Buscar

3a aula 2o bimestre

Prévia do material em texto

ESCOPOS ECONÔMICOS DO ANTITRUSTE E ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL
O direito da concorrência no Brasil – seja no aspecto de seu texto normativo, seja no de sua efetiva aplicação – é determinado pelos princípios jurídicos conformadores da ordem econômica constitucional, que não é estabelecida apenas pelas regras dispostas no Título VII da Constituição, pois muitas disposições tratadas em outros títulos referem-se a essa ordem. 
Essas regras em conjunto precisam ser interpretadas e aplicadas como um todo para a concreção das normas constitucionais.
A capacidade das normas constitucionais de se adaptar à evolução e às alterações do contexto fático a que se aplicam permite sua atualidade e funcionalidade enquanto orientação normativa à produção normativa infraconstitucional e à sua aplicação.
Os escopos econômicos do antitruste, como corolários da ordem econômica positivada, são: (i) tutela da livre iniciativa e da livre concorrência; (ii) tutela da eficiência econômica; (iii) repressão ao abuso do poder econômico; (iv) tutela do consumidor; (v) proteção às empresas de pequeno porte.
LIVRE INICIATIVA
O princípio da livre iniciativa é fundamento da República e da ordem econômica no texto constitucional brasileiro. Relaciona-se ao princípio da livre concorrência, mas não é a ele equivalente. 
O princípio da livre iniciativa tem relação com a manutenção das possibilidades reais de acesso e exercício de atividade econômica pelos indivíduos, como garantia de sua liberdade econômica. O princípio da livre concorrência refere-se às possibilidades desses agentes disputarem as preferências do consumidor no mercado e às medidas de salvaguarda a um tipo de mercado que assim o permita.
A livre iniciativa e a livre concorrência são conceitos distintos, embora sejam complementares. O primeiro não é senão a projeção da liberdade individual no plano da produção, circulação e distribuição das riquezas, significando a livre escolha e o livre acesso às atividades econômicas. Já o conceito de livre concorrência é um conceito instrumental daquele, significando o princípio econômico segundo o qual a fixação dos preços dos bens e serviços não deve resultar de atos de autoridade, mas sim do livre jogo das forças em disputa no mercado.
Uma das facetas do conteúdo do princípio da livre iniciativa relaciona-se ao problema da ingerência do Estado nas atividades e decisões dos agentes econômicos. 
A partir da expansão do Capitalismo e do aparecimento do fenômeno concentracionista, entretanto, o princípio da livre iniciativa, ponderado pelo da liberdade de concorrência, passa a exprimir a necessidade de proteção contra formas de atuação na concorrência que eliminem o jogo do mercado, criando obstáculos ao acesso e permanência nas atividades econômicas. Passa-se a distinguir, assim, duas facetas da livre iniciativa, enquanto liberdade pública e liberdade privada. 
A Constituição menciona livre iniciativa, tanto no art. 1º, IV, quanto no art. 170, caput.
Isso significa que livre iniciativa não é tomada, enquanto fundamento da República Federativa do Brasil, como expressão individualista, mas sim no quanto expressa de socialmente valioso.
Nesse sentido, a livre iniciativa indica a questão do acesso ao mercado tanto do capital quanto do trabalho, no sentido da promoção de uma sociedade livre e pluralista. 
O caráter social da livre iniciativa, além disso, é expresso pela finalidade apontada para a ordem econômica no caput do art.170, de assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social.
Isso significa que a liberdade de iniciativa apenas é considerada um fundamento da ordem econômica na medida em que ela é orientada para a realização dos fins expressos para essa ordem. Nesse sentido, o texto constitucional define princípios da ordem econômica que devem ser ponderados com aqueles definidos como seu fundamento na consecução de seus fins.
Importa deixar bem ressaltado que a livre iniciativa é expressão de liberdade titulada não apenas pela empresa, mas também pelo trabalho. A Constituição, ao contemplar a livre iniciativa, a ela só opõe, ainda que não a exclua, a "iniciativa do Estado"; não a privilegia, assim, como bem pertinente apenas à empresa.
É que a livre iniciativa é um modo de expressão do trabalho e, por isso mesmo, corolário da valorização do trabalho, do trabalho livre em uma sociedade livre e pluralista.
Daí por que o art. 1º , IV do texto constitucional- de um lado - enuncia corno fundamento da República Federativa do Brasil o valor social e não as virtualidades individuais da livre iniciativa de outro - o seu art. 170, caput coloca lado a lado trabalho humano e livre iniciativa, curando contudo no sentido de que o primeiro seja valorizado.
É direito à criação da empresa (direito de empreender) e à sua gestão de forma autônoma, o qual compreende: (i) a liberdade de investimento ou de acesso, que corresponde ao direito de escolha da atividade econômica a desenvolver; (ii) a liberdade de exercício e de organização da empresa, ou seja, a liberdade de se determinar como será desenvolvida a atividade, incluindo-se a forma, qualidade e o preço dos produtos ou serviços a serem produzidos; (iii) a liberdade de contratação ou liberdade negocial, por meio da qual são estabelecidas de forma livre e isonômica as relações jurídicas e seu conteúdo; (iv) liberdade para concorrer, isto é, o direito ao exercício da atividade econômica em um sistema de livre concorrência, sem que entraves sejam impostos pelo poder público ou pelo poder (econômico) privado.
Atualmente, entretanto, a livre iniciativa não pode ser entendida apenas como uma faculdade privada do indivíduo, mas como um direito-função, ou seja, um poder-dever a ser exercido em atenção à (sua) função social.
A liberdade para criar e explorar uma dada atividade econômica não deve, assim, ser admitida de forma absoluta, mas relativizada em razão de seu valor social, de forma a assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social (CF, art.170, caput).
- TUTELA DA LIVRE CONCORRÊNCIA
A livre concorrência é pela Constituição de 1988 erigida à condição de princípio. Como tal contemplada no art. 170, IV, compõe-se, ao lado de outros, no grupo do que tem sido referido como "princípios da ordem econômica"
Desde logo, devemos ressaltar que a concorrência livre - não liberdade de concorrência, note-se - somente poderia ter lugar em condições de mercado nas quais não se manifestasse o fenômeno do poder econômico. Este, no entanto - o poder econômico - é não apenas um elemento da realidade, porém um dado constitucionalmente institucionalizado, no mesmo texto que consagra o princípio. O § 4º do art. 173 refere "abuso do poder econômico”. Vale dizer: a Constituição de 1988 o reconhece.
Como vimos, o princípio da livre concorrência tem um caráter instrumental ao princípio da livre iniciativa, na medida em que constitui um dos elementos a balizar seu exercício, a fim de que ela seja exercida dentro de suas finalidades sociais, mantendo condições propícias à atuação dos agentes econômicos, de um lado, e beneficiando os consumidores, de outro.
É importante notar, porém, que a livre concorrência não constitui um corolário da livre iniciativa, vale dizer, não é uma conseqüência natural, ou um mero desdobramento, dessa última. 
Com efeito, à medida que se constatou ser o mercado falho na alocação de recursos e na manutenção do jogo concorrencial, não foi mais possível identificar a livre concorrência como um subproduto da livre iniciativa. Nesse sentido, embora complementares, livre iniciativa e livre concorrência têm conteúdos diferentes. 
Quanto ao seu conteúdo, o princípio da livre concorrência costuma ser identificado com a liberdade de atuar nos mercados buscando a conquista de clientela, com a expectativa de sua aplicação levar os preços de bens e serviços, fixados pelo jogo dos agentes em disputa pela clientela, a níveis razoavelmente baixos, chegando, no caso extremo de concorrência perfeita, a se igualarem ao custo marginaldo produto. 
Aponta-se, no entanto, que a essa liberdade jurídica de conquista de clientela pelos concorrentes deve somar-se a liberdade dos consumidores de usufruírem de alternativas.
A proteção constitucional à livre concorrência, no entanto, não pode ser confundida com a manutenção das condições de concorrência perfeita, na qual não há qualquer manifestação do poder econômico de agentes no mercado. Ao contrário, o fenômeno do poder econômico é até mesmo reconhecido constitucionalmente, no § 4º do art. 173, que prescreve a repressão ao seu abuso. 
Neste sentido, a livre concorrência é forma de tutela do consumidor, na medida em que competitividade induz a uma distribuição de recursos a mais baixo preço. De um ponto de vista político, a livre concorrência é garantia de oportunidades iguais a todos os agentes, ou seja, é uma forma de desconcentração de poder. Por fim, de um ângulo social, a competitividade deve gerar extratos intermediários entre grandes e pequenos agentes econômicos como garantia de uma sociedade mais equilibrada.
Embora não seja o único escopo das normas antistrute, possui posição de destaque na formulação de políticas públicas instrumentalizadas pelo controle do exercício abusivo do poder econômico.
A proteção da livre concorrência decorre da compreensão de que a livre iniciativa, na acepção de liberdade de iniciativa empresarial, pressupõe não apenas a idéia de liberdade para acessar o mercado, isto é, a livre concorrência, entendida esta como liberdade para exercer a luta econômica sem (i) a interferência do Estado e (ii) sem os obstáculos impostos pelos outros agentes econômicos.
De fato, o comportamento racional do agente econômico faz com que ele busque a maximização do lucro, o que, não raro, é alcançado por meio da eliminação do concorrente e/ou da concorrência.
Eventual caráter absoluto da liberdade de iniciativa econômica conduz à cartelização e à eliminação da rivalidade comercial ou mesmo à destruição do concorrente. Por exemplo, nas hipóteses de concentração econômica, se for levado em consideração apenas a livre iniciativa, tais acordos deveriam ser aprovados sem qualquer limite, vez que se inclui na esfera da autonomia privada (livre iniciativa) o direito de adquirir e alienar conglomerados econômicos. Daí que a liberdade de concorrência e a livre iniciativa, nesse contexto, seriam antinômicos.
Historicamente, a livre iniciativa não promove a livre concorrência, pois os agentes econômicos não atuam de modo independente, com autonomia; bem pelo contrário percebem, esses agentes, que alcançarão melhores resultados se houver conluio, combinação para eliminar-se a concorrência, ou ao menos torná-la limitada e inofensiva.
De outra parte, a tutela incondicional da livre concorrência, como valor absoluto, ensejaria a eliminação da livre iniciativa, pois desfragmentaria, por meio de cisões compulsórias, os agentes detentores de poder econômico.
Diante dessa dicotomia entre esses dois princípios, cabe ao antitruste balizar tal contradição, por meio da conformação simultânea desses princípios: de um lado, tutela-se o livre exercício da iniciativa econômica e, de outro, implementa-se um conjunto de políticas e ações dirigidas ao controle preventivo (análise de atos de concentração e controle dos preços) e repressivo (coibição das práticas comerciais exercidas em abuso de poder econômico, com vistas a prejudicar o exercício livre da concorrência) do poder econômico.
Conclui-se, assim, que a livre concorrência tem caráter dúplice: (i) na acepção de liberdade de acesso e de permanência no mercado, constitui mero desdobramento do princípiop da livre iniciativa; (ii) instrumentaliza o controle do exercício da livre iniciativa alheia, o que basta ao reconhecimento de sua autonomia, como princípio fundamental da ordem econômica da CF 88.
- Repressão ao abuso de poder econômico 
Como já ressaltado em aulas anteriores, o poder econômico é um fenômeno inerente ao sistema de mercado, sendo tolerado pelo Direito, de modo que, quando se apresentar abusivo, será limitado pelo Direito
O poder econômico pode ser definido como a possibilidade de exercício de uma influência notável e, a princípio, previsível pela empresa dominante sobre o mercado, influindo na conduta dos demais concorrentes ou, ainda, impedindo que esses possam influenciar no mercado. 
Impossibilitados de enfrentar competidor de maior poder econômico, os demais concorrentes, consumidores ou mesmo agentes atuantes em outros mercados encontram-se em posição de sujeição à conduta e aos preços por ele impostos.
A situação de exercício abusivo de poder econômico por parte do agente que o detém tende a criar no mercado distúrbios e ineficiências semelhantes àqueles típicos de mercados monopolizados.
De fato, embora se pense ao fazer-se referência à posição monopolista na existência de apenas um agente econômico em determinado mercado, é bastante comum que a expressão posição monopolista seja utilizada para tratar de agente econômico que não é o único a atuar, uma vez que mesmo um agente econômico que não seja o único a atuar no mercado pode deter poder econômico tal (ou seja, suficiente) que lhe permita atuar de forma independente e com indiferença à existência ou comportamento dos outros agentes. 
Na medida em que é o abuso de poder econômico que é vedado, e não o exercício normal de poder econômico, é importante definir a natureza desse abuso.
Assim, mesmo o exercício de direitos e de um poder anteriormente considerado normal segundo os parâmetros individuais dominantes passa a ser irregular ou ilícito, seja pelo dano acarretado, seja pela gritante desproporção surgida entre a titularidade do direito e as prerrogativas e privilégios que ela proporcionaria a alguns em detrimento da coletividade.
 
Desse modo, o abuso de poder econômico passa a ser entendido como a sua utilização para fins contrários aos estabelecidos normativamente. É visto como um desvio da obrigação de usá-lo dentro dos padrões da legalidade e, assim, dominar o mercado, eliminar a concorrência ou aumentar arbitrariamente seus lucros tal como previsto no artigo 173, parágrafo 4º da Constituição de 1988.
11

Continue navegando