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Análise social, política e econômica da realidade brasileira nas décadas de 1950 e 1960 APRESENTAÇÃO Seja bem-vindo! As transformações sociais e econômicas no Brasil da metade do século XX foram, em grande pa rte, resultantes dos processos que se relacionaram com a instabilidade política que permeou o iní cio do Brasil República e o Estado Novo. Este período é marcado pela atuação das massas popul ares, que passaram a interferir diretamente no cenário político do País em razão dos líderes popu listas que estiveram à frente da Nação naquele período. Nesta Unidade de Aprendizagem, você vai identificar as mudanças socioeconômicas do Brasil n as décadas de 1950 e 1960, bem como a influência política da época e as transformações do serv iço social durante esse processo. Bons estudos. Ao final desta Unidade de Aprendizagem, você deve apresentar os seguintes aprendizados: Analisar o processo social e econômico brasileiro nas dedadas de 1950 e 1960.• Reconhecer as principais mudanças políticas na realidade brasileira.• Identificar os avanços e retrocessos do Serviço Social brasileiro.• DESAFIO Em meio a um contexto de reestruturação do serviço social, a partir da década de 1950, as forma s de intervenção começam a caminhar em direção a uma análise mais contextualizada da realida de social dos indivíduos, passando a atuar sobre o viés do chamado desenvolvimento de comuni dade, que teve por finalidade a adoção de novas técnicas de atuação com vistas ao entendimento mais amplo da situação do indivíduo e a relação com seu meio. Diante disso, imagine este cenário: Considerando essa comunidade, indique: a) Quais técnicas de mobilização social e abordagem da população em um meio rural poderiam t er sido utilizadas? b) Os indicadores de alcance relativos à efetiva participação da determinada comunidade. c) Qual a concepção do serviço social acerca da sua atuação profissional na contemporaneidade? INFOGRÁFICO Neste Infográfico, você vai visualizar o cenário social, político e econômico do Brasil nas décad as de 1950 e 1960, através de uma linha do tempo que traz os principais acontecimentos do País naquele período, dando destaque aos processos políticos de Getúlio Vargas até o Golpe de 1964. CONTEÚDO DO LIVRO O serviço social da metade do século XX passa por um processo de transformação, com influênc ia das técnicas norte-americanas trazidas para o Brasil através da especialização de estudantes e dos programas da Organização das Nações Unidas (ONU), rompendo, então, com o modelo eur opeu predominante até aquele momento. Neste período, é introduzida, no Brasil, a temática relacionada ao desenvolvimento de comunida de, que começa a ser implementada nas grades curriculares dos cursos de graduação da época, c ontribuindo, de forma significativa, para a evolução da profissão, especialmente, no que diz resp eito à instrumentação dos profissionais de serviço social. No capítulo Análise social, política e econômica da realidade brasileira nas décadas de 1950 e 1 960, da obra Fundamentos histórico e teórico metodológicos do serviço social I e II , você vai id entificar as mudanças socioeconômicas do Brasil nas décadas de 1950 e 1960, bem como a influ ência política da época e as transformações do serviço social durante esse processo. Boa leitura. FUNDAMENTOS HISTÓRICO E TEÓRICO METODOLÓGICOS Anderson Barbosa Scheifler Análise social, política e econômica da realidade brasileira nas décadas de 1950 e 1960 Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: Analisar o processo social e econômico brasileiro nas décadas de 1950 e 1960. Reconhecer as principais mudanças políticas na realidade brasileira. Identificar os avanços e retrocessos do Serviço Social brasileiro. Introdução As transformações sociais e econômicas no Brasil da metade do século XX foram, em grande parte, resultantes dos processos relacionados à instabilidade política que permeou o início do período republicano e o Estado Novo. Esse momento foi marcado pela atuação das massas populares, que passaram a interferir diretamente no cenário político do País, muito em razão dos líderes populistas que estiveram à frente da nação naquele período. Neste capítulo, você vai identificar as mudanças socioeconômicas do Brasil nas décadas de 1950 e 1960. Além disso, vai conhecer o cenário político da época e as transformações do Serviço Social nesse período. O processo social e econômico brasileiro da metade do século XX Nas décadas de 1950 e 1960, o Brasil vinha passando por profundas transfor- mações. Essas transformações eram, em sua maioria, relativas à relação da C07_Fundamentos_Historico_e_Teorico_I_II.indd 1 27/06/2018 15:51:50 população com os agentes políticos e, consequentemente, aos impactos sociais e econômicos dessas relações. Historicamente marcado pelas desigualdades sociais desde a época colonial, o País viu surgirem nesse período alguns movimentos de inserção popular, especialmente em razão da industrialização iniciada de forma hegemônica por volta da década de 1930. A industrialização do Brasil foi acelerada no período de transição entre o final do governo do general Eurico Gaspar Dutra (1945–1950) e o início do governo de Getúlio Vargas (1950–1954). Nesse período, a industrialização do País foi um fator propulsor do crescimento econômico. Esse cenário, no entanto, não condizia com o processo de desenvolvimento social do período. Tal processo havia ficado de lado devido a diversos fatores, entre os quais as discussões acerca de qual modelo de desenvolvimento deveria ser adotado pelo Brasil. Em meio a isso, se intensificou o processo de transformação de uma nação essencialmente rural em uma nação mais urbanizada que tinha por norte a busca pelo padrão de vida permeado pelo consumo de bens, modelo cujo maior representante eram os Estados Unidos da América. Aparelhos domésticos como liquidificadores, rádios, televisores e fogões modernos uniram-se ao processo de expansão dos meios de comunicação e das artes, gerando uma sensação de progresso e desenvolvimento nacional. Além disso, o êxodo rural trouxe consigo uma série de problemáticas causadas, em suma, pela falta de planejamento e estrutura dos grandes centros, que não foram capazes de acolher e inserir a população migrante no meio social e no mercado de trabalho. Mais tarde, essa situação se ampliou e deu origem às periferias urbanas. Quanto à periferia, Roberto Lobo Corrêa (1986, p. 71) afirma o seguinte: No século XX, com a expansão urbana, sobretudo com o processo de metro- polização, a transformação do campo periurbano, originando primeiramente uma periferia rural-urbana e, após, subúrbios integrados ao espaço urbano, adquiriu enorme magnitude. Surgem então numerosos estudos que procuram captar uma ou várias facetas do processo de produção da periferia urbana. Considerando que a educação é um fator determinante para traçar os rumos políticos, econômicos e sociais de uma nação, é interessante que você compreenda como se deu o processo de expansão das Instituições de Ensino Superior (IES) da época. Esse período foi fundamental para a definição do modelo de crescimento do ensino superior no País. Rossato (2005) descreve a expansão pós-1945 como fator determinante do que viria a ser o modelo de IES. Análise social, política e econômica da realidade brasileira nas décadas de 1950 e 19602 C07_Fundamentos_Historico_e_Teorico_I_II.indd 2 27/06/2018 15:51:50 Entre 1950 e 1960, a euforia do crescimento econômico promovido pelo governo de Juscelino Kubitschek levou à política de federalização de institui- ções de ensino, universidades ou não. O aumento no número de concluintes do ensino de segundo grau contribuiu para a ampliação da procura pelo ensino superior. Isso se refletiu no crescimento do número de estudantes matricula- dos nessa década, partindo de 44 mil e chegando a 96 mil alunos no final do período(ROSSATO, 2005). A partir dos anos 1960, acentuou-se a participação do movimento estu- dantil, representado pela União Nacional dos Estudantes (UNE), com foco na resistência ao Regime Militar e na modernização do ensino superior no Brasil. Nos seminários e em suas propostas, fica evidente a posição dos estudantes: combater o caráter arcaico e elitista das instituições universitárias. Nesses se- minários, eram discutidas questões relevantes, como: autonomia universitária; participação dos corpos docente e discente na administração universitária, por meio de critérios de proporcionalidade representativa; adoção de regime de trabalho em tempo integral para docentes; ampliação da oferta de vagas nas escolas públicas; e flexibilidade na organização de currículos (FÁVERO, 1994). Nesse período, teve destaque a força do movimento estudantil na busca por melhores condições no ensino superior. Tendo como ponto-chave a noção de que a educação é um direito de todos, devendo ser incentivada pelo Estado, os estudantes buscavam a autonomia das instituições e o aumento do poder de voto e decisão para alunos e professores nos respectivos órgãos deliberativos. Entre as propostas reformistas, já existiam, na época, proposições ainda atuais, que demandam pesquisa, análise e melhoria das políticas governamentais e institucionais. Entre elas, você pode considerar: criação e melhoramento de planos de assistência aos estudantes, programas de bolsas de estudo, ali- mentação, alojamento, trabalho remunerado, incentivo à pesquisa científica, artística e filosófica, entre outras. Essas mudanças seriam, portanto, essenciais para a diminuição do poder daqueles que o detinham dentro das instituições de ensino à época. Estes, por sua vez, vinham reproduzindo a “[...] estrutura colonial e alienada em fase de superação” (CUNHA, 2000, p. 176). Essas correntes empolgavam-se com a tese de um professor catedrático da Universidade do Brasil, o filósofo Álvaro Vieira Pinto, para quem a luta pela reforma universitária estaria sendo travada mais fora da universidade (nos comícios de camponeses, por exemplo) do que dentro dela. O que o movimento estudantil deveria fazer era engajar-se diretamente nas lutas de todo o povo. Assim, a reforma universitária seria mais uma consequência delas do que um fator de seu impulso. Assim, definindo-se a si próprios como vanguarda consciente e letrada do povo, os estudantes deveriam se 3Análise social, política e econômica da realidade brasileira nas décadas de 1950 e 1960 C07_Fundamentos_Historico_e_Teorico_I_II.indd 3 27/06/2018 15:51:50 empenhar na educação deste para as mudanças que estavam se processando. Os movimentos de educação de adultos, em geral de alfabetização, receberam numerosos voluntários, ávidos por transformar o povo analfabeto num eleito- rado consciente de seus interesses, visando às eleições presidenciais previstas para 1965 (CUNHA, 2000). Como você sabe, o golpe militar de 1964 impôs regras e restrições aos movimentos sociais, religiosos, raciais, estudantis, entre outros. Essas restrições tinham por objetivo vetar quaisquer ações, manifestações ou propagandas político-partidárias que pudessem contrariar as ações do Governo. Cerqueira (2009) aponta que essas determinações, no entanto, provocaram uma forte onda de manifestações por parte dos estudantes, culminando em passeatas e embates entre alunos das universidades públicas e representantes dos setores privados apoiadores do regime militar opressor. O ano de 1968 seria marcado pelas reivindicações em todo o País na busca por mudanças sociais, políticas e culturais. Esse ano se encerraria com a liquidação de diversos movimentos sociais por parte do Governo Militar. Ainda na década de 1960, surgiu o debate acerca dos direitos fundamentais, chamados também de direitos da fraternidade ou direitos da solidariedade. Rossato (2005) afirma que nessa concepção os direitos do homem seriam divididos em três categorias: os direitos de liberdade, os direitos de igualdade e os direitos de solidariedade. Todos eles, no entanto, unem-se em um único propósito, que é a busca pelo desenvolvimento humano sustentável. Este, por sua vez, só será atingido por meio da erradicação das desigualdades e da superação da pobreza extrema. O autor ainda afirma que isso somente será alcançado por meio da educação e do conhecimento. Uma forma de promover essa emancipação é pela promoção dos direitos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais de forma indivisível. A década de 1950 até hoje é reconhecida como a década futurista. Esse período foi marcado por inúmeras inovações na ciência e nas tecnologias, o que contribuiu para o surgimento de um movimento cultural que arremeteu seu imaginário para o futuro. Com isso, despontaram diversas teorias e suposições sobre quais seriam as grandes invenções e inovações do futuro próximo. Análise social, política e econômica da realidade brasileira nas décadas de 1950 e 19604 C07_Fundamentos_Historico_e_Teorico_I_II.indd 4 27/06/2018 15:51:50 A metamorfose política brasileira das décadas de 1950 e 1960 Eleito com 48,7% dos votos válidos na eleição de 3 de outubro de 1950, Getúlio Vargas assumiu a presidência da República em 1951. O então presidente retomava o cargo que ocupara entre 1930 e 1945. O primeiro período da chamada Era Vargas foi marcado pelo processo de inserção das camadas mais pobres da população na pauta política do Governo. Nesse período, essas camadas sociais haviam visto surgir as possibilidades de reclamar junto ao Estado a criação de direitos sociais e de exigir o cumprimento de tais direitos. O grande marco dessa época foi a legislação trabalhista, uma das maiores bandeiras levantadas por Vargas. Em sua posse, Getúlio tratou de reafirmar sua ideologia populista, definindo o povo como meio e fim de todo poder político. Em seu discurso de posse, pronunciado no Palácio Tiradentes, ele disse: O governo não é uma entidade abstrata, um instrumento de coerção ou uma força extrínseca da comunidade nacional. Não é um agente de partidos, grupos, classes ou interesses. É a própria imagem refletida da Pátria na soma das suas aspirações e no conjunto de suas afinidades e lealdades. É a encarnação do povo e, como tal, o servo da sua vontade, o provedor de suas necessidades, a força humanizada e sensível que preside às relações e ao desenvolvimento da sua vida social no sentido da cooperação e da harmonia das classes e dos interesses (VARGAS, 1952). Aguiar (1995) retrata o cenário conturbado do período, no qual emergiam correntes político-ideológicas, resquícios ainda do período pós-guerra que adentraram o governo de Vargas. Em meio ao debate instaurado sobre qual poderia ser o melhor caminho para o Brasil, três fórmulas se sobressaíram e encabeçaram os debates políticos e econômicos, como você pode ver a seguir. 1. Modelo neoliberal: preconiza a liberdade de mercado e o livre ajuste de preços e valores, considerando que eles são fatores reguladores e que trarão a justiça e a igualdade de oportunidades por meio do mérito próprio (meritocracia). Esse modelo incentiva a inserção do capital e da tecnologia estrangeiros na economia e os considera uma possibilidade de transpassar as deficiências locais que impedem o desenvolvimento nacional. 2. Modelo desenvolvimentista-nacionalista: tem como princípio a busca pela industrialização do país baseada nas mais diversas formas de produtos, serviços e bens. É aberto ao ingresso do capital estrangeiro com ressalvas e controle extremo. 5Análise social, política e econômica da realidade brasileira nas décadas de 1950 e 1960 C07_Fundamentos_Historico_e_Teorico_I_II.indd 5 27/06/2018 15:51:50 3. Modelo nacionalista radical: busca a revolução social por meio de um governo totalitário e nacionalista. Visualiza as desigualdades sociais como consequências da exploração dos países desenvolvidos sobre os países subdesenvolvidos. Nesse modelo, ao contrário doque ocorre no modelo neoliberal, a indústria é 100% controlada pelo Estado e seus lucros são administrados pelo governo. O governo Vargas estendeu-se até o ano de 1954. Devido às medidas populis- tas de Vargas — como a criação da Petrobras, a elaboração de um amplo programa de habitação popular e o aumento do salário mínimo —, que desagradaram o meio empresarial, os militares e seus opositores, o presidente se viu acuado e sem condições de governabilidade. O ápice dessa crise foi o atentado ao jornalista e opositor Carlos Lacerda, que de imediato acusou o então presidente de ser o mandante do crime. Vargas resistiu no cargo até 24 de agosto de 1954, quando cometeu suicídio em seu gabinete, deixando uma carta-testamento. Após o suicídio de Getúlio Vargas em 1954, o vice-presidente Café Filho concluiu seu mandato até o ano seguinte, quando Juscelino Kubitschek assumiu a presidência (1956–1960). Vieira (1995) descreve que o programa político de Juscelino estruturava-se na óptica de um futuro promissor, tese esta difundida por meio de um clima de otimismo generalizado e pela conservação da ordem legal do período. Essas noções vinham ao encontro de outros pressupostos ideológicos, como a consolidação do regime democrático, a globalização do País e a entrada do capital estrangeiro. O Governo acreditava que por meio do modelo desenvolvimentista, e somente por meio dele, o País poderia alcançar a justiça social. Além disso, esse modelo era visto como o caminho rumo ao grande destino do Brasil (VIEIRA, 1995). Kubitschek defendia o “mundo livre”: acreditava na colaboração entre os países na busca do desenvolvimento de cada um. Para ele, as nações mais desenvolvidas tinham como compromisso moral prestar auxílio às nações em desenvolvimento. Em junho de 1958, o presidente remeteu uma carta ao presi- dente estadunidense D. D. Eisenhower, pedindo uma revisão na política norte- -americana com relação aos países da América Latina. Entre as reivindicações de Juscelino, estavam a necessidade de maiores investimentos nesses países, a colaboração técnica dos americanos, uma revisão na tabela de preços dos produtos primários e o aperfeiçoamento dos organismos financeiros internacionais. Por fim, fazendo uma análise da gestão de Kubitschek, Vieira (1995, p. 127) destaca: A extrema valorização da política econômica, em prejuízo da política social. Os rumos da política econômica do Presidente Juscelino foram traçados por diversas Análise social, política e econômica da realidade brasileira nas décadas de 1950 e 19606 C07_Fundamentos_Historico_e_Teorico_I_II.indd 6 27/06/2018 15:51:51 metas programadas, dirigidas sobretudo para a construção de grandes obras e para a intensa capitalização do Brasil, em particular por meio do investimento estrangeiro. Na verdade, a política econômica preponderou sempre, no tempo de Kubitschek, sobre a política social, como se observa até em seus pronuncia- mentos ao país. As metas econômicas do governo federal não só conviveram com precárias condições de vida da maioria da população brasileira, como ainda permitiram ocultá-las, através da febre desenvolvimentista. Em 1961, Jânio Quadros foi eleito presidente da República, tomando posse em 31 de janeiro de 1961. Quadros adotou como forma de governo um mo- delo neoliberal com traços do modelo desenvolvimentista-nacionalista. Sua promessa de campanha era proporcionar maior desenvolvimento a áreas antes esquecidas pelos governos, como agricultura, educação e saúde. O presidente adotou uma série de programas de controle da inflação e reformas que desagra- daram diversos setores da sociedade e opositores. Assim, em agosto de 1961, Quadros renunciou ao cargo, assumindo o então vice-presidente, João Goulart. Goulart já havia sido eleito vice-presidente duas vezes. Aguiar (1995) aponta que ele ingressou na presidência cercado de suspeitas por parte dos represen- tantes da direita e dos militares. Em 1962, manifestou-se a favor da reforma agrária e do programa habitacional popular. Além disso, se movimentou no sentido de pôr fim ao parlamentarismo. Esses posicionamentos o colocaram em uma situação ideológica de esquerda, desapontando ainda mais aqueles que já se opunham ao presidente. Em 31 de março, ocorreu o golpe militar de 1964, que deveria ter ocorrido ainda em 1954, porém ficara de lado devido à morte de Getúlio. Vieira (1995) destaca que, com o exílio de Goulart, a presidência foi assumida em 2 de abril pelo então deputado Ranieri Mazzilli (Figura 1). Em 9 de abril, o chamado Supremo Comando Revolucionário publicou o Ato Institucional nº. 1, que, entre outras tratativas, dizia o seguinte: Para demonstrar que não pretendemos radicalizar o processo revolucionário, decidimos manter a Constituição de 1946, limitando-nos a modificá-la apenas na parte relativa aos poderes do Presidente da República, a fim de que este possa cumprir a missão de restaurar no Brasil a ordem econômica e financeira e tomar as urgentes medidas destinadas a drenar o bolsão comunista, cuja purulência já se havia infiltrado, não só na cúpula do governo como nas suas dependências administrativas (BRASIL, 1964, documento on-line). O ato previa a eleição imediata de novos presidente e vice, escolhidos pelo Congresso Nacional. Também permitia a retirada dos direitos políticos de quem bem se entendesse pelo período de 10 anos, inclusive a cassação de 7Análise social, política e econômica da realidade brasileira nas décadas de 1950 e 1960 C07_Fundamentos_Historico_e_Teorico_I_II.indd 7 27/06/2018 15:51:51 mandatos legislativos federais, estaduais e municipais sem a necessidade de qualquer julgamento (VIEIRA, 1995). Figura 1. Capa do jornal O Globo de 8 de abril de 1964. Fonte: Carol (2014). Entre as principais características do regime militar, Aguiar (1995) ressalta: controle integral do Estado, com destaque ao Ato Institucional nº. 5, que deu totais poderes ao Governo Militar, especialmente no que trata da repressão aos seus opositores (esse ato também é conhecido como aquele que institucionalizou a prática da tortura); engajamento do Brasil com os Estados Unidos e o Ocidente como forma de fortalecimento contra a ofensiva comunista liderada pela China e pela União Soviética; investimento privado e entrada do capital estrangeiro, pois se acreditava que a industrialização e a entrada de multinacionais seriam um caminho para o crescimento da economia e para o desenvolvimento da nação; grande concentração de renda e, por conta da internacionalização po- lítica e econômica, um arrocho salarial que reduzia a renda da classe trabalhadora, repassando-a aos empresários; Análise social, política e econômica da realidade brasileira nas décadas de 1950 e 19608 C07_Fundamentos_Historico_e_Teorico_I_II.indd 8 27/06/2018 15:51:51 privilégio da segurança nacional, que tem mais destaque que o desen- volvimento (surge então o binômio “segurança e desenvolvimento”); aumento da concentração de renda e empobrecimento cada vez maior da classe trabalhadora, de modo que se criam diversos programas de salários indiretos a fim de manter a reprodução da força de trabalho; priorização das exportações de produtos brasileiros como condição im- prescindível para a manutenção dos investimentos de capital estrangeiro; ênfase nas seguintes características ideológicas: autoritarismo, elitismo, liberalismo, individualismo, internacionalização econômica, política e cultural e concentração do capital. Se você quer conhecer melhor a ditadura militar brasileira, leia o livro Ditadura e Democracia no Brasil: Do Golpe de 1964 à Constituição de 1988, de Daniel Aarão Reis, publicado em 2000. O Serviço Social das décadas de 1950 e 1960 Na metade do século XX, o Serviço Social passou por um processo de trans- formação. Tal processo ocorreu principalmente em consequência da infl uência das técnicas norte-americanas, trazidas para o Brasil por estudantes que foram se especializarnos Estados Unidos por meio dos programas da Organização das Nações Unidas (ONU). Assim, aos poucos o Serviço Social brasileiro rompeu com o modelo europeu, predominante até aquele momento. Nesse período, foi introduzido no País o Desenvolvimento de Comunidade (DC), que começou a ser implementado nas grades curriculares dos cursos de graduação, contribuindo muito para a evolução da profi ssão, especialmente no que diz respeito à instrumentação dos assistentes sociais. Aguiar (1995) destaca que foi no início do governo Vargas, em 1951, que aconteceram as primeiras experiências relacionadas ao desenvolvimento de comunidade na zona rural, no estado do Rio de Janeiro. Os assistentes sociais da época privilegiavam, em sua prática de intervenção, a noção de que existiam 9Análise social, política e econômica da realidade brasileira nas décadas de 1950 e 1960 C07_Fundamentos_Historico_e_Teorico_I_II.indd 9 27/06/2018 15:51:51 pessoas “desajustadas”, de modo que era necessário integrá-las e adaptá-las à sociedade. Como você pode notar, essa era uma visão preconceituosa, que não considerava as contradições e desigualdades sociais nas quais estavam inseridos aqueles sujeitos. Efetivamente, o Serviço Social no meio rural só se efetivou a partir da década de 1960. Antes disso, ocorreram apenas alguns encontros, debates e as chamadas Missões Rurais, que tinham por objetivo trabalhar a educação de base como forma de integrar os ditos “marginalizados” da época. A autora Maria Ozanira da Silva e Silva destaca, em sua obra O Serviço Social e o Popular: resgate teórico-metodológico do projeto profissional de ruptura, a importância da década de 1960 para o surgimento de uma nova prática profissional pautada na crítica ao Serviço Social tradicional. Com a crise dos governos desenvolvimentistas, os profissionais da época começaram um processo de revisão das técnicas profissionais, unindo-se a setores sociais descontentes com o cenário político, econômico e social do momento. Entre as transformações da época, você pode considerar: A doutrina social da igreja cede lugar a correntes psicológicas, principalmente à psicanálise, e a correntes sociológicas, destacando-se o positivismo e o funcionalismo; os métodos tradicionais de Serviço Social de Caso e Serviço Social de Grupo sistematizam-se. A prática profissional começa a deslocar seu eixo de preocupação do indivíduo para a comunidade, dando margem à adoção de novas técnicas, como reunião e nucleação de grupos (SILVA, 1995, p. 28). Netto (2004) compreende o golpe militar de 1964 como um movimento a nível mundial orquestrado com o patrocínio dos Estados Unidos. Para esse autor, o golpe teve como objetivos reprimir os movimentos nacionais de libertação social que ganhavam força na época (Figura 2) e perpetuar o do- mínio capitalista dos grandes países por meio da manutenção do processo de divisão do trabalho. Silva (1995) relata que, apesar da conjuntura repressiva e de criminalização dos movimentos sociais da época, a vertente crítica do Serviço Social se fortificou em virtude de duas razões principais: a expansão do mercado de trabalho para os profissionais da época e a ampliação do debate sobre teoria e método. Ainda nesse período, articulou-se um movimento a nível de América Latina, o movimento de reconceituação do Serviço Social. Esse movimento tinha por finalidade agrupar as demandas dos profissionais de diversos países a fim de verificar suas limitações e discutir os processos teórico-instrumentais e político-ideológicos. Análise social, política e econômica da realidade brasileira nas décadas de 1950 e 196010 C07_Fundamentos_Historico_e_Teorico_I_II.indd 10 27/06/2018 15:51:51 Figura 2. A censura foi uma das marcas da ditadura militar brasileira. Fonte: Cronologia... ([2018]). Leia a obra Ditadura e Serviço Social: uma análise do Serviço Social no Brasil pós 64, de José Paulo Netto, para aprender mais sobre a ditadura e a atuação do Serviço Social. AGUIAR, A. G. de. Serviço social e filosofia: das origens à Araxá. 5. ed. São Paulo: Cortez; Piracicaba: Universidade Metodista de Piracicaba, 1995. BRASIL. Ato institucional nº. 1, de 9 de abril de 1964. Dispõe sobre a manutenção da Constituição Federal de 1946 e as Constituições Estaduais e respectivas Emendas, com as modificações instroduzidas pelo Poder Constituinte originário da revolução Vitoriosa. 1964. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/ait/ait-01-64. htm>. Acesso em: 25 jun. 2018. CAROL, R. Ditaduras na América Latina: veias que continuam abertas. 2014. Disponível em: <https://capitalismoemdesencanto.wordpress.com/page/13/>. Acesso em: 25 jun. 2018. CERQUEIRA, L. E. et al. Memórias do Distrito Federal: a luta pela autonomia política. São Paulo: Museu da Pessoa, Brasília: Fundação Banco do Brasil, 2009. 11Análise social, política e econômica da realidade brasileira nas décadas de 1950 e 1960 C07_Fundamentos_Historico_e_Teorico_I_II.indd 11 27/06/2018 15:51:51 CORRÊA, R. L. A periferia urbana. Geosul, n. 2, 1986. Disponível em: <https://periodicos. ufsc.br/index.php/geosul/article/viewFile/12551/11859>. Acesso em: 25 jun. 2018. CRONOLOGIA da ditadura militar. [2018]. Disponível em: <http://www.sohistoria.com. br/ef2/ditadura/p3.php>. Acesso em: 25 jun. 2018. CUNHA, L. A. Ensino superior e universidade no Brasil. In: LOPES, E. M. T.; FARIA FILHO, L. M.; VEIGA, C. G. (Org.). 500 anos de educação no Brasil. 2. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2000. FÁVERO, M. L. A. A universidade no Brasil: das origens à reforma universitária de 1968. Educar, n. 28, p. 17-36, 2006. NETTO, J. P. Ditadura e Serviço Social: uma análise do Serviço Social no Brasil pós 64. 19. ed. São Paulo: Cortez, 2004. ROSSATO, R. Universidade: nove séculos de história. Passo Fundo: UPF, 2005. SILVA, M. O. da S. O Serviço Social e o popular: resgate teórico metodológico do projeto profissional de ruptura. São Paulo: Cortez, 1995. VARGAS, G. O governo trabalhista do Brasil. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1952. v. 1. VIEIRA, E. Estado e miséria social no Brasil: de Getúlio a Geisel. 4. ed. São Paulo: Cortez, 1995. Leituras recomendadas BRASIL. Lei nº. 8.742, de 7 de dezembro de 1993. 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Existem co rrentes que pregam que o Estado é responsável por criar ações afirmativas que tenham por finali dade igualar as condições para disputa entre as pessoas, e outras que defendem que cada um dev e buscar melhorias de qualidade de vida sem intervenção externa. Nesta Dica do Professor, você vai se aprofundar um pouco mais a respeito do termo “meritocrac ia”, tão atual nos dias de hoje. Aponte a câmera para o código e acesse o link do vídeo ou clique no código para acessar. NA PRÁTICA Sugestões para a elaboração de um estudo de caso e diagnóstico em serviço social: Luiza é a nova assistente social do CRAS de um pequeno município, cuja maior parte da popula ção se concentra em comunidades rurais, na maioria das vezes, distantes do centro da cidade. A ela, é dada como meta de trabalho a realização do diagnóstico e acompanhamento de uma comu nidade rural, apresentando, então, um plano de ação para inserção dessa população nas políticas do SUAS. Conheça, Na Prática, algumas ações que podem ser desenvolvidas por Luiza na elaboração do di agnóstico e do plano de ação. https://fast.player.liquidplatform.com/pApiv2/embed/cee29914fad5b594d8f5918df1e801fd/bac441b49ca9ba845adc69ed7e955eea SAIBA + Para ampliar o seu conhecimento a respeito desse assunto, veja abaixo as sugestões do professo r: Meritocracia Leia este texto para saber mais sobre meritocracia, um princípio essencial de justiça nas socieda des ocidentais modernas. Aponte a câmera para o código e acesse o link do vídeo ou clique no código para acessar. Nacionalismo Leia este texto para saber mais sobre o Nacionalismo, uma doutrina que colocava a defesa da na ção acima de outras experiências e instituições tais como o Estado, a Igreja, o partido político ou o sindicato. https://www.infoescola.com/politica/meritocracia/ Aponte a câmera para o código e acesse o link do vídeo ou clique no código para acessar. 80 anos de serviço social no Brasil: a influência norte-americana na construção da identida de profissional e seus rebatimentos na atualidade Este trabalho tem como objetivo o debate em torno da trajetória histórica do serviço social brasil eiro, profundamente influenciado pelo serviço social norte-americano nos anos 40 e 50, analisan do a existência rebatimentos no cenário profissional atual. Aponte a câmera para o código e acesse o link do vídeo ou clique no código para acessar. https://brasilescola.uol.com.br/historiag/nacionalismo.htm https://www.cressrj.org.br/wp-content/uploads/2016/05/067.pdf
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