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VASCULITES: KAWASAKI E DEPOSIÇÃO DE IgA Dr. Victor L.S. Marques Pediatria I 2022.2 INTRODUÇÃO - VASCULITES Definição: as vasculites são processos inflamatórios das paredes dos vasos, classificados de acordo com as manifestações clínicas, com o tamanho dos vasos acometidos e histologia da lesão vascular ou de acordo com a patogenia envolvida. Classificação de Acordo com o Calibre dos Vasos: · Grande Calibre: · Arterite de Takayasu · Arterite de células gigantes · Médio Calibre: · Poliarterite nodosa · Poliarterite cutânea · Doença de Kawasaki · Pequeno Calibre: · Granulomatosas: · Granulomatose com poliangeíte (Doença de Wegener) · Granulomatose eosinofílica com poliangeíte (Doença de Churg-Strauss) · Não granulomatosas: · Poliangeíte microscópica · Vasculite por depósito de IgA (PHS) · Vasculite leucocitoclástica cutânea · Vasculite urticariforme hipocomplementêmica · Outras: · Doença de Behçet · Vasculite pós infecciosa · Vasculite isolada do SNC · Síndrome de Cogan · Vasculites não classificadas DOENÇA DE KAWASAKI Definição e Fisiopatologia: trata-se de uma inflamação sistêmica de órgãos e tecidos, incluindo vasos de médio calibre, com participação do sistema imune inato e liberação de IL-1, IL-6 e TNF (enzimas pró-inflamatórias). Epidemiologia: · É a segunda vasculite mais frequente na faixa etária pediátrica · Geralmente acomete menores de 05 anos de idade · Predomínio discreto no sexo masculino · É a principal causa de cardiopatia adquirida nos EUA e no Japão Manifestações Clínicas Associadas: · Irritabilidade · Diarreia / vômitos · Uretrite · Uveíte anterior aguda · Artrite · Miosite · Meningite asséptica ⇒ manifesta como cefaleia · Miocardite ou pericardite · Insuficiência mitral / IAM · Vesícula hidrópica Critérios Diagnósticos: febre > 05 dias + pelo menos 04 dos seguintes critérios · Hiperemia conjuntival bilateral não purulenta · Alterações orais: eritema labial e/ou fissura labial e/ou eritema difuso em orofaringe e/ou língua em framboesa · Alterações de extremidade: edema de mãos e pés e/ou eritema palmo-plantar e/ou descamação periungueal · Exantema polimorfo: forma macular, papular, escarlatiniforme ou raramente bolhosa · Adenomegalia cervical com diâmetro > 1,5cm, geralmente em região anterior do pescoço Doença de Kawasaki Incompleta/Atípica: · Lactentes > 6 meses com febre há mais de 05 dias e presença de 02 critérios diagnósticos da Kawasaki OU lactentes < 6 meses com febre sem sinais localizatórios por 7 dias, associada a: · PCR > 3 e/ou VHS > 40 + · Três outras alterações laboratoriais: anemia, plaquetas > 450.000, albumina < 3g, aumento de TGO e TGP, leucócitos > 15.000 , aumento de 10 leucócitos por campo na urina OU · Ecocardiograma alterado: aneurisma, derrame pleural, regurgitação mitral ou fração de ejeção diminuída · Caso o paciente se enquadre nessas alterações, tratá-lo como Doença de Kawasaki. · Caso o paciente tenha PCR < 3 ou VHS < 40, mas mantenha a febre persistente, segue-se apenas com avaliação clínica e laboratorial. · Solicitar ecocardiograma caso esse paciente apresente descamação atípica. Tratamento - Gamaglobulina + AAS: · Gamaglobulina EV: · Dose: 2g/kg/dose em infusão única de 10 horas · Só é possível iniciar a gamaglobulina com a criança afebril. Portanto, é importante administrar um antitérmico (dipirona, paracetamol) antes. · Isso porque a gamaglobulina administrada no paciente febril, tem maior chance de gerar efeitos colaterais. · Ácido Acetilsalicílico (AAS): · Inicialmente, na dose de 80 a 100mg/kg/dia (efeito anti-inflamatório) até que a criança esteja afebril por 72 horas após a gamaglobulina. · Posteriormente é feito na dose antiagregante, de 3 a 5mg/kg/dia, até que se comprove a ausência de anormalidades coronarianas (habitualmente 6-8 sem). · Hoje, já existem protocolos que iniciam o AAS direto na dose anti-agregante. · É interessante acompanhar esses pacientes com VHS e PCR, porque quando a doença está em atividade, há aumento das provas de fase aguda. · Cerca de 10% dos pacientes não respondem à primeira dose da gamaglobulina, permanecendo com febre após 36-72h da primeira infusão (falha terapêutica). Nesses casos deve-se: · Repetir a gamaglobulina EV 1g/kg/dose → caso o paciente não responda: · Pulsoterapia com Metilprednisolona (30mg/kg/dia) 1-3x · Pulsoterapia com Ciclofosfamida e Ciclosporina · Plasmaferese · Anti-TNF alfa (infliximabe) Tratamento - Alterações Coronarianas: · Usar esquema para prevenção de trombose: · AAS: 3-5mg/kg/dia 1x ao dia OU · Dipiridamol: 2-6mg/kg/dia 3x ao dia OU · Clopidogrel (1mg/kg/dia 1x ao dia) · Coronarites: · Dicumarínico: 0,05-0,34 mg/kg/dia 1x ao dia, ajustando INR 2 – 2,5 OU · Heparina 1-1,5 mg/kg/dia 2x ao dia Avaliação Cardiovascular: · Na fase aguda: ecocardiograma · Paciente com anormalidades graves (aneurismas médios e gigantes): · Repetir 2x na semana, até para a progressão da dimensão da luz do vaso · Repetir 1x na semana nos primeiros 45 dias · Repetir mensalmente até o 3º mês · Pacientes sem complicações: · Repetir em 1-2 semanas · Repetir em 4 – 6 semanas após o tratamento · A longo prazo: · Sem envolvimento coronário: repetir em 01 ano · Dilatação coronariana: repetir em 1 ano e, se persistir, em 2-5 anos · Aneurisma pequeno: repetir de 6/6 meses e depois 1x ao ano · Aneurisma médio: repetir com 3, 6 e 12 meses e depois 1x ao ano · Aneurisma grande/gigante: repetir com 3, 6, 9 e 12 meses e depois a cada 3-6 meses. Obs: não precisa saber o intervalo das avaliações, só saber que é feito frequentemente, que o paciente deve ser acompanhado. VASCULITE POR IgA - PÚRPURA DE HENOCH-SCHÖNLEIN Definição: é uma vasculite de pequeno calibre por depósito de imunocomplexos de IgA na parede dos vasos, acometendo pele, articulações, trato gastrointestinal e rins. Epidemiologia: · É a vasculite mais comum da infância · Incidência de 10 a 30 casos / 100 mil habitantes · Faixa etária mais acometida: 3 a 10 anos · Sem diferença entre os sexos · Pico de incidência no inverno Etiologia: · Infecções: geralmente de vias aéreas superiores (40-50% dos casos) · Vacinas: principalmente sarampo e febre amarela · Alergia: chocolate, leite, ovos, feijão, peixe e insetos. · Drogas: AAS, penicilinas, cefalosporinas e eritromicina · Neoplasias · Exposição ao frio Critérios Diagnósticos: púrpura palpável ou petéquia + 01 critério · Envolvimento cutâneo: é critério obrigatório, sendo caracterizado por lesões eritemato-violáceas que não desaparecem à digitopressão e que se concentram mais em membros inferiores. · Envolvimento do trato gastrointestinal: emergências reumatológicas · Dor abdominal em cólica, difusa e aguda · Intussuscepção · Sangramento gastrointestinal · Artrite/artralgia aguda migratória com edema ou dor + limitação do movimento · Envolvimento renal leve, com proteinúria > 0,3g/24 horas e hematúria > 5 hemácias/campo ou presença cilindros hemáticos · Histopatológico (biópsia de pele e biópsia renal): só vamos solicitar biópsia na ausência de outros critérios, ou seja, diante de um paciente com lesões cutâneas sugestivas de vasculite por IgA que não possua outro critério para diagnóstico. · Vasculite leucocitoclástica com depósito de IgA nos vasos · Glomerulonefrite proliferativa com depósito de IgA · Atenção! Predomínio do IgA nas primeiras 24 a 48 horas, porque atinge o pico e começa a decair, então solicitar precocemente, de preferência nas primeiras 72h do início do quadro porque a sensibilidade começa a diminuir com o tempo. Manifestações Clínicas Menos Frequentes: emergências reumatológicas · Edema de bolsa escrotal · Alterações do sistema nervoso central · Hemorragias pulmonares/epistaxes Exames Complementares: · Hemograma completo → anemia, leucocitose e plaquetose. · Fator de Von Willebrand → marcador de lesão endotelial · VHS e PCR → podem estar aumentados · Urina 1 · Complementos (C3 e C4) → normais, é importante para diagnóstico diferencial do LES (↓) · FAN · Imunoglobulinas → aumento de IgA · Biópsia de pele e biópsia renal (especificamentequando o paciente não apresenta os demais critérios) Tratamento: · Repouso relativo no primeiro mês · Remoção dos possíveis agentes etiológicos (vacinas, infecções, alérgenos) · Lesões cutâneas: · Não respondem a AINES, anti-histamínicos e corticosteróides · Em casos de lesões cutâneas recidivantes: Colchicina 0,5 a 1mg/dia · Podem ocorrer recidivas no primeiro ano, é importante orientar o responsável sobre isso, pois não há necessidade de buscar atendimento. · Artrite · Desde que não haja envolvimento renal, tratamento com Naproxeno · Dor abdominal: · A Ranitidina era o tratamento de escolha, atualmente é substituída pelos inibidores da bomba de prótons, com destaque para o Omeprazol. · No casos mais complexos: dor abdominal importante, sangramento e invaginação, nefrite grave, orquiepididimite, hemorragia pulmonar e/ou comprometimento neuropsiquiátrico · Prednisona 1-2 mg/kg/dia por 3 a 7 dias, com redução gradual em 2 a 4 semana OU · Pulsoterapia com metilprednisolona EV 30mg/kg/dia, por 3 dias (formas graves) Seguimento/Acompanhamento: · Nos pacientes com vasculite por depósito de IgA, a maior preocupação é que haja evolução com alteração renal, por essa razão, nos primeiros dois anos o paciente deve ser acompanhado mensalmente, após esse período ele deve ser acompanhado semestralmente, e caso se mantenha estável, por fim deve ser acompanhado anualmente. · Para pacientes que não apresentarem alterações renais de início: acompanhar função renal periodicamente, por pelo menos 5-10 anos (hoje se fala em acompanhamento por período indeterminado) · Pacientes com alterações renais recorrentes ou persistentes: devem ser acompanhados por toda a vida · Gestantes que apresentaram vasculite por IgA na infância devem ser monitoradas no período gestacional e neonatal, porque há risco elevado de recorrência da doença !!! CASO CLÍNICO Paciente de 2 anos e 2 meses, masculino, com queixa de surgimento de lesões cutâneas associadas a inapetência, vômitos e precedidos por infecção do trato respiratório superior. Na internação apresentava irritabilidade, dor abdominal difusa, edema nas extremidades, dor a mobilização dos membros, lesões purpúricas nos membros inferiores e superiores, máculas eritematosas na face. Ausência de alterações cutâneas nas nádegas e tronco. Relata fezes sanguinolentas. Exames Complementares: hemograma normal, ureia e creatinina sem alterações e urina I normal HIPÓTESE DIAGNÓSTICA · Vasculite por IgA CRITÉRIOS · Lesões purpúricas predominantes em membros inferiores · Dor abdominal difusa e fezes sanguinolentas · Artrite CONDUTA Solicitar novos exames: · Fator de Von Willebrand · FAN · Complemento · Imunoglobulina (IgA) · PCR e VHS TRATAMENTO · Repouso relativo no 1º mês · Orientar a mãe sobre as recidivas das lesões · Naproxeno → acometimento articular · Prednisona 1-2 mg/kg/dia 7 dias, com redução gradual em 30 dias → acometimento TGI ACOMPANHAMENTO Como o paciente não tem comprometimento renal (urina 1 normal): · Tempo indeterminado ou até 10 anos
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