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LÚPUS ERITEMATOSO SISTÊMICO JUVENIL Dr. Victor L.S. Marques Pediatria I 2022.2 O Lúpus é uma doença multissistêmica autoimune caracterizada por grande variedade clínica e pela produção de múltiplos autoanticorpos, marcada por períodos de exacerbação e remissão. EPIDEMIOLOGIA · Incidência: 0,6/100.000 crianças · 20% dos casos de LES têm início na infância (antes dos 16 anos). · Quando ocorre depois dos 16 anos é considerado Lúpus Eritematoso Sistêmico Adulto. · Média de idade de acometimento: 10,4 anos · É rara antes dos 6 anos e mais frequente entre os 12 e 18 anos de idade · Ocorre em qualquer raça · Mais comum no sexo feminino (4:1) e em maiores de 10 anos · O predomínio no sexo feminino é menos evidente no LESJ (4:3) QUANDO PENSAR EM LÚPUS JUVENIL? Na presença de: · Hepatoesplenomegalia · Febre de origem indeterminada (FOI) · Artrites recorrentes · Vasculites/púrpuras · Síndrome nefrótica/nefrítica · Serosites recorrentes · Anemia hemolítica autoimune · Plaquetopenia · Trombose Pode ocorrer: febre (60-90%), fadiga, anorexia e perda de peso. CRITÉRIOS DE CLASSIFICAÇÃO Para fins de classificação/diagnóstico da doença, existem dois grupos de critérios, o ACR (mais utilizado na prática) e o SLICC. · ACR: sensibilidade 77-91% e especificidade 91-93% (mais usado porque é mais específico) · SLICC: sensibilidade 96-99% e especificidade 85-88% Critérios de ACR: presença de 04 ou mais dos seguintes critérios, que podem ocorrer de forma simultânea ou ao longo do tempo. · Rash malar: eritema difuso, macular ou papular, em regiões malares e/ou dorso nasal (lesão em asa de borboleta). · Lesão discóide: pápulas eritematosas com escamas ceróticas aderentes a obstrução folicular. · Fotossensibilidade: reação cutânea anormal à exposição solar. · Úlceras orais: geralmente indolores e são pontuadas somente quando observadas pelo médico examinador. · Artrite: não erosiva, em duas ou mais articulações periféricas, geralmente dolorosas, com edema ou derrame articular. · Serosite: pleurite, pericardite ou ambos. · Distúrbios neurológicos: psicose, convulsões ou ambos, na ausência de uso de drogas e distúrbio metabólico. · Distúrbios hematológicos (um ou mais): anemia hemolítica com reticulocitose, leucopenia < 4000, linfopenia < 1500 e trombocitopenia < 100 mil · Distúrbio renal: proteinúria > 0,5 g/dia ou presença de cilindros celulares · Distúrbio imunológico (um ou mais): anti-DNA, anti-SM ou antifosfolípides [anticardiolipina IgG/IgM], anticoagulante lúpico e/ou sorologia VDRL falso-positivo) · Anticorpo antinuclear → presente em quase 100% dos casos Classificação de SLICC: presença de 04 critérios, sendo ao menos um clínico E um imunológico. · Critérios Clínicos: · Lúpus cutâneo agudo: eritema malar, lúpus bolhoso, eritema maculopapular e fotossensibilidade · Lúpus cutâneo crônico: discóide, hipertrófico e paniculite · Úlceras orais · Alopécia · Artrite · Serosite · Nefrite · Envolvimento neuropsiquiátrico: convulsão, psicose, neuropatia periférica ou estado confusional agudo · Anemia hemolítica · Leucopenia ou linfopenia · Trombocitopenia · Critérios imunológicos: · FAN (geralmente no padrão nuclear homogêneo) · Anticorpo Anti-DNA dupla hélice · Anticorpo Anti-SM · Anticorpo antifosfolípide · Complemento reduzido (C3, C4 e/ou CH50) · Teste de coombs direto positivo na ausência de anemia hemolítica Critérios de ACR/EULAR: ainda não foi validado o uso na reumatologia pediátrica, mas também é um método para diagnóstico de LES. FAN positivo com título > 1>80 nas células HEp-2 ou teste equivalente positivo ⇒ aplicar critérios adicionais. · Critérios adicionais: (não precisa saber como pontua, somente que FAN positivo com score > 10 = LES) · Não precisam ocorrer simultaneamente · Deve ser pontuado somente o critério de maior score dentro de cada domínio BIÓPSIA RENAL Existe somente uma situação na qual é possível fazer o diagnóstico de Lúpus sem os critérios e sem FAN positivo, que é na presença de biópsia renal sugestiva de nefrite lúpica (presença de imunocomplexos, imunoglobulina e complementos) com Anti-DNA positivo. MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS Muco-cutâneas: ocorre em 70-90% dos pacientes · Eritema malar · Fotossensibilidade · Úlcera de mucosas · Eritema palmo-plantar · Alopécia · Vasculites · Urticária Músculo-esqueléticas: acometimento de mais de 80% dos paciente · Artrite ou artralgia: · Poliartrite aguda · Artralgia · Artrite crônica · Cardiopulmonar: · Pericardite · Pleurite Renais: · Manifestações variadas em 80% dos casos · Podem vir acompanhadas de hipertensão arterial e/ou edema (50%) · Pode ocorre alteração do sedimento renal: hematúria, cilindrúria, leucocitúria e proteinúria · Biópsia renal: · Classe I: rim normal ou lesões mínimas · Classe II: GN mesangial · Classe III: GN focal → grave · Classe IV: GN difusa → grave · Classe V: GN membranosa → é a que mais causa proteinúria · Classe VI: esclerose glomerular Neuropsiquiátricas: · Convulsões · Psicose · Desordens do movimento · Doença cerebrovascular · Neuropatia · Miastenia gravis MANIFESTAÇÕES LABORATORIAIS Urina I: · Proteinúria > 0,5 g/dia · Hematúria · Leucocitúria · Cilindros urinários Hemograma: · Anemia (Hb < 10g/dl) · Anemia hemolítica · Leucopenia (leucócitos < 4.000/mm3) · Linfopenia (linfócitos < 1500/mm3) · Plaquetopenia (ppqt < 100.000/mm3), na ausência de drogas ou infecções associadas Outras alterações: · VHS > 20.000 na 1ª hora · FAN positivo (apesar de frequente, não é específico, 14% tem FAN+ e não tem LES) · Anti-DNA (está muito associado a alterações renais) · Anti-SM · C3, C4 ou CH50 diminuídos (“consumo de complemento”) · Alteração de sedimento · Proteinúria 24h > 0,5 g/dia TRATAMENTO Baseado em 04 pilares: medidas gerais, fotoproteção, tratamento medicamentoso e controle de infecções. Medidas Gerais: · Educação e aderência → informar a gravidade para estimular a adesão ao tratamento · Apoio emocional → otimismo e motivação aos projetos de vida, deixar claro que o tratamento adequado proporciona ao paciente qualidade de vida · Atividade física regular → sempre de médio ou baixo impacto · Dieta adequada → restrição de sal, porque não raramente cursa com hipertensão · Suplementação com cálcio e vitamina D Fotoproteção: !!! · Os raios UVB são os principais responsáveis pela fotossensibilidade · Orientar: · Evitar o sol entre as 10 e 16h · Protetor solar com FPS > 15 · Passar entre 15-30 minutos antes da exposição solar · A fotoproteção não reduz a vitamina D Tratamento Medicamentoso: · O tratamento deve ser individualizado · Nos casos sistêmicos, o tratamento será orientado de acordo com o comprometimento mais grave (ex: acometimento de rim + pele → quem manda é o rim) · De modo geral, todos os pacientes vão receber: · Corticóide · Antimaláricos (independente do sistema acometido, sempre iniciar antimaláricos!) ANTIMALÁRICOS · Cloroquina e Hidroxicloroquina · Uso liberado a partir dos 6 anos de idade · Na faixa etária pediátrica usamos mais a Hidroxicloroquina, porque tem menos efeitos colaterais quando comparado a Cloroquina. Vantagens: · Fotoprotetores · Inibem a agregação e adesão plaquetária · Reduzem colesterol e triglicerídeos: diminui VLDL e aumenta HDL (é vantajoso porque os corticoides causam alterações lipídicas). · Reduz atividade da doença, consequentemente, é possível desmamar o paciente das doses altas dos corticoides. · Trabalhos recentes indicam que os antimaláricos possuem efeito protetor e ajudam na soroconversão das vacinas. Hidroxicloroquina: · 5 a 7mg/kg/dia (máxima de 400mg) · Eficácia em 1 a 3 meses (até 8 meses) · 03% de toxicidade retiniana · É a única droga utilizada quando o paciente tem critérios incompletos para a doença, associada ao protetor solar (ex: tenho 3 critérios → inicio até surgimento do 4º, pode demorar até 3 meses) MANIFESTAÇÕES X ESCOLHA DO TRATAMENTO Lembrando que: · Para todos os pacientes existe indicação de fotoproteção, suplementação de cálcio e vitamina D, hidroxicloroquina e corticóide. · Em alguns casos, entramos comAINE, porém nunca com o Ibuprofeno, é contraindicado porque tem maior risco de causar meningite asséptica. Manifestações Articulares e Cutâneas: · Para todos: · Prednisona 0,5 mg/kg/dia · Antimalárico (Hidroxicloroquina 5-7 mg/kg/dia) · Artrite crônica: · Naproxeno 10-20 mg/kg/dia → somente nos períodos de agudização · Metotrexato 12-17 mg/kg/dia ou 15-20 mg/semana · Artrite de 01 ou 02 articulações: · Infiltração com Triancinolona · Lesões cutâneas mantidas: · Metotrexato 12-17 mg/m²/semana · Azatioprina 1-3 mg/kg/dia Manifestações Hematológicas: · Para todos: · Prednisona: 1 a 2 mg/kg/dia · Antimalárico · Plaquetopenia (< 50.000 mm3) e anemia hemolítica autoimune: · Pulsoterapia com metilprednisolona · Ciclosporina: 3 - 5 mg/kg/dia · Azatioprina: 1 - 3 mg/kg/dia · Gamaglobulina EV: 2 g/kg · Pulsoterapia com ciclofosfamida · Rituximab (anti-CD20) · Esplenectomia Manifestações Pulmonares e Cardíacas: · Para todos: · Prednisona 1 - 2 mg/kg/dia · Antimalárico · Pleurite, pericardite e miocardite: no geral, respondem bem à prednisona, mas quando não respondem podemos iniciar: · Metotrexato: 12 - 17 mg/m²/semana · Azatioprina: 1 - 3mg/kg/dia · Hemorragia pulmonar: · Pulsoterapia com metilprednisolona e ciclofosfamida · Plasmaferese Manifestações Renais: · Controle de hipertensão arterial: inibidores da ECA (enalapril) → diminuem a proteinúria e possuem efeito nefro/renoprotetor. · Classe II: Prednisona · Classe III e IV: pulsoterapia com ciclofosfamida · Indução: 7 pulsos mensais · Manutenção: 10 pulsos trimestrais · Classe V: · Prednisona · Pulsoterapia com metilprednisolona · Azatioprina · Ciclosporina · Micofenolato Manifestações Neuropsiquiátricas: · Para todos: · Prednisona: 1 - 2mg/kg/dia · Antimalárico · Considerar, a depender do caso: · Pulsoterapia com metilprednisolona · Pulsoterapia com ciclofosfamida: 500 - 700mg/m² por 6 meses · Geralmente é feita nos pacientes não responsivos. · Gamaglobulina EV: 2g/kg/dose por 6 meses · Plasmaferese PROGNÓSTICO É mais grave: · Sexo masculino · Raça negra · Início da doença em idade precoce · HAS de difícil controle · Anemia persistente · Atividade persistente com múltiplas internações e reativações · Classe III e IV de biópsia renal CONSIDERAÇÕES GERAIS · Necessária equipe multi e transdisciplinar · Participação do paciente e da família (suporte emocional) · Avaliação odontológica anual · Avaliação oftalmológica · Avaliação nutricional · Avaliação psicológica · Avaliação endócrina · Vacinas atenuadas são contraindicadas porque são pacientes imunossuprimidos SEMPRE LEMBRAR! Mais frequente: · Sexo feminino · Adolescente Pode cursar com: · Adinamia · Lesões cutâneas · Febre prolongada · Artrite · Perda de peso · Alterações urinárias ou hematológicas · Alopécia · Serosites E atenção! As doenças reumatológicas são consideradas de diagnóstico de exclusão, portanto, é importante investigarmos se não há nenhuma causa infecciosa/neoplásica/autoimune para os sinais e sintomas → anamnese detalhada, exame físico minucioso e exames complementares (hemograma, prova de fase aguda (PFA), sorologias, urina, fator reumatóide e FAN) sempre! SLEDAI 2K *não cai* É um instrumento utilizado para avaliação do quanto a doença está ativa: pontuação de 0 a 105, sendo que considera-se pontuação > 5 como doença ativa. CASO CLÍNICO TGC, feminino, 14 anos, com história de febre há 2 meses. Associado a febre, paciente apresentava artrite em joelhos e mãos, eritema malar e fotossensibilidade. Uma semana atrás, evoluiu com tosse seca, dor abdominal, náuseas e vômitos. Ao exame físico, apresentava-se descorada 2+/4+, desidratada +/4+, anictérica, febril (39,5°C), com FC de 127 bpm e FR de 28 irpm, PA de 110 x 60 mmHg, placa eritemato papulosa em face, fissuras labiais, lesões aftosas em mucosa, retração de fúrcula, batimento de asa de nariz e estase jugular. Na ausculta, apresentava estertores crepitantes em terços inferiores, sibilos difusos e bulhas rítmicas e hiperfonéticas em dois tempos sem sopros. O abdome encontrava-se distendido, doloroso à palpação, com ruídos hidroaéreos diminuídos. Foram realizados os seguintes exames laboratoriais: · Hb: 9,3 (12-16 g/dL) · Ht: 27,4 (35 - 47%) · Plaquetas: 223.000 (140 - 500.000/mm3) · Leucócitos: 2720 (3500 - 11000/ mm3) · VHS: 115 (até 10 mm/1h) · PCR: 26,80 (< 5,0 mg/L) · CH50: 30U/CAE (= 60U/CAE) · C3: 25mg/dL (90 - 180 mg/dL) · C4: 6,0 mg/dL (10 - 40 mg/dL) · FAN: 1/640 padrão nuclear homogêneo · Anti-DNA, Anti-Sm, Anti- RNP: reagentes · Anti-SSA/Ro: não reagente · Anti-SSB/La: não reagente · Raio X de tórax: opacificação em ambos os hemitórax · Proteinúria de 24 horas: 0,96g · < 0,10g/24 horas HIPÓTESE DIAGNÓSTICA · Lúpus Eritematoso Sistêmico Juvenil CRITÉRIOS PRESENTES · Rash malar · Fotossensibilidade · Úlceras orais · Artrite · Distúrbio renal (proteinúria) · Distúrbios hematológicos (anemia e leucopenia) · Distúrbios imunológicos (anti-DNA, anti-SM e anti-RNP reagentes) · FAN positivo TRATAMENTO Cuidados gerais: · Multiprofissionais · Fotoproteção (FPS>30, meia hora antes da exposição solar e reaplicar durante o dia) · Vitamina D · Cálcio Medicamentoso: é guiado pelo acometimento mais grave, no caso, a proteinúria. · Prednisona 1-2 mg/kg/dia · Hidroxicloroquina 5-7 mg/kg/dia · Enalapril · Ciclofosfamida · Vai indicar pulsoterapia com Ciclofosfamida porque é uma proteinúria não muito alta, então a gente subentende que trata-se de um nível III ou IV de comprometimento renal.
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