Buscar

A GUERRA CLÁSSICA E OS CONFLITOS CONTEMPORÂNEOS

Prévia do material em texto

ESTUDOS ESTRATÉGICOS 
AULA 3 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Prof. Érico Duarte 
 
 
2 
CONVERSA INICIAL 
A Guerra Clássica e os Conflitos Contemporâneos 
Esta aula observa elementos de continuidade e de mudança da guerra 
contemporânea. Ela explica como a natureza da guerra é a mesma, mas seus 
contextos e efeitos são variados ao longo da história. É apresentado o panorama 
atual de aspectos dos fins, meios e métodos da conduta da guerra na atualidade 
na terra, mar e ar. 
TEMA 1 – GUERRA E HISTÓRIA 
Toda a variedade de arcabouços de conhecimentos utilizados para se 
compreender o uso da força é organizada historicamente e no incremento e 
revisão constante de seu entendimento. Isto é, o vetor para compreensão da 
guerra contemporânea, em contraste com as guerras de tempos anteriores, é a 
qualidade da produção historiográfica e seu uso pelos estudos estratégicos. 
A historiografia sobre a guerra antecede e em muito os estudos 
estratégicos e data da Grécia Antiga. De modo geral, pode ser dividida em quatro 
grupos: as memórias dos experientes e bem-sucedidos comandantes; a história 
dos grandes capitães; a produção de estudos históricos para fins de testes de 
conhecimentos; e a história científica da guerra. 
A revolução na historiografia sobre a guerra foi produzida por Hans 
Delbrück (1848-1929). Não é exagero apontar que ele seja um dos precursores 
dos estudos estratégicos. Sua obra oferece um acervo de conceitos, bases 
empíricas, revisões bibliográficas e análises que permitem alimentar o estudo da 
guerra, bem como a educação militar, até os dias atuais. 
A historiografia acadêmica contemporânea é bastante especializada e se 
apoia em vários outros campos do conhecimento que não da História: história da 
vida militar; história dos armamentos, tecnologias militares e táticas; militares e 
sociedade; guerra e Estado; meta-história do poder. 
TEMA 2 – GUERRA E ESTADO NACIONAL MODERNO 
Uma das mais relevantes é a relação entre a guerra e a formação do 
Estado nacional moderno. Ao longo da história, ao rastrearmos o desempenho 
dos principais tipos de sociedades políticas, podemos entender a predominância 
 
 
3 
do Estado nacional. Esses tiveram quatro virtudes principais sobre os anteriores: 
capacidade mais eficiente de mobilização interna de recursos; unidade de ação 
ao longo do tempo; capacidade de controle e autocontrole espacial; e grande 
capacidade de competividade e adaptação por meio de inovação e emulação de 
rivais. 
É possível também apontar algumas generalizações e requisitos 
funcionais para o Estado moderno: 
 Internamente: prover proteção e bem-estar por meio de controle de 
territórios, direitos de propriedade e ser capaz de receber receita em troca; 
 Executar políticas domésticas segundo as linhas de: forças armadas 
permanentes com, pelo menos uma parcela, formada por conscritos; 
sistemas nacionais de taxação; promoção de produtividade; e burocracia 
meritocrática; 
 Externamente: ser capaz de aumentar a influência sobre a economia 
mundial e sobre os outros Estados, sem prejuízos para sua segurança e 
produção econômica nacionais. 
Os pontos mais importantes de se lembrar são dois: a centralidade da 
guerra para o surgimento do Estado nacional; e como a viabilidade e estabilidade 
de um Estado nacional depende do equilíbrio entre seus meios militares, 
institucionais e econômicos. 
TEMA 3 – GUERRA E FORMAÇÃO DOS ESTADOS NA AMÉRICA LATINA 
Quando se estuda o papel da guerra na formação do Estado nacional na 
Europa, de um ponto de vista latino-americano, surgem os questionamentos de 
por que os Estados da nossa região são diferentes e quais trajetórias eles 
seguiram. 
A primeira razão para isso é mais óbvia e deriva do legado colonial. As 
colônias nas Américas, principalmente na América do Sul, eram insulares, 
frágeis logisticamente e suscetíveis à invasão de rivais europeus. Essa é a 
principal explicação para o vasto tamanho da América Portuguesa e do Brasil. 
Na América Latina, as guerras napoleônicas e a conquista francesa da Espanha 
reduziram ainda mais a autoridade imperial sobre suas colônias. Portanto, as 
guerras de independência seguiram muito mais como uma fragmentação geral 
 
 
4 
e, posterior, aglutinação em torno de centros e elites locais com maior identidade 
e influência. 
As colônias espanholas nunca tiveram grande capacidade estatal em 
termos de extração e administração, e as novas elites, na verdade, não eram tão 
novas e ocuparam essas administrações e lutaram entre si por elas. Portanto, 
as guerras de independência da América Latina, incluindo as do Brasil, não 
produziram grande mobilização de recursos a partir de sistemas diretos de 
extração e controle de recursos, para sustentação de exércitos permanentes. 
A falta de capacidade estatal, incluindo a militar, levou a menor ocorrência 
de guerras interestatais. Alternativamente, a principal forma de produção de 
capacidade estatal e avanços de agendas externas na América Latina como um 
todo se deu pela promoção de rivalidades, como entre Brasil e Argentina, e 
Argentina e Chile. 
TEMA 4 – GUERRA E TECNOLOGIA 
A questão tecnológica sempre teve um papel influente na conduta e 
reflexão sobre a guerra. Em geral, existem duas perspectivas sobre seu papel. 
Por um lado, há o entendimento de que a tecnologia tem potencial de prover 
vantagem combatente, porém ela não se caracteriza como único critério para 
isso. Por outro lado, existe a perspectiva de que a tecnologia militar – em termos 
de sistemas de armamentos e a integração entre eles – é associada com o futuro 
da guerra. Teoricamente, a perspectiva tecnológica estará validada quando se 
criar uma tecnologia militar capaz de duas coisas: tornar o efeito da geografia 
irrelevante e tornar a guerra algo inumano ou impessoal. 
O maior ganho real que se observa nos dias de hoje pela tecnologia é no 
aumento no domínio do espaço de batalha. Desde a introdução de telégrafo e 
das formas de comunicação a distância, existe a capacidade de troca de 
informações entre unidades combatentes adjacentes e seus centros de 
comando. A melhor contribuição da tecnologia para a guerra também pode ser 
associada com os avanços correspondentes em gestão e educação, propiciando 
a formação de recursos humanos de mais alto nível. 
Por fim, há o aspecto negativo de recorrente pressão sobre líderes 
políticos para que cedam à aprovação de programas de aquisição tecnológica 
como forma de adquirir orçamento extra e autonomia. Os demais políticos e 
outros grupos de pressão pressionam pelos "efeitos de transbordamento" civil 
 
 
5 
na geração de empregos, desenvolvimento econômico e algum efeito midiático. 
Isso tudo leva esses líderes a apostarem em promessas tecnológicas como 
solução de curto prazo e “fácil” de dilemas de política de defesa e estratégia. 
TEMA 5 – GUERRA NO SÉCULO 21 
A estranheza com relação ao século 21 se dá pelo fato de ele ter aspectos 
que se pensava superados. São eles: a multiplicidade de atores não estatais; a 
correlação entre constituição das forças combatentes e estabilidade política; a 
existência de áreas não governadas por Estados nacionais; e o uso evasivo e 
constante da força. 
A partir dessa contextualização, podemos avançar por uma apreciação do 
panorama do século 21 mediante a estrutura analítica de fins, meios e métodos. 
Em termos de fins, o maior desafio contemporâneo da guerra tem sido a 
definição de objetivos políticos viáveis e a confusão entre objetivos políticos e 
metas bélicas ou que o uso da força pode prover. 
Em termos de meios, existem requisitos particulares para forças 
combatentes terrestres, navais e aéreas. No caso das forças terrestres, o grande 
volume e precisão dos armamentos cobra a necessidade de redução da 
exposição e incremento na capacidade de emprego de fogos combinados e 
manobras nos campos de batalha. Isso implica o emprego depequenas 
unidades combatentes em formação dispersa e capazes de executar complexas 
operações inter-relacionadas de cobertura, dispersão e supressão. Isso pode 
parecer óbvio hoje, mas vai contra paradigmas milenares dos exércitos e se deu 
por um meio de desenvolvimento irregular. 
A forças navais são uma área muito mais intensiva em tecnologia, ainda 
assim também passou por um desenvolvimento recente contra padrões 
seculares. A incorporação de mísseis com ogivas com grande poder de 
destruição mudou a forma como as marinhas se organizam, movimentam e 
lutam. 
A realidade dos mísseis também alterou o contexto do combate no ar, de 
maneira que a limitou a capacidades relativas de sensoriamento e detecção das 
aeronaves e de alcance e velocidade de seus mísseis, imprimindo de modo 
ainda mais forte a lógica do primeiro salvo efetivo. No entanto, no que tange ao 
emprego de bombardeiros aéreos contra alvos em terra, bombardeios aéreos 
sozinhos não são capazes de compelir mudança de comportamento político. 
 
 
6 
Por fim, o ambiente de formulação estratégica continua a envolver 
incerteza, ambivalência e contextos transientes. Ainda assim, na maioria dos 
países democráticos, a prática estratégica ainda não existe como profissão e 
com clara atribuição burocrática de civis, com qualificação para coordenação 
com militares e respaldo dos líderes políticos. 
A conclusão, portanto, é que, no século 21, as mudanças e inovações em 
termos táticos e logísticos que se desenvolveram desde o século passado não 
foram acompanhadas de melhores parâmetros e métodos para análise e 
formulação da estratégia. 
NA PRÁTICA 
Após assistir ao filme Elysium (2013), estrelado por Matt Damon, reflita a 
respeito de algumas considerações que possuem implicações para o panorama 
contemporâneo: 
 Por que a sociedade pobre que vive na Terra não se submeteu aos robôs 
e a outros meios de controle da sociedade de ricos de Elysium? 
 Como é possível explicar o sucesso por parte de grupo de invasores que 
tomaram Elysium? Como falhas e fracassos, por parte das autoridades e 
forças de segurança de Elysium, contribuíram para isso? 
 Quão realístico ou distante do contexto atual é a realidade político-
estratégica do filme? 
FINALIZANDO 
Esta aula compreendeu o conteúdo mais técnico e específico dos estudos 
estratégicos. Ele aponta elementos de continuidade e de mudança da guerra ao 
longo da história e se concentra nos aspectos que permitem prospectar cenários 
futuros da guerra, delineado o papel da tecnologia e tendências a partir do 
contexto político, fins, meios e métodos de conduta da guerra contemporânea. 
 
 
 
7 
REFERÊNCIAS 
DUARTE, E. Estudos estratégicos. Curitiba: InterSaberes, 2019. 
______. A conduta da guerra na era digital e suas implicações para o Brasil: uma 
análise de conceitos, políticas e práticas de defesa. IPEA – Texto para 
Discussão. Brasília: Ipea, 2012. Disponível em: 
<http://www.ipea.gov.br/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=
15290>. Acesso em: 28 set. 2019. 
______. Tecnologia militar e desenvolvimento econômico: uma análise histórica. 
IPEA – Texto para Discussão. Brasília: Ipea, 2012. Disponível em: 
<http://www.ipea.gov.br/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=
15032>. Acesso em: 28 set. 2019. 
PROENÇA JR., D. Promessa tecnológica e vantagem combatente. Revista 
Brasileira de Política Internacional, v. 54, n. 2, p. 173-188, 2011.