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18 7 CONCEITOS BÁSICOS PARA O ESTUDO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS EDUCACIONAIS O estudo das políticas públicas educacionais tem sido objeto de muitas pesquisas acadêmicas, dentro da compreensão de que estas, ao dirigirem as ações dos governos instituídos, apresentam-se perpassadas pelos contextos diversos que envolvem o país no momento em que foram concebidas. O Brasil, sobretudo após o período de redemocratização, com a Constituição Federal de 1988 e com as reformas impulsionadas pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, produziu uma profusão de políticas públicas educacionais como nunca antes vista na história da educação brasileira. Para analisar essas políticas, precisamos considerar que trazem consigo conceitos, representações e enunciam práticas discursivas e não discursivas, que merecem ser investigadas. Ao analisar os discursos que se encontram presentes nas políticas educacionais posteriores à LDB 9.394/1996, Shiroma, Campos e Garcia (2005, p. 428) comentam que: No início dos anos de 1990, predominaram os argumentos em prol da qualidade, competitividade, produtividade, eficiência e eficácia; ao final da década percebe-se uma guinada do viés explicitamente economicista para uma face mais humanitária na política educacional, sugerida pela crescente ênfase nos conceitos de justiça, equidade, coesão social, inclusão, empowerment, oportunidade e segurança. As autoras chamam a atenção para o campo discursivo utilizado na década de 90, que se alinha com a lógica internacional do advento da globalização da economia e ascensão do sistema de governo neoliberal, que se propaga a partir da 19 evolução do próprio capitalismo. Logo, ao tornar o mundo global, com o intuito de construir uma cultura comum onde os aspectos empresariais fossem evidenciados, busca-se a utilização dos termos amplamente utilizados nas teorias de gestão empresarial, elevando as instituições educacionais ao modelo das organizações empresariais. Já no início dos anos 2000, existe uma mudança no entendimento sobre a educação, passando a incluir outros enunciados com viés mais humanitário, enfocando inclusão, justiça e equidade social. Essa mudança de ênfase discursiva serve de exemplo para que percebamos como as questões internacionais, econômicas e políticas se fazem presentes nas políticas públicas educacionais de cada época. Dessa forma, “[...] alguns elementos da teoria do capital humano foram resgatados, mas alterados, pois, num contexto de globalização excludente, a educação tornara-se responsabilidade individual voltada para a empregabilidade” (EVANGELISTA; SHIROMA, 2006, p. 45). A teoria do capital humano foi desenvolvida na década de 70, visando a calcular o valor econômico da educação no desenvolvimento das nações, de onde derivam muitas das expressões utilizadas no senso comum até os dias de hoje, como “educação é a única coisa que não tiram de você”, ou ainda, “gastar com educação não é despesa, é investimento”, entre outras, que associam a educação formal com os benefícios que esta alavanca para o desenvolvimento econômico pessoal e do país. Essa teoria serviu muito bem aos propósitos de qualificação de mão de obra no Brasil, nas décadas de 70 e 80, período em que o capitalismo se consolidava. No entanto, com o advento da globalização e as transformações no mundo do trabalho, deslocou-se do Estado a preocupação única em investir na busca por melhores níveis de educação, transferindo a responsabilidade para os indivíduos. Assim, dentro do conceito de empregabilidade, existe a culpabilização do sujeito por não ter emprego, por exemplo, sendo comum vermos associado ao desemprego o fato de o sujeito não haver estudado ou se preparado para as mudanças globais. (BES, 2019) A formulação de políticas públicas educacionais procura também acompanhar a tendência internacional, reportando-se aos documentos da área da educação que foram produzidos por organismos multilaterais, como o Banco 20 Mundial, a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). Esses organismos, ao produzirem seus documentos, “[...] não apenas prescreviam as orientações a serem adotadas, mas também produziam o discurso ‘justificador’ das reformas que, preparadas em outros contextos, necessitavam erigir consensos locais para sua implementação” (SHIROMA; CAMPOS; GARCIA, 2005, p. 430). Dessa forma, mesmo que as políticas públicas voltadas para a área educacional busquem seguir as orientações internacionais, precisam ser discutidas, analisadas para sua adequação às realidades do sistema educacional brasileiro, momento este onde existem embates teóricos, filosóficos e ideológicos para a produção dos textos que as irão compor e seus significados. Os autores Bowe e Ball (1992) apontam três contextos que podem ser utilizados para a análise de políticas educacionais: O contexto de influência representa o momento em que existe a luta pelas demandas sociais que serão inseridas na agenda de discussões políticas que poderão vir a ser implementadas. Segundo Bowe e Ball (1992, p. 19), “[...] é aqui que as partes interessadas disputam a definição e propósitos sociais da educação. Envolvem grupos que influenciam o governo, mas não são eles que determinam diretamente a política”. Fazer uma análise sobre o viés desse contexto é entender, mapear, esquadrinhar as movimentações sociais que possam ter gerado demandas, quais os grupos envolvidos, bem como quais os possíveis interesses almejados por eles. Mainardes (2006, p. 51) acrescenta ainda que “[...] atuam nesse contexto as redes sociais dentro e em torno de partidos políticos, do governo e do processo legislativo. É também nesse contexto que os conceitos adquirem legitimidade e formam um discurso de base para a política”. Precisamos reforçar a ideia de que este discurso de base que é construído no contexto de influência também tem participação 21 ativa nas proposições dos organismos multilaterais que se articulam em torno da esfera educacional, como o Banco Mundial, a ONU, a UNESCO, a OCDE e o PNUD, que comentamos anteriormente. O contexto da produção de textos se preocupa com a análise discursiva, com as narrativas que se encontram presentes nos documentos oficiais produzidos. Shiroma, Campos e Garcia (2005, p. 434) alertam que esses textos normalmente possuem características associadas “[...] à linguagem do público em geral. Sua narrativa caracteriza-se pelo populismo, senso comum e apelo à razão política”. Partindo dessa fala das autoras, podemos citar como exemplo as propagandas que estão sendo divulgadas na mídia nos últimos meses a respeito da Base Nacional Comum Curricular, as quais adotam linguajar simples, coloquial e, assim, se aproximam do entendimento do grande público. Contudo, “embora desejem, os autores não podem ter controle sobre os significados que serão atribuídos aos seus textos. Parte dos textos pode ser rejeitada, excluída, ignorada, deliberadamente mal-entendida. ” (BOWE; BALL, 1992, p. 22). Para contornar estes possíveis efeitos sobre a interpretação das políticas educacionais, normalmente após a escrita de um documento oficial, serão produzidos inúmeros outros textos que apoiam as ideias centrais do primeiro. Percebemos, por exemplo, pelas inúmeras resoluções realizadas a partir de cada alteração da LDB atual. O contexto da prática analisará como se dá a implementação da política educacional que foi primeiramente demandada, produzida nos aspectos textuais e que agora será, de fato, aplicada, abrindo a possibilidade para reinterpretações por parte daqueles aos quais a política educacional afeta. Muitas vezes, pode acontecer de uma política apresentar uma demanda legítima, um textobem escrito, porém carregado de ideologias e abstrações que dificultam que este seja posto em prática. Algumas políticas educacionais brasileiras, 22 como a própria LDB de 1971, por exemplo, incorreram nesse erro, pois, embora trouxessem em seu texto propostas importantes para serem implementadas, dissociaram-se da realidade estrutural e financeira necessária para que fossem implementadas na época. Mainardes (2006, p. 53) destaca o papel dos profissionais da educação dentro desse contexto da prática, uma vez que “[...] os professores e demais profissionais exercem um papel ativo no processo de interpretação e reinterpretação das políticas educacionais e, dessa forma, o que eles pensam e no que acreditam têm implicações para o processo de implementação das políticas”. Algumas vezes no senso comum você já deve ter escutado a expressão “essa lei não pegou”, pois bem, existem questões que, mesmo normatizadas, com documentos de referência e fundamentação, parecem não ser levadas a sério, não vindo a ser legitimadas, não é mesmo? Essa é uma análise possível de ser realizada a partir deste contexto da prática que estamos estudando. Podemos perceber que, para que possamos analisar as políticas públicas de forma geral, e mais em particular as relacionadas à área da educação, que nos diz respeito, precisamos adotar uma metodologia que não nos coloque à mercê de nossos simples “achismos”. Os contextos que aqui analisamos nos ajudam nessa tarefa, pois nos fazem entender que as políticas públicas educacionais são muito mais do que simples textos, visto que carregam em si discursos que produzem significados diversos, que se encontram carregados de disputas de poder e conflitos entre grupos e racionalidades. Hoje, ao ler uma legislação, uma norma, um documento, um plano ou mesmo um programa do Ministério da Educação, procure exercitar essa análise e, fazendo uso desta técnica, verá que muitas outras coisas poderão se apresentar a partir daí. (BES, 2019)
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