando Henrique a Lula ....................................... 250 
Bibliografia .......................................................................................... 265 
Anexo 
Relação de Ministros das Relações Exteriores 
por Mandato Presidencial ............................................. 289 
O Conceito de 
Política Externa 
,A .. abordagem da avaliação da política externa bra-
'~\;ci; sileira, na perspectiva desse compêndio, parte 
do pressuposto de que, principalmente a partir dos anos 1960, 
constituiu-se em um instrumento atrelado à política nacional 
de desenvolvimento. 
Para podermos entender mais facilmente qual a relação que 
esse projeto brasileiro de desenvolvimento nacional tem a ver 
com o sistema internacional, o presente capítulo tem como ob-
jetivo básico avaliar o conceito de política externa: 
o que é; 
quais os elementos internos e externos fundamentais para 
sua definição e implementação; e 
quais os atores que participam desse processo. 
Política Externa e Estado 
Em primeiro lugar, devemos ressalvar que, na literatura sobre 
relações internacionais, encontra-se, às vezes, alguma confusão 
ao se apontar a política externa como correspondente ou como 
sinônimo de relações internacionais. As relações internacionais 
é a área, por excelência, que representa os interesses do Estado 
no plano internacional e que tem, como objetivo último, buscar 
as satisfações do Estado, seja para a sua sobrevivência, 
seja para a satisfação dos interesses de seus membros. 
2 Política Externa Brasileira 
Arena!, por exemplo, revela que 
maiores dificuldades oferecem as denominações política 
exterior e política internacional, utilizadas com frequên-
cia, sobretudo nos Estados Unidos, como sinônimos de 
relações internacionais. Por política exterior deve-se en-
tender o estudo da forma como um Estado conduz suas 
relações com outros Estados, se projeta para o exterior, 
isto é, refere-se à formulação, implementação e avalia-
ção das opções externas, desde o interior de um Estado, 
vistas desde a perspectiva do Estado, sem atender à so-
ciedade internacional como tal. Em nenhum caso cabe, 
pois, utilizar esta denominação como sinônimo de rela-
ções internacionais, pois estas referem-se a um objeto 
muito mais amplo. 1 
No entanto, partindo da consideração de que o objeto de rela-
ções internacionais é o meio internacional, compreendido como o 
conjunto das relações interestatais somadas às relações transnacio-
nais, estaremos trabalhando com a premissa de que política externa 
representa uma das áreas de relações internacionais, porém com 
ênfase maior no papel do Estado. 
O elemento central da análise será, conseqüentemente, o da 
ação estatal e dos elementos de conflito e interesse condicionantes 
a essa ação. 
A maior parte dos pesquisadores brasileiros aponta, quase com 
unanimidade, para o papel preponderante do Estado na definição e 
implementação da política externa brasileira, estando a sociedade 
civil, com pequenas exceções ,fora desse processo. 
É evidente que a análise da política externa brasileira, comênfase no papel do Estado como ator preponderante na integração ao 
sistema internacional, não deixa, por um lado, de considerar a atual 
internacionalização das diferentes variáveis e, por outro, o papel da 
sociedade civil representada por empresas, associações, classes, 
agregando uma dimensão transnacional às relações interestatais. 
1 ARENAL, C. del.lntrodución a las relaciones internationales. Madrid: Tecnos, 1990, p. 21. 
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Capítulo 1 -O Conceito de Politica Externa 
3 
Entretanto, queremos deixar bem claro que política externa é a 
área que representa os interesses e objetivos do Estado no plano in-
ternacional e que, por conseguinte, sua definição e implementação 
é prerrogativa do Estado. 
Para melhor compreensão desse caráter estatal da política exter-
na, precisamos retomar o conceito de anarquia, pelo fato de o sis-
tema internacional ser composto por unidades soberanas (Estados), 
com, de um lado, legitimidade para ordenar suas relações internas 
e, de outro, com capacidade e legitimidade para a promoção de seus 
interesses no plano externo. 2 De forma objetiva e clara, Brown3 
pondera que o Estado é legalmente soberano, não reconhecendo 
nenhum ente exterior como superior nem um igual internamente. 
E o Estado existe em um mundo composto de outros estados, com 
características similares, com territórios definidos e constituindo 
unidades políticas soberanas.4 
Assim, no plano das relações internacionais, há a aceitação 
consensual de que os Estados são os atores legítimos na promoção 
dos interesses dos cidadãos, das empresas e dos conglomerados que 
estão dentro de seu território. Essa idéia de legitimidade é retratada, 
por exemplo, no contencioso entre as empresas Embraer e Bom-
bardier. Quando as acusações mútuas são levadas à Organização 
Mundial do Comércio (OMC), as partes envolvidas nas negociações 
são o Canadá e o Brasil e não as empresas. Quando há o primeiro 
Como as abordagens sobre meio internacional, anarquia, sistema internacional e ordem internacional 
apresentam-se de forma vaga e superficial, para melhor entendimento consulte HOFFMANN, S. Jano 
y Minerva: ensayos sobre la guerra y la paz. Buenos Aires: GEL, 1991 e NYE, J. S. Understanding 
intemational conflicts: an introduction to theory and history. New York: Longman, 1997. 
BROWN, C. Understanding intemational relations. New York: Palgrave, 2001. 
Maria Regina Soares de Lima aponta, com muita propriedade, para uma confusão constantemente 
observada no entendimento de Estado e Governo. "A meu ver, um dos fatores que dificultaram um 
maior diálogo entre a área de relações internacionais e a de ciência política foi tratar Estado e governo 
como sinônimos. Realistas clássicos, em vista de sua filiação teórica à razão de Estado, e realistas 
analíticos, em função da premissa teórica de atores unitários autônomos, tomam o Estado como o 
ator cujo dilema de segurança é unicamente externo. Ao explicitar a premissa da natureza autônoma 
do Estado, por exemplo Grieco observa que ela é crucial para aquela perspectiva teórica, pois, é 
ela que permite postular que os 'decisores respondem, em nome do Estado-nação como um todo, 
às oportunidades e ameaças presentes no sistema internacional' ( ... ) O suposto neste caso é que, 
independentemente da natureza do governo que esteja no poder, ele será sempre o mais fiel intérprete 
dos interesses nacionais - de onde o Estado e governo são sinônimos." LIMA, M. R. S. Instituições 
democráticas e política exterior. Contexto internacional, v. 22, n. 2, p. 285, jul./dez. 2000. 
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4 Política Externa Brasileira 
resultado e uma das partes é condenada, a retaliação final é para o 
Brasil e não para a Embraer. 
Para completar esse raciocínio, retomamos a idéia de que o 
mundo, visualizado na perspectiva das relações entre os Estados, 
apresenta normalmente um padrão de relacionamento decorrente 
do sistema internacional vigente. Desse modo, o sistema interna-
cional pode ser interpretado como o padrão de relacionamento entre 
os Estados em um determinado momento, padrão este, derivado, 
estruturalmente, da definição do poder internacional dentro desse 
período histórico. E que os Estados que detêm maior poder apresen-
tam a tendência de definição da ordem internacional em função da 
necessidade de manutenção da estabilidade mundial, mas também 
de promoção prioritária de seus interesses. 
Exatamente por essa razão é que muitos analistas interpretam 
a ordem internacional como o conjunto de regras e normas que 
buscam regular as relações mundiais, refletindo, entretanto, a dis-
tribuição do poder no plano mundiaP 
Dessa forma, se pressupõe que, além dos interesses do Estado, 
uma variável importante seja a capacidade que cada Estado detém 
de convencer os outros a aceitar as suas posições ou, em termos 
mais claros, o poder que cada Estado dispõe para a imposição de 
seus interesses. 
Para exemplificar, podemos pensar que a ordem comercial 
internacional, depois da Segunda Guerra Mundial, decorre do 
sistema internacional instaurado (o sistema bipolar), representando 
os interesses dos Estados com maior poder (processo de correlação 
de forças), com a função de regulamentar as transações comerciais 
entre as unidades. No entanto, como das duas superpotências que 
emergiram da Segunda Guerra somente os Estados Unidos dispu-
nham de real capacidade econômica, a ordem econômica internacio-
nal representava muito mais os interesses norte-americanos que os 
da antiga União Soviética. Daí, então, a proposta inicial da Organi-
zação Internacional do Comércio (que, ao não ser ratificada pelos 
5 MARTINS, L. Ordem internacional, interdependência assimétrica e recursos de poder. Política externa, 
v. I, n. 3, p. 62-85, dez. 1992. 
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Capítulo 1 - O Conceito de Política Externa 
5 
Estados Unidos, não entrou em funcionamento) e a sua substituição 
provisória pelo Acordo Geral de Tarifas e Comércio (Gatt). 
Mesmo falando em correlação de forças, não querendo afirmar 
que o sistema internacional não possibilita a participação de Esta-
dos que não tenham poder, ao contrário, estamos pensando que há 
um constante processo negociador que permite a atuação dos dife-
rentes Estados, buscando promover seus interesses. 
Nesse sentido, enfatiza-se a nítida e íntima correlação entre 
política externa e Estado, deduzindo que esse é, dentro do sistema 
anárquico, o único representante legítimo dos interesses de seus 
membros (cidadãos, empresas etc.). 
1.2\ O Conceito de Política Externa 
Manfred Wilhelmy,6 de uma forma objetiva e direta, define política 
externa como o conjunto de atividades políticas, mediante as quais 
cada Estado promove seus interesses perante os outros Estados. 
E RusselF amplia esse conceito, considerando a política externa 
como a área particular da ação política dos governos, abrangendo 
três dimensões analiticamente separáveis - político-diplomática, 
militar-estratégica e econômica - e que se projeta no âmbito exter-
no ante a uma ampla gama de atores e instituições governamentais e 
não-governamentais, tanto no plano bilateral como no multilateral. 
Ainda que a interação entre os Estados tenha e, cada vez mais, 
esteja agregando a participação de organizações não-governamen-
tais, de empresas e/ou de grupos sociais, a política externa de um 
país corresponde à atuação do Estado na defesa do conjunto dos 
interesses dessas instituições. 
Apesar da multiplicidade de novos atores na cena interna-
cional e do seu funcionamento em redes que são um dado 
da governança do espaço mundial, o Estado permanece 
como uma indispensável instância pública de intermedia-
ção. Instância interna de intermediação das instituições 
6 WILHELMY, M. Politica internacional: enfoques y realidades. Buenos Aires: GEL,1988, p. 148. 
7 RUSSELL, R. Política exterior y toma de decisiones en América Latina. Buenos Aires: GEL, 1990, p. 255. 
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6 Política Externa Brasileira 
do Estado com a sociedade civil e instância externa de 
intermediação com o mundo, em função das especifi-
cidades que caracterizam os países e que explicam as 
distintas visões sobre as modalidades de sua inserção no 
sistema internacional. A legitimidade do Estado como 
instância pública de intermediação deriva do fato de 
que as condições de vida das populações dependem do 
desempenho dos Estados em que vivem. Daí a relevância 
e atualidade do conceito de interesse nacional, que cabe 
aos Estados representar. 8 
Lima raciocinando sobre a questão da definição do interesse na-
cional indica que, "na vertente realista, a resposta à pergunta 'Como 
aferir o interesse nacional?' é imediata: garantindo a sobrevivência 
e a integridade territorial e política da nação". Já, em outra perspec-
tiva, "o interesse nacional depende das preferências e interesses da 
coalizão política vencedora e não apenas pode mudar, como é objeto 
de conflito interno".9 
Assim, nessa equação entre interesses de diferentes Estados 
(tanto no plano bilateral quanto no multilateral), há que se proceder 
à análise das realidades interna e externa, de forma a se poder com-
patibilizar as necessidades internas com as possibilidades externas. 10 
Isto é, a política externa representa um esforço intelectual e prag-
mático de determinação de interesses convergentes e/ou divergentes 
entre diferentes parceiros. Parte-se do princípio de que "as relações 
entre Estados fundamentam-se naquilo que constituem os pontos 
de interesse comum, naquilo que constitui um relacionamento com 
vantagem mútua"." 
Nos próximos capítulos sobre a política externa brasileira, pro-
curar-se-á determinar o posicionamento ocupado pelo Brasil no 
sistema internacional e a estratégia de redefinição de sua inserção 
nesse sistema. 
8 LAFER, C. A diplomacia globalizada. Valor Econômico, 11-13 set. 2000, p. 7. 
9 LIMA, 2000, p. 285-287. 
10 Veja: LAFER, C. Novas dimensões da política externa brasileira. Revista Brasileira de Ciências Sociais, 
ANPOCS, n. 3, p. 73, 1987. 
11 Citado em LIMA, 2000. Notas sobre as relações Brasil-África no contexto da política externa brasileira 
recente. Estudos Afro-Asiáticos, n. 6-7, p. 242, 1980. 
Samara Pires
Realce
Capítulo 1 -O Conceito de Política Externa 7 
O enfoque na estratégia de redefinição de sua inserção no 
sistema mundial advém de mudanças processadas no sistema inter-
nacional. Por exemplo, com o final da Segunda Guerra Mundial, a 
Europa perde a liderança mundial para duas novas superpotências 
(Estados Unidos e União Soviética) que centralizam todo poder e se 
constituem em dois blocos ideológicos distintos, com os diferentes 
Estados enquadrando-se na órbita de suas influências. 
No entanto, com a redução do sistema de confronto da guerra 
fria, estabeleceu-se um sistema político mais complexo, em que as 
considerações de poder passaram a ser muito mais diversificadas, 
possibilitando espaços para manobras político-diplomáticas para 
os mais variados Estados, com reflexos sobre o processo decisório 
internacional. 
Dessa forma, a ruptura do sistema financeiro internacional, 
estabelecido em Bretton Woods e as crises do petróleo, induziram 
a uma reestruturação da economia mundial. As fissuras na hegemo-
nia econômica, detida até então pelos Estados Unidos, em conjunto 
com a recuperação econômica de alguns Estados, como a Alemanha 
e o Japão, forçaram a um ajuste de posições entre os países desen-
volvidos, sem, no entanto, constituírem um processo de transforma-
ção da estrutura do sistema. 
Essas alterações, aliadas a outros fatores como o processo de 
descolonização, propiciaram o surgimento de novas situações e 
atores, com possibilidades para os países menos desenvolvidos 
atuarem mais de acordo com suas prioridades e interesses do que a 
anterior estrutura bipolar o permitia. 
A preocupação com o grau de autonomia possível dos 
Estados e povos que não têm - mas desejam ter - uma 
influência na criação e aplicação das normas que regem 
a ordem mundial, vem revelando e mostrando as brechas 
por meio das quais é possível alterar-se a tradicional 
relação entre o poder positivo das grandes potências e a 
configuração da ordem mundial.12 
12 LAFER, C. Paradoxos e possibilidades. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1982, p. 20. 
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8 Política Externa Brasileira 
De outro lado, o fim da Guerra Fria, com o desaparecimento da 
União Soviética e a universalização dos princípios liberais de mer-
cado, representam as tendências que afetam o posicionamento dos 
países em desenvolvimento, em especial o do Brasil. 
Com o fim da guerra fria difundiu-se a esperança de que "os va-
lores do liberalismo, entrelaçando democracia e mercado, tendiam à 
inexorável universalização"Y E na América Latina renovaram-se as 
esperanças de que os Estados Unidos, de acordo com os princípios 
liberais, modificariam sua forma de relacionamento com a região, 
apoiando os esforços para um processo de desenvolvimento econô-
mico e social. 
Ainda que aparentemente contraditório para alguns analistas, 
o que se observou foi uma tentativa de reafirmação da hegemonia 
dos Estados Unidos. Isto é, procurou-se manter a América Latina 
dentro de sua área de influência, mesmo que isso não refletisse o 
estabelecimento de um processo cooperativo mais denso e voltado 
ao atendimento dos interesses regionais. 
Nesse sentido, pode-se observar duas macrotendências no 
contexto latino-americano: uma de liberalização, traduzida pelo 
processo de aberturas de seus mercados e tendente a preencher um 
espaço na economia internacional globalizada e, outra, embutida no 
projeto de renegociação do sistema interamericano. 
Não há, entre os diferentes analistas, discordância da percepção 
de que o sistema internacional afeta o comportamento externo dos 
diferentes Estados. No caso da América Latina, por exemplo, as di-
ferentes análises vêm especialmente demonstrando a sensibilidade 
e a vulnerabilidade da região às variáveis externas. 14 No entanto, a 
consideração da importância do sistema internacional não quer dizer 
que não se deva avaliar as funções que os países desempenham in-
dividualmente no conjunto do sistema, como reagem aos estímulos 
externos e como procuram se inserir no sistema internacional. 
13 LAFER, C.; FONSECA, G. Questões para a diplomacia no contexto internacional das polaridades 
indefinidas. In: FONSECA, G.; CASTRO, S. H. N. Temas de política externa brasileira 1/. São Paulo: 
IPRI/Paz e Terra, v. I, p. 56, 1994. 
14 Veja KLAVEREN, A. V. Análise das políticas externas latino-americanas: perspectivas teóricas. In: 
MUNOZ, H.; TULCHIN, J. A América Latina e a política mundial. São Paulo: Convívio, 1986, p. 1-20. 
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Capítulo 1 -O Conceito de Política Externa 9 
É exatamente em função dessas perspectivas que Celso Lafer 
enfatiza 
toda política externa constitui um esforço, mais ou 
menos bem-sucedido, de compatibilizar o quadro inter-
no de um país com seu contexto externo. É por isso que, 
na análise da política externa de um Estado convém, 
analiticamente, levar em conta duas dimensões distin-
tas, porém complementares. A primeira diz respeito às 
normas de funcionamento da ordem mundial num dado 
momento. A segunda trata de esclarecer as modalidades 
específicas de inserção de um Estado na dinâmica de 
funcionamento do sistema internacional.15 
Trabalha-se, então, no pressuposto de que a política externa bra-
sileira foi e é condicionada por uma interação entre fatores internos 
e externos. Não se concorda, dessa forma, com a posição adotada 
de que "a premissa subjacente a todos esses trabalhos é a de que a 
América Latina é extremamente sensível ao seu ambiente externo 
eque seu comportamento, frente a outras nações, tende a ser uma 
reação aos estímulos a esse nível".16 
Desse modo, na análise da política externa, podem ser destaca-
dos os aspectos derivados de uma postura unicamente reativa aos 
fatores externos. Mas esse fenômeno não é definidor do relaciona-
mento externo do País, em caráter universal. O que se procurará 
apontar é exatamente o peso dos diferentes condicionamentos, en-
dógenos ou exógenos, na definição da política externa brasileira. 
Este ativismo, cujas causas são tanto endógenas quanto 
exógenas marcou, por assim dizer, a postura do estado 
brasileiro numa etapa em que este procurou redefinir a 
sua inserção no sistema internacional. A política externa 
globalizante ou de diversificação das relações políticas, 
econômicas ou militares do Brasil, posta em prática a 
15 LAFER, C. As eleições de novembro de 1982 e a política exterior do Brasil. In: LAFER, C. O Brasil e a 
crise mundial. São Paulo: Perspecliva, 1984, p. 104. 
16 KLAVEREN. In: MUNOZ; TULCHIN, 1986, p. 4. 
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10 Política Externa Brasileira 
partir dos anos setenta é a tradução, no plano da ação 
diplomática, da tentativa do estado brasileiro de definir 
e perseguir objetivos próprios, independentemente de 
injunções externas, nos âmbitos regional, extra-regional 
e de questões globais multilateraisP 
Em outros termos, pressupõe-se que a estrutura do sistema in-
ternacional, em termos da distribuição internacional do poder, bem 
como as diferentes conjunturas, representam fatores de pressão, ou 
constrangimentos, que condicionam a definição da política externa 
brasileira. Por conseguinte, há um processo de reação aos fatores 
sistêmicos. Entretanto, não se quer dizer que a política externa bra-
sileira seja unicamente reativa. Ao contrário, com base na avaliação 
de suas diretrizes orientadoras iremos procurar apreender quanto ela 
mantém de autonomia. 
Fatores internos ao Estado, bem como as forças externas, con-
seqüentemente, condicionam não só as metas fixadas, mas também 
a possibilidade de se atingir os objetivos planejados. "Nem todas as 
pressões exercidas sobre o elegível ou sobre o atingível provêm do 
mesmo meio internacional; algumas são inerentes ao meio político 
ou econômico do Estado-nação.''18 
Pensar a política externa nessa perspectiva implica, portanto, 
avaliar tanto as variáveis estruturais quanto as considerações de 
ordem conjuntural. 
A política externa de um país dependente está condi-
cionada, simultaneamente, ao sistema de poder em que 
se situa, bem como às conjunturas políticas, interna e 
externa (a saber, o processo imediato de decisões no 
centro hegemônico, bem como nos países dependen-
tes). Essa hipótese, por um lado, acentua a necessidade 
de conjugar as determinações estruturais, que delimi-
17 LIMA, M. R. S. Interesses e solidariedade: o Brasil e a crise centro-americana. Trabalho apresentado 
no XI Encontro Anual da ANPOCS, Águas de São Pedro, out. 1987, p. 1. 
18 COLEMAN, K. Comparando políticas externas. In: MUNOZ; TULCHIN, 1986, p. 21. 
Capítulo 1 -O Conceito de Politica Externa 
tam o campo de ação dos agentes decisores, com as 
determinações conjunturais, dadas pela decisão e ação 
dos policy-makers; por outro lado, repele a noção de 
que a política externa de um país dependente é um sim-
ples reflexo das decisões do centro hegemônico e nega 
também que se possa entendê-la mediante o exame 
exclusivo das decisões no país subordinado.19 
11 
Em decorrência da ênfase na necessidade de compatibilização dos 
determinantes estruturais e conjunturais para o entendimento da po-
lítica externa brasileira, repudia-se a tentativa de interpretação da 
política externa como estritamente vinculada a aspectos econômi-
cos ou mercantilistas. Não que se negue o papel fundamental que o 
comércio exterior detém na definição da política externa brasileira, 
seja na busca da redução da vulnerabilidade do País em virtude da 
sua integração à economia mundial, seja na política de diversifica-
ção de parceiros comerciais, tanto fornecedores quanto consumi-
dores. Assim, pari passu, aos interesses decorrentes do modelo de 
desenvolvimento econômico implantado no País, que podem ser 
rotulados de variável econômica, há que se ressaltar a variável 
política com a função de estabelecer os mecanismos de defesa dos 
interesses brasileiros. 
A análise da política externa brasileira será enfocada como de-
rivada de um somatório das variáveis econômicas e políticas e não 
de variáveis excludentes entre si, além da consideração das determi-
nações estruturais e conjunturais. 
1.3 Algumas Questões na Definição 
do Conceito de Política Externa 
Considerando, nas interações entre os Estados, a existência de certos 
fatores imutáveis, como a localização geográfica de um determinado 
país e fatores externos de maior durabilidade, como a estruturação 
do poder internacional, Celso Lafer deduz que a política externa 
'' MOURA, G. Autonomia na dependência: a política externa brasileira de 1935 a 1942. Rio de Janeiro: 
Nova Fronteira, 1980, p. 42-43. 
12 Política Externa Brasileira 
apresenta, normalmente, certa linha de continuidade. Por isso, a po-
lítica externa 
tem, quando comparada com a política interna, o ritmo 
mais lento de uma coerência derivada de certos interes-
ses básicos, condicionados pela relativa estabilidade das 
modalidades possíveis de inserção de um país no sistema 
internacional. 20 
Isso nos leva a refletir se a política externa constitui-se em uma 
política de Governo ou em uma política de Estado. Em princípio, 
considera-se que a política externa represente os interesses na-
cionais (ou os interesses permanentes), constituindo-se, portanto, 
em uma política de Estado. Daí, então, apresentar-se como tendo 
relativa continuidade. No que se refere aos governos, ressalva-se o 
surgimento de algumas mudanças de estilo ligadas à personalidade 
e ao perfil individual dos atores, bem como de adequação aos cons-
trangimentos conjunturais. 
Há ainda que se considerar um problema de tempo, no sentido 
em que a atividade diplomática (representante da ação governamen-
tal) atua a partir de uma reflexão dirigida ao sentido real do fato, 
enquanto a sociedade civil adota posições derivadas mais de idéias 
genéricas ou da aplicação de modelos teóricos a situações particu-
lares. Assim sendo, a atuação do setor burocrático governamental 
voltado à formulação e implementação de políticas externas proces-
sa-se em um tempo diferenciado do tempo da sociedade civil. 
Não se deve esperar que os diferentes setores da sociedade 
amadureçam com a mesma velocidade para as questões 
externas. No Brasil, tivemos exemplos de lentidão por 
parte de setores da sociedade em aceitar a percepção go-
vernamental de que, por imperiosos motivos de interesse 
nacional, era necessário realizar rápidas correções de 
curso nas linhas políticas até então adotadas. Penso natu-
20 LAFER, 1987, p. 73. 
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Capítulo 1 - O Conceito de Política Externa 
ralmente, na oposição movida aos ajustes feitos nas políti-
cas do Brasil com relação ao Oriente Médio e à África.21 
Ainda, de acordo com Lafer,22 
a harmonização das necessidades internas com as pos-
sibilidades externas, ou seja, a proposta de inserção de 
um país no mundo, se faz em três significativos campos 
de atuação: 
a) o campo estratégico-militar, que traduz o que um 
país significa, ou pode significar, para outros como 
aliado, protetor ou inimigo em termos de riscos de 
guerra e desejos de paz; 
b) o campo das relações econômicas, que explicita a im-
portância efetiva ou potencial de um país para outros 
como mercado; e 
c) o campo dos valores, que revela a importância de um 
país enquanto modelo mais ou menos a fim de vida 
em sociedade. 
A atuação de um país nestes três campos se faz, por sua 
vez, em distintos contextos diplomáticos, entre eles ca-
bendo destacar: 
a) o das grandes potências, ou seja, o dos países que 
pelo poder que detêm buscam estabeleceros parâme-
tros estruturados da ordem mundial; 
b) o contexto regional, que resulta dos inter-relaciona-
mentos que ocorrem entre países que compartilham 
uma mesma área geográfica; e 
c) o contexto contíguo, que é o que diz respeito à inte-
ração entre países que têm fronteiras em comum. 
13 
21 SARDENBERG, R. M. A evolução da política externa do Brasil nas duas últimas décadas. In: Curso 
de Introdução às Relações Internacionais, Unidade IV- Problemas Contemporâneos das Relações 
Internacionais. Brasília: Editora da Universidade de Brasília, 1983, p. 64. 
22 LAFER, 1987, p. 73-74. 
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14 Política Externa Brasileira 
Conceitualmente, cabe ainda relembrar a existência de diferença 
fundamental entre a decisão e ação em política externa. A decisão 
corresponde a um desejo, intenção e é decorrente de um processo 
de identificação do problema, produção de alternativas, definição e 
implementação, enquanto a ação reflete o comportamento prático, 
podendo obter um resultado diferenciado do que tinha sido propos-
to. A decisão pode ser resultante, de forma isolada ou conjugada, de 
estímulos provenientes da sociedade, de estímulos provenientes do 
exterior, ou produto de decisão governamental. 
Atualmente, a distinção sobre a primazia entre as políticas in-
terna e externa é unicamente de caráter analítico, já que 
a política exterior projeta para outros estados aspectos 
relevantes da política interna de um estado. Em segun-
do lugar, a política exterior contém as reações estatais 
às condições (estruturas e processos) prevalecentes no 
sistema internacional, transmitindo algumas delas aos 
agentes políticos internos. 23 
Assim sendo, a política externa pode ser considerada como um 
processo dinâmico no qual as diferentes variáveis se encontram 
em constante reavaliação. Esquematicamente, para fins didáticos, 
poderíamos pressupor a seguinte composição dinâmica de elemen-
tos de política externa, sem considerar a ordem apresentada como 
indicador de prioridades: 
Análise da realidade externa. 
Análise da compatibilização das realidades internas com as possibilidades externas. 
Processo de tomada de decisão. 
Implementação da decisão. 
Ação. 
Avaliação da política externa. 
23 WILHELMY, 1988, p. 149. 
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Capítulo 1 -O Conceito de Política Externa 15 
1.4 · O Processo Decisório em Política Externa 
Para se entender a tomada de decisão em política externa, Russell es-
tabelece uma distinção analítica entre estrutura e processo. Para ele, 
a) a estrutura "está integrada por um ou vários atores go-
vernamentais domésticos que têm a um tempo a capa-
cidade de comprometer os recursos de uma sociedade 
e de evitar que a decisão adotada possa ser facilmente 
revertida; 
b) o processo de tomada de decisões, por sua parte, vin-
cula-se com a dinâmica decisória. Nele participam 
atores governamentais e não governamentais, do país 
e do exterior, numa seqüência temporal que se inicia a 
partir do momento em que uma conjunção de estímulos 
externos e internos requer a tomada de uma decisão 
determinada até que ela seja efetivamente adotada; 
c) isto sempre é realizado por atores governamentais 
domésticos (estrutura decisória), os quais operam em 
cada caso como a 'última unidade de decisão'.24 
Uma forma específica de estudo de política externa manteve-se 
constante durante décadas, passando a ser considerada como uma 
abordagem tradicional na análise de políticas externas. O que se 
conceitua como abordagem tradicional não deixa de ser um conjun-
to de crenças amplamente aceitas sobre o papel da política externa. 
Dessa forma, genericamente assume-se que: 
a) os Estados têm políticas externas coerentes, implementadas em 
ações particulares; 
b) os Estados têm objetivos em decorrência dos quais suas polí-
ticas são direcionadas e que os governos calculam não só suas 
ações, mas também as conseqüências delas; 
24 RUSSELL, 1990, p. 256. 
16 Política Externa Brasileira 
c) enfim, aceita-se que política externa seja produto de uma expe-
riência racional. 25 
Em outros termos, dessa perspectiva, o Estado, mais que um ator 
internacional, é a unidade decisória da política externa e considerado, 
para efeitos analíticos, como um ator unitário, monolítico. 
Ainda que sempre tenha sido um ponto de reflexão e de preocu-
pação, a abordagem teórica sobre o processo decisório somente vai 
começar a se desenvolver a partir dos anos 1950, em conjunto com 
o desenvolvimento das perspectivas científicas. 26 
Na perspectiva tradicional, o Estado não só era considerado 
como o principal ator das relações internacionais, como se presu-
mia que os governos que atuassem internacionalmente em nome 
do Estado poderiam ser considerados como atores monolíticos, 
unitários. E, nessa linha de raciocínio, considerava-se que os gover-
nos estivessem internamente unidos perante o internacional com o 
objetivo de maximizar o poder e a segurança. 
Com o desenvolvimento do estudo das teorias de decisão, pro-
duziu-se uma mudança fundamental pelo fato de a atenção não se 
dirigir aos Estados, enquanto abstrações, ou a governos como blocos 
monolíticos e unidos ante ao exterior, mas, aos atores decisores de 
política externa, enquanto seres humanos submetidos a diferentes 
pressões e influências. 
Para Snyder, um dos precursores das teorias do processo de-
cisório, a base de seu trabalho é a definição do Estado pelos seus 
órgãos decisórios, isto é, aqueles cujos atos são para todos os efeitos 
do Estado. Conseqüentemente, a ação do Estado é a ação definida 
pelos que atuam em nome do Estado. 
Assim, existem diferentes enfoques a respeito do processo de-
cisório que vão desde a consideração da tomada de decisões, como 
uma ação abstrata, entre as possíveis alternativas, até aos enfoques 
que o têm como um processo gradual com opções e compromissos 
entre os grupos de interesse e pressões burocráticas. 
25 Veja CLARKE, M.; WHITE, B. Understanding foreign policy: the foreign policy systems approach. 
Aldershot: Edward Elgar, 1989. 
26 Esta abordagem sobre o processo decisório está fortemente baseada em ARENAL, 1990, p. 249·258. 
Capítulo 1 -O Conceito de Politica Externa 17 
Apesar dessas diferenciações, Arenal considera que é possí-
vel assinalar algumas características genéricas das análises sobre 
tomada de decisão. 
a) Em primeiro lugar, e em geral, pode-se dizer que trata-
se de explicar o comportamento externo do Estado 
desde a perspectiva analítica do Estado, até a do siste-
ma internacional. 
b) Em segundo lugar, estimam que os órgãos decisórios, 
ou melhor, os indivíduos que têm essa responsabilida-
de, atuam no marco de um meio que inclui tanto o pró-
prio sistema político nacional, com todas suas forças e 
fatores, como o próprio sistema internacional. 
c) Em terceiro lugar, a percepção desempenha um papel 
importante em uma grande parte das teorias. A decisão 
não aparece somente como o resultado quase mecânico 
de vários fatores externos ao que a toma, senão também 
como o resultado de uma percepção da realidade. É a 
realidade tal como é percebida, e não tal como é, a que 
determina a decisão. 
d) Em quarto lugar, em geral, tende-se a considerar o 
processo de tomada de decisões como um processo ra-
cional, se bem que não cabe uma generalização estrita 
deste ponto. 27 
Como apontado anteriormente, o trabalho de Snyder, Bruck 
e Sapin28 vai constituir um desafio aos modelos tradicionais, da 
mesma forma que a primeira tentativa de aplicar o rigor metodo-
lógico das ciências behavioristas. Para esses autores, na análise do 
processo decisório, o objeto do estudo deixa de ser o Estado, en-
quanto entidade abstrata, passando para a avaliação dos. grupos ou 
seres humànos que tomªm as decisões em nome do Estado. 
27 ARENAL, 1990, p. 251. 
28 SNYDER, R., BRUCK, H. W.; SAPIN, B. Foreign policy decision making: an approach to the study of 
international politics. New York: Free Press, 1962. 
18 Política Externa Brasileira 
Dessanova perspectiva, Tomassini explica que o Estado se 
encarna nos que tomam as decisões e levantando as seguintes im-
plicações: 
1) A presunção de que a política internacional consiste em 
"decisões" adotadas por grupos ou pessoas e está formada 
de condutas que devem ser explicadas enquanto tais; 
2) A "definição da situação" como uma função central dos 
que tomam as decisões e como um conceito-chave na 
análise da política exterior, imprimindo-lhe um elemen-
to subjetivo muito diferente da suposta objetividade, e; 
3) A descoberta de que existem "fontes internas" da po-
lítica exterior, isto é, de que esta é o resultado de um 
jogo em que intervêm diversas agências do Estado e 
numerosos grupos de interesse. 29 
O modelo de Snyder definiu a tomada de decisão como um pro-
cesso que permite a escolha, entre um número limitado de soluções 
possíveis, estabelecidas socialmente, de uma situação particular 
que venha a produzir o resultado escolhido pelos responsáveis pela 
decisão. 
Embora reconheça a existência de elementos irracionais, Snyder 
centra atenção nos fatores racionais, isto é, a explicação para uma 
decisão estatal repousa na identificação do objetivo que o Estado 
estava perseguindo através de sua ação. E somente podem ser con-
siderados como formuladores de política exterior aqueles atores 
oficiais de um governo, pois são os que detêm o poder decisório. 
Corresponde, portanto, a um modelo racional que identifica como 
fatores estratégicos o estabelecimento dos objetivos e a busca dos 
meios necessários para alcançá-los 
Ainda que o trabalho de Snyder tenha colocado bases para a 
análise do processo decisório, não chegou a propor uma teoria espe-
cífica sobre tomada de decisões. 
29 TOMASSINI. L. Teoria y practica de la politica internacional. Santiago do Chile: Ediciones Universidad 
Católica de Chile, 1989, p. 77·78. 
Capítulo 1 -O Conceito de Polltica Externa 19 
Já Allison30 avança na discussão sobre a tomada de decisões 
propondo três modelos: 
1) O modelo clássico, baseado no comportamento de um ator ra-
cional unitário, sendo as opções políticas consideradas como 
decorrentes de um governo totalmente unificado e fundamenta-
das no cálculo dos meios adequados para alcançar os objetivos 
perfeitamente claros; 
2) O modelo calcado na análise do processo organizacional, não 
definindo a política exterior como conseqüência de uma dada 
opção adotada pelo ator unitário, mas como o resultado da inte-
ração entre diversas organizações governamentais coordenadas 
por seus líderes. 
3) O modelo de política burocrática proveniente do segundo, mas, 
ao contrário da presunção de que os líderes do governo contro-
lem as decisões entre as diferentes agências governamentais, 
supõe que as decisões de política sejam o resultado de uma 
intensa concorrência entre elas. Nessa perspectiva, cada ator 
tem diferentes percepções e prioridades, ambiciona o poder, 
promoção pessoal e/ou manutenção de seu status quo. Assim, 
esses atores não tomam decisões governamentais a partir de 
uma escolha racional centrada nos objetivos da política externa, 
contudo, agem coerentemente segundo seus próprios interesses 
ou de suas burocracias. 
Hudson assinala que 
em seu agora clássico Essence of decision, Graham 
Allison oferece três formas de explicação de um episó-
dio em política externa - a crise cubana dos mísseis em 
1962. Investigando ambos os lados, americano e sovié-
tico da crise, Allison mostrou que o modelo do ator 
unitário racional no processo de tomada de decisão em 
política externa era, ao menos, suficiente, como urna 
ajuda na compreensão das curiosidades da crise. Os 
dois modelos adicionais, que foram postulados como 
30 ALLISON, G. Essence ofdecision: explaining the cuban missile crisis. Boston: Little Brown, 1971. 
20 Política Externa Brasileira 
sucessivos 'cortes' na explicação (o modelo do proces-
so organizacional, focado nos fatores intraorganizacio-
nais, e o modelo de política burocrática, voltado para 
os fatores interorganizacionais) permitiram a Allison 
explicar com maior profundidade o que já tinha trans-
parecido. Seu uso dos três modelos de análise sugere 
mais a necessidade de integrar antes do que segregar 
explicações em diferentes modelos.31 
À guisa de exemplo, Arcela, 32 ao analisar o acordo nuclear as-
sinado pelo Brasil com a Alemanha, identifica diferentes interesses 
entre os atores que participaram do processo decisório. 
Em seu entender, a Presidência da República visava, prioritaria-
mente, satisfazer as aspirações militares; o Conselho de Segurança 
Nacional almejava a transferência de tecnologias sensíveis; a Co-
missão Nacional de Energia Nuclear preocupava-se mais com as-
pectos técnicos do pacote como um todo, a participação da indústria 
nacional e a formação de pessoal qualificado; a Eletrobrás buscava 
suprir a demanda energética e o Ministério das Relações Exteriores 
delineava uma perspectiva diplomática a partir do acesso do País ao 
seleto clube das potências nucleares. 
Para Hudson, as duas primeiras gerações de pesquisa sobre o 
processo decisório em política externa estavam muito mais preocu-
padas com o estabelecimento da legitimidade sobre o enfoque nas 
estruturas e processos dos grupos decisórios e no desenvolvimento 
de perspectivas teóricas para explicar padrões típicos de compor-
tamento de pequenos ou grandes grupos. Já a terceira geração de 
pesquisadores começou a se empenhar no desvendamento das ta-
refas cognitivas que os grupos contêm, levantando, entre outras, o 
seguinte tipo de questões: 
Como os problemas são reconhecidos pelo grupo? 
Como as situações são moldadas e 'representadas'? 
31 HUDSON, V. M. Foreign policy analisys yesterday, today and tomorrow. Mershon lnternational Studies 
Review, v. 39, p. 216-217, oct. 1995. 
32 ARCELA, N. M. O acordo nuclearteuto-brasileiro: estudo de caso em política exterior sob a perspectiva 
do processo decisório. 1992. Dissertação (Mestrado em Relações Internacionais), UnB. 
Capítulo 1 - O Conceito de Política Externa 
Como as opções são desenvolvidas? 
Como o grupo muda uma interpretação estabelecida? 
Como o grupo inova e aprende? 
Como a memória do grupo afeta a ação do grupo? 
21 
Como as estruturas e os processos representam a cultura da 
sociedade?33 
Deduz-se, assim, a partir dessa discussão sobre processo deci-
sório, a possibilidade de distinção entre duas vertentes no estudo 
da política externa; i) a que se atém mais diretamente no processo 
de sua formulação e ii) a que está direcionada ao seu processo de 
implementação. 
A base dessa diferenciação decorre, de um lado, do fato de que: 
a) o meio no qual a política externa é formulada é relativamente 
similar àquele no qual a política interna também é formulada, e 
b) o meio no qual a política externa é implementada é relativamen-
te diferente daquele no qual a política interna é implementada. 
Em outros termos, o Estado detém o controle dos recursos in-
ternos, assegurando a implementação de suas resoluções no plano 
interno, enquanto no externo a implementação está sujeita ao cará-
ter anárquico do sistema internacional e ao jogo de interesses e de 
poder das diferentes unidades políticas denominadas Estado. 
Lima indica assim que a política burocrática de Allison 
ao aplicar o paradigma pluralista à análise de deci-
sões de política externa, questionou a artificialidade 
da separação interno/externo e, conseqüentemente, a 
especificidade das relações internacionais vis-a-vis 
a análise da política doméstica. Uma das deficiências 
de se aplicar a perspectiva pluralista à política interna-
cional está relacionada às fragilidades inerentes a essa 
abordagem derivadas quer da não consideração dos 
33 HUDSON, 1995, p. 224-225. 
Samara Pires
Realce
22 Política Externa Brasileira 
problemas de ação coletiva, quer do ocultamento da 
dimensão do poder e do diferencial de recursos entre 
diferentes atores políticos e sociais.34 
Nesse sentido, a disciplina Análise de Política Externa desen-volveu-se a partir dos anos 1960, com base na crítica a dois pontos 
centrais da abordagem tradicional do estudo da política externa: 
a) argumenta para a necessidade de uma teoria mais científica; e 
b) questiona a prioridade analítica conferida ao plano internacio-
nal. Na realidade, os partidários da análise de política externa 
criticam essencialmente a tradicional distinção entre relações 
internacionais e ciência política e, em especial, a percepção de 
que o plano internacional seja qualitativamente diferente da po-
lítica doméstica. 
Por isso mesmo, diversos analistas rotulam a análise de política 
externa não como uma subdisciplina de relações internacionais, 
mas sob o ramo da ciência política de políticas públicas. 
Como esse debate é extremamente complexo e foge dos propó-
sitos desta obra, sua introdução neste capítulo teve o propósito de 
deixar bem claro que o desenvolvimento da avaliação aqui proposta 
estará voltado para um estudo detido da evolução da política externa 
brasileira em suas várias faces e fases, ressaltando-se os aspectos 
políticos - mais que históricos - de sua formulação nas últimas 
décadas, a partir de um prisma técnico de relações internacionais. 
A preocupação básica será a de apreender as principais linhas e di-
retrizes que nortearam sua definição e implementação. 
Conseqüentemente, realizar-se-á uma reflexão crítica sobre a 
ação diplomática brasileira, avaliando-se as diferentes abordagens de-
senvolvidas para a compreensão da inserção internacional do Brasil. 
De outro lado, como não se trata de uma avaliação enquadrada 
no campo da análise de política externa, não será analisado o pro-
cesso decisório da política externa brasileira. Entende-se e aceita-se 
a pertinência e a importância da ênfase na análise das motivações 
34 LIMA, 2000, p. 274. 
Capítulo 1 -O Conceito de Política Externa 23 
internas na sua definição, mas esse esforço analítico foge do espírito 
do curso proposto. 
/1~5 O Ministério das Relações Exteriores (Itamaraty) 
Constitucionalmente, a responsabilidade pela definição da política 
externa brasileira cabe ao Poder Executivo, ao passo que o papel da 
diplomacia é o de implementá-la. 
Para compreender, ao menos parcialmente, a orientação estra-
tégica brasileira de inserção internacional, é interessante enfocar o 
processo doméstico de formulação da política externa, no qual se 
constata um arraigado consenso de que o Ministério das Relações 
Exteriores (ltamaraty) tem tradicionalmente desempenhado um 
papel central. 
O fortalecimento do Itamaraty, enquanto corpo profis-
sional, tem suas origens na própria história da formação 
do estado Nacional, dotando-o, já nas três primeiras 
décadas do século XX, de uma estrutura racional e 
burocratizada, no sentido weberiano ( ... ). Com padrões 
regulares de carreira, controle sobre o recrutamento, 
o sistema de treinamento e a avaliação profissional, o 
Itamaraty viabilizou a manutenção de um alto grau de 
coesão corporativa e um esprit de corps bem desenvol-
vido entre seus membros, diferenciando-se das demais 
agências do estado brasileiro - e guardando semelhan-
ças, nesse sentido, apenas com os ministérios militares. 
Adicionalmente, observa-se que a instituição adquiriu, 
desde cedo, uma autonomia crescente em relação ao 
sistema social e ao próprio aparelho estatal, conferin-
do-lhe iniciativa, também, crescente, na formulação e 
implementação da política externa, e a capacidade de 
assegurar uma certa continuidade desta política ao longo 
do tempo, através da resistência a mudanças bruscas e 
indesejadas. Além da sua autonomia, da sua coesão e do 
seu insulamento burocrático, também é apontada como 
característica weberiana do Itamaraty a longa "coerência 
24 Política Externa Brasileira 
corporativa'' vigente na instituição, expressa na continui-
dade e na solidez da adesão de seus membros à "doutrina" 
de política externa desenvolvida pela corporação.35 
Albuquerque,36 da mesma forma, estabelece que 
os partidos políticos estão geralmente distantes da po-
lítica externa e a agenda oficial dos principais partidos 
políticos também ignora, ou, simplesmente, espelha os 
pontos de vista do Itamaraty ( ... ). O mesmo se aplica 
aos sindicatos, à mídia e à opinião pública em geral. ( ... ) 
A pesquisa acadêmica está muito incipiente e a maior 
parte dos autores está limitada a comentar (favoravel-
mente) sobre a formulação e implementação da política 
externa pelo Itamaraty. Tudo isso é decorrente da extre-
ma habilidade do corpo diplomático em obter credibilida-
de geral como o único campeão e eficiente guardião dos 
interesses vitais externos brasileiros. Esta capacidade é 
provavelmente decorrente do fato de que o Itamaraty 
é tanto uma escola de diplomacia como um sofisticado 
corpo burocrático no sentido weberiano da palavra. 
Para compreender o papel do Itamaraty, primeiramente precisa-
mos admitir que há uma significativa aprovação (ou aceitação) pela 
sociedade brasileira de seu papel. A aprovação histórica decorre do 
fato de que o foco da agenda da política externa tem sido normal-
mente concentrado nas prioridades de desenvolvimento. 
Desde a Política Externa Independente, o Ministé-
rio das Relações Exteriores do Brasil fortaleceu sua 
autonomia decisória tanto na formulação como na 
implementação dessa política. Junto ao presidente, 
35 MELLO, F. C. Regionalismo e inserção internacional: continuidade e transformação da politica externa 
brasileira nos anos 90. 2000. p. 58. Tese (Doutorado), Universidade de São Paulo. 
36 ALBUQUERQUE, J. A. G. From dependency to globalization: Brazilian foreign policy in the cold war 
and post-cold war. Draft version. Chapter prepared for the forthcoming book: Latin American and 
Caribbean Foreign Poticy, edited by Frank O. Mora and Jeanne A. K. Hey, Rowman and Littlefield 
Publishers, 2002. 
Capítulo 1 -O Conceito de Política Externa 
a corporação diplomática centralizou a adoção de 
decisões. Deste modo, esta conjunção de autonomia 
e centralização possibilitou que o processo decisório 
alcançasse um alto grau de unidade. O elevado consen-
so sobre a política exterior, a aprovação do Itamaraty 
por segmentos-chaves como as Forças Armadas e os 
grupos empresariais e a articulação funcional com 
outras agências federais contribuíram significativa-
mente para o papel central do Itamaraty na formulação 
da política externa brasileira. 37 
25 
Lima, ao apontar a ênfase nas mais diferenciadas análises sobre 
a idéia de continuidade da política externa brasileira, indica que 
essa continuidade tem sido explicada 
em função do forte componente institucional na for-
mação da política externa e a existência de um poder 
burocrático, relativamente autônomo, configurado na 
existência de uma agência especializada, como é o caso 
do Itamaraty. Certamente que elementos desse poder 
podem ser identificados no processo decisório e uma or-
ganização dessa natureza garante continuidade nas esco-
lhas e relativa consistência nas orientações de política. 
É verdade, também, que a institucionalização dos ser-
viços diplomáticos contribuiu para "despolitizar" a 
política externa, com exceção de alguns momentos ( ... ). 
Contudo, o fator burocrático não é suficiente, por si só, 
para dar conta desse resultado. O que também parece ter 
contribuído para uma relativa desvinculação da política 
externa da dinâmica política doméstica, foi a natureza 
das questões que, majoritariamente, compuseram a 
agenda externa, conseqüência para a qual muito contri-
buíram certas características institucionais do processo 
de formação da política, assegurando ao Ministério das 
37 RUSSELL, 1990, p. 259. 
26 Política Externa Brasileira 
Relações Exteriores (MRE) influência decisiva na defi-
nição dessa agenda. 38 
Mais recentemente, entretanto, parcelas da sociedade civil 
demonstraram maior interesse em participar ativamente nas nego-
ciações de política externa, especificamente no processo da Área 
de Livre Comércio das Américas (Alca). Assim,por exemplo, a 
Confederação Nacional das Indústrias (CNI) organizou a Coalizão 
Empresarial Brasileira para atuação direta nas negociações da 
Alca, uma mudança que, no geral, aparentemente, é aceita pelo mi-
nistério, como se depreende da seguinte declaração de Celso Lafer: 
devemos contar com a colaboração fundamental de um 
setor empresarial mais agressivo. Que trabalhe lado a 
lado com o governo, como a "Coalizão Empresarial" 
vem fazendo no caso das negociações da ALCA e da 
União Européia-Mercosul. 
A transparência com que as negociações estão sendo 
conduzidas é, não somente uma fonte de satisfação para 
a sociedade civil, mas também o resultado de uma in-
teração com sucesso entre o governo, o setor produtivo 
e as forças vivas da sociedade, uma interação que deve 
tornar-se mais completa e mais profunda, reforçando 
muito mais a posição do Brasil. 39 
Reconhecendo essa nova tendência de uma participação mais 
ativa da sociedade civil, o departamento econômico do Ministério 
das Relações Exteriores foi recentemente reestruturado, especial-
mente tendo em vista os diferentes processos negociadores nos quais 
o Brasil está envolvido. Dessa forma, no que se refere a contatos 
com a sociedade civil, os seguintes órgãos foram implementados: o 
Grupo de Trabalho Interministerial sobre o Comércio Internacional 
de Bens e Serviços (Gici) para as negociações na OMC; a Seção Na-
38 LIMA, 2000, p. 288-289. 
39 LAFER, C. Speech at the opening of the Euro/Latin American Forum- EU-Mercosur, FTAA, WTO. São 
Paulo, Sep. 11. ed., 2001./n: http//www.mre.gov.br. 
Capítulo 1 -O Conceito de Política Externa 
27 
cional para as questões da Alca (Senalca) e a Seção Coordenadora 
Nacional para as questões relacionadas à Associação Inter-Regional 
Mercosul-União Européia (Seneuropa). 
Para o secretário-geral do Ministério das Relações Exteriores, 
estamos vivenciando um momento único na nossa his-
tória da política exterior ( ... ). A agenda internacional 
está incorporando elementos de crescente complexidade 
tanto no plano político como no econômico. A sociedade 
brasileira, por sua vez, está tornando-se mais dinâmica e 
melhor articulada e vários de seus segmentos demonstram 
um legítimo desejo de exercer uma influência mais direta 
na performance externa de seu país. É no contexto de 
múltiplas mudanças, no qual eventos internos e externos 
interagem de uma forma sem precedentes, que temos que 
formular e implementar nossa política externa. ( ... ) Não 
teremos sucesso nessas tarefas a não ser que modernize-
mos os instrumentos de governança e criemos condições 
sob as quais Governo e sociedade possam trabalhar lado a 
lado. É necessário que o ltamaraty, que tem a responsabi-
lidade primária para a condução dessas negociações, não 
somente revigore constantemente sua capacidade para 
renovação institucional mas que também torne mais flexí-
veis e compreensivos seus canais de comunicação com a 
sociedade civil e com o setor privado em particular.40 
Leituras Complementares 
A produção teórica brasileira sobre política externa é muito limitada, 
não se tendo conhecimento de análises sistemáticas sobre o tema. 
As principais reflexões encontram-se em textos empíricos, mas 
que introduzem discussões teóricas sobre o conceito de política ex-
terna. Essas abordagens estão mais presentes nos textos de Celso 
Lafer, Gelson Fonseca e Maria Regina Soares de Lima. 
4° CHOHFI, O. V. Address a! the closing session on the seminar on Brazil and lhe /nternational Trade 
Negotiations. Belo Horizonte, May 21st, 2002. In: http//www.mre.gov.br. 
28 Política Externa Brasileira 
Além desses analistas citados e das obras indicadas no decorrer 
do livro, recomenda-se, ainda, a leitura das seguintes obras: 
CLARKE, M.; WHITE, B. Understanding foreign policy: the foreign 
policy systems approach. Aldershot: Edward Elgar, 1989. 
DANESE, S. Diplomacia presidencial. Rio de Janeiro: Topbooks, 1999. 
HERMANN, C. F.; KEGLEY, C. W.; ROSENAU, J. N. New directions in 
the study offoreign policy. London: Allen & Unwin, 1987. 
HILL, C. The new politics offoreignpolicy. London, Macmillan, 2001. 
RUSSELL, R. Política exterior y toma de decisiones en América Latina. 
Buenos Aires, GEL, 1990. 
SARAIVA, J. F. S. (Ed.). Foreign policy and political regime. Brasília: 
IBRI, 2003. 
SMITH, S. Theories of foreign policy: an historical overview. Review of 
International Studies, v. 12, p. 13-29, 1986. 
De Rio Branco à 
Segunda Guerra Mundial 
················ .. , .......................................................... . 
~N;;,l a linha de raciocínio que está sendo desenvolvi-
" da para apreensão dos principais fundamentos e 
diretrizes na definição da política externa brasileira, o presente 
capítulo tem como objetivo analisar o início do século XX, pro-
cesso de americanização da política externa durante a gestão 
do barão do Rio Branco na chancelaria brasileira. 
Entende-se por americanização o interesse da política ex-
terna em romper sua perspectiva de isolacionismo, ou ênfase 
exclusiva nas questões regionais, para uma atuação com abran-
gência continental. 
Conseqüentemente, pretende-se ressaltar que, a partir da 
gestão de Rio Branco, a política externa brasileira teve como 
característica básica a perspectiva de alargamento de sua inser-
ção internacional nas Américas, com ênfase na aproximação 
com os Estados Unidos. 
2.1 " A Política Externa no Império 
De acordo com Celso Lafer, 1 a política externa do Império pode 
' ser avaliada em dois níveis: o do sistema internacional e o do 
subsistema regional. 
1 LAFER, C. Uma interpretação do sistema das relações internacionais do Brasil. Revista 
Brasileira de Política Internacional, v. X, n. 39-40, p. 81-100, set. 1967. 
30 Política Externa Brasileira 
Como apontado no capítulo anterior sobre o conceito teórico de 
política externa, uma das principais preocupações é avaliar o peso 
dos diferentes condicionamentos, endógenos ou exógenos, na defini-
ção da política externa brasileira. Assim sendo, está-se trabalhando 
com uma visão sistêmica, por meio da qual se admite que a análise 
da política externa de um país dependente passa pelo exame do sis-
tema de poder no qual o País se insere no plano internacional. 
Entende-se por sistema de poder 
uma constelação de Estados, na qual um centro (a grande 
potência) tem a capacidade de atuar autonomamente 
como Estado soberano e, ao mesmo tempo, exercer, em 
graus variados, influência marcante ou decisiva sobre os 
outros Estados do sistema- em suma, aquilo que Gramsci 
chamou de hegemonia e que, na literatura política, fre-
qüentemente aparece sob o nome de área de injluência.2 
De outro lado, até o início do século XX, as Américas estavam 
divididas em vários sistemas regionais, do tipo balança de poder e 
cada um com seu centro de gravidade e com pouca relação efetiva 
entre si. 
Dessa maneira, no que se refere ao plano do sistema interna-
cional, a prática era de isolacionismo, como forma de minorar a 
influência européia. Como aponta Clodoaldo Bueno 
os principais traços da conjuntura internacional do perío-
do eram: imperialismo econômico (em áreas mais atra-
sadas do Globo, colonialismo na sua forma explícita), 
disputa interimperialista por áreas de influência ou por 
ampliação de fatias do mercado de países exportadores 
de matérias-primas, divisão internacional do trabalho 
entre países industrializados e agroexportadores. 3 
Lafer pondera que, o Império tentou uma política independente, 
jogando com as grandes potências com o objetivo de defender a sua 
2 MOURA, G. Sucessos e ilusões: relações internacionais do Brasil durante e após a Segunda Guerra 
Mundial. Rio de Janeiro: FGV, 1991, p. 97. 
3 BUENO, C. A República e sua política exterior(1889 a 1902). São Paulo: Unesp; Brasília: Funag, 1995, 
p.19. 
Capítulo 2- De Rio Branco à Segunda Guerra Mundial 
31 
soberania. Ao nível do subsistema regional, a principal questão era 
a disputa pelo controle da bacia do Prata, traduzindo-se em umapolítica de barganha de poder com o objetivo de evitar supremacias, 
principalmente a da Argentina. 
Ainda que não de forma unânime, de acordo com WernecJ.él 
pode-se raciocinar com a ocorrência de três grandes fases da políti-
ca externa brasileira durante o Império: 
1ª) A de Acomodação (1822-1844): no pós-independência, a po-
lítica externa é marcada por uma política de concessões que 
representa a exclusão de um colonialismo obsoleto e a inclusão 
em uma moderna dependência. É o período com maior ênfase 
no sistema internacional, com adesão ao liberalismo comercial 
inglês e ao sistema internacional de tratados. 
2ª) A de Reação (1844-1870): a autonomia alfandegária alcançada 
em 1844 inaugura uma nova fase em que, embora mantendo 
aspectos estruturais de dependência, abre um espaço de reação 
à hegemonia européia e de manobra no continente. Corresponde 
ao período em que se entroniza a prática de não renovar ou de 
assinar tratados, tidos como limitadores da soberania nacional. 
A oposição à prática de tratados internacionais decorria da 
percepção brasileira de que esses tratados tendiam a ser pre-
judiciais aos interesses nacionais, principalmente a partir da 
consideração de que os acordos em vigência tinham anulado 
a possibilidade de proteção da indústria nacional, ao mesmo 
tempo em que abria integralmente o mercado nacional aos 
manufaturados ingleses. Além disso, o Brasil ressentia-se 
igualmente do impedimento do acesso do açúcar e do café ao 
mercado inglês. 
De outro lado, corresponde a um período de forte ênfase no 
subsistema regional, com constantes intervenções brasileiras, 
com vistas a garantir a livre navegabilidade nos rios da bacia do 
Prata e o mapa geopolítico. Exemplos ilustrativos desse período 
4 SILVA, J. L. W. As duas faces da moeda: a política externa do Brasil monárquico. Rio de Janeiro: Uni-
verta, 1990. 
32 Política Externa Brasileira 
são as pretensões de Rosas de reconstituição do vice-reinado 
do Prata, com a inclusão do Uruguai, Paraguai e Alto Peru e, 
posteriormente, a Guerra do Paraguai. 
3ª) A de Consolidação (1871-1889): Com um cenário mais calmo no 
plano externo, com exceção das tensões com a Argentina, o País 
volta-se mais para a problemática interna. 
Amado e Bueno5 consideram que a política externa do Segundo 
Reinado (1840-1889) pode ser caracterizada, resumidamente, por 
quatro fundamentos: 
a) busca de controle da política comercial e alfandegária; 
b) estímulo à imigração; 
c) consolidação das fronteiras nacionais; e 
d) pretensões de hegemonia regional. 
t,R;l+' A Americanização da Política 
·..... Externa com o Barão do Rio Branco 
Todos os diferentes analistas são unânimes em apontar a importân-
~ia do papel desempenhado pelo barão do Rio Branco à frente do 
Ministério das Relações Exteriores (1902-1912), não só em termos 
de sua atuação na definição da política externa brasileira, mas 
igualmente por ter consolidado 
a profissionalização e a ascendência da chancelaria na 
concepção e execução da política externa brasileira. Essa 
preeminência da diplomacia profissional na diplomacia 
da República Velha, dando continuidade a uma prática 
enraizada no Império, assentou outro dos paradigmas 
da diplomacia brasileira nesse século. O fortalecimento 
inédito da burocracia diplomática com Rio Branco será o 
contraponto à evolução da diplomacia presidencial brasi-
leira, diminuindo enormemente o espaço de manobra e de 
atuação da Presidência da República, sobretudo quando 
5 CERVO, A. L.; BUENO, C. História da politica exterior do Brasil. São Paulo: Ática, 1992. 
Capítulo 2- De Rio Branco à Segunda Guerra Mundial 
o temário da política externa se torna mais complexo e 
técnico e menos fértil para a criatividade presidencial. 
Sempre que prevalecesse essa tendência, que dominou 
quase todo o regime republicano até os dias de hoje, a di-
plomacia presidencial seria marginal, residual e acessória, 
e não sistêmica. 6 
33 
Enquanto Lafer7 considera que a proclamação da República não 
tenha alterado de imediato a política exterior do Brasil, tendo em 
vista a não mudança substancial da estrutura social e do sistema 
político nacional, Bueno8 argumenta que a República renegou os 
princípios fundamentais do Império, primeiro, ao assinar o Con-
vênio Aduaneiro com os Estados Unidos em 1891 e, segundo, ao 
acatar a intervenção norte-americana na Revolta da Armada em 
1894, a favor de Floriano. Já, para Rodrigues, esses movimentos 
estavam criando as bases para a definição de uma diretriz de aliança 
mais estreita com os Estados Unidos. "De 1889 a 1903, prepara-se a 
transição para a aliança com os Estados Unidos e para a linha pau-
americana que significará a preponderância americana".9 
Lima igualmente leva em conta que o Império e a Primeira 
República corresponde ao primeiro grande período da política 
externa brasileira, podendo ser rotulado como o momento de cons-
trução do Estado. 
Suas características são o processo de demarcação terri-
torial, a inserção na economia mundial como país agro-
exportador e um regime de tipo oligárquico. Uma das 
principais questões da política externa é a negociação, 
a favor do Brasil, de praticamente todos os conflitos de 
fronteira. A política econômica externa está voltada para a 
solução dos conflitos intra-oligárquicos. Não se observam 
grandes diferenças na política externa, apenas a ênfase 
6 DANES E, S. Diplomacia presidencial. Rio de Janeiro: Topbooks, 1999, p. 253-254. 
7 LAFER, 1967, p. 86. 
8 BUENO, 1995, p. 23. 
9 RODRIGUES, J. H. Interesse nacional e política externa. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1966, 
p. 183-184. 
34 Política Externa Brasileira 
no pau-americanismo na República Velha. O papel do 
barão do Rio Branco é emblemático dessa continuidade 
da política externa nesse momento, quer no que se refere 
à definição substantiva da agenda externa, em especial a 
configuração do espaço nacional com a delimitação pra-
ticamente definitiva das fronteiras geográficas, quer por 
sua contribuição para a institucionalização posterior dos 
serviços diplomáticos.10 
Independentemente do momento de redefinição da diretriz da 
política externa brasileira, a partir da percepção da crescente im-
portância dos Estados Unidos, nos planos internacional e regional, 
a gestão do barão foi marcada pela aproximação com os Estados 
Unidos e a tentativa de instrumentalizá-la em favor dos interesses 
brasileiros. 
Ele percebeu a tendência da última década do século de-
zenove e acelerou-a, com a intenção de utilizar o poder 
e o prestígio dos Estados Unidos, que o mundo come-
çava a respeitar, para atingir determinados objetivos no 
campo da política externa.U 
Mais do que isso, na realidade a aproximação política represen-
tÇtva uma complementação ao elevado relacionamento comercial já 
mantido entre os dois países. 
Em termos econômicos, a Primeira República caracteri-
za-se pela expansão da economia agroexportadora, cuja 
especialização foi levada quase ao seu limite máximo. 
Parte considerável das exportações brasileiras já estava 
solidamente direcionada para o mercado norte-ame-
ricano quando do advento do novo regime, em 1889. 
A reorientação da política externa brasileira, iniciada 
10 LIMA, M. R. S. Instituições democráticas e política exterior. Contexto internacional, v. 22, n. 2, p. 290, 
jul./dez. 2000. 
11 BURNS, E. B. A aliança não escrita: o barão do Rio Branco e as relações Brasil-Estados Unidos. Rio 
de Janeiro: EMC Edições, 2003, p. 252. 
Capítulo 2- Oe Rio Branco à Segunda Guerra Mundial 
logo após no sentido Rio 
parte foi uma adequação 
então estabelecidos.12 
Concisamente, 
de Janeiro-Washington, em 
aos vínculos comerciais já 
a aliança Brasil - Estados Unidos, dentro de um sub-
sistema regional alargado para abranger as 3 Américas, 
serviria: 
a) tanto para consolidar as fronteiras nacionais (posição 
dentro do subsistema anterior); 
b) quanto para diminuir a influência européia (maior 
autonomia em relação ao sistema internacional)P 
35

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