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1 Gabriella Estrela MEDUFBA 255 | PEDIATRIA 2022.2 Diarreia Aguda e desidratação conceitos iniciais Já foi uma das principais causas de mortalidade infantil. (devido a vacinas, melhora das terapias e no saneamento básico, essa causa de morte reduziu bastante). A maioria não precisa pesquisar etiologia (assume- se como viral) Definição Diarreia: alteração da consistência > evacuações amolecidas; líquidas e aumento da frequência (≥3x/dia) - essa caracterização não leva em conta os recém-nascidos/lactentes, portanto também consideramos diarreia a mudança no padrão habitual. Aguda: dura até 14 dias {crônica: >30 dias e persistente: entre 14 e 30 dias} Até que se prove o contrário a etiologia é infecciosa, e na grande maioria das vezes autolimitada, no entanto podem ocorrer: è Complicações: desidratação, desnutrição è A criança desnutrida tem mais risco de apresentar uma doença diarreica aguda, então são condições que podem se retroalimentar, então precisamos interromper esse ciclo FORMAS CLÍNICAS Diarreia aguda aquosa: forma clínica clássica apresentada acima Disenteria: cerca de 10% se apresentam com um quadro diarreico e evacuações sanguinolentas, eventualmente também há muco e secreção purulenta – sangue, pus, muco anamnese da criança com diarreia: duração da diarreia, número diário de evacuações, presença de sangue nas fezes, número de episódios de vômitos, presença de febre ou outra manifestação clínica, práticas alimentares prévias e vigentes, outros casos de diarreia em casa ou na escola. Avaliar oferta e o consumo de líquidos, medicamentos e imunizações. informação sobre a diurese e peso recente, são importantes também MECANISMOS: 1) Osmótica: acúmulo intraluminal de solutos aumentando a osmolaridade intraluminal sendo mantida uma maior quantidade de água no lúmen intestinal à alguns quadros virais impedem a absorção de nutrientes (solutos) que permanecem no lúmen. Melhora com jejum 2) Secretória: secreção ativa de eletrólitos pelo enterócito - existe uma substância estimulando e alterando o funcionamento da célula. Mantida no jejum 3) Invasiva: invasão da mucosa, tende a acometer as regiões mais distais (colite), inflamação; menor absorção etiologia Diarreia aquosa: Rotavírus: vômitos e diarreia - Mecanismo osmótico: promove um achatamento vilositário, e a consequência é a ↓ dissacaridase {princip. lactase}, acumula lactose no lúmen - Mecanismo secretor: produz a toxina NSP4 que faz secreção ativa de eletrólitos. • Grave em <2 anos • Vacinação: reduz a gravidade Outros vírus: norovírus (surtos) Bactérias – E. coli (a principal) - Enterotoxigênica: considerada a principal causa de diarreia bacteriana (não confunda com a principal causa de diarreia aguda: viral), países subdesenvolvidos à diarreia do viajante - Enteropatogênica: pode causar diarreia persistente, principalmente nos < 2 anos, maior risco de desnutrição Vibrião colérico: perde litros de água em poucas horas, diarreia com aspecto de água de arroz Parasitas (protozoário, helmintos): giárdia Disenteria: Qualquer agente que causa disenteria pode causar apenas uma diarreia aquosa (mas a recíproca não é verdadeira!!) não existe disenteria causada por vírus Principal agente à SHIGELLA • É a principal causa de disenteria no nosso meio (brasil) • Diarreia por Invasão: febre, dor abdominal, tenesmo • Pode ter manifestações extra-intestinais o Sintomas neurológicos: convulsão o Síndrome hemolítico-urêmica (SHU): caracterizada pela tríade Tríade da síndrome hemolítico-urêmica IRA Trombocitopenia Anemia microanagiopática 2 Gabriella Estrela MEDUFBA 255 | PEDIATRIA 2022.2 Fisiopatologia: shigella libera toxina que caem na corrente sanguínea e podem causar lesão endotelial - e o principal local é o glomérulo, esse endotélio lesado passa por um processo de reparação que nada mais é que a formação de microtrombos no interior do glomérulo (coagulação intravascular localizada) e a partir disso surgem todas essas alterações à reduz a TFG, consumo de plaquetas {petéquias}, hemólise nos pequenos vasos renais (esquizócitos/icterícia) Campylobacter à mais importante nos EUA, mas cai muito em prova. Pode estar relacionada a síndrome de Guillain-Barré. E. coli: • enteroinvasiva • entero-hemorrágica (STEC– Shigga toxin e. coli): disenteria sem febre**à principal agente etiológico causador da síndrome hemolítico- urêmica {cepa O157:H7}, o risco de ocorrer a SHU é maior com o uso de ATB, por isso o ministério da saúde orienta usar quando a criança faz um grave comprometimento do estado geral Salmonella: quando você tem a infecção gastrointestinal pela Salmonella, não é incomum (até 5% dos casos) que você tenha bacteremia (invasão da corrente sanguínea) à mas, alguns indivíduos fazem um quadro mais grave do que o esperado: o hemoglobinopatia S (anemia falciforme) o Imunodeprimidos o < 3 meses Coprocultura p/ confirmação diagnóstica Parasitas: Entamoeba histolytica (ameba) Tratamento PRIORIDADE: prevenção e tratamento da desidratação Soluções glicossalinas orais: água + sódio + açúcar, pois o sódio será reabsorvido acoplado com a glicose e consequentemente atrairá água p/ célula SORO CASEIRO: 1 pitada de sal e 1 punhado de açúcar à não serve para re-hidratar, só mantém a hidratação Solução reidratante oral (SRO) à 2 TIPOS: • Solução padrão: cólera • Osmolaridade reduzida: maior taxa de sucesso, recomendada pela OMS Soluções cristaloides EV: Hidratação parenteral, SF 0.9% E COMO SABER QUAL DAS DUAS ESCOLHO? pela: Avaliação da hidratação Precisamos avaliar alguns parâmetros clínicos, o primeiro é a condição da criança (estado neurológico), depois a sede, os olhos e sinal da prega (turgor) à são os 4 sinais mais importantes O próprio ministério da saúde indica outros: pulsos, lágrimas e TEC (tempo de enchimento capilar) Para dizer que o paciente está na classificação grave ou desidratado, não basta ter apenas uma das alterações características, são pelo menos duas manifestações grave: a desidratação grave é um choque hipovolêmico, então a criança vai estar letárgica, incapaz de aceitar água, olhos muito fundos, sinal da prega desaparece muito lentamente (>2s), pulso muito fraco/ausente, lágrimas ausentes, TEC > 5s Desidratação: irritada, sedenta por água, olhos fundos, s. prega desaparece lentamente (<2s), pulso fraco e ↑FC, lágrimas ausentes, TEC 3- 5s s/ desidratação: aquela que não tem sinais suficientes * o CDC indica a avaliação de perda de peso e a SBP também: perda de até 5% =desidratação leve; entre 5% e 10% = moderada; > 10% = desidratação grave PLANO A TRATAMENTO NO DOMICÍLIO! 1) Aumentar a ingestão hídrica para prevenir a desidratação: • Soluções caseiras (água de arroz, soro caseiro, chá, suco e. sopas) ou solução de reidratação oral (SRO) após cada evacuação diarreica • < 1 ano: 50-100ml, >1 ano: 100-200ml, >10 anos: a quantidade que aceitar 3 Gabriella Estrela MEDUFBA 255 | PEDIATRIA 2022.2 2) Manter a alimentação habitual para prevenir a desnutrição 3) Orientar sinais de gravidade - Se o paciente não melhorar em dois dias OU se apresentar qualquer um dos sinais abaixo levá-lo imediatamente ao médico (aumento da frequência das dejeções líquidas, vômitos frequentes, sangue nas fezes, recusa para ingestão de líquidos, febre, diminuição da atividade, presença de sinais de desidratação, piora do estado geral) 4) Administrar zinco uma vez ao dia, durante 10 a 14 dias: reduz a gravidade e a recorrência • Até seis meses de idade: 10 mg/dia • Maiores de seis meses de idade: 20 mg/dia PLANO B Administrar o soro de reidratação oral sob supervisão médica (reparação das perdas). Após o término desta fase, retomar o Plano A 1) Administrar solução de reidratação oral (SRO): A quantidade depende da sede do paciente, administrada continuamente, em quantidades pequenas com colher/copo, após cada evacuação,até desaparecerem os sinais de desidratação à entre 75 mL/Kg, em 4 horas, oferecida de forma frequente após cada evacuação 2) Manter aleitamento materno e suspender os outros alimentos (jejum apenas durante o período da terapia de reparação por via oral). 3) Reavaliação frequente, se Hidratada: alta com PLANO A (com SRO / e não soro caseiro) Se evoluir para desidratação grave à seguir PLANO C A alimentação deve ser reiniciada ainda no serviço e deve ser instituída a suplementação de zinco Considera-se fracasso da reidratação oral se as dejeções aumentam, se ocorrem vômitos incoercíveis, ou se evolui para desidratação grave PLANO C Corrigir a desidratação grave com terapia de reidratação por via parenteral (reparação ou expansão) em unidade de saúde. Contempla duas fases: rápida e a de manutenção e reposição. As indicações para reidratação venosa são: desidratação grave, contraindicação de hidratação oral (íleo paralítico, abdômen agudo, alteração do estado de consciência ou convulsões choque hipovolêmico Fase Rápida (expansão) – durante 30 minutos: • <5 anos: SF a 0,9% - 20ml/kg de peso, repete até hidratação. o Se RN ou cardiopata começar com 10ml/kg de peso. • >5 anos: Inicia com SF a 0,9% - 30ml/Kg durante 30 minutos e depois ringer lactato a 70ml/kg – por 2horas e 30 minutos. o Avaliar a criança a cada 30 minutos. Se não houver melhora, aumentar a velocidade do gotejamento. o SRO: iniciar tão logo a criança conseguir beber, no volume de 5ml/kg/h. Fase de manutenção: enquanto a transferência é aguardada, da seguinte forma: SF 0,9% + SG 5% 4 ml/kg/h. ATENÇÃO: As recomendações que acabamos de estudar foram publicadas em 2017, porém, em outros documentos do próprio Ministério, podemos encontrar recomendações um pouco diferentes e é interessante que você̂ esteja familiarizado (muitas provas e cursinhos usam a da OMS) OMS à100mL/kg à Em < 1 ano será feito 30ml/kg em 1 hora e 70ml/kg em 5 horas; já nos maiores de 1 ano a gente faz a mesma quantidade só que na metade do tempo! > 1 ano = 30ml/kg em 30 minutos e 70ml/kg em 2,5 horas 4 Gabriella Estrela MEDUFBA 255 | PEDIATRIA 2022.2 Antimicrobianos O uso de ATB na diarreia aguda está restrito aos pacientes que apresentam disenteria, na cólera, na infecção aguda comprovada por Giardia ou Entamoeba, imunossuprimidos, anemia falciforme, portadores de prótese e crianças com sinais de disseminação bacteriana extraintestinal • Shigelose: ceftriaxona (IM) e ciprofloxacino (entrando em desuso, mas ainda indicada como primeira escolha pelo MS/SBP) • Salmonela com fator de risco (AF, imunodepressão, <3 meses) • Cólera: azitromicina Nos casos de disenteria ATB está indicada quando o paciente apresenta febre e comprometimento do estado geral OUTRAS MEDIDAS • Antieméticos: não são recomendados – metoclopramida/bromoprida não fazem parte do manejo da criança com diarreia aguda – lembrem que todas essas medicações podem ter efeitos no SNC, principalmente em crianças – exceção: ondansetrona no plano B (para aquela criança que vai iniciar plano b, melhora muito a aceitação da criança) • Probióticos: avaliar? Segundo a SBP podem ter algum benefício nos casos de diarreia de etiologia viral (encurta tempo de doença), determinados probióticos podem ser utilizados como coadjuvantes no tratamento • Racecadotrila? (tiorfan) é um inibidor da encefalinase (as encefalinas são substâncias que reduzem a secreção de águas e eletrólitos no intestino, as encefalinases degradam essas moléculas) • Na diarreia persistente (>14 dias): avaliar a redução de lactose na dieta Vitamina A: administrada em populações com risco de deficiência, ↓ risco de hospitalização e mortalidade por diarreia e tem sido administrada nas zonas mais carentes do norte e nordeste OBS.: INTOLERÂNCIA À LACTOSE Lactose não digerida no intestino aumenta a osmolaridade intestinal levando a diarreia, mas não só isso, ela sofre fermentação no cólon gerando ácidos orgânicos (hiperemia perineal/perianal por conta das fezes ácidas) e gases (metano/H2) à flatulência, distensão abdominal, fezes explosivas Resumindo O que pensar ▶ História de diarreia (fezes líquidas, vários episódios ao dia); ▶ Ocasionalmente, presença de vômitos associada; ▶ Diferenciar um quadro agudo (autolimitado e durando cerca de 1 semana) de um quadro crônico (duração superior a 4 semanas). O que procurar ▶ Avaliação do estado de hidratação, considerando: - Ectoscopia: avaliação do estado geral/nível de consciência, olhos, presença de lágrimas, boca e língua (úmidas ou secas) e presença de sede; - Exame direto: sinal da prega, pulsos e enchimento capilar. ▶ Definir se há desidratação e, caso houver, se é grave. O que pedir ▶ Não há necessidade de exames complementares na diarreia aguda; ▶ Nos casos de desidratação grave, principalmente havendo comprometimento do nível de consciência ou convulsões, solicitar dosagem da glicemia e de eletrólitos (principalmente sódio sérico); ▶ Na diarreia crônica, solicitar exames iniciando pelas fezes: pH fecal, pesquisa de substâncias redutoras, EAF, EPF, coprocultura e gordura fecal. O que fazer ▶ Diarreia sem desidratação — Plano A: em casa, oferecer bastante líquido e fazer zinco por via oral por 10 a 14 dias; ▶ Diarreia com desidratação — Plano B: Terapia de Reidratação Oral (TRO) com Soro de Reidratação Oral (SRO) 50 a 100 ml/kg por 4 a 6 horas, feito na unidade de saúde (durante a TRO, apenas o leite materno pode ser oferecido além do SRO); ▶ Diarreia com desidratação grave — Plano C: hidratação venosa com etapa de expansão com uso de solução cristaloide; ▶ Na diarreia crônica, o tratamento será direcionado de acordo com a doença de base REFERÊNCIAS 1) Diarreia aguda Guia prático da SBP 2) Nelson Tratado de pediatria 21ª ed 3) Medcurso 2020 4) Medcel extensivo e casos clínicos 2022
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