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NAYSA GABRIELLY ALVES DE ANDRADE 1 PROBLEMA 4 -VÔMITOS COM SANGUE José Ramos de Sá, masculino, 65 anos, foi levado ao PS do HMRV em virtude de ter apresentado um episódio de vômitos com sangue há cerca de uma hora. Queixava-se de tontura, astenia e dispneia. Informava ser alcoólatra desde os 18 anos, e negava transfusão sanguínea prévia. Ao exame físico mostrava-se ansioso e agitado, palidez cutâneo-mucosa, sudorese fria, pulsos periféricos de amplitude diminuída, PA = 100x70 mmHg, FC = 110 bpm e FR = 26 ipm. O exame físico mais detalhado permitiu a verificação da presença de sinais de carência nutricional, eritema palmar, teleangiectasias localizadas no tórax e no abdômen, circulação colateral visível na parede abdominal com padrão porta-cava, ascite, fígado impalpável, baço palpável a 5cm do rebordo costal, icterícia leve e edema de MMII. Os exames laboratoriais de amostra de sangue coletada no momento da chegada do paciente ao hospital revelaram: Ht: 24% e Hb: 8g/dl com hipocromia e microcitose; leucócitos 4000/mm3 com contagem diferencial normal; plaquetas 80.000/mm3; tempo de atividade de protrombina (TAP) e tempo de tromboplastina parcial ativado (TTPA) prolongados; AST 200 UI/l; ALT 180 UI/l; fosfatase alcalina 260 UI/L; albumina sérica 2,8g/dl; BT 3,5mg/dl (BD 2,5 e BI 1,0). O médico, após avaliação dos exames, prescreveu vitamina K, plasma fresco congelado e somatostatina, em bomba de infusão contínua por via endovenosa. Depois de 6 h de estabilidade hemodinâmica solicitou uma endoscopia digestiva alta que definiu o diagnóstico e a terapêutica. Após alguns dias de internação, o interno responsável por evoluir José o achou diferente em relação aos outros dias, e interrogou seu acompanhante sobre as mudanças apresentadas. Apurou que José já não evacuava há 6 dias, começou a apresentar tremores em extremidades (que não tinha antes) e dormir praticamente o dia todo. Quando estava acordado, tinha um humor mais deprimido e irritado, diferente do usual. Movia-se e falava devagar. Dizia repetidamente que queria ir para casa, mesmo após fazer o pedido há poucos minutos e ter ouvido que estava internado no HMRV. Se perguntado, respondia que estava na fazenda, e não conseguia dizer corretamente o dia e mês em que estamos. Ao examinar seu José, o interno percebeu algumas alterações em relação aos exames prévios: desidratação 2+/4, bradicinesia, tremor fino em extremidades e rigidez muscular; presença de asterixis (flapping). Testou os reflexos tendíneos, e notou que estavam exacerbados. Após discussão do caso com o plantonista responsável pelo paciente, o interno prescreveu as medidas para controle da alteração descrita acima. Instrução: Compreensão sobre os aspectos fisiopatológicos e clínicos envolvidos na hemorragia digestiva alta do paciente cirrótico e suas principais complicações OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM: 1. EXPLICAR AS ALTERAÇÕES NA COAGULAÇÃO EM PACIENTES CIRRÓTICOS. - A cirrose hepática resulta em graus variados de déficit de fatores plasmáticos da coagulação (com exceção do fator VIII), disfunção e diminuição do número de plaquetas, disfunção endotelial e hiperfibrinólise - As propriedades funcionais das plaquetas parecem ser mantidas na cirrose hepática por mecanismo compensatório caracterizado pelo aumento da produção endotelial de fator de von Willebrand em decorrência da disfunção endotelial. A composição multimérica do FvW é necessária para promover Distúrbios da coagulação na cirrose hepática a adesão plaquetária e é regulada pela protease ADAMTS-13, que cliva sua estrutura multimérica, servindo como mecanis�mo de regulação. Na cirrose hepática, tem sido documentado nível mais baixo da protease ADAMTS-13. Todavia, não está claro se a magnitude dessa redução seria suficiente, isolada�mente, para produzir aumento compensatório da agregação plaquetária. - À medida em que ocorre piora da função hepática, ocorre gradual redução tanto dos fatores plasmáticos pró-coagulantes como dos anticoagulantes naturais (proteína C, proteína S, antitrombina e inibidor do fator tecidual), bem como diminuição da depuração de fatores ativados, levando a um reequilíbrio da coagulação. Esse frágil equilíbrio seria suficiente para manter a hemostasia, desde que não haja fatores concomitantes para rompê-lo. Essa situação é referida na literatura como “Teoria das Margens Estreitas”, indicando que a hemostasia é mantida em limiar mais baixo. De fato, a ocorrência de san�gramento cutâneo-mucoso espontâneo grave não é um evento marcante na cirrose hepática como costuma se apresentar em diferentes coagulopatias. Entretanto, condições como infecções, insuficiência renal e hiperfibrinólise interferem no equilíbrio entre os fatores pró e anticoagulantes, favorecendo o surgimento de sangramento. - Pacientes com cirrose hepática não estão protegidos do risco de trombose e tromboembolismo apesar do alargamento dos valores do INR, contrariando o conceito clássico de “autoanticoagulação” na cirrose hepática. Sugeriu-se que o mecanismo compensatório que leva ao reequilíbrio da coagulação pode levar ao predomínio da via pró-coagulante, o que caracterizaria um estado de hipercoagulabilidade. Analisando o potencial de geração de trombina na presença ou ausência de trombomodulina (principal ativador fisiológico da via da proteína C), observou-se que esse foi maior nos pacientes com cirrose que nos controles, Dr. Alberto Queiroz Farias Professor-Doutor do Departamento de Gastroenterologia da Faculdade de Medicina da Universidade de Sao Paulo (USP) Coordenador Clinico do Programa de NAYSA GABRIELLY ALVES DE ANDRADE 2 Transplante Hepatico do Hospital das Clinicas da USP. 4 indicando a existência de resistência à ação da trombomodulina (i.e. proteína C). Tal resistência resultou em estado de hipercoagulabilidade, mesmo em pacientes classificados como Child C, comparável àquele observado na deficiência congênita da proteína C. Concluiu-se que a hipercoagulabilidade do plasma de alguns pacientes com cirrose parece resultar do aumento dos níveis do fator VIII (potente pró-coagulante envolvido na geração da trombina) e diminuição dos níveis de proteína C TESTES DE COAGULAÇÃO NA CIRROSE HEPÁTICA: ATIVIDADE DE PROTROMBINA: - Apesar de muito usados no manejo de pacientes cirróticos, os testes convencionais de coagulação, particularmente o tempo de protrombina (TP), não são eficazes em predizer o risco de sangramento relacionado ou não a procedimentos - Esse fato pode ser explicado porque esses testes, baseados na dosagem da quantidade ou atividade de fatores plasmáticos, avaliam apenas os fatores pró-coagulantes e não avaliam a diminuição dos anticoagulantes naturais que ocorre paralelamente ao declínio dos pró-coagulantes - O TP avalia a eficiência do sistema extrínseco da coagulação, medindo a formação do coágulo plasmático, na presença de fosfolípide (tromboplastina), indicando concentração reduzida de um ou mais fatores da coagulação, causada por distúrbios hereditários, deficiência de vitamina K, doença hepática ou uso de medicamentos. O tradicional TP avalia 5% da geração de trombina. Significa que representa um bom marcador de perda de função hepática, porém não avalia adequadamente o risco de sangramento TTPA (TEMPO DE TROMBOPLASTINA PARCIAL ATIVADO): - Serve para avaliar a via intrínseca da coagulação, prestando-se para a monitorização de pacientes sob terapia anticoagulante com heparina - Assim como o TP, o TTPA também tem valor limitado em predizer sangramento em pacientes cirróticos CONTAGEM DE PLAQUETAS: - A contagem de plaquetas não apresenta relação linear com o risco de sangramento em pacientes com cirrose hepática, principalmente quando os valores são limítrofes ao valor de corte tradicional de 50.000/mm³ - Entretanto, está bem documentado na literatura que os valores da contagem de plaquetas são críticos para a geração de trombina AVALIAÇÃO DA FIBRINÓLISE:- Não existe consenso na literatura em relação à melhor forma de diagnosticar hiperfibrinólise em portadores de cirrose hepática, pois a determinação ou dosagem de marcadores isolados costuma superestimar sua prevalência 2. EXPLICAR AS ALTERAÇÕES HEMODINÂMICAS NO SISTEMA PORTA, RECONHECENDO OS SINAIS CLÍNICOS DA HIPERTENSÃO PORTAL E SUAS PRINCIPAIS CAUSAS. - A hipertensão porta é definida por uma pressão na veia porta > 10mmHg (normal = 5 a 10 mmHg). No entanto, como a mensuração direta da pressão na veia porta é muito complicada, outra definição habitualmente utilizada se refere a uma forma indireta de avaliação: o chamado gradiente de pressão venosa hepática (HVPG), que quando > 5 mmHg identifica a existência de hipertensão porta (normal = 1-5 mmHg) - O HVPG é um bom preditor prognóstico as varizes esofagogástricas começam a se formar quando o HVPG ultrapassa o valor de 10 mmHg, tornando-se o risco de sangramento clinicamente significativo a partir de valores de HVPG > 12mmhG - A síndrome da hipertensão porta é composta basicamente pela esplenomegalia congestiva, pelas varizes gastroesofágicas e pela circulação colateral visível no abdome. Na cirrose, também cursa com ascite. Na cirrose, a hipertensão porta contribui ainda para a encefalopatia hepática (ao desviar para a circulação sistêmica parte do sangue portal, rico em amônia), ganhando a sinonímia de encefalopatia portossistêmica. NAYSA GABRIELLY ALVES DE ANDRADE 3 FISIOPATOLOGIA: - A hipertensão portal é consequência de: Aumento da resistência ao fluxo venoso portal causado por um aumento da resistência vascular em nível pré- hepático (trombose de veia porta), intra-hepático (cirrose) ou pós-hepático (síndrome de Budd-Chiari) Aumento no fluxo sanguíneo portal, em decorrência da vasodilatação esplâncnica - Na hipertensão portal da cirrose hepática a obstrução ao fluxo portal é resultante de dois componentes: 1) Resistência estrutural secundária à fibrose e à formação de nódulos regenerativos 2) Elevação primária do tônus vascular intra-hepático pela contração das células hepáticas estreladas, miofibroblastos e células de músculo liso vascular. Este último componente responde por 20-30% do aumento da resistência intra-hepática. ETIOLOGIA: - 3 principais categorias: Pré-hepáticas Intra-hepáticas Pré-sinusoidal Sinusoidal Pós-sinusoidal Pós-hepáticas - Em algumas doenças associadas a aumento da pressão no sistema porta, entram em ação mais de um mecanismo CAUSAS INTRA-HEPÁTICAS SINUSOIDAL: - São classificadas de acordo com a zona anatômica de obstrução do fluxo sanguíneo porta dentro do fígado - HP sinusoidal e pós-sinusoidal deve-se a uma doença do parênquima hepático, sendo um exemplo clássico a cirrose NAYSA GABRIELLY ALVES DE ANDRADE 4 - A HP pré-sinusoidal resulta de obstrução de pequenos ramos intra-hepáticos da veia porta (exemplo clássico: esquistossomose) CIRROSE HEPÁTICA: É a causa mais comum de hipertensão porta no Brasil e no mundo Qualquer que seja a sua causa (vírus, álcool, autoimune, etc.), a presença dos nódulos de regeneração comprimindo os sinusoides, a fibrose do espaço de Disse e a contração dos miofibroblastos se encarregam de aumentar a resistência ao fluxo portal hepático HEPATITE AGUDA: Pode cursar com HP transitória É mais frequente nos pacientes com hepatite alcoolica ou hepatite viral fulminante, tendo relação com o grau de colapso dos sinusoides resultante da compressão gerada pela necrose hepática HEPATITE CRÔNICA As lesões iniciais localizam-se mais comumente na fronteira entre os espaços-porta e o lóbulo hepático ("hepatite de interface"). Com a progressão da doença, notamos hepatite lobular, com aumento da deposição de colágeno nos espaços de Disse (espaço entre os sinusoides e os hepatócitos) e comprometimento sinusoidal. Dessa forma, temos um componente pré-sinusoidal e, com o avançar da doença, um comprometimento sinusoidal. Devemos ter em mente que a hipertensão porta pode surgir eventualmente na ausência de cirrose, embora seja bastante incomum. HP INTRA-HEPÁTICA PRÉ-SINUSOIDAL: - A esquistossomose é a causa mais comum de HP intra-hepática pré-sinusoidal ESQUISTOSSOMOSE HEPATOESPLÊNICA: Nas fases precoces da esquistossomose hepática, a HP é decorrente de uma reação granulomatosa nas vênulas hepáticas (localizadas nos espaços-porta), provocada pela deposição de ovos do parasita. Essa resposta inflamatória leva à fibrose e obliteração das vênulas portais, com manifestações de HP na ausência de injúria hepatocelular importante, determinando uma HP pré-sinusoidal. Sabemos que ao longo do tempo, os espaços- porta tornam-se intensamente fibrosados (fibrose de Symmers)... HP IDIOPÁTICA (SÍNDROME DE BANTI OU FIBROSE PORTAL NÃO CIRRÓTICA IDIOPÁTICA): Essa síndrome predomina em pessoas jovens e tem exatamente as mesmas características clínicas e patológicas da esquistossomose hepatoesplÊnica (esplenomegalia, hiperesplenismo, varizes esofagogástricas, sem insuficiência hepática importante) HP INTRA-HEPÁTICA PÓS-SINUSOIDAL: DOENÇA HEPÁTICA VENO-OCLUSIVA: A doença veno-oclusiva hepática acomete pequenas veias hepáticas. Observamos deposição de uma matriz rica em fibronectina em torno das veias centrais dos lóbulos (portanto pós-sinusoidal). A doença se manifesta de forma aguda com icterícia, hepatomegalia congestiva e dolorosa, ascite e varizes gastroesofágicas. A elevação das aminotransferases e da bilirrubina são achados laboratoriais frequentes. Esta condição é mais comumente observada na doença enxerto vs. hospedeiro, sendo uma complicação comum no transplante alogênico de células-tronco. Outras causas incluem irradiação hepática e uso de um chá (bush tea disease) jamaicano, que contém alcaloides de determinadas plantas (crotalaria). HP PRÉ-HEPÁTICA: - Nesse grupo, incluímos todas as causas de aumento de pressão na veia porta não associadas a desordens de estruturas localizadas no interior do parênquima hepático NAYSA GABRIELLY ALVES DE ANDRADE 5 TROMBOSE DE VEIA PORTA: É a principal causa de hipertensão portal pré-hepática. Esta desordem é mais frequentemente encontrada na população pediátrica, tendo sua origem a partir de uma infecção na veia umbilical. Na população adulta encontramos como causa importante a cirrose hepática e as desordens trombofílicas (presentes em 60% dos casos). O carcinoma hepatocelular, complicando uma cirrose preestabelecida, também pode se apresentar como trombose de veia porta. Outras condições associadas incluem a doença intestinal inflamatória, as síndromes mieloproliferativas, hemoglobinúria paroxística noturna, complicação de escleroterapia, gravidez, uso de contraceptivos, etc. A trombose crônica da veia porta pode levar à transformação cavernosa da veia porta: dilatação de veias colaterais hepatopetais (em direção ao fígado), dando a aparência de "dilatações cavernosas". O diagnóstico geralmente é feito por USG�Doppler da porta, sendo a RM ou a TC reservadas para os casos duvidosos. O tratamento na fase aguda é feito com anticoagulação, enquanto que na crônica é assunto controverso... TROMBOSE DE VEIA ESPLÊNICA (HP SEGMENTAR): Causa a chamada hipertensão porta segmentar. Devemos suspeitar de trombose de veia esplênica quando nos deparamos com sinais de hipertensão portal, particularmente hemorragia por varizes gástricas, em pacientes com função hepatocelular normal. A principal causa desta condição é representada pelas doenças do pâncreas. A pancreatite crônica é responsável pela grande maioria dos casos, com o câncer de pâncreas em segundo lugar! Devido à anatomia do sistema porta, este distúrbio geralmente cursa com varizes de fundo gástrico isoladas (HP segmentar ou HP esquerda ou sinistra). Entretanto, a identificação de varizes gastroesofágicas não é incomum. O diagnóstico desta variedade de HP torna-se fundamental,uma vez que a esplenectomia corrige inteiramente o distúrbio. Hipertensão porta segmentar = patologias pancreáticas ESPLENOMEGALIA DE GRANDE MONTA: Este fenômeno ocorre em uma minoria de pacientes com aumento do baço. Entre as condições encontradas, citamos a leucemia mieloide crônica, os linfomas, a doença de Gaucher, a policitemia vera e a metaplasia mieloide. Nesses casos, a HP é decorrente do fluxo hiperdinâmico proveniente da veia esplênica a partir do baço absurdamente aumentado. A esplenectomia pode normalizar a pressão porta em alguns pacientes. Entretanto, na maioria das desordens hematológicas, observamos aumento da resistência ao fluxo porta hepático devido à infiltração do parênquima por células neoplásicas. Outras causas também frequentes de HP nesse grupo seriam as tromboses de veias porta e hepática. HP PÓS-HEPÁTICA: - Esses distúrbios determinam um aumento da pressão porta como um reflexo de elevações da pressão em sistemas venosos localizados “acima” do fígado, principalmente a veia cava inferior - Qualquer doença que eleve as pressões em câmaras cardíacas direitas pode estar envolvida - O achado histológico da obstrução pós-hepática é representado por congestão sinusoidal com áreas de infarto centrolobular SÍNDROME DE BUDD-CHIARI: Esta síndrome, assim como a doença veno-oclusiva, não possui achados histológicos de cirrose. Nesta desordem observamos obstrução de caráter insidioso ou agudo das veias hepáticas. Como causas mais frequentes citam-se as desordens mieloproliferativas (policitemia vera), a hemoglobinúria paroxística noturna, outras trombofilias (fator V de Leyden, SAAF, deficiência de antitrombina III), a gravidez, o uso de contraceptivos orais e malignidades em geral. A síndrome de Budd-Chiari aguda manifesta-se com dor intensa em quadrante superior direito, associada à hepatomegalia, com rápido desenvolvimento de ascite e icterícia; sangramento gastrointestinal por ruptura de varizes esofágicas pode ocorrer. Na forma crônica/subaguda, o quadro álgico e a hepatomegalia são menos comuns, com o aparecimento insidioso da sintomatologia (principalmente ascite). NAYSA GABRIELLY ALVES DE ANDRADE 6 Ocorre em consequência à trombose das veias hepáticas, levando a um mecanismo de hipertensão porta pós- sinusoidal e franca ascite e hepatomegalia. Está muito associada às síndromes trombofílicas (de hipercoagulabilidade), como as neoplasias e síndromes mieloproliferativas (classicamente a policitemia vera). OBSTRUÇÃO DA VEIA CAVA INFERIOR (VCI): As causas de obstrução mecânica da VCI incluem trombose venosa, tumores, cistos, abscessos e obstrução membranosa por uma "teia". Esta última condição é tipicamente encontrada em alguns países da África e Oriente. O quadro clínico se caracteriza por desenvolvimento lento e progressivo de manifestações de hipertensão portal, associado a uma hepatomegalia dolorosa. A trombose da VCI, quando associada à oclusão da veia hepática (síndrome de Budd-Chiari), possui apresentação clínica mais abrupta, com o surgimento de sangramento por varizes rotas e ascite de maneira mais precoce. Independentemente da causa de obstrução da cava inferior, encontramos somente nestes pacientes achados como edema de membros inferiores e circulação colateral no dorso. DOENÇAS CARDÍACAS: Como vimos acima, qualquer aumento de pressão em cavidades direitas do coração, seja decorrente de pericardite constritiva, cardiopatias orovalvares ou cardiomiopatias, transmite-se para a cava inferior, daí para a veia hepática, sinusoides e, finalmente, veia porta. Os pacientes com esta síndrome possuem evidências de ascite intratável e disfunção hepatocelular, que são muitas vezes difíceis de distinguir de outras causas de hipertensão porta. Embora os pacientes com sobrecarga de cavidades direitas desenvolvam ascite, as varizes gastroesofágicas são detectadas somente naqueles indivíduos com doença hepática intrínseca que produza um gradiente significativo entre o sistema porta e a veia ázigos. 2. DISCUTIR EXAMES LABORATORIAIS E MEDIDAS TERAPÊUTICAS EMPREGADAS EM CIRRÓTICOS COM HEMORRAGIA DIGESTIVA ALTA VARICOSA. - A prevalência de varizes esofagianas em pacientes recém diagnosticados com cirrose hepática encontra-se em torno de 50%, sendo de 40% os pacientes Child-A e 85% nos Child-C - As varises esofagianas evoluem para sangramento em pelo menos 30-40% dos casos e são a causa mais comum de hemorragia digestiva alta em pacientes com hipertensão porta - As varizes gástricas podem ser isoladas ou associadas às esofágicas (achado mais comum), sendo mais frequentes na hipertensão porta pré-hepática. São responsáveis por até 10% de todos os episódios de hemorragia digestiva alta no paciente cirrótico - O diagnóstico requer, além da endoscopia convencional, o uso de ultrassonografia endoscópica - As varizes gástricas são alimentadas pelas veias gástricas curtas e posteriores, sendo geralmente associadas a uma pressão portal menor do que a encontrada nas varizes esofágicas. - Após um primeiro episódio de sangramento por VG, a recidiva varia de 25-90%. A mortalidade relacionada ao sangramento encontra-se em torno de 20% CONDUTA NO SANGRAMENTO: CONTROLE RESPIRATÓRIO E HEMODINÂMICO: - A estabilização da PA é a 1ª medida em qualquer hemorragia digestiva - A reposição de solução cristaloide e, mesmo sangue, é recomendada - O emprego de plasma fresco congelado está indicado quando o INR está acima de 1.7, e a transfusão de plaquetas quando a plaquetometria for inferior a 50.000/mm3 - Os pacientes que se apresentam confusos ou com rebaixamento do nível de consciência merecem ser intubados, até mesmo para proteger a via aérea durante a realização de endoscopia digestiva alta NAYSA GABRIELLY ALVES DE ANDRADE 7 - A EDA deve ser realizada o mais rapidamente possível, embora com o doente estabilizado do ponto de vista respiratório e hemodinâmico TERAPIA ENDOSCÓPICA: - Uma vez estabilizada a hemodinâmica, o estômago deve ser lavado vigorosamente; e uma EDA realizada, de preferência, dentro das primeiras 12h - Este procedimento permite a localização adequada do sítio de sangramento, confirmando ou afastando o sangramento por varizes esofagogástricas rotas - Sabemos que cerca de 30- 40% dos pacientes com hipertensão porta possuem sangramentos decorrentes de outras lesões, como a síndrome de Mallory-Weiss e a esofagite ou gastrite erosiva. - A terapia endoscópica é a conduta de escolha para hemorragia digestiva alta decorrente de sangramento de varizes esofagianas, mas não as gástricas... A técnica hemostática de escolha é a ligadura elástica (preferencial à escleroterapia). Cerca de 60% dos episódios de hemorragia por varizes cessam de maneira espontânea. Entretanto, a hemostasia endoscópica torna-se sempre necessária, mesmo em vasos que já pararam de sangrar, devido ao elevado risco de ressangramento precoce. O tratamento endoscópico controla o sangramento das varizes em 85-90% dos casos. TERAPIA FARMACOLÓGICA: - É realizada com vasoconstritores esplâncnicos intravenosos, que reduzem o fluxo sanguíneo porta e, portanto, a pressão portal - A terlipressina (análogo da vasopressina) é atualmente considerada a droga de escolha; a somatostatina (pouco disponível no mercado); o octreotídeo e seus derivados (análogos da somatostatina). Estes últimos inibem a ação vasodilatadora esplâncnica do glucagon - A terapia com essas medicações deve ser iniciada de imediato, uma vez diagnosticado o sangramento por varizes, sendo considerada adjuvante à terapia endoscópica ou terapia isolada nas varizes gástricas e na gastropatia hipertensiva portal sangrante - O potencial de controle da hemorragia é de 80%, quando em terapia isolada - A terapia farmacológica é a conduta de primeira linha para a hemorragia das varizes gástricas ou da gastropatia hipertensiva portal. BALÃO DE SENGSTAKE-BLAKEMORE: - Naausência de procedimentos endoscópicos de urgência ou nos pacientes que permanecem sangrando a despeito da terapia endoscópica e farmacológica, podemos empregar o tamponamento com balão de Sengstaken-Blakemore (BSB) - o BSB possui três lúmens (para encher o balonete gástrico, o balonete esofágico e para aspiração gástrica). Modelos novos possuem um quarto lúmen para aspiração esofágica... O dispositivo deve ser passado até o estômago e inflado o balonete gástrico com 250 ml de ar, sendo duplamente pinçado; após devida tração do BSB, é colocado um peso com 500 ml de soro para mantê-lo tracionado. O balonete esofágico então é inflado com 40 mmHg de pressão de ar, sendo também pinçado. Parece que o efeito hemostático mais importante do BSB deve-se ao balonete intragástrico tracionado - O balão deve ser mantido por curta permanência (idealmente < 24h) até que o paciente encontre-se estável hemodinamicamente para submeter-se ao procedimento cirúrgico descompressivo ou ao procedimento endoscópico (se ainda não realizado) - O tamponamento com balão é eficaz em 90% dos casos, porém a maioria dos pacientes volta a sangrar se não realizada terapia definitiva - Cumpre ressaltar que o VI Consenso de Baveno, publicado em 2015, afirma que nas hemorragias digestivas altas REFRATÁRIAS ao tratamento clínico + endoscópico inicial, a implantação de um TIPS (ver adiante) seria mais segura e eficaz do que a passagem de um BSB, o que vem fazendo com o que o uso do BSB se torne cada vez mais raro na prática médica... NAYSA GABRIELLY ALVES DE ANDRADE 8 TIPS (TRANSJUGULAR INTRAHEPATIC PORTOSYSTEMIC SHUNT): - O TIPS é um dispositivo colocado por via percutânea (transjugular) por um radiologista intervencionista, criando uma conexão intra-hepática entre a veia hepática (sistema cava) e a veia porta, o que descomprime subitamente o sistema e alivia de imediato a hipertensão porta - A taxa de sucesso no controle dos episódios agudos de sangramento por varizes esofagogástricas rotas "refratárias" ao tratamento convencional (ligadura elástica + farmacoterapia) supera os 95%. Logo, o TIPS tem sido bastante indicado nos casos de hemorragia refratária, substituindo, na prática, as cirurgias descompressivas de emergência (que antigamente representavam a única opção terapêutica disponível) e a passagem de um BSB CIRURGIA DE URGÊNCIA: - É classicamente o método mais eficaz em fazer parar o sangramento por varizes esofagogástricas - É reservada para os casos de sangramento incontrolável pela endoscopia e/ou terapia farmacológica em hospitais que não dispõem do TIPS - A cirurgia de urgência mais utilizada é a derivação porto-cava (não seletiva). É rápida e extremamente eficaz, porém, acarreta mortalidade de até 25% quando realizada em condições de emergência - A transecção esofágica com grampeador é um método cirúrgico bem mais simples e fácil de executar, embora tenha um risco alto de ressangramento. Pode ser a alternativa em centros que contam com cirurgiões de urgência sem experiência na confecção da derivação porto-cava. 3. RECONHECER E CONDUZIR CORRETAMENTE AS COMPLICAÇÕES DA HEMORRAGIA DIGESTIVA ALTA VARICOSA INFECÇÕES: As infecções são complicações importantes observadas em portadores de HDAV. Estima-se que 20% dos pacientes com sangramento varicoso apresentem infecções bacterianas à admissão hospitalar e que cerca de 50% deles as NAYSA GABRIELLY ALVES DE ANDRADE 9 desenvolvam durante sua hospitalização. A piora da hipertensão portal e o maior risco de recorrência hemorrágica foram observados em portadores de HDAV que apresentam complicações infecciosas. As principais infecções bacterianas que devem ser investigadas sistematicamente no cirrótico são a infecção urinária, a peritonite bacteriana espontânea (PBE), a infecção do trato respiratório e as bacteremias espontâneas. Deve-se rastrear infecções em todo cirrótico hospitalizado por HDAV pela coleta de hemoculturas, punção do líquido ascítico com citologia global e diferencial e cultura (semeada em balão de hemocultura), análise do sedimento urinário e Rx de tórax. O emprego de antibioticoprofilaxia tem sido associado à redução na frequência de eventos infecciosos com melhora na sobrevida de pacientes tratados, tendo sido observado redução do risco relativo de 58% para infecções e de 29% para mortalidade. Vários esquemas profiláticos foram preconizados, mas o mais empregado são as quinolonas orais, particularmente o norfloxacino na posologia de 400 mg duas vezes ao dia, por 7 dias. ENCEFALOPATIA HEPÁTICA: É uma complicação neurológica que ocorre em pacientes portadores de disfunção hepática grave. Está relacionada à falha de detoxificação de metabólitos, principalmente a amônia, provenientes do intestino, atribuídos à presença de insuficiência hepática e de shunts portossistêmicos (vaso anormal entre a circulação do fígado e demais órgãos do corpo). É mais frequentemente desencadeada por hemorragia digestiva alta, infecções agudas, distúrbios hidroeletrolíticos, grande ingestão de proteínas, deterioração da função hepática e após derivações cirúrgicas portossistêmicas. Sua intensidade varia da forma clinicamente inaparente ou leve, até a forma aparente e clinicamente evidente. Em caso de encefalopatia hepática é necessário a hidratação e correção do desequilíbrio eletrolítico. Pode-se fazer uso de lactulose, um dissacarídeo não absorvível, que resulta em acidificação colônica. Em pacientes que são intoleráveis, os antibióticos com absorção precária são uma opção. Rifaximina pode ser utilizada. Suplementação de zinco pode ser útil. INSUFICIÊNCIA RENAL: Os tipos mais frequentes de IR no cirrótico são a hipovolemia com ou sem necrose tubular aguda e a IR induzida por infecção. A síndrome hepatorrenal pode ocorrer no transcurso de ambas as situações anteriores. Deve-se rastrear infecções, particularmente infecção de trato urinário, PBE e infecção respiratória em todo paciente com HDAV. O rastreamento de infecções deve incluir ao menos coleta de hemoculturas, punção do líquido ascítico com citologia global e diferencial e cultura (semeada em balão de hemocultura), sumário de urina e Rx de tórax. O emprego de antibioticoprofilaxia deve ser mandatório visando reduzir a frequência de infecções, recorrência de sangramento varicoso e mortalidade. Pode-se empregar quinolonas orais (norfloxacino 400 mg duas vezes ao dia) ou cefalosporina de 3ª geração (ceftriaxone 1 g IV/dia), sendo recomendado período de tratamento de 7 dias. Pacientes com cirrose avançada e/ou instabilidade hemodinâmica devem ser tratados preferencialmente com ceftriaxone intravenosa. Com base nas evidências clínicas disponíveis, não se pode recomendar nenhuma medida profilática visando prevenção de encefalopatia hepática em paciente com HDAV. Embora a principal causa de insuficiência renal em paciente com HDAV seja a hipovolemia, deve-se avaliar presença de SHR nestes pacientes e, quando indicado, tratamento com terlipressina e albumina.
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