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Texto 7 - Direitos Fundamentais, Tratados Internacionais e Novos Instrumentos de Efetivação dos Direitos Humanos Fundamentais - Moraes Linguagem dos DH se transformaram na linguagem da política progressista Após a SEGUNDA GUERRA os DH foram parte integrante da política da Guerra Fria duplo critério na avaliação das violações de DH todos esses fatores trouxeram suspeição para os DH como guia emancipatório forças progressistas preferiram a linguagem da revolução e do socialismo crise desses projetos de emancipação Poderão realmente os DH preencher tal vazio? A resposta é um sim muito condicional identificar as condiçoes em que os DH podem ser colacados ao serviço de uma política progressista e emancipatória é necessário entender as tensões dialéticas que informam a modernidade ocidental o autor identifica 3 tensões dialéticas a primeira: regulação social e emancipação social a emancipaçao deixou de ser o outro da regulação para se tornar no duplo da regulação até os anos 60 crises de regulação levavam ao fortelecimento de políticas emancipatórias hoje a crise do Estado regulador e do Estado-Providência é acompanhada da crise da revolução social e do socialismo os DH também padecem dessa dupla crise, tanto como política reguladora como política emancipatória a segunda tensão: Entre Estado e sociedade civil. O Estado moderno, não obstante apresentar-se como um Estado minimalista, é potencialmente um Estado maximalista a terceira tensão: Entre o Estado-nação e o que designamos por globalização: O modelo político ocidental é um modelo de Estados-nação soberanos, coexistindo num sistema internacional de Estados igualmente soberanos - o sistema interestatal Como poderão os DH ser uma política simultaneamente cultural e global? Como é possível reforçar o potencial emancipatório da política dos DH no duplo contexto da globalização e da fragmentação cultural e da política de identidades Como justificar uma política progressista dos DH com âmbito global e com legitimidade local? Globalizações O que se entende por globalização? as definições estão muito centradas em seu aspecto econômico, e o autor por outro lado acentua o aspecto social, político e cultural da globalização Globalizaçao: conjuntos diferenciados de relações sociais; diferentes coinjuntos de relações sociais dão origem a diferentes fenômenos de globalização; As globalizaçoes enquanto feixes de relaçoes sociais envolvem conflitos e por isso vencedores e vencidos Frequentemente o discurso sobre globalização é a história dos vencedores contada pelos próprios A globalizaçao é o processo pelo qual determinada condição ou entidade local consegue estender a sua influência a todo o globo e, ao fazê-lo, desenvolve a capacidade de designar como local outra condição social ou entidade rival Algumas implicaçoes advem dessa definição perante as condições do sistema-mundo ocidental não existe globalizaçao genuína a globalizaçao é sempre a globalizaçao bem sucedida de determinado localismo a segunda implicaçao é que a globalizaçao pressupõe a localizaçao. Quer isto dizer que, uma vez identificado determinado processo de globalizaçao, o seu sentido e explicaçao integrais não podem ser obtidos sem se ter em conta os processos adjacentes de relcalizaçao com ele ocorrendo em simultâneo ou sequencialmente Um das transformações mais frequentemente associadas à globalizaçao é a compressao tempo- espaço O processo social pelo qual os fenômenos se aceleram e se difundem pelo globo não pode ser analisado independentemente das relações de poder Para dar conta destas assimetrias, a globalização, tal como o autor sugere, deve ser sempre considerada no plural. Por outro lado, há que considerar diferentes modos de produção da globalizaçao O autor distingue 4 modos de produçao da globalização 1. localismo globalizado: processo pelo qual determinado fenômeno local é globalizado com sucesso 2. globalismo localizado: impacto específico de pra'ticas e imperativos transnacionais nas condiçoes locais, as quais sao, por essa via, desestruturadas e reestruturadas de modo a responder a esses imperativos transnacionais. Por exemplo, a conversao da agricultura de subsist6encia em agricultura para exportação os países centrais especializam-se em localismo globalizados, enquanto aos países periféricos é imposta a escolha de globalismo localizados terceiro processo é o cosmopolitismo: as formas predominantes de dominaçao não excluem aos Estados, regiões e grupos sociais subordinados a oportunidade de se organizarem transnacionalmente na defesa de interesses percebidos como comuns o quarto processo é a emergência de temas que pela sua natureza são tão globais como o próprio planeta, o que o autor chama de patrimônio comum da humanidade. É necessário distinguir a globalizaçao de cima-para-baixo da globalização de-baixo-paracima DH COMO GUIÃO EMANCIPATÓRIO DH pode ser localismo globalizada como cosmopolitismo UNIVERSAIS tenderão a ser localismo globalizado A sua abrangência global será obtida à custa da sua legitimidade local os DH precisam ser reconceptualizados como multiculturais os DH não são universais em sua aplicação os DH FAZEM PARTE DE UMA CULTURA GLOBAL? a questão da universalidade é uma questao específica da cultura ocidental pressupostos ocidentais dos DH: natureza humana universal, essencialmente superior e diferente do restante da realidade, e pode ser conhecida pela razão, o indivíduo possui uma dignidade absoluta e irredutível que tem de ser defendida da sociedade ou do Estado; a autonomia do indivídio requerer uma sociedade organizada de forma não hierárquica Premissas da transformação da política dos DH em uma política emancipatória superaçao do debate sobre universalismo e relativismo cultural Todas as culturas são relativas, mas o relativismo cultural enquanto atitude filosófica é incorreto. Todas as culturas aspiram a preocupações e valores universais, mas o universalismo cultural, enquanto atitude filosófica, é incorreto Contra o universalismo, há que propor diálogos interculturais sobre preocupaçoes isomórficas. contra o relativismo, há que desenvolver critérios políticos para distinguir política progressista de política conservadora, capacitação de desarme, emancipação de regulaçao. segunda premissa, todas as culturas possuem concepções de dignidade humana, mas nem todas elas a concebem em termos de direitos humanos. Torna-se necessário idenitificar preocupações isomórficas entre diferentes culturas. A terceira premissa, todas as culturas sao incompletas e problemáticas nas suas concepçoes de dignidade humana Quarta premissa, todas as culturas tem versoes diferentes de dignidade humana, algumas mais amplas do que outras, algumas com um círculo de reciprocidade mais largo, algumas mais abertas a outras culturas. A quinta premissa, todas as culturas tendem a distribuir as pessoas e os grupos sociais entre dois princípios de pertença hierárquica Princípio de igualdade, opera através de hierarquias entre unidades homogêneas Princípio da diferença, opera atraves da hierarquia entre identidades e diferenças consideradas únicas HERMENÊUTICA DIATÓPICA dialógo intercultural, diálogo entre universos de sentidos, e esses constituem em constelações de topoi forres. Os topoi são os lugares comuns retóricos mais abrangentes de determinada cultura Premissas de argumentaçao, tornam possível a troca de argumentos Topoi forres tornam-se altamente vulneráveis e problemáticos quando usados numa cultura diferente. A hermenêutica diatópica baseia-se na ideia de que os topoi de uma dada cultura, por mais forres que sejam, sao tão incompletos quanto a própria cultura a que pertencem o objetivo da hermenêutica diatópica nao é atingir a completude, mas ampliar ao máximo a consciência de incompletude exemplo de hermenêutica diatópica pode ser entre o topos da cultura ocidental, entre o topos do dharma eo topos da umma incompletudo dos DH pelo dharma, os DH São incompletos na medidade em que não estabelecem a ligaçao entre a parte e o todo, na medida em que se centram nos direitos em vez de se centrarem no imperativo primordial, o dever dos indivíduos de encontrarem o seu lugar na ordem geral da sociedade e de todo o cosmo existe uma simetria muito simplista e mecanicista entre direitos e deveres apenas garante direitos àqueles a quem pode exigir deveres Daí a dificuldade em pensar em direitos da natureza ou direitos das gerações futuras pois não pode lhes impor deveres incompletude dos DH pelo umma, com base neles é impossível fundar laços e as solidariedades colectivas sem as quais nenhuma sociedade pode sobreviver, e menos prosperar dificuldade dos DH em aceitar direitos colectivos de grupos sociais ou povos dificuldade de definir a comunidade enquanto arena de solidariedades concretas, campo político dominado por uma obrigação política horizontal a fraqueza da cultura ocidental consiste em estabelecer dicotomias demasiado rígidas entre o indivíduo e a sociedade a fraqueza do umma e do dharma dificuldade de reconhecer que o sofrimento humano tem uma dimensão individual irredutível Texto 9- DIREITOS HUMANOS E O D. CONSTITUCIONAL INTERNACIONAL- FLÁVIA PIOVESAN O bloco de constitucionalidade amplo O bloco de constitucionalidade consiste no reconhecimento, ao lado da Constituição, de outros diplomas normativos de estatura constitucional Direito Comparado decisão n. 71-44 DC de 16.07.71, do Conselho Constitucional francês relativa à liberdade de associação consagrou o valor constitucional do preâmbulo da Constituição francesa de 1958 faz remissão ao preâmbulo da Constituição de 1946 e à Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão de 1789 m 2005, houve alteração do preâmbulo da Constituição francesa e foi agregada remissão à Carta do Meio Ambiente No Supremo Tribunal Federal em 2002, Celso de Mello constatou a existência do debate sobre o bloco de constitucionalidade Supremo Tribunal Federal, ADI 595/ES, Relator Celso de Mello, 2002. No texto constitucional, o artigo 5o, § 2o, permite, ao dispor sobre os “direitos decorrentes” do regime, princípios e tratados de direitos humanos, o reconhecimento de um bloco de constitucionalidade amplo, que alberga os direitos previstos nos tratados internacionais de direitos humanos. Contudo, até a edição da EC n. 45/2004, o estatuto desses tratados, na visão do STF, era equivalente à mera lei ordinária faziam parte da constituição apenas normas expressas ou implícitas previstas na Constituição Com a introdução do artigo 5o, § 3o, o STF modificou sua posição, mas ainda situou os tratados aprovados sem o rito especial do citado parágrafo no patamar da supralegalidade. O bloco de constitucionalidade restrito artigo 5o, § 2o bloco de constitucionalidade amplo – posição minoritária bloco de constitucionalidade restrito - só abarca os tratados aprovados pelo rito especial do artigo 5o, § 3o controle difuso e concentrado de constitucionalidade (artigos 102 e 103) - devem agora serem lidos como sendo componentes do mecanismo de preservação da supremacia do bloco de constitucionalidade A filtragem constitucional do ordenamento, ou seja, a exigência de coerência de todo o ordenamento aos valores da Constituição passa a contar também com o filtro dos valores existentes nesses tratados de rito especial. cabe acionar o controle abstrato de constitucionalidade, em todas as suas modalidades, para fazer valer as normas previstas nesses tratados cabe arguição de descumprimento de preceito fundamental quer de preceito fundamental previsto na Constituição quer nesses tratados cabe recurso extraordinário quando a decisão impugnada contrariar dispositivo da Constituição ou dos tratados celebrados sob o rito especial Os primeiros tratados que foram aprovados de acordo com esse rito foram a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo submissão brasileira ao sistema de petição das vítimas de violação de direitos previstos ao Comitê sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência agora temos, além da Constituição, um tratado de estatura constitucional e dois intérpretes: o Supremo Tribunal Federal, guardião do bloco de constitucionalidade, e o Comitê sobre os Direitos das Pessoas com Deiciência, que pode exarar recomendações gerais e específicas ao Brasil sobre a interpretação e implementação dos direitos da Convenção. Cabe ao Supremo Tribunal Federal levar em consideração os tratados internacionais – agora constitucionalizados na visão majoritária do próprio Tribunal – e apreciar as causas envolvendo seus dispositivos de acordo com a interpretação dada pelos órgãos internacionais O controle de convencionalidade internacional O controle de convencionalidade internacional é atividade de fiscalização dos atos e condutas dos Estados em confronto com seus compromissos internacionais. Em geral, o controle de convencionalidade é atribuído a órgãos compostos por julgadores independentes, criados por tratados internacionais, o que evita que os próprios Estados sejam, ao mesmo tempo, fiscais e fiscalizados Há ainda o controle de convencionalidade nacional, que venha a ser o exame de compatibilidade do ordenamento interno às normas internacionais feito pelos Tribunais internos mesmo se o juiz nacional realizar o controle de convencionalidade dito nacional, este não vincula o juiz internacional. O controle de convencionalidade internacional é fruto da ação do intérprete autêntico – os orgãos internacionais. Exemplo disso é a apreciação pelo STF da compatibilidade da Lei da Anistia brasileira Por isso, preferimos utilizar o termo “controle de convencionalidade” para nos referir ao controle de matriz internacional há diferenças entre o controle de convencionalidade internacional e o controle de convencionalidade nacional a hierarquia do parâmetro de confronto no controle de convencionalidade internacional (a norma paramétrica é a norma internacional, em geral um determinado tratado) é fruto das escolhas internacionais, em sintonia com o princípio de primazia do Direito Internacional já visto controle de convencionalidade internacional exercido pelos tribunais internacionais pode inclusive ser fiscal do Poder Constituinte Originário e O STF não tem jurisdição para fiscalizar a validade das normas aprovadas pelo poder constituinte originário no controle de convencionalidade nacional, a hierarquia do tratado-parâmetro depende do próprio Direito Nacional, que estabelece o estatuto dos tratados internacionais no caso brasileiro, há tratados de estatura legal, supralegal e constitucional, na visão atual do Supremo Tribunal Federal a interpretação do que é compatível ou incompatível com o tratado-parâmetro não é a mesma Por isso, o chamado controle de convencionalidade de matriz nacional é, na realidade, um controle nacional de legalidade, supralegalidade ou constitucionalidade, a depender do estatuto dado aos tratados incorporados O autêntico controle de convencionalidade de tratado internacional é aquele realizado no plano internacional. O controle dito nacional nem sempre resulta em preservação dos comandos interpretados das normas paramétricas contidas nos tratados. Isso desvaloriza a própria ideia de primazia dos tratados, implícita na afirmação da existência de um controle de convencionalidade. o verdadeiro controle de convencionalidade, em última análise, é internacional. a interpretação do conteúdo das normas sempre será uma fissura aberta entre os controles judiciais nacionais e o controle de convencionalidade internacional Defendemos, então, que os controles nacionais e o controle de convencionalidade internacional interajam, permitindo o diálogo e a fertilização cruzada entre o Direito Interno e o Direito Internacional O Brasil e os mecanismos de controlepertencentes ao Direito Internacional dos direitos humanos Os mecanismos aceitos pelo Brasil o Direito Internacional dos Direitos Humanos é hoje uma impressionante realidade Consequentemente, eventual alegação de “competência exclusiva dos Estados” ou mesmo de “violação da soberania estatal” no domínio da proteção dos direitos humanos encontra-se ultrapassada Retrato acabado da internacionalização da temática dos direitos humanos é a crescente adesão dos Estados a mecanismos internacionais judiciais ou quase judiciais, que analisam petições de vítimas de violação de direitos humanos, interpretam o direito envolvido e determinam reparações adequadas, que devem ser cumpridas pelo Estado O Brasil é um dos Estados que aderiu a tais mecanismos internacionais de proteção de direitos humanos, mesmo que de forma tardia inicialmente, o Brasil utilizou a possibilidade, tradicional no Direito Internacional, de não se submeter à jurisdição plena de determinado órgão criado por um tratado de direitos humanos no momento da ratificação Em 2010, a situação brasileira é a seguinte: 1) em 1998, o Estado brasileiro reconheceu a jurisdição obrigatória e vinculante da CorteInteramericana de Direitos Humanos 2) em 2002 o Brasil aderiu ao Protocolo Facultativo à Convenção para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher conferindo, então, poder ao seu Comitê para receber petições de vítimas de violações de direitos protegidos nesta Convenção 3) além disso, o Brasil também reconheceu a competência do Comitê para a Eliminaçãode Toda a Forma de Discriminação Racial para receber e analisar denúncias de vítimas de violação de direitos protegidos pela Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial 4) também o Brasil adotou o Protocolo Facultativo à Convenção contra a Tortura e OutrosTratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes, que estabelece a competência, para fins preventivos, do Subcomitê de Prevenção da Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes do Comitê contra a Tortura 5) o Brasil reconheceu a competência do Comitê dos Direitos das Pessoas comDeficiência para receber petições de vítimas de violações desses direitos 6) em 2002, o Brasil ratificou o Estatuto de Roma, o que implica o reconhecimento dajurisdição, sem reservas (porque o tratado não as admitia), do Tribunal Penal Internacional, que julga, em síntese, crimes graves contra os direitos humanos em 2009, o Brasil deu um passo adiante, após o Congresso ter aprovado a adesão brasileira ao Primeiro Protocolo Facultativo ao Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos [519], houve sua ratificação em 25 de setembro de 2009 [520], permitindo a propositura de petições de vítimas de violações de direitos protegidos no citado Pacto ao Comitê de Direitos Humanos. A implementação das obrigações internacionais: a federalização das graves violações de direitos humanos Em defesa, ainda, da maior eficácia dos Direitos Humanos Fundamentais, a EC 45/04 previu, nas hipóteses de grave violação de direitos humanos, a possibilidade do Procurador-Geral da República, com a finalidade de assegurar o cumprimento de obrigações decorrentes de tratados internacionais de direitos humanos dos quais o Brasil seja parte, suscitar, perante o Superior Tribunal de Justiça, em qualquer fase do inquérito ou processo, incidente de deslocamento de competência para a Justiça Federal (CF, art. 109, § 5º). Esse instituto, conhecido como “Incidente de deslocamento de competência” (IDC), durante esse período, foi utilizado cinco vezes pelo Superior Tribunal de Justiça, sendo que em duas oportunidades houve o deslocamento de competência, levando-se sempre em conta a necessidade da presença de três requisitos essenciais: (a) grave violação a direitos humanos; (b) risco de responsabilização internacional pelo descumprimento de obrigações derivadas de tratados internacionais, e (c) notória incapacidade das instâncias e autoridades locais em oferecer respostas efetivas. A busca pela aceitação do controle de convencionalidade internacional pelo ordenamento brasileiro deu um passo importante com a EC n. 45/2004 e a introdução da chamada “federalização das graves violações de direitos humanos”. A origem dessa alteração constitucional está na jurisprudência constante da Corte Interamericana de Direitos Humanos O Estado Federal é uno para o Direito Internacional e passível de responsabilização, mesmo quando o fato internacionalmente ilícito seja da atribuição interna de um Estado-membro da Federação Esse entendimento é parte integrante do Direito dos Tratados e do Direito Internacional costumeiro. A ausência de “competência federal” é matéria de Direito interno e não de Direito Internacional. O Estado Federal responde pelo fato internacionalmente ilícito da mesma maneira que responde por atos ou omissões efetuadas por seu agente, mesmo quando este age em cumprimento estrito do Direito interno. Há diversos casos na Comissão Interamericana de Direitos Humanos e agora na Corte Interamericana de Direitos Humanos contra o Brasil por ato de ente federado no Caso Maria da Penha, o Brasil foi condenado pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos por violação de direitos humanos das vítimas causada, basicamente, pela delonga do Tribunal de Justiça do Ceará em aplicar a lei penal em prazo razoável cabe mencionar o Caso Damião Ximenes Lopes no qual o Brasil foi condenado por conduta do Poder Judiciário do Ceará no plano internacional, compete à União Federal (e não aos entes federados) apresentar a defesa do Estado brasileiro e tomar as providências para a implementação da deliberação internacional, inclusive quanto às garantias de não repetição da conduta. as obrigações de reparar os danos e prevenir novas condenações internacionais comprovam o interesse jurídico da União Federal para agir no plano interno. Esse interesse jurídico motivou a elaboração da proposta de emenda à CF/88 de n. 368/96 - dar competência do julgamento de crimes contra os direitos humanos à Justiça Federal Após longo trâmite, foi aprovada a EC n. 45/2004 que introduziu novo inciso no artigo 109, dotando os juízes federais de competência para julgar “[...] V-A as causas relativas a direitos humanos a que se refere o § 5 o deste artigo” e ainda foi criado o novo § 5o do mesmo artigo, que estabelece que “§ 5o Nas hipóteses de grave violação de direitos humanos, o Procurador Geral da República, com a finalidade de assegurar o cumprimento de obrigações decorrentes de tratados internacionais de direitos humanos dos quais o Brasil seja parte, poderá suscitar, perante o Superior Tribunal de Justiça, em qualquer fase do inquérito ou processo, incidente de deslocamento de competência para a Justiça Federal”. Ficou consagrado, então, um instrumento que, ao lado da intervenção federal por violação dos direitos da pessoa humana (artigo 34, inc. VII, “b”, da CF/88) e da autorização prevista na Lei n. 10.446/2002 para atuação da Polícia Federal em investigações de crime de competência estadual, possibilitam à União Federal fazer cumprir obrigações internacionais de defesa de direitos humanos. a medida em que haja inércia ou dificuldades materiais aos agentes locais, pode o Chefe do Ministério Público Federal, o Procurador Geral da República, requerer ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) o deslocamento do feito, em qualquer fase e de qualquer espécie (cível ou criminal) para a Justiça Federal. IDC 1 referente ao homicídio de Dorothy Stang - o STJ conheceu o pedido e assim conFirmou sua constitucionalidade este mesmo caso decidiu-se que o deslocamento de competência exige “demonstração concreta de risco de descumprimento de obrigações decorrentes de tratados internacionais Firmados pelo Brasil, resultante da inércia, negligência, falta de vontade política ou de condições reais do Estado-membro, por suas instituições, em proceder à devidapersecução penal” ADI 3.493 e a ADI 3.486 – gera amesquinhamento do pacto federativo e violação do princípio do juiz natural e do devido processo legal o desenho anterior impedia uma ação preventiva que evitasse a responsabilização internacional futura do Brasil Houve caso em que o Brasil nem defesa apresentou perante a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, pela diiculdade da União Federal em obter informações dos entes federados… Além disso, defendo a inexistência de ofensas ao devido processo legal e juiz natural pelo “deslocamento” uma vez que o próprio texto constitucional original convive com tal instituto. De fato, há a previsão de “deslocamento de competência” na ocorrência de vício de parcialidade da magistratura Texto 5- A incorporação dos tratados internacionais de direitos humanos; O impacto jurídico dos tratados internacionais de direitos humanos no Direito interno brasileiro- PIOVESAN 11 Aplicabilidade imediata 11.1 Noções gerais Para a melhor defesa dos direitos humanos adota-se a aplicabilidade imediata dos textos normativos às situações fáticas existentes tais direitos são aptos a serem invocados desde logo pelo jurisdicionado. A Constituição brasileira de 1988 expressamente estabelece, em seu artigo 5o, parágrafo primeiro, que as normas deinidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata próprio Direito interno brasileiro não exige a edição de normas a regulamentar os direitos e garantias fundamentais. Para o Direito Internacional, há regra própria Essa regra consiste em diferenciar, na seara internacional, as normas internacionais selfexecuting e as normas not-self executing A diferenciação entre normas autoaplicáveis e normas que carecem de intermediação legislativa ou administrativa interna é revelada pela própria redação da norma, que permitirá ou não a sua aplicação imediata pelo juiz nacional. Para determinar se uma convenção internacional é autoaplicável internamente, vários critérios são utilizados recorre-se ao tradicional uso da análise da intenção das Partes (mens legislatoris) o critério gramatical, que enfatiza a terminologia utilizada pelo texto internacional análise da existência dos necessários elementos de concretização já no texto internacional, que permitiria ao juiz nacional a aplicação imediata da norma suficientemente clara e precisa. O conceito de “normas autoaplicáveis” pode ser estendido para normas internacionais não convencionais. dependerá do conteúdo da norma consuetudinária Por exemplo, observo que, no caso do Paquete Habana, a Suprema Corte americana decidiu pela autoaplicabilidade da norma costumeira internacional que previa que os barcos pesqueiros estrangeiros nãopoderiam ser confiscados como presas de guerra exsurge dessa análise a relevante questão de saber se o Estado é livre para considerar uma determinada norma internacional autoaplicável. Corte Interamericana de Direitos em porocesso consultivo firmou sua competência para decidir sobre a autoaplicabilidade ou não de norma internacional. a Corte Interamericana de Direitos Humanos, em seu Parecer Consultivo 07/86, estabeleceu que a Convenção Americana de Direitos Humanos é autoaplicável. Uma vez em vigor a Convenção, os direitos protegidos devem ser aplicados perante todos os órgãos estatais (tribunais inclusive), sem que haja ainda a necessidade de novas leis ou atos de aplicação dos citados direitos. Prevalece o entendimento do órgão internacional sobre a autoaplicabilidade ou não de norma internacional, não podendo ser estetema, então, considerado como um “tema de Direito Interno” 11.2 Os direitos sociais são autoaplicáveis? É importante lembrar que a aplicabilidade dos direitos humanos possui tratamento diferenciado quando se trata dos chamados direitos sociais No Direito Internacional dos Direitos Humanos há ainda um longo caminho a ser percorrido para que se consagre a aplicabilidade plena e imediata dos direitos sociais estatuto já atingido pelos direitos civis e políticos, o que, sem dúvida, viola a indivisibilidade dos direitos humanos é necessário que se indague, em face dos direitos sociais, sobre quais são as obrigações dos Estados e qual é o alcance da aplicabilidade imediata de tais direitos o artigo vinte e três do Pacto Internacional das Nações Unidas sobre Direitos Econômicos, Culturais e Sociais estipula que “Os Estados-Partes do presente pacto concordam em que as medidas de ordem internacional destinadas a tornar efetivos os direitos reconhecidos no referido Pacto incluem, sobretudo, a conclusão de convenções, a adoção de recomendações, a prestação de assistência técnica e a organização técnica e a organização, em conjunto com os governos interessados, e no intuito de efetuar consultas e realizar estudos de reuniões regionais e de reuniões técnicas”. Portanto, o dever maior do Estado contratante deste Pacto, que é o mais importante por ser fruto do sistema da Organização das Nações Unidas e contar com a pretensão de ser universal, reduz- se à mera produção de relatórios a serem encaminhados ao Comitê instituído pelo próprio Pacto, contendo as principais realizações e o “progresso realizado com o objetivode assegurar a observância dos direitos reconhecidos no Pacto”. Os relatórios serão encaminhados ao Conselho Econômico e Social da ONU para fins de estudo e de recomendação de ordem geral claro que a recomendação geral evita a responsabilização de um Estado específico por violação destes direitos. É claro que a recomendação geral evita a responsabilização de um Estado especíico por violação destes direitos. Com efeito, os Estados, em geral, alegam a impossibilidade de serem obrigados juridicamente (no contexto de uma responsabilização internacional) a agir no campo social sem terem condições econômicas para tanto. Essas disposições amenas com os deveres sociais dos Estados-Partes no Direito Internacional dos Direitos Humanos refletem a dita progressividade e adstrição à realidade dos direitos sociais e econômicos enquanto obrigações primárias, que seriam cumpridas de acordo com o máximo de recursos estatais disponíveis e de maneira progressiva No contexto interamericano, a situação é similar à do plano universal. De fato, aceitando a dualidade de instrumentos existentes no sistema da ONU, foi elaborado o Protocolo Adicional à Convenção Americana de Direitos Humanos em matéria de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (o chamado Protocolo de San Salvador) em 1988 Tal protocolo, já em vigor, reconhece a importância dos direito econômicos e sociais para o exercício dos direitos civis e políticos, assumindo o princípio da indivisibilidade dos direitos humanos No artigo 1o do Protocolo encontra-se a obrigação internacional geral dos Estados em face dos direitos sociais, econômicos e culturais, que é o compromisso de adotar as medidas adequadas para efetivá-los, levandoem consideração os recursos disponíveis e a progressividade, no mesmo diapasão do Pacto Internacional de Direitos Sociais, Econômicos e Culturais. . A postergação da efetivação de direitos sociais em sentido amplo é tida como consequência de uma disponibilidade limitada, porém temporária, de recursos . A lógica da postergação é sempre acompanhada da lembrança do caráter temporário das restrições para implementação destes direitos sociais, acenando-se com uma acumulação futura de recursos aptos a suprir as carências materiais da população. Ora, essa promessa de concretização futura de direitos protegidos não é aceita nos chamados direitos civis e políticos Como exemplo, cite-se o direito do detento a um tratamento digno, que exige prestações positivas do Estado para seu efetivo cumprimento. Entretanto, não é admitido que se condicione (e que se postergue) o desfrute do direito a um tratamento prisional digno, até o dia em que o Estado possua os recursos necessários para a manutenção deuma administração penitenciária na qual sejam respeitados os direitos do preso. Para BOLIVAR, esta incoerência é um produto da chamada Guerra Fria, refletindo o anseio pela caracterização dos direitos sociais em sentido amplo como meras orientações programáticas , que, se descumpridas, não ensejariam a responsabilidade internacional do Estado. No âmbito puramente empírico, observo que AMARTYA SEN, ao analisar casos históricos de fome maciça em um Estado (Etiópia, 1972-1974;Bangladesh, 1974, entre outros), comprovou que o principal problema não fora o da produção insuiciente de alimentos, mas sim o fracasso da elite governamental em distribuir os alimentos existentes. Assim, não houve carência de recursos, mas sim falta de políticas públicas de proteção do direito à alimentação. O mesmo pode ser dito do Brasil Portanto, o princípio do desenvolvimento progressivo no âmbito de direitos sociais deve ser aplicado com parcimônia e restrições, já que, em países como o nosso, o desenvolvimento é associado com políticas de concentração de renda, o que torna cada vez mais distante (e não mais próximo como seria natural) a concretização dos chamados direitos sociais Esta justificativa não é válida, sendo decorrente da perspectiva ex parte principis dos direitos humanos, que enfatiza a governabilidade em detrimento da exigência ética de respeito à dignidade da pessoa humana Pela perspectiva ex parte populis, pelo contrário, os direitos humanos são indivisíveis, porque complementares . Os direitos sociais, então, asseguram as condições para o exercício dos direitos civis e políticos d) A incorporação dos tratados internacionais de direitos humanos No capítulo anterior, apontou-se para o inédito princípio da aplicabilidade imediata dos direitos e garantias fundamentais, assegurado pelo art. 5º, § 1º, da Constituição de 1988. Ora, se as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais demandam aplicação imediata e se, por sua vez, os tratados internacionais de direitos humanos têm por objeto justamente a definição de direitos e garantias, conclui-se que tais normas merecem aplicação imediata. Portanto, como pontua Antônio Augusto Cançado Trindade, “se para os tratados internacionais em geral, se tem exigido a intermediação pelo Poder Legislativo de ato com força de lei de modo a outorgar às suas disposições vigência ou obrigatoriedade no plano do ordenamento jurídico interno, distintamente no caso dos tratados de proteção internacional dos direitos humanos em que o Brasil é parte, os direitos fundamentais neles garantidos, consoante os arts. 5º (2) e 5º (1) da Constituição brasileira de 1988, passam a integrar o elenco dos direitos constitucionalmente consagrados e direta e imediatamente exigíveis no plano do ordenamento jurídico interno Em outras palavras, não será mais possível a sustentação da tese segundo a qual, com a ratificação, os tratados obrigam diretamente aos Estados, mas não geram direitos subjetivos para os particulares, enquanto não advém a referida intermediação legislativa. A incorporação automática do Direito Internacional dos Direitos Humanos pelo direito brasileiro — sem que se faça necessário um ato jurídico complementar para sua exigibilidade e implementação — traduz relevantes consequências no plano jurídico. De um lado, permite ao particular a invocação direta dos direitos e liberdades internacionalmente assegurados, e, por outro, proíbe condutas e atos violadores a esses mesmos direitos, sob pena de invalidação. Consequentemente, a partir da entrada em vigor do tratado internacional, toda norma preexistente que seja com ele incompatível perde automaticamente a vigência. Ademais, passa a ser recorrível qualquer decisão judicial que violar as prescrições do tratado — eis aqui uma das sanções aplicáveis na hipótese de inobservância dos tratados. Nesse sentido, a Carta de 1988 atribui ao Superior Tribunal de Justiça a competência para julgar, mediante recurso especial, as causas decididas pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos Tribunais dos Estados, “quando a decisão recorrida contrariar tratado ou lei federal, ou negar-lhes vigência”, nos termos do art. 105, III, a. Eventualmente, a depender do caso, cabe a esse Poder a imposição de sanções pecuniárias em favor da vítima que sofreu violação em seu direito internacionalmente assegurado. Importa esclarecer que, ao lado da sistemática da “incorporação automática” do Direito Internacional, existe a sistemática da “incorporação legislativa” do Direito Internacional. Isto é, se, em face da incorporação automática, os tratados internacionais incorporam-se de imediato ao Direito nacional em virtude do ato da ratificação, no caso da incorporação legislativa os enunciados dos tratados ratificados não são incorporados de plano pelo Direito nacional; ao contrário, dependem necessariamente de legislação que os implemente. Em suma, em face da sistemática da incorporação automática, o Estado reconhece a plena vigência do Direito Internacional na ordem interna, mediante uma cláusula geral de recepção automática plena. Essa sistemática da incorporação automática reflete a concepção monista, pela qual o Direito Internacional e o direito interno compõem uma mesma unidade, uma única ordem jurídica, inexistindo qualquer limite entre a ordem jurídica internacional e a ordem interna Por sua vez, na sistemática da incorporação legislativa, o Estado recusa a vigência imediata do Direito Internacional na ordem interna. Por isso, para que o conteúdo de uma norma internacional vigore na ordem interna, faz-se necessária sua reprodução ou transformação por uma fonte interna. Nesse sistema, o Direito Internacional e o Direito interno são duas ordens jurídicas distintas A sistemática de incorporação não automática reflete a concepção dualista, pela qual há duas ordens jurídicas diversas, independentes e autônomas: a ordem jurídica nacional e a ordem internacional, que não apresentam contato nem qualquer interferência Ainda sobre a matéria, esclarecem André Gonçalves Pereira e Fausto de Quadros: “Perante a existência de duas ordens jurídicas, a estadual e a internacional, ou se entende que as duas são independentes uma da outra e que cada uma delas precisa de ter normas específicas sobre a sua relação recíproca, ou se pensa, ao contrário, que o Direito constitui uma unidade, de que ambas são meras manifestações, ficando a validade das normas interna e internacional a resultar da mesma fonte a elas comum. No primeiro caso estamos perante o dualismo ou pluralismo; no segundo caso temos o monismo. Diante dessas duas sistemáticas diversas, conclui-se que o Direito brasileiro faz opção por um sistema misto, no qual, aos tratados internacionais de proteção dos direitos humanos — por força do art. 5º, § 1º —, aplica-se a sistemática de incorporação automática, enquanto aos demais tratados internacionais se aplica a sistemática de incorporação legislativa, na medida em que se tem exigido a intermediação de um ato normativo para tornar o tratado obrigatório na ordem interna Com efeito, salvo na hipótese de tratados de direitos humanos, no Texto Constitucional não há dispositivo constitucional que enfrente a questão da relação entre o Direito Internacional e o interno. Isto é, não há menção expressa a qualquer das correntes, seja à monista, seja à dualista. Por isso, a doutrina predominante tem entendido que, em face do silêncio constitucional, o Brasil adota a corrente dualista, pela qual há duas ordens jurídicas diversas ara que o tratado ratificado produza efeitos no ordenamento jurídico interno, faz-se necessária a edição de um ato normativo nacional81 — no caso brasileiro, esse ato tem sido um decreto de execução, expedido pelo Presidente da República, com a finalidade de conferir execução e cumprimento ao tratado ratificado no âmbito interno. O § 3º do art. 5º tão somente veio a fortalecer o entendimento em prol da incorporação automáticados tratados de direitos humanos. Isto é, não parece razoável, a título ilustrativo, que, após todo o processo solene e especial de aprovação do tratado de direitos humanos (com a observância do quorum exigido pelo art. 60, § 2º), fique a sua incorporação no âmbito interno condicionada a um decreto do Presidente da República. Notese, todavia, que a expedição de tal decreto tem sido exigida pela jurisprudência do STF, como um “momento culminante” no processo de incorporação dos tratados, sendo uma “manifestação essencial e insuprimível”, por assegurar a promulgação do tratado internamente, garantir o princípio da publicidade e conferir executoriedade ao texto do tratado ratificado, que passa, somente então, a vincular e a obrigar no plano do direito positivo interno. As normas internacionais respeitantes a essas matérias vigoram, portanto, na ordem interna independentemente de transformação; ao contrário, todas as outras vigoram apenas mediante transformação. Este sistema é conhecido por sistema da cláusula geral da recepção semiplena. Desse modo, no que se refere aos tratados em geral, acolhe-se a sistemática da incorporação não automática, o que reflete a adoção da concepção dualista. Ainda no que tange a esses tratados tradicionais e nos termos do art. 102, III, b, da Carta Maior, o Texto lhes atribui natureza de norma infraconstitucional. Enquanto os tratados internacionais de proteção dos direitos humanos apresentam status constitucional e aplicação imediata (por força do art. 5º, §§ 1º e 2º, da Carta de 1988), os tratados tradicionais apresentam status infraconstitucional e aplicação não imediata (por força do art. 102, III, b, da Carta de 1988 e da inexistência de dispositivo constitucional que lhes assegure aplicação imediata). Em relação ao impacto jurídico dos tratados internacionais de direitos humanos no direito brasileiro, e considerando a hierarquia constitucional desses tratados, três hipóteses poderão ocorrer. O direito enunciado no tratado internacional poderá: a) coincidir com o direito assegurado pela Constituição (neste caso a Constituição reproduz preceitos do Direito Internacional dos Direitos Humanos); b) integrar, complementar e ampliar o universo de direitos constitucionalmente previstos; ou c) contrariar preceito do Direito interno. Com efeito, no ângulo estritamente jurídico, um primeiro impacto observado se atém ao fato de o Direito interno brasileiro, e em particular a Constituição de 1988, conter inúmeros dispositivos que reproduzem fielmente enunciados constantes dos tratados internacionais de direitos humanos. A título de exemplo, merece referência o disposto no art. 5º, III, da Constituição, que, ao prever que “ninguém será submetido a tortura nem a tratamento cruel, desumano ou degradante”, é reprodução literal do art. V da Declaração Universal de 1948, do art. 7º do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e ainda do art. 5º (2) da Convenção Americana. Também o princípio de que “todos são iguais perante a lei”, consagrado no art. 5º, caput, da Carta brasileira, reflete cláusula internacional no mesmo sentido, de acordo com o art. VII da Declaração Universal, o art. 26 do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e o art. 24 da Convenção Americana. A reprodução de disposições de tratados internacionais de direitos humanos na ordem jurídica brasileira não apenas reflete o fato de o legislador nacional buscar orientação e inspiração nesse instrumental, mas ainda revela a preocupação do legislador em equacionar o Direito interno, de modo a ajustá-lo, com harmonia e consonância, às obrigações internacionalmente assumidas pelo Estado brasileiro. Um segundo impacto jurídico decorrente da incorporação do Direito Internacional dos Direitos Humanos pelo Direito interno resulta no alargamento do universo de direitos nacionalmente garantidos. Com efeito, os tratados internacionais de direitos humanos reforçam a Carta de direitos prevista constitucionalmente, inovando-a, integrando-a e completando- a com a inclusão de novos direitos. A partir dos instrumentos internacionais ratificados pelo Estado brasileiro, é possível elencar inúmeros direitos que, embora não previstos no âmbito nacional, encontram-se enunciados nesses tratados e, assim, passam a se incorporar ao Direito brasileiro. A título de ilustração, cabe mencionar os seguintes direitos: a) direito de toda pessoa a um nível de vida adequado para si próprio e sua família, inclusive à alimentação, vestimenta e moradia, nos termos do art. 11 do Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais; b) proibição de qualquer propaganda em favor da guerra e de qualquer apologia ao ódio nacional, racial ou religioso, que constitua incitamento à discriminação, à hostilidade ou à violência, em conformidade com o art. 20 do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e o art. 13 (5) da Convenção Americana; Contudo, ainda se faz possível uma terceira hipótese no campo jurídico: eventual conflito entre o Direito Internacional dos Direitos Humanos e o Direito interno. Esta terceira hipótese é a que encerra maior problemática, suscitando a seguinte indagação: como solucionar eventual conflito entre a Constituição e determinado tratado internacional de proteção dos direitos humanos? Poder-se-ia imaginar, como primeira alternativa, a adoção do critério “lei posterior revoga lei anterior com ela incompatível”, considerando a natureza constitucional dos tratados internacionais de direitos humanos. Contudo, exame mais cauteloso da matéria aponta para um critério de solução diferenciado, absolutamente peculiar ao conflito em tela, que se situa no plano dos direitos fundamentais. E o critério a ser adotado se orienta pela escolha da norma mais favorável à vítima. Logo, na hipótese de eventual conflito entre o Direito Internacional dos Direitos Humanos e o Direito interno, adota-se o critério da prevalência da norma mais favorável à vítima. Em outras palavras, a primazia é da norma que melhor proteja, em cada caso, os direitos da pessoa humana. A respeito, elucidativo é o art. 29 da Convenção Americana de Direitos Humanos, que, ao estabelecer regras interpretativas, determina que “nenhuma disposição da Convenção pode ser interpretada no sentido de limitar o gozo e exercício de qualquer direito ou liberdade que possam ser reconhecidos em virtude de leis de qualquer dos Estados-partes ou em virtude de Convenções em que seja parte um dos referidos Estados”. Ressalte-se que os tratados de direitos humanos fixam parâmetros protetivos mínimos, constituindo um piso mínimo de proteção e não um teto protetivo máximo. Daí a hermenêutica dos tratados de direitos humanos endossar o princípio pro ser humano. Claúsulas de abertura constitucional e o princípio pro ser humano inspirador dos tratados de direitos humanos compõem os dois vértices — nacional e internacional — a fomentar o diálogo em matéria de direitos humanos. primeira parte foi acerca do modo pelo qual a Constituição brasileira de 1988 se relaciona com os tratados internacionais dos direitos humanos nesta segunda parte se propõe um estudo aprofundado do sistema internacional de proteção dos direitos humanos, tanto no âmbito global como no regional Acredita-se que o estudo dos precedentes históricos constitui referência fundamental para que se compreendam os primeiros delineamentos do “Direito Internacional dos Direitos Humanos”, como fonte dos tratados de proteção desses mesmos direitos. a) Primeiros precedentes do processo de internacionalização dos direitos humanos — o Direito Humanitário, a Liga das Nações e a Organização Internacional do Trabalho quais os precedentes históricos da moderna sistemática de proteção internacional desses direitos? O Direito Humanitário, a Liga das Nações e a Organização Internacional do Trabalho situam-se como os primeiros marcos do processo de internacionalização dos direitos humanos Alguns passos foramnecessários no processo de internacionalização dos direitos humanos - redefinição do âmbito e o alcance do tradicional conceito de soberania estatal - redefinição do status do indivíduo no cenário internacional essas noções contemporâneas encontram seu precedente histórico no desenvolvimento do Direito Humanitário, da Liga das Nações e da Organização Internacional do Trabalho Na definição de Thomas Buergenthal, o Direito Humanitário constitui o componente de direitos humanos da lei da guerra É o Direito que se aplica na hipótese de guerra, no intuito de fixar limites à atuação do Estado e assegurar a observância de direitos fundamentais. A proteção humanitária se destina, em caso de guerra, a militares postos fora de combate (feridos, doentes, náufragos, prisioneiros) e a populações civis. Direito Humanitário foi a primeira expressão de que, no plano internacional, há limites à liberdade e à autonomia dos Estados, ainda que na hipótese de conflito armado. A Liga das Nações foi criada após a Primeira Guerra Mundial, a Liga das Nações tinha como finalidade promover a cooperação, paz e segurança internacional, condenando agressões externas contra a integridade territorial e a independência política dos seus membros A Convenção da Liga das Nações (1920) continha previsões genéricas relativas aos direitos humanos destacando-se as voltadas ao mandate system of the League, ao sistema das minorias e aos parâmetros internacionais do direito ao trabalho a Convenção da Liga estabelecia sanções econômicas e militares a serem impostas pela comunidade internacional contra os Estados que violassem suas obrigações Ao lado do Direito Humanitário e da Liga das Nações, a Organização Internacional do Trabalho também contribuiu para o processo de internacionalização dos direitos humanos Criada após a Primeira Guerra Mundial, a Organização Internacional do Trabalho tinha por finalidade promover: - padrões internacionais de condições de trabalho e bem-estar. Cada qual contribuiu para o processo de internacionalização dos direitos humanos: Seja ao assegurar parâmetros globais mínimos para as condições de trabalho no plano mundial, seja ao fixar como objetivos internacionais a manutenção da paz e segurança internacional, seja ainda ao proteger direitos fundamentais em situações de conflito armado Esses precedentes registram o fim de uma época em que o Direito Internacional era, salvo raras exceções, confinado a regular relações entre Estados Rompe-se com o conceito tradicional de Direito Internacional e com a noção de soberania nacional absoluta Aos poucos, emerge a ideia de que o indivíduo é não apenas objeto, mas também sujeito de Direito Internacional consequências: estabelecimento da capacidade processual internacional dos indivíduos direitos humanos constituem matéria de legítimo interesse internacional b) A internacionalização dos direitos humanos — o pós-guerra a verdadeira consolidação do Direito Internacional dos Direitos Humanos surge em meados do século XX, em decorrência da Segunda Guerra Mundial. Nas palavras de Thomas Buergenthal: “O moderno Direito Internacional dos Direitos Humanos é um fenômeno do pósguerra. Seu desenvolvimento pode ser atribuído às monstruosas violações de direitos humanos da era Hitler e à crença de que parte destas violações poderiam ser prevenidas se um efetivo sistema de proteção internacional de direitos humanos existisse Apresentando o Estado como o grande violador de direitos humanos, a Era Hitler foi marcada pela lógica da destruição e da descartabilidade da pessoa humana, o que resultou no extermínio de onze milhões de pessoas. O legado do nazismo foi condicionar a titularidade de direitos, ou seja, a condição de sujeito de direitos, à pertinência a determinada raça — a raça pura ariana. reconstrução da ordem internacional paradigma dos direitos humanos surgimento de uma sistemática normatica de proteção internacional torna possível a responsabilização do Estado no domínio internacional quando as instituições nacionais se mostram falhas ou omissas na tarefa de proteger os direitos humanos os DH se tornam legítima preocupação internacional com a: Criação das Nações Unidas, adoção da Declaração Universal dos Direitos Humanos pela Assembleia Geral da ONU, em 1948 marcos da resposabilização dos agentes estatais o Tribunal de Nuremberg, em 1945-1946 após intensos debates sobre o modo pelo qual se poderia responsabilizar os alemães pela guerra e pelos bárbaros abusos do período, os aliados chegaram a um consenso, com o Acordo de Londres de 1945, pelo qual ficava convocado um Tribunal Militar Internacional para julgar os criminosos de guerra o Tribunal de Nuremberg teve sua composição e seus procedimentos básicos fixados pelo Acordo de Londres Nos termos do art. 6º desse Acordo, são crimes sob a jurisdição do Tribunal que demandam responsabilidade individual: a) crimes contra a paz (planejar, preparar, incitar ou contribuir para a guerra de agressão); b) crimes de guerra (violações ao direito e ao direito costumeiro da guerra); c) crimes contra a humanidade (assassinato, extermínio, escravidão, deportação ou outro ato desumano cometido contra a população civil, antes ou durante a guerra, ou perseguições baseadas em critérios raciais, políticos e religiosos) O Tribunal de Nuremberg aplicou fundamentalmente o costume internacional para a condenação criminal de indivíduos envolvidos na prática de crime contra a paz, crime de guerra e crime contra a humanidade Note-se que, nos termos do art. 38 do Estatuto da Corte Internacional de Justiça, o costume internacional — enquanto evidência de uma prática geral e comum aceita como lei — é fonte do Direito Internacional, ao lado dos tratados internacionais, das decisões judiciais, da doutrina e dos princípios gerais de direito reconhecidos pelas nações “civilizadas” Quanto ao costume internacional, sua existência depende: a) da concordância de um número significativo de Estados em relação a determinada prática e do exercício uniforme dessa prática; b) da continuidade de tal prática por considerável período de tempo — já que o elemento temporal é indicativo da generalidade e consistência de determinada prática; c) da concepção de que tal prática é requerida pela ordem internacional e aceita como lei, ou seja, de que haja o senso de obrigação legal, a opinio juris Atente-se que o costume internacional tem eficácia erga omnes, aplicando-se a todos os Estados muita polêmica surgiu, com base na alegação da afronta ao princípio da legalidade do direito penal, sob o argumento de que os atos punidos pelo Tribunal de Nuremberg não eram considerados crimes no momento em que foram cometidos O significado do Tribunal de Nuremberg para o processo de internacionalização dos direitos humanos é duplo: não apenas consolida a ideia da necessária limitação da soberania nacional como reconhece que os indivíduos têm direitos protegidos pelo Direito Internacional c) A Carta das Nações Unidas de 1945 fortalecimento do processo de internacionalização dos direitos humanos a maciça expansão de organizações internacionais com propósitos de cooperação internacional A criação das Nações Unidas, com suas agências especializadas, demarca o surgimento de uma nova ordem internacional Criação das Nações Unidas e seus objetivos: manutenção da paz e segurança internacional, o desenvolvimento de relações amistosas entre os Estados, a adoção da cooperação internacional no plano econômico, social e cultural, a adoção de um padrão internacional de saúde, a proteção ao meio ambiente, a criação de uma nova ordem econômica internacional e a proteção internacional dos direitos humanos Para a consecução desses objetivos, as Nações Unidas foram organizadas em diversos órgãos Os principais órgãos das Nações Unidas são a Assembleia Geral, o Conselho de Segurança, a Corte Internacional de Justiça, o Conselho Econômico e Social, o Conselho de Tutela e o Secretariado,nos termos do art. 7º da Carta da ONU Adiciona o art. 7º (2) que órgãos subsidiários podem ser criados, quando necessário. Compete à Assembleia Geral discutir e fazer recomendações relativamente a qualquer matéria objeto da Carta. Todos os membros das Nações Unidas são membros da Assembleia Geral, com direito a um voto (arts. 9º e 18). As decisões em questões importantes são tomadas pelo voto da maioria de dois terços dos membros presentes e votantes. Quanto ao Conselho de Segurança, é o órgão da ONU com a “principal responsabilidade na manutenção da paz e segurança internacionais” (art. 24). É composto por cinco membros permanentes e dez não permanentes. Os membros permanentes são China, França, Reino Unido, Estados Unidos e, desde 1992, Rússia, que sucedeu a URSS. Os não permanentes são eleitos pela Assembleia Geral para mandato de dois anos Cada membro do Conselho de Segurança tem direito a um voto As deliberações do Conselho em questões processuais são tomadas pelo voto afirmativo de nove membros. Em relação às questões materiais, as deliberações também são tomadas pelo voto afirmativo de nove membros, incluindo, todavia, os votos afirmativos de todos os cinco membros permanentes A Corte Internacional de Justiça, nos termos do art. 92 da Carta, é o principal órgão judicial das Nações Unidas composto por quinze juízes Seu funcionamento é disciplinado pelo Estatuto da Corte, que foi anexado à Carta Dispõe a Corte de competência contenciosa e consultiva. Contudo, somente os Estados são partes em questões perante ela Por sua vez, o Secretariado é chefiado pelo Secretário-Geral, que é o principal funcionário administrativo da ONU, indicado para mandato de cinco anos pela Assembleia Geral, a partir de recomendação do Conselho de Segurança A competência do Conselho de Tutela atém-se a fomentar o processo de descolonização e de autodeterminação dos povos quanto ao Conselho Econômico e Social, composto por cinquenta e quatro membros, tem competência para promover a cooperação em questões econômicas, sociais e culturais, incluindo os direitos humanos Cabe ao Conselho Econômico e Social fazer recomendações destinadas a promover o respeito e a observância dos direitos humanos Nos termos do art. 68, poderá o Conselho Econômico e Social criar comissões que forem necessárias ao desempenho de suas funções. Nesse sentido, foi criada a Comissão de Direitos Humanos da ONU. Estabelecida em 1946, após mais de 50 anos de trabalho, em 24 de março de 2006, a Comissão teve sua última sessão, sendo abolida em 16 de junho de 2006 e substituída pelo Conselho de Direitos Humanos agora os seus membros são eleitos diretamente pela Assembleia Geral da ONU crise de credibilidade e profissionalismo. formado por 47 membros, são eleitos levando em consideração a contribuição dos candidatos para a promoção e proteção dos direitos humanos a Assembleia Geral, por voto de dois terços de seus membros, suspender os direitos do Estado-membro que cometer graves e sistemáticas violações de direitos humanos reforma da ONU fortalecer a Assembleia Geral, na qualidade de verdadeiro Senado mundial democratizar o Conselho de Segurança, tornando-o um órgão mais representativo da comunidade internacional e da geopolítica contemporânea requer seja revitalizada a Assembleia Geral, racionalizando seu trabalho, acelerando os seus processos deliberativos, focando sua agenda em temas prioritários, estabelecendo mecanismos que permitam maior diálogo com a sociedade civil e conferindo maior efetividade às suas deliberações é necessário restaurar o balanço entre os três Conselhos a) paz e segurança internacional; b) questões sociais e econômicas; e c) direitos humanos, cuja promoção tem sido um dos propósitos da ONU desde sua criação, mas que agora claramente requer uma estrutura operacional mais efetiva A Carta das Nações Unidas de 1945 consolida, assim, o movimento de internacionalização dos direitos humanos os arts. 1º (3), 13, 55, 56 e 62 (2 e 3), da Carta das Nações Unidas. Nos termos do art. 1º (3), fica estabelecido que um dos propósitos das Nações Unidas é alcançar a cooperação internacional para a solução de problemas econômicos, sociais, culturais ou de caráter humanitário e encorajar o respeito aos direitos humanos e liberdades fundamentais para todos, sem distinção de raça, sexo, língua ou religião. abe à Assembleia Geral iniciar estudos e fazer recomendações, art. 13 da Carta Também ao Conselho Econômico e Social, como já visto, cabe fazer recomendações e preparar projetos de Convenções internacionais, art. 62 da Carta da ONU O art. 55 reforça o objetivo de promoção dos direitos humanos: as Nações Unidas promoverão: ... c) o respeito universal e a observância dos direitos humanos e liberdades fundamentais para todos, sem distinção de raça, sexo, língua ou religião” O art. 56 reafirma o dever de todos os membros das Nações Unidas de exercer ações conjugadas ou separadas, em cooperação com a própria Organização, para o alcance dos propósitos lançados no art. 55. A Carta não define o conteúdo dessas expressões, deixando-as em aberto. Daí o desafio de desvendar o alcance e significado da expressão “direitos humanos e liberdades fundamentais”, não definida pela Carta. Três anos após o advento da Carta das Nações Unidas, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, veio a definir com precisão o elenco dos “direitos humanos e liberdades fundamentais” a que faziam menção os arts. 1º (3), 13, 55, 56 e 62 da Carta. Considerando que três são os propósitos centrais da ONU — manter a paz e a segurança internacional; fomentar a cooperação internacional nos campos social e econômico; e promover os direitos humanos no âmbito universal —, fez-se necessário que sua estrutura fosse capaz de refletir, de forma mais clara, equilibrada e coerente, a importância destes três propósitos. A ONU passa, então, a contar com três Conselhos — Conselho de Segurança; Econômico e Social; e de Direitos Humanos — que espelham a tríade temática que inspira a própria organização. Quanto à composição, o Conselho de Direitos Humanos é integrado por 47 Estados-membros eleitos diretamente, por voto secreto da maioria da Assembleia Geral, observada a distribuição geográfica equitativa dentre os grupos regionais, sendo 13 membros dos Estados africanos; 13 membros dos Estados asiáticos; 6 membros dos Estados do Leste europeu; 8 membros dos Estados da América Latina e Caribe; e 7 membros dos Estados da Europa ocidental e demais Estados. O mandato dos membros do Conselho é de 3 anos s países com reduzido e médio grau de desenvolvimento contarão com a expressiva maioria de 40 membros do universo total de 47 membros. O Conselho de Direitos Humanos, como órgão subsidiário da Assembleia Geral, deve guiar-se pelos princípios da universalidade, da imparcialidade, da objetividade e da não seletividade na consideração de questões afetas a direitos humanos Cabe ao Conselho responder a violações de direitos humanos, incluindo violações graves e sistemáticas, bem como elaborar recomendações. Compete ao Conselho promover também a efetiva coordenação das atividades de direitos humanos na ONU e a incorporação da perspectiva dos direitos humanos em todas as atividades da ONU Tem ainda por desafio estabelecer um diálogo transparente e construtivo com as organizações não governamentais para a promoção e proteção dos direitos humanos É da competência do Conselho de Direitos Humanos: a) promover a educação e o ensino em direitos humanos, bem como assistência técnica e programas de capacitação; b) servir como um fórum de diálogo sobre temas de direitos humanos; c) submeter recomendações à Assembleia Geral para o desenvolvimento do Direito Internacional dos Direitos Humanos; d) promover a plena implementação das obrigações de direitos humanos assumidas pelos Estados e realizar o follow-up dos objetivos e compromissos referentes à promoção e proteção dos direitos humanos decorrentesdas conferências da ONU; e) elaborar uma revisão periódica universal (universal periodic review), baseada em informações objetivas e confiáveis, visando avaliar o cumprimento pelos Estados das obrigações em direitos humanos, de forma a complementar e não duplicar o trabalho realizado pelos treaty bodies; f) contribuir, por meio do diálogo e da cooperação, para a prevenção de violações a direitos humanos e responder rapidamente a situações de emergência; g) assumir as responsabilidades e as funções da Comissão de Direitos Humanos no que se refere ao204/782 trabalho do Alto Comissariado da ONU para Direitos Humanos; h) trabalhar em estreita cooperação no campo dos direitos humanos com Estados, organizações regionais, instituições nacionais de direitos humanos e sociedade civil; i) propor recomendações acerca da promoção e proteção dos direitos humanos; e j) submeter um relatório anual à Assembleia Geral43. Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 consagrar um consenso sobre valores de cunho universal a serem seguidos pelos Estados Esta Declaração se caracteriza, primeiramente, por sua amplitude Sua segunda característica é a universalidade A Declaração Universal de 1948 objetiva delinear uma ordem pública mundial fundada no respeito à dignidade humana, ao consagrar valores básicos universais. para a Declaração Universal a condição de pessoa é o requisito único e exclusivo para a titularidade de direitos Além da universalidade dos direitos humanos, a Declaração de 1948 ainda introduz a indivisibilidade desses direitos ao ineditamente conjugar o catálogo dos direitos civis e políticos com o dos direitos econômicos, sociais e culturais. Combina, assim, o discurso liberal e o discurso social da cidadania, conjugando o valor da liberdade com o valor da igualdade. O discurso liberal da cidadania nascia no seio do movimento pelo constitucionalismo e da emergência do modelo de Estado Liberal, sob a influência das ideias de Locke, Montesquieu e Rousseau. Diante do Absolutismo, fazia-se necessário evitar os excessos, o abuso e o arbítrio do poder. Nesse momento histórico, os direitos humanos surgem como reação e resposta aos excessos do regime absolutista, na tentativa de impor controle e limites à abusiva atuação do Estado. A não atuação estatal significava liberdade Caminhando na história, verifica-se que, especialmente após a Primeira Guerra Mundial, ao lado do discurso liberal da cidadania, fortalece-se o discurso social da cidadania, e, sob as influências da concepção marxista-leninista, é elaborada a Declaração dos Direitos do Povo Trabalhador e Explorado da então República Soviética Russa, em 1918 A Declaração dos Direitos do Povo Trabalhador e Explorado da República Soviética Russa de 1918, bem como as Constituições sociais do início do século XX (ex.: Constituição de Weimar de 1919, Constituição mexicana de 1917 etc.), primou por conter um discurso social da cidadania, em que a igualdade era o direito basilar e um extenso elenco de direitos econômicos, sociais e culturais era previsto. Essa breve digressão histórica tem o sentido de demonstrar quão dicotômica se apresentava a linguagem dos direitos: de um lado, direitos civis e políticos; do outro, direitos sociais, econômicos e culturais a Declaração passa a elencar tanto direitos civis e políticos (arts. 3º a 21) como direitos sociais, econômicos e culturais (arts. 22 a 28) inovações introduzidas pela Declaração: a) parificar, em igualdade de importância, os direitos civis e políticos e os direitos econômicos, sociais e culturais; e b) afirmar a inter- relação, indivisibilidade e interdependência de tais direitos. Assim, partindo do critério metodológico que classifica os direitos humanos em gerações, compartilha-se do entendimento de que uma geração de direitos não substitui a outra, mas com ela interage. Isto é, afasta-se a equivocada visão da sucessão “geracional” de direitos, na medida em que se acolhe a ideia da expansão, cumulação e fortalecimento dos direitos humanos, todos essencialmente complementares e em constante dinâmica de interação. Vale dizer, sem a efetividade dos direitos econômicos, sociais e culturais, os direitos civis e políticos se reduzem a meras categorias formais, enquanto, sem a realização dos direitos civis e políticos, ou seja, sem a efetividade da liberdade entendida em seu mais amplo sentido, os direitos econômicos, sociais e culturais carecem de verdadeira significação. Declaração de Direitos Humanos de Viena de 1993, que afirma, em seu § 5º, que os direitos humanos são universais, indivisíveis, interdependentes e inter-relacionados. Qual o valor jurídico da Declaração Universal de 1948? A Declaração Universal não é um tratado. Foi adotada pela Assembleia Geral das Nações Unidas sob a forma de resolução, que, por sua vez, não apresenta força de lei Como acentuou Roosevelt, à época representante da Comissão de Direitos Humanos e representante dos Estados Unidos: “Ao aprovar esta Declaração hoje, é de primeira importância ter a clareza das características básicas deste documento. Ele não é um tratado; ele não é um acordo internacional. Ele não é e não pretende ser um instrumento legal ou que contenha obrigação legal. É uma declaração de princípios básicos de direitos humanos e liberdades, que será selada com aprovação dos povos de todas as Nações” (Whiteman, Digest of international law, 623, 1965). O propósito da Declaração, como proclama seu preâmbulo, é promover o reconhecimento universal dos direitos humanos e das liberdades fundamentais a que faz menção a Carta da ONU, particularmente nos arts. 1º (3) e 55. a Declaração Universal tem sido concebida como a interpretação autorizada da expressão “direitos humanos”, constante da Carta das Nações Unidas, apresentando, por esse motivo, força jurídica vinculante. Há, contudo, aqueles que defendem que a Declaração teria força jurídica vinculante por integrar o direito costumeiro internacional e/ou os princípios gerais de direito, apresentando, assim, força jurídica vinculante. três são as argumentações centrais: a) a incorporação das previsões da Declaração atinentes aos direitos humanos pelas Constituições nacionais; b) as frequentes referências feitas por resoluções das Nações Unidas à obrigação legal de todos os Estados de observar a Declaração Universal; c) decisões proferidas pelas Cortes nacionais que se referem à Declaração Universal como fonte de direito. Nessa ótica, por exemplo, a proibição da escravidão, do genocídio, da tortura, de qualquer tratamento cruel, desumano ou degradante e de outros dispositivos da Declaração consensualmente aceitos assumem o valor de direito costumeiro internacional ou princípio geral do Direito Internacional, aplicando-se a todos os Estados e não apenas aos signatários da Declaração. visão defendida por juristas reiterada por conferências internacionais pela prática dos Estados e inclusive por decisões judiciais Para esse estudo, a Declaração Universal de 1948, ainda que não assuma a forma de tratado internacional, apresenta força jurídica obrigatória e vinculante, na medida em que constitui a interpretação autorizada da expressão “direitos humanos” constante dos arts. 1º (3) e 55 da Carta das Nações Unidas. Ressalte-se que, à luz da Carta, os Estados assumem o compromisso de assegurar o respeito universal e efetivo aos direitos humanos. leciona Jorge Miranda: “O que resta saber é se o conteúdo da Declaração não pode ser desprendido dessa forma e situado noutra perspectiva. Parte da doutrina contesta tal possibilidade, por não atribuir às cláusulas da Declaração senão o valor de recomendação. Outra, pelo contrário, vê nela um texto interpretativo da Carta, pelo que participaria da sua natureza e força jurídica. E ainda há aqueles que perscrutam nas proposições da Declaração a tradução de princípios gerais de Direito Internacional” Seu principal significado é consagrar o reconhecimento universal dos direitos humanos pelosEstados, consolidando um parâmetro internacional para a proteção desses direitos. A Declaração ainda exerce impacto nas ordens jurídicas nacionais, na medida em que os direitos nela previstos têm sido incorporados por Constituições nacionais e, por vezes, servem como fonte para decisões judiciais nacionais Qual é o real valor da Declaração? a Declaração é um dos parâmetros fundamentais pelos quais a comunidade internacional ‘deslegitima’ os Estados. Um Estado que sistematicamente viola a Declaração não é merecedor de aprovação por parte da comunidade mundial Universalismo e relativismo cultural A concepção universal dos direitos humanos demarcada pela Declaração sofreu e sofre, entretanto, fortes resistências dos adeptos do movimento do relativismo cultural. dilema sobre o alcance das normas de direitos humanos Para os relativistas, a noção de direito está estritamente relacionada ao sistema político, econômico, cultural, social e moral vigente em determinada sociedade. acreditam os relativistas, o pluralismo cultural impede a formação de uma moral universal, tornando-se necessário que se respeitem as diferenças culturais apresentadas por cada sociedade Na ótica relativista há o primado do coletivismo. Isto é, o ponto de partida é a coletividade, e o indivíduo é percebido como parte integrante da sociedade. Como se verá, diversamente, na ótica universalista, há o primado do individualismo relativismo: sustenta que as regras sobre a moral variam de lugar para lugar; afirma que a forma de compreensão dessa diversidade é colocar-se no contexto cultural em que ela se apresenta; as reivindicações morais derivam de um contexto cultural, que em si mesmo é a fonte de sua validade buscar uma universalidade, ou até mesmo o princípio de universalidade clamado por Kant, como critério para toda moralidade, é uma versão imperialista de tentar fazer com que valores de uma determinada cultura sejam gerais. Note-se que os instrumentos internacionais de direitos humanos são claramente universalistas Há diversas correntes relativistas: “No extremo, há o que nós denominamos de relativismo cultural radical, que concebe a cultura como a única fonte de validade de um direito ou regra moral. (...) Um forte relativismo cultural acredita que a cultura é a principal fonte de validade de um direito ou regra moral. (...) Um relativismo cultural fraco, por sua vez, sustenta que a cultura pode ser uma importante fonte de validade de um direito ou regra moral” Note-se que os instrumentos internacionais de direitos humanos são claramente universalistas ainda que a prerrogativa de exercer a própria cultura seja um direito fundamental (inclusive previsto na Declaração Universal), nenhuma concessão é feita às “peculiaridades culturais” quando houver risco de violação a direitos humanos fundamentais poder-se-ia sustentar a existência de diversos graus de universalismos, a depender do alcance do “mínimo ético irredutível” crítica dos relativistas: O universalismo induz, nessa visão, à destruição da diversidade cultural. crítica dos universalistas: a posição relativista revela o esforço de justificar graves casos de violações dos direitos humanos que, com base no sofisticado argumento do relativismo cultural, ficariam imunes ao controle da comunidade internacional A Declaração de Viena, adotada em 25 de junho de 1993, buscou responder a esse debate quando estabeleceu, em seu § 5º: “Todos os direitos humanos são universais, indivisíveis, interdependentes e interrelacionados. A comunidade internacional deve tratar os direitos humanos globalmente, de maneira justa e equânime, com os mesmos parâmetros e com a mesma ênfase. As particularidades nacionais e regionais e bases históricas, culturais e religiosas devem ser consideradas, mas é obrigação dos Estados, independentemente de seu sistema político, econômico e cultural, promover e proteger todos os direitos humanos e liberdades fundamentais” Adotando a lição de Jack Donnelly, pode-se concluir que a Declaração de Direitos Humanos de Viena de 1993 acolheu a corrente do forte universalismo ou fraco relativismo cultural. No entendimento do autor: “Eu acredito que nós podemos, justificadamente, insistir em alguma forma de um fraco relativismo cultural — que é, por sua vez, um razoavelmente forte universalismo. É preciso permitir, em grau limitado, variações culturais no modo e na interpretação de direitos humanos, mas é necessário insistir na sua universalidade moral e fundamental. Os direitos humanos são, para usar uma apropriada frase paradoxal, relativamente universais” Boaventura de Sousa Santos - concepção multicultural de direitos humanos - decorre do diálogo intercultura e o aumento da consciência de incompletudes culturais mútuas Joaquín Herrera Flores - universalismo de confluência - a universalidade como ponto de chegada e não de partida Bhikhu Parekh - universalismo pluralista - diálogo intercultural - A preocupação não deve ser descobrir valores, eis que os mesmos não têm fundamento objetivo, mas sim buscar um consenso em torno deles. A ESTRUTURA NORMATIVA DO SISTEMA GLOBAL DE PROTEÇÃO INTERNACIONAL DOS DIREITOS HUMANOS O processo de universalização dos direitos humanos traz em si a necessidade de implementação desses direitos, mediante a criação de uma sistemática internacional de monitoramento e controle — a chamada international accountability À luz desse raciocínio e considerando a ausência de força jurídica vinculante da Declaração instaurou-se larga discussão sobre qual seria a maneira mais eficaz de assegurar o reconhecimento e a observância universal dos direitos nela previstos. Prevaleceu, então, o entendimento de que a Declaração deveria ser “juridicizada” sob a forma de tratado internacional, que fosse juridicamente obrigatório e vinculante no âmbito do Direito Internacional. processo de “juridicização” da Declaração começou em 1949 e foi concluído apenas em 1966 elaboração de dois tratados internacionais distintos — o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais transformaram os dispositivos da Declaração em previsões juridicamente vinculantes e obrigatórias A partir da elaboração desses pactos se forma a Carta Internacional dos Direitos Humanos, International Bill of Rights, integrada pela Declaração Universal de 1948 e pelos dois pactos internacionais de 1966. visão moral da natureza humana, ao compreender os seres humanos como indivíduos autônomos e iguais, que merecem igual consideração e respeito O sistema global, por sua vez, viria a ser ampliado com o advento de diversos tratados multilaterais de direitos humanos, pertinentes a determinadas e específicas violações de direitos Atente-se que o Direito Internacional dos Direitos Humanos, com seus inúmeros instrumentos, não pretende substituir o sistema nacional. Ao revés, situa- se como direito subsidiário e suplementar ao direito nacional, no sentido de permitir sejam superadas suas omissões e deficiências. o Estado tem a responsabilidade primária pela proteção desses direitos, ao passo que a comunidade internacional tem a responsabilidade subsidiária Os tratados de proteção dos direitos humanos consagram, ademais, parâmetros protetivos mínimos, cabendo ao Estado, em sua ordem doméstica, estar além de tais parâmetros, mas jamais aquém deles Os dois pactos apesar de aprovados em 1966 entraram em vigor apenas dez anos depois, em 1976, tendo em vista que somente nessa data alcançaram o número de ratificações necessário para tanto. intenso debate que marcou o processo de elaboração desses pactos A questão central, ao longo do processo de elaboração dos pactos, ateve-se à discussão acerca da conveniência da elaboração de dois pactos diversos Com efeito, no início de suas atividades (de 1949 a 1951), a Comissão de Direitos Humanos da ONU trabalhou em um único projeto de pacto, que conjugava as duas categorias de direitos. Contudo, em 1951 a Assembleia
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