Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
Aula 1 – Gastroenterologia: Pancreatite Aguda A pancreatite aguda é um processo inflamatório agudo do pâncreas. Sua sintomatologia consiste em dor ab- dominal, alterações bioquímicas (aumento de lipase e/ou amilase, sendo que a amilase sobe muito nas pri- meiras horas e decresce a níveis normais em torno de 3 a 5 dias, enquanto a lipase aumenta gradativamente), náuseas, muitos vômitos e alterações radiológicas. A dor (muitas vezes em faixa ou irradiada para o dorso) se dá no abdômen superior (intensidade máxima em 20 minutos do início), sendo que sua intensidade e localização não correspondem com a gravidade da doença. Há também a presença de náuseas, vômitos (que não aliviam a dor) e até dispneia em casos graves. Além disso, em resposta à inflamação pancreática, as células acinares liberam citocinas pro-inflamatórias, como o TNF-, IL-1, IL-2, IL-6 e mediadores inflamatórios. Dessa forma, há propagação sistêmica da resposta local. Por um lado, essa resposta é autolimitada em 80 a 90% dos pacientes. Entretanto, nos pacientes remanescentes, há um ciclo vicioso da lesão, persistindo a reação inflamatória. Em uma parcela menor de pacientes, há a liberação desses mediadores para a circulação sistêmica causando a Síndrome da Resposta Inflamatória Sistêmica (SIRS), de modo que os neutrófilos ativos medeiam a lesão pulmonar e induzem a síndrome da angústia respiratória em adultos, também podendo causar disfunção múltipla de órgãos. Diagnóstico O diagnóstico é feito pela presença de dois dos três seguintes critérios: • Dor abdominal consistente com a doença. • Amilase e/ou lipase (lipase mais específica) superior a 3x o limite superior do normal. • Achados característicos de imagem abdominal (critérios de Balthazar de A-E na tomografia). A tomografia computadorizada com contraste (padrão ouro) e/ou ressonância magnética do pâncreas devem ser reservados para pacientes nos quais o diagnóstico é incerto, ou que não conseguem melhorar clinicamente dentro das primeiras 48 a 72 horas após a admissão hospitalar. Já a ultrassom transabdominal deve ser realizada em todos os pacientes com pancreatite aguda para verificar a presença de cálculos biliares. No exame físico, há distensão abdominal, dor epigástrica a palpação leve até sensibilidade significativa, os ruídos hidroaéreos estão reduzidos ou abolidos, há icterícia, febre, hipotensão, taquipneia, equimose na região periumbilical (sinal de Cullen), equimose na região de flanco (sinal de Gray Turner). Etiologia A principal causa de pancreatite é a pedra na vesícula (40 a 70%), a qual desce e obstrui o ducto de Wirsung. Muitas vezes a pedra desce, mas mesmo assim há lesão na papila por conta da passagem, causando um edema que fecha a papila. Caso o cálculo não saia, o que é raro, também haverá obstrução do colédoco, causando icterícia no paciente (síndrome colestática). Outra causa é a libação alcóolica. Na ausência de cálculos biliares e/ou da história significativa do consumo de álcool, a dosagem de triglicerídeos deve ser obtida e considerada a etiologia se for maior que 1000 mg/dl. Em pacientes com mais de 40 anos de idade, um tumor pancreático deve ser considerado como possível causa da pancreatite. Também é possível que ocorra pancreatite aguda por hipercalcemia, causada por medicamentos, infecções virais (caxumba), trauma locais (síndrome do tanque), obstrução por áscaris, picada de escorpião ou de aranha marrom, ou ainda sem causa aparente. Estratificação de Risco Os critérios de Atlanta revisado dividem a pancreatite aguda em: leve, moderadamente grave e grave: Além desse, também há o critério de Petrov, o qual divide a pancreatite em leve, moderada, grave e crítica. Nesse critério, a pancreatite leve será aquela que não possui complicações, nem local e nem sistêmica. Já na moderada, há complicação local, como uma falência transitória de órgão, ou uma necrose estéril. Já na grave, há uma falência orgânica permanente ou uma necrose infectada. Por fim, o paciente crítico é o que possui falência orgânica permanente e necrose infectada. Também há o escore de Ranson, o qual avalia o paciente na admissão e após 48 horas. Quando a causa não é biliar, deve-se avaliar os seguintes critérios: idade maior que 55, leucócitos maiores que 16000/mm³, TGO maior que 250 U/I, glicemia maior que 200 mg/dl, LDH maior que 350 U/I. Já nos critérios de 48 horas haverá a queda do hematócrito maior que 10%, aumento do BUN maior que 5 mg/dl, cálcio menor que 8 mg/dl, PO2 menor que 60 mmHg, excesso de base menor que -4 mEq/l e sequestro de líquido maior que 6 litros. Por outro lado, quando a causa é biliar, os critério serão a queda do hematócrito maior que 10%, aumento do BUN maior que 2 mg/dl, cálcio menor que 8 mg/dl, PO2 menor que 60 mmHg, Base Excess menor que -5 mEq/l e sequestro de líquido maior que 4L. O paciente será considerado grave caso o somatório do escore seja maior ou igual a 3 pontos. Para a verificação de necrose no pâncreas, é possível pedir o exame de PCR em exatamente 48 horas após o início da dor. Caso esteja maior ou igual a 150 mg/dl, há 80% de chances de necrose pancreática. Manejo Inicial O manejo principal na pancreatite aguda é a hidratação que deve ser agressiva, partindo de 250 a 500 ml por hora de solução cristaloide isotônica, que deve ser fornecido a todos os pacientes a menos que existam comor- bidade relacionados, cardiovasculares, renais ou outro. Hidratação venosa agressiva é mais benéfico durante as primeiras 12 a 24 horas, e pode ter poucas vantagens para além deste período de tempo. Em um paciente com hipovolemia grave, com hipotensão e taquicardia, podem ser necessários reposição mais rápida (bolus). Solução de Ringer Lactato pode ser o líquido isotônico de reposição cristaloide preferencial. Necessidades de líquidos deve ser reavaliada em intervalos frequentes dentro de 6 horas da admissão. Paciente deve ficar em jejum durante 24 a 36 horas, podendo passar a dieta via oral após esse período de tempo em caso de melhora da dor e diminuição dos vômitos, desde que a dieta seja hipolipídica. Caso o paciente não consiga se alimentar, deve-se passar uma sonda nasoenteral, de modo que fique depois da se- gunda porção do duodeno (diminuir o trabalho pancreático). Caso o paciente não consiga aceitar bem a alimentação por via enteral (distensão, dor, etc.), deve ser feito um acesso central e realizar a nutrição paren- teral. Entretanto, não se deve retirar toda a alimentação da sonda, deixando um pouco de dieta no trânsito (10 ml/h) para nutrir os enterócitos e evitar a translocação bacteriana (a qual infecta a necrose do pâncreas). A analgesia deve começar com dipirona ou tramadol, em casos mais graves pode usar meperidina, dei- xando a morfina apenas para últimos casos, uma vez que ela causa contração do esfíncter de Oddi, havendo a possibilidade da piora da pancreatite. Como a pancreatite pode ser causada por cálculos, deve ser feita um ultrassom abdominal com intuito de avaliar a presença de colelitíase. Caso positivo, a colecistectomia é indicada para evitar que ocorram novas pancreatites agudas pela mesma causa. Leve Moderadamente Grave Grave Ausência de Falência de Órgãos Complicações Locais Complicações Locais Ausência de Complicações Locais Falha Transitória de Órgão Falência Persistente de Órgão Hemorragia TGI (>500 ml/dia) Choque (PAS < 90 mmHg) PaO2 < 60% Creatinina > 2 mg/dl Pacientes com pancreatite aguda e colangite aguda concomitante devem ser submetidos a CPRE dentro de 24 horas da admissão. Do contrário, a CPRE não é necessária no início, já que a maioria dos pacientes com PA biliar não possuem laboratório ou evidência clínica de obstrução biliar em curso. Além disso, caso não haja evidência de colangite, não se deve fazer CPRE, uma vez que esse exame também é causador de PA. Antibióticos na Pancreatite Aguda Não se recomenda ouso rotineiro de antibióticos profiláticos em pacientes com PA grave. Também não é recomendado o uso de antibióticos em pacientes com necrose estéril para evitar o desenvolvimento de necrose infectada, uma vez que irá causar a seletividade das bactérias. Os antibióticos devem ser dados para uma infecção extrapancreática, como colangite, infecções de cateter bacteremia, ITU, pneumonia, etc. Necrose infectada deve ser considerada em pacientes com necrose pancreática ou extrapancreáticos que dete- rioram ou não melhoram após 7 a 10 dias de internação. Deve ser realizada punção aspirativa por agulha fina guiada por TC para coloração de Gram e cultura para orientar o uso de antibióticos ou o uso empírico de antibióticos após a obtenção de culturas necessárias para agentes infecciosos. Além disso, nesses casos (ne- crose infectada), a indicação é de cirurgia, uma vez que o pâncreas está pouco vascularizado e o antibiótico não terá muita eficiência. Porém, a cirurgia deve ser feita o mais tardia possível (após 14 dias). Por fim, a vesícula deve ser a última a ser retirada para evitar uma nova pancreatite aguda. A cirurgia vai ocorrer quando o paciente estiver bem recuperado, em cerca de 24 horas antes da alta. Em pacientes com necrose infectada, os antibióticos conhecidos para penetrar necrose pancreática, tais como carbapenemas (imipenem), quinolonas e metronidazol podem ser úteis no retardamento ou, por vezes, evi- tando totalmente a intervenção, diminuindo assim a morbidade e mortalidade. A presença de gases na tomo- grafia pode demonstrar indiretamente que há infecção retroperitoneal. Também não é recomendada a administração de rotina de agentes antifúngicos, juntamente com antibióticos profiláticos ou terapêuticos. Cirurgia Em doente com pancreatite aguda biliar necrotizante, a fim de prevenir a infecção, colecistectomia deve ser adiada até desaparecer a inflamação ativa e coleções fluidas ou estabilizar. Pseudocistos pancreáticos ou ex- trapancreáticos assintomáticos e/ou necrose não justificam a intervenção, independentemente do tamanho, localização e/ou extensão. No seguimento de pacientes com necrose infectada, drenagem cirúrgica ou endoscópica deve ser adiada de preferência durante mais de 4 semanas para permitir a formação de uma parede fibrosa em torno da necrose. Em pacientes sintomáticos com necrose infectada, métodos minimamente invasivos de necrosectomia são os preferidos para necrosectomia aberta. Referências Bibliográficas: CROCKETT, Seth D. et al. American Gastroenterological Association Institute guideline on initial manage- ment of acute pancreatitis. Gastroenterology, v. 154, n. 4, p. 1096-1101, 2018. SABISTON. Tratado de cirurgia: A base biológica da prática cirúrgica moderna. 19.ed. Saunders. Elsevier. TENNER, Scott et al. American College of Gastroenterology guideline: management of acute pancreatitis. American Journal of Gastroenterology, v. 108, n. 9, p. 1400-1415, 2013.
Compartilhar