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1 Júlia Morbeck – @med.morbeck A comunicação na área da saúde é uma habilidade essencial para a construção de uma boa relação entre profissional da saúde e paciente embasada na confiança e no respeito mútuo. Esta comunicação pode tanto informar de forma adequada, como pode influenciar de maneira negativa o entendimento da informação, a adesão ao tratamento destes pacientes e o estado emocional do paciente, além de ser mais uma fonte de estresse para o profissional (KONISHI et. al., 2020). Esta capacidade de comunicação deveria ser desenvolvida durante o processo de formação dos profissionais, mas este conhecimento não faz parte das grades curriculares da maioria dos cursos das áreas de saúde (KONISHI et. al., 2020). O que é má notícia? A “má notícia” não se refere apenas à morte, mas também às perdas, sejam elas físicas, sociais, emocionais ou psicológicas. Estas perdas podem ser devidas à própria doença ou ao tratamento, levando à ruptura de um estilo de vida (KONISHI et. al., 2020). ↠ Toda a vivência hospitalar vem acompanhada de medo da morte e do desconhecido, tornando-a marcante para o paciente. Produz-se, então, uma relação assimétrica, em que o médico é o detentor do saber técnico, que mantém o seu foco na cura da enfermidade apresentada, e o paciente traz um entendimento simbólico do que vive, tendo isso como algo excepcional, pois não se encontra doente todos os dias de sua vida (CRUZ; RIERA, 2016). ↠ Quando há o avanço da doença ou se desde o início ela se apresenta como ameaçadora da continuidade da vida, algo que afeta negativamente o futuro, o médico não só deve comunicar isso ao paciente e sua família, mas comunicar uma má notícia. A vivência dessa comunicação é vista como uma situação limite para o médico que, muitas vezes, sem saber lidar com o sofrimento emocional do paciente, pode fazer promessas falsas de cura, a mentira piedosa, ou uma transmissão abrupta e sem muitas explicações ou perspectivas de futuro, prejudicando toda a relação terapêutica (CRUZ; RIERA, 2016). ↠ A comunicação deve não apenas abarcar o que o paciente precisa saber, mas ser realizada de forma apropriada, assegurando que ele compreendeu a informação, preocupando-se com sua reação afetiva e com a retenção da informação. Porém, os receios dos próprios médicos podem interferir na relação estabelecida, ou a forma como essa notícia afetaria a vida do paciente, o que coloca em foco o modelo paternalista de cuidado, em que, mesmo de forma inconsciente, o médico considera-se o único responsável por seu paciente e, apesar de dividir as informações, carrega a responsabilidade da decisão (CRUZ; RIERA, 2016). ↠ Atualmente, um outro modelo de comunicação está ganhando espaço, o compartilhado. Para isso, novos protocolos foram estabelecidos, porém todos seguem uma mesma ideia: (CRUZ; RIERA, 2016). ➢ começar com uma preparação inicial, em que o próprio médico deve se preparar, ter em mente o que sabe da doença e de possibilidades de cuidado; ➢ encontrar um espaço reservado e calmo para que essa conversa ocorra; ➢ identificar quem o paciente quer que esteja presente, apresentar-se e saber até onde ele e sua família entendem o que está acontecendo; ➢ falar de forma franca e com compaixão, tocar as pessoas, lidar com o silêncio e as lágrimas, se ocorrerem; ➢ ter um plano de metas; ➢ revisar a compreensão do que foi falado e manter-se à disposição para futuras dúvidas ou novas conversas. Vivenciar cotidianamente essas situações, altamente intensificadas quando se trata de crianças, adolescentes ou adultos jovens, constatar doença avançada em mulheres grávidas ou prescrever tratamentos esterilizantes ou gravemente incapacitantes, inclusive à vida sexual, ter que anunciar aos pais a morte iminente de seus filhos dentre tantas outras más notícias, caracterizam situações-limite nas quais o sofrimento pode se tornar intolerável, gerando níveis crescentes de adoecimento dos profissionais (MS, 2010). ↠ O protocolo SPIKES é um exemplo do novo modelo de comunicação com o paciente. É um mnemônico de seis passos que pode proporcionar mais segurança ao médico e que apresenta quatro objetivos principais: saber o que o paciente e seus familiares estão entendendo da situação como um todo (ajuda o médico a saber por onde começar); fornecer as informações de acordo com o que o paciente e sua família suportam ouvir; acolher qualquer reação que pode vir a acontecer e, por último, ter um plano (CRUZ; RIERA, 2016). PROTOCOLO SPIKES (CRUZ; RIERA, 2016). S – Setting up: Preparando-se para o encontro ↠ Treinar antes é uma boa estratégia. Apesar de a notícia ser triste, é importante manter a calma, pois as informações dadas podem ajudar o paciente a planejar seu futuro. Procure por um lugar calmo e que permita que a conversa seja particular. Mantenha um acompanhante com seu paciente, isso costuma deixá-lo mais seguro. Sente-se e procure não ter objetos entre ADULTO E CRIANÇA 2 Júlia Morbeck – @med.morbeck você e seu paciente. Escute atentamente o que o paciente diz e mostre atenção e carinho. P – Perception: Percebendo o paciente ↠ Investigue o que o paciente já sabe do que está acontecendo. Procure usar perguntas abertas. I – Invitation: Convidando para o diálogo ↠ Identifique até onde o paciente quer saber do que está acontecendo, se quer ser totalmente informado ou se prefere que um familiar tome as decisões por ele. Isso acontece! Se o paciente deixar claro que não quer saber detalhes, mantenha- se disponível para conversar no momento que ele quiser. K – Knowledge: Transmitindo as informações ↠ Introduções como “infelizmente não trago boas notícias” podem ser um bom começo. Use sempre palavras adequadas ao vocabulário do paciente. Use frases curtas e pergunte, com certa frequência, como o paciente está e o que está entendendo. Se o prognóstico for muito ruim, evite termos como “não há mais nada que possamos fazer”. Sempre deve existir um plano! E – Emotions: Expressando emoções ↠ Aguarde a resposta emocional que pode vir, dê tempo ao paciente, ele pode chorar, ficar em silêncio, em choque. Aguarde e mostre compreensão. Mantenha sempre uma postura empática. S – Strategy and Summary: Resumindo e organizando estratégias ↠ É importante deixar claro para o paciente que ele não será abandonado, que existe um plano ou tratamento, curativo ou não. O objetivo do protocolo SPIKES é, de alguma maneira, organizar este momento, ajudando profissionais e pacientes a manter uma comunicação clara e aberta (CRUZ; RIERA, 2016). Comunicação de más notícias – CRIANÇAS ↠ Destaca-se como problema no contexto de pediatria que a comunicação de tais notícias é ainda mais complexa, pois envolve tanto a família quanto a criança. Demanda uma avaliação acerca da quantidade e qualidade de informações que serão comunicadas e o modo de desenvolvê-las, considerando a singularidade intelectual, cultural e psicológica da criança (ZANON et. al., 2019). ↠ A comunicação de más notícias às crianças se torna mais desafiadora, pois o entendimento das crianças varia de acordo com a sua capacidade cognitiva, que se modifica tanto com a sua idade quanto com as suas experiências, fato que aumenta os riscos de ocorrer má compreensão, por parte das crianças, do assunto a ser discorrido (KONISHI et. al., 2020). ↠ Muitos são os motivos pelos quais familiares e profissionais acabam por não incluir crianças na comunicação de notícias difíceis, seja a má notícia referente à própria criança ou a pessoa próxima a ela (KONISHI et. al., 2020). ↠ Não abordar a morte de forma clara e adequada com a criança dificulta a maneira como ela lidará com as perdas e o processo de luto (KONISHI et. al., 2020). ↠ A pergunta acerca da morte pode levar à expressão da tristeza,mas é a morte ou a má notícia em si, e não a abordagem do tema, que causa tal resposta emocional (KONISHI et. al., 2020). ↠ Convidar as crianças a compartilharem seus sentimentos permite que elas possam expressar suas angústias e tristezas, possibilitando a construção de um espaço aberto onde a criança possa sentir a segurança de que receberá acolhimento e empatia (KONISHI et. al., 2020). ↠ Em relação ao tema da morte, é importante atentar- se aos 4 princípios que a constituem: irreversibilidade, 3 Júlia Morbeck – @med.morbeck causalidade; finalidade (não-funcionalidade) e inevitabilidade (universalidade), pois caso a criança não seja capaz de compreender de modo concreto e claro estes princípios, a probabilidade dela recorrer ao “pensamento mágico” para compreender o assunto é extremamente alta, acreditando que a morte é uma punição que pode ter sido causada por um mau comportamento ou um pensamento negativo dela (KONISHI et. al., 2020). PROTOCOLO SPIKES JÚNIOR ↠ O protocolo Spikes e sua adaptação à comunicação de notícias difíceis (ND) para crianças e adolescentes - que, em seis etapas, procura sensibilizar os médicos para os aspectos importantes na abordagem das más notícias baseadas na visão dos usuários - foram construídos para nortear os profissionais da área de oncologia. Mas o protocolo assinala a necessidade de haver novas pesquisas que também considerem as percepções dos profissionais sobre o assunto (AFONSO; MINAYO, 2013). ↠ A adaptação brasileira do protocolo Spikes, o Spikes Junior, apropria-se dos pontos já desenvolvidos no primeiro e sugere escutar a criança ou adolescente antes de qualquer comunicação considerada ND, para avaliar seu grau de compreensão sobre o próprio estado de saúde. E, sempre que possível, na presença dos pais ou responsáveis (AFONSO; MINAYO, 2013). ↠ Quanto à equipe, o protocolo sugere identificar o profissional com melhor vínculo com o paciente, ou mesmo com um familiar, para a tarefa de comunicar as ND. Quem se incumbir desse papel deve sempre atualizar o restante da equipe sobre como ocorreu o encontro e as decisões tomadas a partir daí, para evitar ao máximo a desinformação e a fragmentação do cuidado (AFONSO; MINAYO, 2013). ESTRTÉGIAS DE COMUNICAÇÃO COM AS CRIANÇAS ↠ De modo geral, alguns princípios são indispensáveis de modo que se possa acolher e respeitar a criança durante todo o processo da comunicação. Contudo, é igualmente importante estar ciente de que estes princípios são apenas orientações e guias. Cada ser humano é único e, portanto, a comunicação a ser desenvolvida também (KONISHI et. al., 2020). ➢ Preparar-se. Estar emocionalmente preparado para a conversa. Embora possa haver limitação de tempo devido às demandas do trabalho, é preciso que o profissional compreenda as próprias emoções, além de garantir que, no encontro com a família e/ou a criança, ele esteja calmo, focado e emocionalmente disponível para acolher e confortar. ➢ Estabelecer acordos com a família. A família deve estar ciente da importância da comunicação com a criança. Nesse sentido, é papel dos profissionais esclarecerem possíveis dúvidas da família, explorarem as dificuldades que a família encontra na comunicação, além de os apoiarem e os orientarem para este processo. ➢ Planejar o que será dito. É necessário saber quais informações deverão ser abordadas na conversa, tendo em mente o que se espera com essa comunicação, recordando sempre que a comunicação é um processo. ➢ Dispor de um ambiente adequado. Verificar se há um espaço tranquilo e com maior privacidade. Se não for possível este ambiente, o profissional deve garantir que o tempo de conversa será valorizado. Para isso, desligar o celular, se possível, reafirma o estado de se estar presente durante a conversa. ➢ Escutar e convidar à conversa. Antes de informar a notícia, procurar entender primeiramente o que a criança compreende e sabe da situação é importante. Para tal, perguntas abertas podem auxiliar bastante no processo. ➢ Permitir o silêncio. O silêncio abre espaço para que família e criança absorvam a informação dita, além de permitir que pensamentos e emoções sejam sentidos e bem mais compreendidos. ➢ Ser natural e sincero. Para isso, é necessário que o profissional da saúde tenha conhecimento das próprias emoções e sentimentos. É importante que o profissional esteja presente e expresse suas preocupações com a criança e a família. É fundamental permitir-se ter empatia com as emoções da criança e da família; além de deixar que a criança expresse seus sentimentos e emoções e validá-los. ➢ Encorajar e assegurar. Não minimizar as preocupações da criança, mas sim, certificar a disponibilidade do profissional para ouvi-la e dar- lhe suporte. ➢ Dar esperança. Prover esperança à criança e à família é uma das maneiras mais potentes de encorajá-las. Isto não quer dizer que as informações negativas serão omitidas. 4 Júlia Morbeck – @med.morbeck ➢ Recapitular. Com o propósito de evitar equívocos e discordâncias, verificar se todos os envolvidos na comunicação (criança, familiares e equipe de saúde) entenderam o que foi comunicado. Para isso pode ser necessário: esclarecer termos, repetir a mensagem, perguntar-lhes se está claro o que lhes foi comunicado, pedir que repitam o que foi entendido e sumarizar o conteúdo da conversa. ➢ Estar disponível. Por fim, estar à disposição da criança e família, providenciando suporte ao longo do tempo. Explicar os próximos passos do cuidado, sempre assegurando a presença e disponibilidade do profissional da saúde. FERRAMENTAS AUXILIARES NA COMUNICAÇÃO COM CRIANÇAS ↠ Juntamente com os princípios gerais que devem guiar e auxiliar uma comunicação de notícias difíceis às crianças há ferramentas que podem contribuir no processo a fim de facilitar conversas e discussões acerca de temas complexos e delicados. Nesse sentido, algumas ferramentas podem ser úteis e bons aliados tanto no processo de comunicação quanto no início de uma conversa de notícias difíceis. Dentre estas ferramentas, destacam-se: (KONISHI et. al., 2020). ➢ ‘Biblioterapia’, termo utilizado por Sigmund e Anna Freud para se referir a materiais que podem ser lidos e comunicação utilizados para um benefício terapêutico. Trata-se de um instrumento bastante útil que pode auxiliar a comunicação. ➢ Filmes infanto-juvenis como os da Disney oferecem uma oportunidade de discutir não só o que é real e fantasioso, mas também sobre a morte e a sua permanência. Além disso, criam ambiente favorável e conveniente para a abordagem de assuntos como o luto, a importância de uma rede de apoio e o valor de expressar seus sentimentos. ➢ Artes, principalmente os desenhos e a arte terapia, não apenas como uma valiosa ferramenta de comunicação, mas como forma de diminuição de estresse da criança, pois é uma das maneiras que ela pode utilizar para extravasar seus medos e ansiedades, além de poder transmitir emoções e sentimentos que muitas vezes não são expressos através da comunicação verbal. Apesar de orientações e protocolos de comunicação serem bastante úteis para um melhor direcionamento da conversa, é importante ressaltar que a comunicação é um processo único, que varia de acordo com cada membro ativo da conversa. Muito mais do que guiada por protocolos e orientações, a comunicação de notícias difíceis para crianças deve ser pautada pela sinceridade, pela verdade e, sobretudo, pela compaixão (KONISHI et. al., 2020). RESUMO - SANARFLIX Referências MINISTÉRIO DA SAÚDE. Comunicação de notícias difíceis: compartilhando desafios na atenção à saúde/Instituto Nacional de Câncer, Rio de Janeiro: INCA, 2010. CRUZ; RIEIRA. Comunicando más notícias: o Protocolo SPIKES. Diagnóstico e Tratamento, 2016. KONISHIet. al. Comunicação de notícias difíceis para crianças, 2020 ZANON et. al. Comunicação de más notícias em pediatria: revisão integrativa, 2019. AFONSO; MINAYO. Notícias difíceis e o posicionamento dos oncopediatras: revisão bibliográfica, 2013.
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