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METODOLOGIA DE ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA Carlos Eduardo Fernandes-Netto Vera Lúcia Massoni Xavier da Silva Apresentação Muitas vezes, quando se fala em Metodologia de Ensino, somos tentados a pensar que encontraremos receitas prontas para nossas aulas. Não é isso, cara aluna ou caro aluno, que você vai encontrar aqui, porque nosso propósito, de forma alguma, é nos prendermos a modelos pré-estabelecidos; ao contrário, objetivamos proporcionar a você conheci mentos que lhe permitam desempenhar um bom papel de mediadora ou mediador do ensino de Língua Portuguesa. Fazemos, na disciplina Metodologia de Ensino de Língua Portuguesa, um percurso metodológico, que parte dos objetivos fixados nos PCNs, passando por estudiosos renomados, com vistas a formar um profissional competente e ousado, pois não se detém a modelos pré-fixados; despertador de consciências críticas e reflexivas; criador de estratégias adequadas à realidade da sala de aula e aos problemas sociais e econômicos defrontados na localidade em que se insere a escola. Visamos a um profissional cuja prática pedagógica não se resuma à transmissão de regras gramaticais, mas que apresente aos estudantes textos capazes de desafiá-los, de instigá-los, de conduzi-los à reflexão, à aceitação de diferentes pontos de vista, à compreensão da língua como organismo vivo e heterogêneo. Lembraremos sempre que o trabalho do professor de Língua Portuguesa atende ao propósito maior de construção da cidadania. Sua atuação específica busca tornar a escola o espaço de acesso à adequação da fala. PROGRAMA DA DISCIPLINA METODOLOGIA DE ENSINO DA LÍNGUA PORTUGUESA Ementa: Concepções de linguagem. Concepções de gramática. PCNs e o ensino de língua portuguesa. Gramática e texto. As três competências: interativa, linguística e textual. Objetivos A disciplina Metodologia de Ensino de Língua Portuguesa tem como objetivos: 1) propor reflexão sobre as concepções escolares de leitura e de ensino gramatical, levando sempre em consideração a problemática do letramento; 2) ressaltar o papel da escola na formação de leitores atentos aos conflitos de interesses sociais, políticos e econômicos subjacentes às formações discursivas. Conteúdos Unidade 1- Concepções de Linguagem Unidade 2- Concepções de Gramática. Unidade 3- Os Parâmetros Curriculares Nacionais Unidade 4- Linguagem e Ensino Unidade 5- O Texto e o Ensino Unidade 6- Os PCNs e o Ensino de Língua Portuguesa (5ª a 8ª séries) Unidade 7- O Texto e as Estratégias de Leitura Unidade 8- A Formação do Leitor Crítico Unidade 9- O Desenvolvimento de Competências e Habilidade em Língua Portuguesa. Unidade 10- Competência Interativa, Linguística e Textual Unidade 11- Textos e suas competências Metodologia Adotamos para a Disciplina Metodologia de Ensino de Língua Portuguesa uma metodologia que alia a teoria à prática. A partir de pressupostos teóricos, exploramos alguns procedimentos para o ensino de Língua Portuguesa. AVALIAÇÃO No sistema EAD, a legislação determina que haja avaliação presencial, sem, entretanto, se caracterizar como a única forma possível e recomendada. Na avaliação presencial, todos os alunos estão na mesma condição, em horário e espaço pré-determinados, diferentemente, a avaliação a distância permite que o aluno realize as atividades avaliativas no seu tempo, respeitando-se, obviamente, a necessidade de estabelecimento de prazos. A avaliação terá caráter processual e, portanto, contínuo, sendo os seguintes instrumentos utilizados para a verificação da aprendizagem: 1) Trabalhos individuais ou a partir da interatividade com seus pares; 2) Provas bimestrais realizadas presencialmente; 3) Trabalhos de pesquisa. As estratégias de recuperação incluirão: 1) retomada eventual dos conteúdos abordados nas unidades, quando não satisfatoriamente dominados pelo aluno; 2) elaboração de trabalhos com o objetivo de auxiliar a vivência dos conteúdos. Bibliografia Básica GOLDSTEIN, N. O texto sem mistério. SP: Ática, 2011 KLEIMAN, A. Oficina de leitura. Campinas, SP: Pontes, 2001. SMOLKA, A. L. B.; GOES, M. C. R. de. A linguagem e o outro no espaço escolar. Campinas: Papirus, 2011 Bibliografia Complementar BASTOS, L. K.; MATTOS, M. A. A produção escrita e a gramática. SP: Martins Fontes, 1986. BRASIL. Ministério da Educação. PCN+ ensino médio: orientações educacionais e complementares aos parâmetros curriculares nacionais: linguagens e códigos e suas tecnologias. Brasília: MEC/SEMTEC, 2002. BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: terceiro e quarto ciclos do ensino fundamental: língua portuguesa. Brasília: MEC/SEF, 1998. FARACO, C. A. Escrita e alfabetização. São Paulo: Contexto, 2001. ILARI, R. A linguística e o ensino da língua portuguesa. São Paulo: Martins Fontes, 1992. POSSENTI, S. Por que (não) ensinar gramática na escola. Campinas: ABL/Mercado de Letras, 1996. UNIDADE 1 - CONCEPÇÕES DE LINGUAGEM CONHECENDO A PROPOSTA DO TEMA Objetivos: Discutir as concepções de linguagem. Embora já tenhamos discutido as concepções de linguagem em outras disciplinas, é importante que as retomemos agora. ESTUDANDO E REFLETINDO Nos estudos linguísticos, há três concepções de linguagem, sobre as quais abordaremos a seguir. A primeira delas afirma ser a linguagem expressão do pensamento. Essa concepção vigorou até meados do século XX. Cabe, entretanto, um questionamento sobre isso. Se linguagem é expressão do pensamento, aquela pessoa que não consegue se expressar bem não pensa? Tomemos, como exemplo, o personagem Fabiano, de Vidas Secas, de Graciliano Ramos. Logo no início do romance, esse personagem aparece descrito como um ser humano desprovido de habilidades de uso da linguagem, ele não consegue falar. Várias passagens do livro indicam isso. Porém, embora não conseguisse falar, ele pensava e muito. Com os estudos da teoria da comunicação, a linguagem passou a ser entendida como comunicação. Isso é verdadeiro, porém há que se colocar um questionamento. Vamos imaginar que alguém diz: “Está chovendo”. Tudo bem, Nesse enunciado, observamos um emissor que envia uma mensagem a um destinatário, sobre um determinado referente, utilizando-se de um código e de um canal. A função da linguagem aí predominante é a referencial. Nós sabemos que está chovendo é “tomba água do céu”, mas, dependendo da situação em que a frase é pronunciada, pode ter sentidos completamente diferentes, o que o esquema proposto por Jakobson não prevê. Por exemplo, se a patroa diz para a empregada que está chovendo e as roupas estão no varal, na verdade, ela está dando uma ordem (recolha a roupa) e não passando uma informação. Se passamos por uma situação de racionamento de energia elétrica e começa a chover, essa mesma frase pode significar: vai acabar o racionamento. Finalmente, os modernos estudos linguísticos concebem a linguagem como interação, como estabelecimento de vínculos entre os envolvidos no ato comunicativo. Vale dizer, ainda, que todo ato de linguagem, desde o mais simples, até o mais complexo, tem uma intenção: agir sobre o outro. Essa concepção é que deve nortear o ensino de Língua Portuguesa, como se constata na afirmação de Bakhtin (1979): Na realidade, toda palavra comporta duas faces. Ela é determinada tanto pelo fato de que procede de alguém, como pelo fato de que se dirige para alguém. Ela constitui justamente o produto da interação do locutor e do ouvinte. (BAKHTIN, 1979, p.99). BUSCANDO CONHECIMENTO A natureza sociointeracional da linguagem Nos PCNs, está clara a concepção de linguagem que deve nortear o ensino de Língua Portuguesa. O uso da linguagem (tanto verbal quanto visual) é essencialmentedeterminado pela sua natureza sociointeracional, pois quem a usa considera aquele a quem se dirige ou quem produziu um enunciado. Todo significado é dialógico, isto é, é construído pelos participantes do discurso1. Além disso, todo encontro interacional é crucialmente marcado pelo mundo social que o envolve: pela instituição, pela cultura e pela história. Isso quer dizer que os eventos interacionais não ocorrem em um vácuo social. Ao contrário, ao se envolverem em uma interação tanto escrita quanto oral, as pessoas o fazem para agirem no mundo social em um determinado momento e espaço, em relação a quem se dirigem ou a quem se dirigiu a elas. É nesse sentido que a construção do significado é social. As marcas que definem as identidades sociais (como pobres, ricos, mulheres, homens, 1 Discurso é uma concepção de linguagem como prática social por meio da qual as pessoas agem no mundo, considerando-se as condições não só de produção como também de interpretação. negros, brancos, homossexuais, heterossexuais, idosos, jovens, portadores de necessidades especiais, falantes de variedades estigmatizadas ou não, falantes de línguas de prestígio social ou não etc.) são intrínsecas na determinação de como as pessoas podem agir no discurso ou como os outros podem agir em relação a elas nas várias interações orais e escritas das quais participam. Vale dizer que o exercício do poder no discurso e o de resistência a ele são típicos dos encontros interacionais que se vivem no dia-a-dia. Quem usa a linguagem com alguém, o faz de algum lugar determinado social e historicamente. Assim, os significados construídos no mundo social refletem os embates discursivos2 dos quais se participa com base nas posições ocupadas em certos momentos da história e em espaços culturais e institucionais específicos. Em outras palavras, os projetos políticos, as crenças e os valores dos participantes do discurso são intrínsecos aos processos de uso da linguagem. Daí os movimentos de organização política de certos grupos sociais (os sem terra, mulheres, negros etc.) que pretendem resistir a formas de tratamento social que não lhes garantam igualdade. É importante perceber que essas formas, por serem construídas no discurso, podem também ser destruídas e reconstruídas em outras bases. A consciência desses processos é o primeiro passo na construção de uma sociedade mais igualitária. (BRASIL, 1998.p.27-28). Explicitando melhor o afirmado acima, devemos entender que todo ato de linguagem (verbal ou visual) tem uma intenção: levar o outro a crer no que eu digo, levar o outro a fazer o que eu quero, estabelecer vínculos e compromissos com o outro. Assim, é correto afirmar que não existe texto neutro, mas a todo texto que organizamos, falado, escrito ou visual, subjaz uma intenção. Daí o caráter dialógico da linguagem. Vamos imaginar que, em uma sala de aula, o professor diga aos alunos: “Avisem-me quando for hora do intervalo”. Ora, neste ato, há o estabelecimento de um vínculo, de um compromisso. Há, portanto, a interação: alguém solicita ao outro que faça alguma coisa. 2 Embates discursivos são caracterizados pela confrontação entre discursos que veiculam percepções, crenças, visões de mundo, ideologias diferentes etc. Na perspectiva de linguagem como interação, devemos considerar, na produção de um texto: • contexto- determina o modo como dizemos as coisas. O que isso significa? Ora, se estamos em uma situação familiar, informal, por exemplo, normalmente o tipo de linguagem empregada é a coloquial; diferentemente, em uma situação de sala de aula ou em uma entrevista, a linguagem a ser utilizada é a formal. Você poderia nos questionar: “Onde está a interação?”. A interação está na consideração da situação de nossa comunicação; • condições de produção - Compreendem: a) local e momento - Não podemos dizer tudo o que queremos em qualquer lugar, mas todo nosso ato de linguagem deve ser adequado ao local e ao momento de interlocução. Por exemplo, em uma situação de velório, ninguém chega ao outro e diz: “Meus pêsames, pois a sua velha bateu as botas”. Trata-se de um ato incompatível com a situação; b) posição social dos participantes- É fundamental que, em nossos atos de linguagem, consideremos a posição social de nosso interlocutor. Assim, um médico, por exemplo, conversando com amigos que não são médicos, não usará termos específicos de sua profissão, o que seria plausível em uma conferência para outros médicos e para alunos de medicina. Isso me faz lembrar o Doutor Dráuzio Varela, no Fantástico. Trata-se de um bom exemplo de adequação da fala aos interlocutores. Vejamos, ao falar no Fantástico, o doutor Dráuzio considera seus interlocutores: auditório composto por pessoas que não são todas médicas, mas constituem um auditório misto. Daí, ao explicar problemas de saúde, ele o faz de maneira não rigorosamente técnica, mas de forma que todos entendam o que está sendo exposto; c) tema a ser tratado - O tema de nossa comunicação é fundamental para a interação verbal. Assim, se vamos abordar banalidades, a linguagem a ser empregada é a coloquial; se vamos tratar de problemas metafísicos, é claro que a forma de linguagem empregada deve ser a formal; d) ambiente em que se encontram - O ambiente em que se encontram os participantes do ato de comunicação é importante e deve ser considerado. Se estamos em um churrasco, é evidente que devemos empregar a linguagem informal, coloquial; em uma entrevista, ao contrário, o estilo deve ser formal; e) finalidade da comunicação - Outro ponto a assinalar em relação à interação pela linguagem é a finalidade da comunicação, isto é, para que e por que vou estabelecer comunicação com meus interlocutores. O para quê e o porquê determinam o como devo dizer as coisas, como organizar o meu discurso, que tipo de linguagem devo empregar. Considerando-se as condições de produção expressas acima, é lícito questionar se a escola cria condições para que o aluno desenvolva, treine as adequações de uso da linguagem. Em nossa vivência, enquanto educadores, a resposta é negativa, pois os alunos conversam com o diretor ou com o professor da mesma maneira que dialogam com seus colegas. O que fazer, então? Criar situações em que o uso da linguagem deve ser adequado às diferentes situações comunicativas e aos diferentes interlocutores. Assim, pode-se solicitar que os alunos simulem textos, tais como: a) contar um fato a um colega; b) contar o mesmo fato ao diretor da escola; c) solicitar ao delegado de polícia um guarda noturno para a escola; d) solicitar um pé de alface ao verdureiro. São todas situações que exigem usos diferentes da linguagem. UNIDADE 2 - CONCEPÇÕES DE GRAMÁTICA CONHECENDO A PROPOSTA DA UNIDADE Objetivos: Discutir as concepções de gramática. O propósito desta unidade é avivar a crítica à insistência em métodos tradicionais do ensino de português. Se o professor esquecer que existem várias línguas com o mesmo nome, ele só vai conseguir ensinar o português prestigiado como norma culta a quem já domina essa modalidade... ESTUDANDO E REFLETINDO Travaglia (1996), ao abordar as concepções de gramática, assinala que gramática pode ser entendida como: 1- manual que explicita as regras do uso da língua, consideradas como padrão ideal. Nessa acepção, gramática constitui-se de regras que devem ser seguidas pelos usuários da língua; 2- conjunto de regras, constatadas pelo cientista, a partir dos dados que examina; 3- conjunto de regras que o falante de uma determinada língua domina para poder expressar-se. Esse conjunto de regras não depende de sistematização e escolarização do indivíduo. Você deve ter percebido que, nastrês concepções de gramática acima, há a presença do termo regras. Mas, o que são regras? É bom entendermos bem isso. a) Na primeira concepção de gramática inferimos que regras são conjunto de normas a serem seguidas. Trata-se, portanto, de algo imposto, do tipo: diga x e não diga y. Tudo o que não estiver prescrito pelas regras da gramática será considerado errado. b) Na segunda concepção, regras podem ser entendas como conjunto de regras que são seguidas. Nesta caso, não há imposição de normas, mas o que se considera é o que efetivamente é realizado pelos falantes. c) Na terceira concepção, regras implicam conhecimentos que o falante possui da língua e que possibilitam a comunicação. Por exemplo, o falante sabe que o presente do verbo beber é bebo; do verbo partir é parto. Das formas do presente, bebo e parto, o falante produz o pretérito perfeito, bebi e parti, e o pretérito imperfeito, bebia e partia. Analogamente, para o verbo pôr, alguns falantes, para o pretérito perfeito e para o imperfeito reproduzem formas como "ponhei" e "ponhava". Outro exemplo de conhecimento interno das regras de funcionamento da língua refere-se à ideia de plural. Assim, os falantes dizem: “Os menino”, mas jamais o fazem “O meninos”. Tal fato se deve ao conhecimento de que o plural, forçosamente, deve vir marcado no primeiro elemento do enunciado. À ideia de gramática como conjunto de regras a serem seguidas pelos falantes, subjaz a noção de certo e errado. No entanto, vale dizer que o que se apregoa, na atualidade, é que não há erros, há inadequações de uso da língua, como se constata abaixo: - Meus sentimentos, porque sua mãe bateu as botas. - Então a velha bateu as botas? - Meus sentimentos pela perda de sua mãe. BUSCANDO CONHECIMENTO Tipos de gramática Há três tipos de gramática: normativa, descritiva e reflexiva. Gramática normativa - Estuda os fatos da língua padrão, da norma culta. É prescritiva, dita as regras de bem falar e de bem escrever. É uma lei que regula o uso da língua em uma sociedade. Nesse tipo de gramática há os conceitos de certo e de errado. Por exemplo, diz a gramática normativa que o verbo deve concordar com o sujeito. Assim, devemos dizer “nós vamos” e não “nóis vai”, considerado errado. Devemos entender língua padrão, norma culta, como a variante que goza de prestígio na sociedade. Trata-se da língua empregada pelo poder, pelas leis, pelos meios de comunicação, pelas pessoas ditas cultas. A língua padrão é estabelecida, a partir da língua escrita, principalmente; é a usada pelos cultores do idioma. Vale dizer, entretanto, que essa modalidade é historicamente estabelecida. Assim, o que foi padrão em determinada época, hoje pode não sê- lo. Por exemplo, em Camões, observamos o emprego de alevanta para levanta. Sobre a língua padrão, recomendo a leitura do material Fundamentos de Sociolinguística. Gramática descritiva é o tipo de gramática que registra, descreve determinadas variedades de uma língua em um determinado momento. Trata-se, na verdade, da verificação da língua em uso em dada época. Nesse tipo de gramática, a preocupação fundamental é descrever todas as realizações linguísticas a respeito de um dado fenômeno da língua. Por exemplo, atualmente, para “nós vamos”, há as seguintes possibilidades: a) Nós vamos b) A gente vai c) A gente vamos d) Nóis vai Ora, a gramática descritiva não adota os conceitos de certo e errado, mas o de diferente. Essa gramática, diferentemente da normativa, não prescreve regras, apenas detecta as diferentes possibilidades de uso da língua. A gramática reflexiva diz respeito mais ao processo do que aos resultados, pois implica atividades de reflexão, observação sobre a língua, buscando detectar, levantar suas unidades, regras e princípios, ou seja, a constituição e o funcionamento da língua. Trata-se, na verdade, do conhecimento interno que os falantes possuem sobre o funcionamento da língua. Adotar, para o ensino, um ou outro tipo de gramática implica adotar uma ou outra concepção de língua. Vamos ver por quê? Para a gramática normativa, a língua é entendida como forma de expressão observada na pessoa culta, e tudo o que fugir das regras estabelecidas será considerado erro, corruptela, vulgarismo. Ora, nessa perspectiva, a língua é vista como homogênea, como única, e nós sabemos que essa homogeneidade é pura ilusão. Na perspectiva da gramática descritiva, a língua é vista como heterogênea, altamente variável, em que nenhum dado, nenhuma realização é considerada “erro”, mas forma diferente de se dizer uma mesma coisa. Na verdade, a gramática descritiva busca encontrar regularidades nas irregularidades, e, para isso, concorrem os fatores internos e os fatores externos. Fatores internos são os fatores da própria língua, por exemplo, a preposição para parece reger o pronome mim, como se observa com a preposição por nas frases “Vá por mim/ Faça isso por mim”. Daí, o falante generalizar a regra e dizer “para mim fazer” e não “para eu fazer”. Os fatores externos são idade, sexo, nível social e econômico dos usuários da língua, situação comunicativa em que se encontram os falantes. Em decorrência da influência dos fatores externos, nenhum falante, como já afirmamos nos encontros anteriores, dirá, em uma situação de extrema informalidade, “Uma barata, matem-na; matem-na”, mas certamente gritará “Uma barata, mata ela, mata ela!”. A escola deve ensinar o português padrão? Iniciando uma exposição de princípios que sirvam de base a novas atitudes em relação ao ensino de língua materna, Sírio Possenti (2004) ressalta: O objetivo da escola é ensinar o português padrão, ou talvez mais exatamente, o de criar condições para que ele seja aprendido. Qualquer outra hipótese é um equívoco, político e pedagógico. A tese de que não se deve ensinar ou exigir o domínio do dialeto padrão dos alunos que conhecem e usam dialetos não padrões baseia-se no preconceito segundo o qual seria difícil aprender o padrão. Isso é falso, tanto do ponto de vista da capacidade dos falantes quanto do grau de complexidade de um dialeto padrão. As razões pelas quais não se aprende, ou se aprende e não se usa um dialeto padrão, são de outra ordem, e têm a ver em grande parte com os valores sociais dominantes e um pouco com estratégias escolares discutíveis. [...] Falar em não ensinar o padrão equivale a tirar o português das escolas. (POSSENTI, 2004, p.33) Considerando-se o trecho citado, a resposta à pergunta inicial é afirmativa. Negar o acesso do aluno à língua padrão é aumentar o fosso social existente. Como proceder, então, para que o aluno tenha acesso à língua padrão? Existem línguas mais difíceis que outras? Como se eu estivesse entrevistando o Autor, transcrevo como resposta a essa outra pergunta mais uma passagem do texto “Sobre o ensino de português na escola”: Todas as línguas são estruturas de igual complexidade. Isso significa que não há língua simples e língua complexas, primitivas e desenvolvidas. Uma análise dos aspectos de qualquer uma das línguas consideradas primitivas revelará que as razões que levam a este tipo de juízo não passam de preconceitos ou de ignorância. Não se pode ficar no “ouvi dizer”. A bibliografia sobre línguas do mundo é abundante; qualquer pessoa interessada pode descobrir que, há pelo menos duzentos anos, os estudiosos mostraram que a ideia de que existem línguas primitivas faladas por povos pouco cultos é ridícula. (POSSENTI, 2004, p.34) A norma culta de uma língua não é mais difícil que as variantes populares? O que vale na comparação entre línguas vale na comparação entre dialetos de uma mesma língua. Dialetos populares e dialetos padrões se distinguem em algumas coisas, mas não pela complexidade das respectivas gramáticas. As diferenças mais importantesentre eles estão ligadas à avaliação social que deles se faz, avaliação que passa, em geral, pelo valor atribuído pela sociedade aos usuários típicos de cada dialeto. (POSSENTI, 2004, p.34) Como ensinar a língua padrão? Não se aprende por exercícios, mas por práticas significativas. Essa afirmação fica quase óbvia se pensarmos em como uma criança aprende a falar com os adultos com quem convive e com seus colegas de brinquedo e interação em geral. O domínio de uma língua é o resultado de práticas efetivas, significativas, contextualizadas. (POSSENTI, 2004, p.36). Então, só se ensina a gramática padrão promovendo situações de uso em que ela seja sentida pelos alunos como necessária. Comentando o que precisa ser ensinado na escola, Sírio Possenti (2004) observa: Não se pode esquecer [...] que o passar do tempo é um fator importante de aprendizado linguístico, porque implica a interação social cada vez mais complexa para o aluno que vai crescendo. Se a escola tiver um projeto de leitura, isso pressupõe que ele terá cada vez mais contato com a língua escrita, na qual se usam as formas padrão que a escola quer que ele aprenda. (POSSENTI, 2004, p.37) Se voltarmos no tempo, verificamos que o ensino da língua padrão era imposto aos alunos, cujo desempenho linguístico, normalmente, não padrão, era deixado de lado era estigmatizado. O que se pretende é que, a partir da variante empregada pelo aluno, a escola crie situações que o faça entender e usar a língua padrão, sem desrespeitar a sua linguagem. Assim, parte-se da variante do aluno e, gradativamente, a escola deve criar situações de emprego do padrão. É fundamental que se ensine a língua padrão como mais uma possibilidade de uso da língua e não como a única possível. Problemas do Ensino da Gramática Normativa A língua é uma produção social; por isso, é inútil tentar cristalizá-la em apenas uma de suas modalidades, como se as linguagens cotidianas não atendessem às necessidades de interação. No conto "O colocador de pronomes", de 1924, Monteiro Lobato faz uma sátira à visão limitada do professor de português Aldrovando Cantagalo, que enxergava apenas a modalidade padrão da gramática normativa (1959, p.117-134). O papel ridículo desempenhado por esse triste e quixotesco defensor da “língua lusa” encontra uma variante contemporânea no poema transcrito abaixo, de Paulo Leminski. Meu professor de análise sintática era o tipo do sujeito inexistente. Um pleonasmo, o principal predicado da sua vida, regular como um paradigma da primeira conjugação. Entre uma oração subordinada e um adjunto adverbial, ele não tinha dúvidas: sempre achava um jeito assindético de nos torturar com um aposto. Casou com uma regência. Foi infeliz. Era possessivo como um pronome. E ela era bitransitiva. Tentou ir para os EUA. Não deu. Acharam um artigo indefinido em sua bagagem. A interjeição do bigode declinava partículas expletivas, conectivos e agentes da passiva, o tempo todo. Um dia, matei-o com um objeto direto na cabeça. (Apud GERALDI, 2004.p.9) Note que esses personagens caricatos foram imaginados com o intuito de combater certa concepção limitada de língua e de ensino. Nenhum ser de carne e osso é tão devoto ao vernáculo quanto Aldrovando Cantagalo. Um dos efeitos negativos dos métodos tradicionais consiste em afastar o aluno da leitura. Acompanhem as observações de Ângela Kleiman (2001): Uma prática bastante comum no livro didático considera os aspectos estruturais do texto como entidades discretas que têm um significado e função independentes do contexto em que se inserem. Uma versão dessa prática, revelada na leitura gramatical, é aquela em que o professor utiliza o texto para desenvolver uma série de atividades gramaticais, analisando, para isso, a língua enquanto conjunto de classes e funções gramaticais, frases e orações. Os livros didáticos estão cheios de exemplos em que o texto é apenas pretexto para o ensino de regras sintáticas, isto é, para procurar adjetivos, sujeitos ou frases exclamativas. (KLEIMAN, 2001, p.17) Como se vê, ao reduzir o texto a pretexto para exercícios de gramática normativa, o livro didático desperdiça a oportunidade que a leitura confere de abrir horizontes. PARA SABER MAIS Travaglia (1996), em seu livro Gramática e interação, dá-nos exemplos de como efetuar estudo da língua contextualizado. O autor citado recorta, para isso, o sufixo ada que forma três grupos de palavras: A- Macarronada; marmelada; goiabada; bacalhoada; feijoada; gemada B- Paulada; pedrada; mesada; cadeirada; abacatada; cintada; C- Criançada; moçada; boiada; rapaziada; papelada. Um outro grupo é possível, ligando-se a nome de pessoa ou de grupo social- indica ação ou atitude dessa pessoa ou grupo (pejorativo). Rodrigada; petezada. No grupo A, a relação de sentido entre o sufixo ada e o radical é de comida e é regida por determinações sócio-históricas como: 1- Posso processar um ou vários X, transformando-os em algo comestível 2- X é comestível por seres humanos ou seres humanos podem se alimentar de X. No grupo B- a relação de sentido entre o sufixo ada e o radical (sentido de golpe, ação de golpear) é regida por determinações sócio-históricas como: 1- posso usar X como instrumento para ferir Y, onde X deve ser necessariamente concreto e deslocável; 2- Não se usam seres humanos para atingir e ferir Y. No campo C, a relação entre o sufixo e o radical (sentido de conjunto) é regida por determinações como: 1- É possível formar um conjunto de certos seres X (coisas e seres) indicados por X+ ada, atribuindo-se ao conjunto, por vezes, um caráter negativo pela quantidade exagerada e não se pode indicar o conjunto de outros X por palavras da forma X +ada, sendo preciso usar formas alternativas. São essas formulações sócio-históricas e ideologicamente estabelecidas que definem as regras discursivas e vão permitir ou não o surgimento de sequências linguísticas que possibilitam certos efeitos de sentido e não outros Ex: Eu comi macarronada Eu comi criançada- numa cultura antropofágica isso é possível; na área sexual também. Outras situações Levou uma paulada/pedrada nas costas Levou uma casada nas costas- é possível se for casa de brinquedo Deu uma medada nas costas –impossível porque medo é abstrato Levou uma criançada nas costas –estranha. Por que isso é importante? Para mostrar que linguisticamente é correto, mas discursivamente não. Com base nas ideias de Travaglia (1996) de estudo da língua contextualizado, preparei uma aula sobre ortografia, em especial, sobre os usos de x e de ch. Não dei regras aos alunos, mas dados concretos da língua. A partir desses dados, solicitei que elaborassem as regras. Para isso, o trabalho dos alunos, certamente, foi de verificação concreta dos usos de x e de ch. Observe abaixo UNIDADE 3 - OS PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS CONHECENDO A PROPOSTA DA UNIDADE Objetivos: Explicitar as linhas gerais dos PCNs Os Parâmetros Curriculares Nacionais são nortes, cuja meta, sem desconsiderar diversidades regionais, culturais, políticas existentes no país, é construir referências nacionais comuns ao processo educativo em todas as regiões brasileiras, propiciando aos jovens o acesso ao conjunto de conhecimentos socialmente elaborados e reconhecidos como necessários ao exercício da cidadania. ESTUDANDO E REFLETINDO Em sua parte introdutória, os PCNs assinalam que o papel da escola é propiciar acolhimento da diversidade da população e não a rotulação de alunos que fogem ao padrão previsto, como causa do fracasso escolar. Falar em acolhimento da diversidade implica considerarmos aspectos de aprendizagem, de raça, de credo, de fatores sócias e econômicos, de habilidades linguísticas, dentre outrosaspectos que culminam na exclusão. A escola deve, então, criar situações compromissadas politicamente com a educação. Daí a necessidade de valorização dos conhecimentos e da forma de expressão de cada aluno como o processo de socialização. Como fazer isso? Basta abrir espaço para que ele exteriorize suas dúvidas e inquietações, considerá-lo como sujeito ativo e promover situações de aprendizagem que lhe façam sentido. Assinalam os PCNs que é preciso criar situações de socialização do aluno, é preciso, sem dúvida, enraizar a escola na comunidade. A partir do momento em que há interação entre escola, alunos, pais e outros agentes educativos a criação de projetos comuns tornam-se viáveis. Essa interação envolve o que o aluno aprende na escola e o que ele traz em sua bagagem. Ao adotar essa interação, a escola deve selecionar conteúdos que estejam alinhados com questões sociais de cada momento histórico, dirigindo olhar especial para fatos relevantes da cultura brasileira. Os PCNs apontam, ainda, para a necessidade de dotar os estudantes de capacidades que se coadunem com os novos saberes que requerem novo tipo de profissionais. Isso implica nova concepção de ensino e de aprendizagem, o que requer um ensino de conteúdos voltados para a vida e não para a escola. Trata-se do aprender a aprender, em que as metodologias voltem-se para a construção de estratégias de verificação e comprovação de hipóteses na construção do conhecimento, a construção de argumentação capaz de controlar os resultados desse processo, o desenvolvimento do espírito crítico capaz de favorecer a criatividade, a compreensão dos limites e alcances lógicos das explicações propostas. BUSCANDO CONHECIMENTO Objetivos do Ensino Fundamental Os Parâmetros Curriculares Nacionais, páginas 55 e 56, indicam como objetivos do ensino fundamental que os alunos sejam capazes de: • compreender a cidadania como participação social e política, assim como exercício de direitos e deveres políticos, civis e sociais, adotando, no dia-a-dia, atitudes de solidariedade, cooperação e repúdio às injustiças, respeitando o outro e exigindo para si o mesmo respeito; • posicionar-se de maneira crítica, responsável e construtiva nas diferentes situações sociais, utilizando o diálogo como forma de mediar conflitos e de tomar decisões coletivas; • conhecer características fundamentais do Brasil nas dimensões sociais, materiais e culturais como meio para construir progressivamente a noção de identidade nacional e pessoal e o sentimento de pertinência ao país; • conhecer e valorizar a pluralidade do patrimônio sociocultural brasileiro, bem como aspectos socioculturais de outros povos e nações, posicionando-se contra qualquer discriminação baseada em diferenças culturais, de classe social, de crenças, de sexo, de etnia ou outras características individuais e sociais; • perceber-se integrante, dependente e agente transformador do ambiente, identificando seus elementos e as interações entre eles, contribuindo ativamente para a melhoria do meio ambiente; • desenvolver o conhecimento ajustado de si mesmo e o sentimento de confiança em suas capacidades afetiva, física, cognitiva, ética, estética, de inter-relação pessoal e de inserção social, para agir com perseverança na busca de conhecimento e no exercício da cidadania; • conhecer o próprio corpo e dele cuidar, valorizando e adotando hábitos saudáveis como um dos aspectos básicos da qualidade de vida e agindo com responsabilidade em relação à sua saúde e à saúde coletiva; • utilizar as diferentes linguagens- verbal, musical, matemática, gráfica, plástica e corporal- como meio para produzir, expressar e comunicar suas idéias, interpretar e usufruir das produções culturais, em contextos públicos e privados, atendendo a diferentes intenções e situações de comunicação; • saber utilizar diferentes fontes de informação e recursos tecnológicos para adquirir e construir conhecimentos; • questionar a realidade formulando-se problemas e tratando de resolvê-los, utilizando para isso o pensamento lógico, a criatividade, a intuição, a capacidade de análise crítica, selecionando procedimentos e verificando sua adequação. Para o Ensino Médio os PCNs assinalam que a formação do aluno deve ter como alvo principal a aquisição de conhecimentos básicos, a preparação científica e a capacidade de utilizar as diferentes tecnologias relativas às áreas de atuação. Propõe-se, no nível do Ensino Médio, a formação geral, em oposição à formação específica; o desenvolvimento de capacidades de pesquisar, buscar informações, analisá-las e selecioná-las; a capacidade de aprender, criar, formular, ao invés do simples exercício de memorização (PCN, p:7). UNIDADE 4 - LINGUAGEM E ENSINO CONHECENDO A PROPOSTA DA UNIDADE Objetivos: Explicitar a concepção e importância da linguagem. A participação de homens e mulheres nas trocas comunicacionais exige domínio da linguagem e da língua com sistema simbólico. É pela linguagem que nós temos acesso ao conhecimento, à informação; é pela linguagem que defendemos nossos pontos de vista, construímos nossa visão de mundo e nos tronamos sujeitos de nosso discurso. ESTUDANDO E REFELTINDO A escola tem o dever de propiciar a todos, indistintamente, formas de acesso aos saberes linguísticos. No final do ensino fundamental, o aluno deve ser capaz de ler, produzir e interpretar textos que circulam na sociedade. É interessante ressaltar que a concepção de linguagem que devemos adotar como embasamento de ensino de língua portuguesa é linguagem como interação. Mas o que significa linguagem como interação? Linguagem é o estabelecimento de vínculos e compromissos na atividade comunicativa; o ato de linguagem é orientado segundo uma finalidade específica, quer em uma situação informal, quer em situação de extrema formalidade. Homens e mulheres atuam uns sobre os outros, procurando, sempre, fazer com que o interlocutor altere suas representações da realidade e da sociedade e o rumo de suas (re)ações. No que diz respeito à consideração da língua como sistema simbólico, é lícito afirmar que aprender uma língua não implica, apenas, a apreensão de palavras e significados, mas torna-se fundamental saber os significados culturais, os modos pelos quais as pessoas entendem e interpretam a realidade e a si mesmas. Em síntese, a interação pela linguagem implica dizer alguma coisa a alguém, adequando esse dizer à situação comunicativa em que o falante se encontra, adequando esse dizer ao seu interlocutor. Então, você, caro aluno, pode pensar: não é tudo que posso dizer em todo momento e em qualquer lugar e a qualquer pessoa. Você está certo. Usar a linguagem é como usar uma roupa: dependendo do lugar a que vamos e com quem vamos, nossa vestimenta deve ser adequada. Nesta perspectiva, não bastam conhecimentos teóricos sobre a língua, mas urge que saibamos como e onde usá-los adequadamente. Falar com o outro implica a realização de um jogo de imagens, ainda que inconscientes, pois interagir com o outro implica saber: a) qual é a intenção da minha comunicação; b) qual é a situação comunicativa em que me encontro: formal? Informal? c) Que conhecimentos meu interlocutor possui para que eu possa interagir com ele de uma maneira ou de outra; d) O que meu interlocutor pensa, ou, qual é sua opinião sobre o que vou comunicar? e) Quais os recursos lingüísticos que devo selecionar para minha comunicação? Nós não falamos por palavras ou frases isoladas, mas por textos, entendido como um todo significativo, quer falado ou escrito, independentemente, de sua extensão. Vale dizer que os textos são manifestações de discursos, suportes abstratos que os sustentam. Os discursos, por sua vez, não são autofundados, mas retomam outros, citam outros discursos. Essas vozes deum texto citadas em outro recebem o nome de intertextualidade. Então, entender um texto pressupõe entender a intertextualidade. É importante saber que todo texto se estrutura em conformidade com um gênero, determinado historicamente, construindo formas relativamente estáveis de enunciados, disponíveis na cultura. São caracterizados por três elementos: . conteúdo temático: o que é ou pode tornar-se dizível por meio do gênero; . construção composicional: estrutura particular dos textos pertencentes ao gênero; . estilo: configurações específicas das unidades de linguagem derivadas, sobretudo, da posição enunciativa do locutor; . conjuntos particulares de sequência que compõem o texto. As sequências compõem uma organização interna e assumem características próprias. Por exemplo, em uma narração há sempre a estrutura: introdução, complicação, desenvolvimento, clímax e conclusão. Assim, os textos configurados por meio de gêneros constituem famílias de textos que compartilham características comuns. BUSCANDO CONHECIMENTO Variáveis do Ensino-Aprendizagem O processo de ensino-aprendizagem resulta da articulação de três variáveis: Pode-se considerar o ensino e a aprendizagem de Língua Portuguesa, como prática pedagógica, resultantes da articulação de três variáveis: . o aluno, considerado o sujeito da ação de aprender e como aquele que age com e sobre o conhecimento . os conhecimentos com os quais se opera nas práticas de linguagem, Istoé, conhecimentos discursivo-textuais e lingüísticos implicados nas práticas sociais de linguagem; . a mediação do professor, isto é, a prática educacional do professor e da escola que organiza a mediação entre sujeito e objeto do conhecimento. A partir dessa tríade extrai-se o objeto de ensino e aprendizagem: conhecimento linguístico e discursivo, considerados ferramentas para participar das trocas sociais mediadas pela linguagem. O ponto que se coloca é como organizar situações de aprendizado nesta perspectiva? Basta criar, planejar situações de interação, com vistas à construção de conhecimentos, simular situações em sala de aula de outros espaços que não o escolar, saber que a escola é um espaço de interação social onde práticas sociais de linguagem acontecem e se circunstanciam, assumindo características bastante específicas em função de sua finalidade: o ensino. O professor, como mediador, deve planejar e dirigir as atividades didáticas, orientando a ação e reflexão do aluno. Vamos simular uma situação de espaço não escolar: o professor pode solicitar aos alunos que realizem um jornal falado, em que se informam os principais fatos do dia; pode planejar um debate político. UNIDADE 5 - O TEXTO E O ENSINO CONHECENDO A PROPOSTA DA UNIDADE Objetivos: Explicitar a importância do trabalho com o texto O foco do ensino deve ser o trabalho com a competência discursiva, que implica dotar o sujeito de habilidades de utilização da língua de modo variado, adequando o texto falado ou escrito às diferentes situações comunicativas, á temática, ao gênero selecionado e ao interlocutor. ESTUDANDO E REFLETINDO Ao se enfatizar a necessidade de trabalho com o texto, não faz mais sentido o professor introduzir no processo de ensino a análise de letra/fonemas, sílabas, palavras e frases isoladas e descontextualizadas, caracterizando um ensino puramente gramatical e carente de aspectos discursivos. Nesta perspectiva, o que se preconiza é o enfoque de diferentes gêneros textuais que manifestam diferentes formas. Assim, a compreensão de textos orais e escritos, bem como a produção de textos pertencentes a vários gêneros pressupõem a aquisição de competências e habilidades Falar em gênero implica falar em número grande, pode-se até dizer, ilimitado, de textos. Claro que não há tempo suficiente para esgotar todas as possibilidades. Dessa maneira o professor deve priorizar os gêneros que merecerão abordagem mais aprofundada, sem, entretanto, negar o trabalho com textos que respondem a exigências das situações privadas de interlocução. Em função do compromisso de assegurar ao aluno o exercício pleno da cidadania, é preciso que as situações escolares de ensino de Língua Portuguesa priorizem os textos que caracterizam os usos públicos da linguagem. Para tanto, há que se selecionarem textos que suscitem, por suas características e usos, reflexão crítica, exercício de formas de pensamento mais elaborados e mais abstratos, textos que se evidenciam pelo uso artístico da linguagem. Textos orais Sabemos que a criança, ao ingressar na escola, já possui o domínio da linguagem oral, já é capaz de contar histórias, narrar acontecimentos, enfim, comunicar-se em interações que envolvem relações sociais do seu dia-a-dia. No entanto, a escola deve aprimorar o desempenho oral dos alunos, por meio de situações que envolvem diálogo entre alunos, entre alunos e professor. No entanto, não devemos entender que a sala de aula seja o espaço para o trabalho com a oralidade apenas no que diz respeito ao cotidiano escolar, pois há que se pensar que o aluno é exposto a outras situações, fora do âmbito escolar, que exigem dele solicitação de informações, busca de serviços, defesa de seus direitos, dentre outras possibilidades. Então, atividades concernentes a essas situações devem ser simuladas em sala de aula, com vistas a dotar o aluno de competências orais adequadas a cada situação que lhe é apresentada. Nesta perspectiva, simular uma situação de pedir um pé de alface ao verdureiro ou solicitar do delegado de polícia uma guarda noturno para a escola são atividades que implicam usos diferentes da língua, usos que evidenciam o uso coloquial e o uso forma da linguagem. Assim, há que se treinar o aluno para o uso planejado do oral, o que pode ser feito por meio de planejamento de entrevistas, debates, seminários, apresentações teatrais etc. Textos escritos É, no mínimo, equivocada a ideia de que a escola deve iniciar os alunos na leitura e compreensão de textos escritos, a partir de textos simplificados, mas o correto é colocar os alunos em contato com textos de qualidade. Diante disso, é lícito questionar que textos devem ser selecionados. Acreditamos que a seleção deve partir de textos do universo social, tais como: notícias, editoriais, cartas argumentativas, artigos de divulgação científica, verbetes enciclopédicos, contos, romances, entre outros. É preciso, no entanto, que o trabalho com os diferentes gêneros não deve ser resumir a um roteiro estereotipado, homogêneo, pois uma notícia de jornal requer um trabalho didático diferente do a ser desenvolvido em um artigo de divulgação científica, por exemplo, porque são gêneros diferentes e possuem formas estruturais diferentes. Sem negar o trabalho com os diversos gêneros, o texto literário deve ser trabalhado com bastante intensidade na sala de aula. Sabe por quê? Porque no texto literário a linguagem alcança o máximo de suas possibilidades, ele constitui uma forma peculiar de representação do mundo, em que estilo e força criativa se unem em favor da intenção estética. O texto literário é outra forma/fonte de produção/apreensão de Conhecimento, apresentando características linguísticas diferenciadas que servem, igualmente, ao propósito estético intencionado pelo autor, rompendo, às vezes com os limites fonológicos, lexicais, sintáticos e semânticos traçados pela língua. O tratamento do texto literário oral ou escrito envolve o exercício de reconhecimento de singularidades e propriedades que matizam um tipo particular de uso da linguagem. BUSCANDO CONHECIMENTO A Reflexão Sobre A Linguagem Quando se considera o texto como unidade de ensino e a linguagem como atividade discursiva, a noção de gramática deve ser entendida como ao conhecimento que o falante tem de sualinguagem. O trabalho com o texto pressupõe aprender a pensar e falar sobre a própria linguagem, realizando uma atividade reflexiva, em que a análise linguística transcenda o trabalho com os recursos expressivos utilizados pelo autor e alcance o estudo da forma pela qual a seleção de tais recursos reflete as condições de produção do discurso e as restrições impostas pelo gênero e pelo lugar de veiculação textual. Reflexão gramatical na prática pedagógica Vejamos o que dizem os PCNs sobre a prática gramatical Na perspectiva de uma didática voltada para a produção e interpretação de textos, a atividade metalinguística deve ser instrumento de apoio para a discussão dos aspectos da língua que o professor seleciona e ordena no curso do ensino- aprendizagem. Assim, não se justifica tratar o ensino gramatical desarticulado das práticas de linguagem. É o caso, por exemplo, da gramática que, ensinada de forma descontextualizada, tornou-se emblemática de um conteúdo estritamente escolar, do tipo que só serve para ir bem na prova e passar de ano, uma prática pedagógica que vai da metalíngua para a língua por meio de exemplificação, exercícios de reconhecimento e memorização de terminologia. Em função disso, discute-se se há ou não necessidade de ensinar gramática. Mas essa é uma falsa questão: a questão verdadeira é o que, para que e como ensiná-la. Deve-se ter claro, na seleção dos conteúdos de análise lingüística, que a referência não pode ser a gramática tradicional. A preocupação não é reconstruir com os alunos o quadro descritivo constante dos manuais de gramática escolar (por exemplo, o estudo ordenado das classes de palavras com suas múltiplas subdivisões, a construção de paradigmas morfológicos, como as conjugações verbais estudadas de um fôlego em todas as suas formas temporais e modais, ou de pontos de gramática, como todas as regras de concordância, com suas exceções reconhecidas). Notas importantes: Por atividade epilinguística se entendem processos e operações que o sujeito faz sobre a própria linguagem (em uma complexa relação de exterioridade e interioridade). A atividade epilinguística está fortemente inserida no processo mesmo da aquisição e desenvolvimento da linguagem. Ela se observa muito cedo na aquisição, como primeira manifestação de um trabalho sobre a língua e sobre suas propriedades (fonológicas, morfológicas, lexicais, sintáticas, semânticas) relativamente independente do espelhamento na linguagem do adulto. Ela prossegue indefinidamente na linguagem madura: está, por exemplo, nas transformações conscientes que o falante faz de seus textos e, particularmente, se manifesta no trocadilho, nas anedotas, na busca de efeitos de sentido que se expressam pela ressignificação das expressões e pela reconstrução da linguagem, visíveis em muitos textos literários. Por atividade metalingüística se entendem aquelas que se relacionam à análise e reflexão voltada para a descrição, por meio da categorização e sistematização dos conhecimentos, formulando um quadro nocional intuitivo que pode ser remetido a construções de especialistas. PCN, p: 29. Quando se questiona o que ensinar de gramática, a resposta deve ser uma só: aquilo que o aluno não sabe, aquilo que se faz necessário para atendimento das necessidades apresentadas na produção oral e escrita do aluno e às exigências de entendimento do texto. O como ensinar não deve se restringir à clássica metodologia de ensino metalingüístico, mas corresponder à prática de reflexão de uso da língua, mediante a utilização de uma terminologia simples e se aproxima, progressivamente, pela mediação do professor, do conhecimento gramatical produzido. Isso implica, muitas vezes, chegar a resultados diferentes daqueles obtidos pela gramática tradicional, cuja descrição, em muitos aspectos, não corresponde aos usos atuais da linguagem, o que coloca a necessidade de busca de apoio em outros materiais e fontes. Variação e ensino Sendo a língua um organismo vivo, a variação é um fato concreto e que não pode ser desconsiderado no ensino. As variedades não são fixas, pois em um mesmo espaço social convivem mescladas diferentes variedades linguísticas, geralmente associadas a diferentes valores sociais. As variações são decorrentes de diversos fatores: sociais, geográficos, faixa etária, sexo, da relação estabelecida entre os falantes e implicam a afirmação de que não há uma língua única, uma unidade lingüística no Brasil. A imagem de uma língua única que se aproxima da língua escrita e apregoada pelos manuais como a correta está longe de existir, porque ninguém escreve como fala, ainda que a fala se realiza em situações de extrema formalidade. Querer impor os padrões da escrita para todas as situações de uso da língua é, no mínimo, insistir em algo inexistente. Não adianta a gramática determinar que o verbo assistir, no sentido de presenciar, estar presente é transito indireto, pois nas situações menos formais vamos ouvir e falar: "Assisti o filme". Tomar a língua escrita e o que se tem chamado de língua padrão como objetos privilegiados de ensino-aprendizagem na escola se justifica, na medida em que não faz sentido propor aos alunos que aprendam o que já sabem. Afinal, a aula deve ser o espaço privilegiado de desenvolvimento de capacidade intelectual e linguística dos alunos, oferecendo-lhes condições de desenvolvimento de sua competência discursiva. Isso significa aprender a manipular textos escritos variados e adequar o registro oral às situações interlocutivas, o que, em certas circunstâncias, implica usar padrões mais próximos da escrita. PCN, p:31. O trabalho com a variação lingüística implica permitir ao aluno a escolha da forma da fala a utilizar, considerando-se as características e condições do contexto de produção, ou seja, é saber adequar os recursos expressivos, a variedade de língua e o estilo às diferentes situações comunicativas: saber coordenar satisfatoriamente o que fala ou escreve e como fazê-lo; saber que modo de expressão é pertinente em função de sua intenção enunciativa, dado o contexto e os interlocutores a quem o texto se dirige. A questão não é de erro, mas de adequação às circunstâncias de uso, de utilização adequada da linguagem. UNIDADE 6 - OS PCNS E O ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA (5ª A 8ª SÉRIES) CONHECENDO A PROPOSTA DA UNIDADE Objetivos: Explicitar os objetivos de Ensino de Língua Portuguesa Os PCNs são claros ao afirmarem que cabe à escola organizar um conjunto de atividades que propiciem o desenvolvimento de domínios da expressão oral e escrita em situações de uso público da linguagem. Para tanto, faz-se mister levar- se em consideração as adequações de emprego da linguagem em consonância com o interlocutor (seu nível social e intelectual), finalidade da comunicação, lugar de produção e de veiculação da mensagem. Além disso, deve o locutor saber selecionar o gênero adequado à intenção comunicativa, atuando nas dimensões pragmática, semântica e gramatical. ESTUDANDO E REFLETINDO Nas páginas 49, 50 e 51, há assinaladas as competências e habilidades que os alunos devem possuir. No processo de escuta de textos orais, espera-se que o aluno: . amplie, progressivamente, o conjunto de conhecimentos discursivos, semânticos e gramaticais envolvidos na construção dos sentidos do texto; . reconheça a contribuição complementar dos elementos não verbais (gestos, expressões faciais, postura corporal); . utilize a linguagem escrita, quando for necessário, como apoio para registro, documentação e análise; . amplie a capacidade de reconhecer as intenções do enunciador, sendo capaz de aderir a ou recusar as posições ideológicas sustentadas em seu discurso. No processo de leitura detextos escritos, espera-se que o aluno: . saiba selecionar textos segundo seu interesse e necessidade; . leia, de maneira autônoma, textos de gêneros e temas com os quais tenha construído familiaridade: * selecionando procedimentos de leitura adequados a diferentes objetivos e interesses, e a características do gênero e suporte; * desenvolvendo sua capacidade de construir um conjunto de expectativas (pressuposições antecipadoras dos sentidos, da forma e da função do texto), apoiando-se em seus conhecimentos prévios sobre gênero, suporte e universo temático, bem como sobre saliências textuais, recursos gráficos, imagens, dados da própria obra (índice, prefácio etc.); * confirmando antecipações e inferências realizadas antes e durante a leitura; * articulando o maior número possível de índices textuais e contextuais na construção do sentido do texto, de modo a: a) utilizar inferências pragmáticas para dar sentido a expressões que não pertençam a seu repertório lingüístico ou estejam empregadas de forma não usual em sua linguagem; b) extrair informações não explicitadas, apoiando-se em deduções; c) estabelecer a progressão temática; d) integrar e sintetizar informações, expressando-as em linguagem própria, oralmente ou por escrito; e) interpretar recursos figurativos tais como: metáforas, metonímias, eufemismos, hipérboles etc.; * delimitando um problema levantado durante a leitura e localizando as fontes de informação pertinentes para resolvê-lo; . seja receptivo a textos que rompam com seu universo de expectativas, por meio de leituras desafiadoras para sua condição atual, apoiando-se em marcas formais do próprio texto ou em orientações oferecidas pelo professor; . troque impressões com outros leitores a respeito dos textos lidos, posicionando-se diante da crítica, tanto a partir do próprio texto como de sua prática enquanto leitor; . compreenda a leitura em suas diferentes dimensões . o dever de ler, a necessidade de ler e o prazer de ler; . seja capaz de aderir ou recusar as posições ideológicas que reconheça nos textos que lê. No processo de produção de textos orais, espera-se que o aluno: . planeje a fala pública usando a linguagem escrita em função das exigências da situação e dos objetivos estabelecidos; . considere os papéis assumidos pelos participantes, ajustando o texto à variedade linguística adequada; . saiba utilizar e valorizar o repertório lingüístico de sua comunidade na produção de textos; . monitore seu desempenho oral, levando em conta a intenção comunicativa e a reação dos interlocutores e reformulando o planejamento prévio, quando necessário; . considere possíveis efeitos de sentido produzidos pela utilização de elementos não verbais. No processo de produção de textos escritos, espera-se que o aluno: . redija diferentes tipos de textos, estruturando-os de maneira a garantir: * a relevância das partes e dos tópicos em relação ao tema e propósitos do texto; * a continuidade temática; * a explicitação de informações contextuais ou de premissas indispensáveis à interpretação; * a explicitação de relações entre expressões mediante recursos lingüísticos apropriados (retomadas, anáforas, conectivos), que possibilitem a recuperação da referência por parte do destinatário; . realize escolhas de elementos lexicais, sintáticos, figurativos e ilustrativos, ajustando-as às circunstâncias, formalidade e propósitos da interação; . utilize com propriedade e desenvoltura os padrões da escrita em função das exigências do gênero e das condições de produção; . analise e revise o próprio texto em função dos objetivos estabelecidos, da intenção comunicativa e do leitor a que se destina, redigindo tantas quantas forem as versões necessárias para considerar o texto produzido bem escrito. No processo de análise linguística, espera-se que o aluno: . constitua um conjunto de conhecimentos sobre o funcionamento da linguagem e sobre o sistema lingüístico relevantes para as práticas de escuta, leitura e produção de textos; . aproprie-se dos instrumentos de natureza procedimental e conceitual necessários para a análise e reflexão lingüística (delimitação e identificação de unidades, compreensão das relações estabelecidas entre as unidades e das funções discursivas associadas a elas no contexto); . seja capaz de verificar as regularidades das diferentes variedades do Português, reconhecendo os valores sociais nelas implicados e, conseqüentemente, o preconceito contra as formas populares em oposição às formas dos grupos socialmente favorecidos. ESTUDANDO E REFLETINDO No que diz respeito à escuta de textos orais, os alunos devem somar uma série de habilidades que se estendem da simples escuta à participação com sujeito ativo, assimilando a importância e o reconhecimento dos gestos e expressões, dos traços prosódicos, detectando a intenção do sujeito produtor do texto que lhe chega. Vale dizer que depreender a intenção do sujeito produtor implica a localização do papel social do locutor e seu posicionamento ideológico. No que diz respeito à leitura de textos escritos, no caso, entendida não como mera decodificação de palavras, mas como um ato produtor, o aluno deve ser capaz de reconhecer o gênero do texto; efetuar inferências, entender os pressupostos e subentendidos que subjazem ao texto. De forma resumida, podemos afirmar que o aluno, na leitura, deve entender: o que o texto diz, isto é, qual é a temática envolvida no texto; como o texto diz o que diz, trata-se de reconhecer os recursos de linguagem, os recursos retóricos de que o autor lança mão; por que o texto diz o que diz, isto é, qual é a condição de produção de texto lido, qual é o contexto histórico e social de sua produção. No que diz respeito à produção oral, o aluno deverá saber planejar sua fala em adequação ao seu auditório e à situação comunicativa (formal ou informal); ter domínio das variedades linguísticas; saiba empregar recursos não verbais e considere, principalmente, a produção de sua fala em consonância com a intenção que fixou. Na produção escrita, o aluno deve ter domínio do gênero textual, construindo seu texto com coerência e coesão, fazendo-o progredir semântica e sintaticamente e efetuando escolhas lexicais adequadas ao gênero e propósito. É evidente que as habilidades acima exigem, tanto na leitura e produção de textos orais e escritos domínio linguístico compatível à série em que se encontra. UNIDADE 7 - O TEXTO E AS ESTRATÉGIAS DE LEITURA CONHECENDO A PROPOSTA DA UNIDADE Objetivos: Explicitar o papel do professor enquanto mediador entre texto e aluno; Explicitar as estratégias de leitura. Cabe ao professor atuar como mediador entre o aluno e o texto, explicitando procedimentos que, para o leitor experiente, já nem são percebidas. Refiro-me às estratégias de leitura, a saber: seleção, predição, inferência e autocorreção. A propósito, cito passagens do texto "Estratégias de leitura: a formação do leitor no ensino fundamental", de Eliana Vianna Brito. ESTUDANDO E REFLETINDO Seleção, segundo a autora Diz respeito à escolha dos aspectos mais relevantes do texto, apoiando-se no esquema que [o leitor] possui sobre o tipo de texto, de acordo com suas características e significados. (BRITO, 2001, p.46). O leitor, ao ler um texto, sabe se ele é uma narração, descrição, texto informativo ou de opinião. Nesta perspectiva, seleciona aspectos mais relevantes. Por exemplo, se o texto é narrativo, os aspectos essenciais são as transformações de estado, o encadeamento temporal das ações. Outra estratégia citada pela autora refere-se à predição, isto é, a partir dos dados selecionados, o leitor pode prever o desfecho de uma narração. Vale dizer que as próprias crianças fazem uso da predição,pois possuem a ideia de que nos contos de fada o bem é premiado e o mal punido. É utilizada em decorrência de dois fatores. O primeiro refere-se à maneira pela qual o leitor faz uso dos esquemas ao buscar compreender a ordem das coisas que vivencia, e o segundo refere-se ao assunto e à estrutura recorrente do texto. Sendo assim, o leitor pode utilizar a predição em relação ao final de uma história, à lógica de uma explicação, à estrutura de uma oração composta e ao final de uma palavra. Em síntese, o leitor coloca a sua disposição todo o conhecimento prévio, bem como seus esquemas mentais para predizer o que virá no texto e qual será seu significado. (BRITO, 2001, p.46-7) A partir do conhecimento de mundo que possui o leitor/ouvinte estabelece relações entre elementos e expressões do texto, ainda que não estejam explícitas na superfície textual. Por exemplo, se dissermos: Fui a um restaurante e comi uma deliciosa feijoada, as inferências que devemos fazer são: escolhi o restaurante, selecionei uma mesa, fui atendido, pedi o prato, comi e paguei. ... o leitor complementa a informação disponível, utilizando-se dos conhecimentos conceituais e linguísticos, bem como dos esquemas que possui. É possível inferir tanto a informação textual explícita quanto a implícita, ou seja, a inferência é utilizada quando se quer saber a respeito do antecedente de um pronome, sobre as preferências do autor ou até mesmo sobre uma palavra que apareceu no texto com erro de imprensa. A inferência é tão utilizada que, muitas vezes, o leitor não consegue recordar exatamente se um determinado aspecto estava explícito ou implícito. (BRITO, 2001, p.47) Muitas vezes, ativamos inferências erradas sobre as passagens do texto, requerendo a estratégia da autocorreção. Essa estratégia pressupõe, por parte do leitor, um repensar acerca de uma hipótese alternativa capaz de auxiliá-lo na compreensão. Pode ocorrer também a necessidade de uma releitura de determinadas partes do texto em busca de pistas mais relevantes. Enfim, a autocorreção caracteriza-se como uma forma de aprendizagem, uma vez que é capaz de fornecer uma resposta a ponto de desequilíbrio no processo de leitura. (BRITO, 2001, p.48). Torna-se evidente, por meio das explicações transcritas, que o ato de leitura é muito mais amplo que a mera decodificação linear das sílabas e palavras. Evidencia-se, também, que o leitor exerce o papel ativo de organizador de sentidos. É importante ressaltar que a leitura de um texto implica as informações do texto, somadas ao conhecimento de mundo do leitor, implicando, portanto, interação entre texto e leitor. Nessa perspectiva, o ensino de produção de textos deve fundamentar-se na concepção de que a linguagem escrita só tem sentido como forma de interação. Por isso, João Wanderley Geraldi (2004) ressalta: Antes de mais nada, é preciso lembrar que a produção de textos na escola foge totalmente ao sentido de uso da língua: os alunos escrevem para o professor (único leitor, quando lê os textos). A situação de emprego da língua é, pois, artificial. Afinal, qual a graça em escrever um texto que não será lido por ninguém ou que será lido apenas por uma pessoa (que por sinal corrigirá o texto e dará nota para ele)? (GERALDI, 2004, p.65). A produção de textos que atendam a propósitos autênticos de interação distingue-se da prática usual em que os alunos escrevem somente para se livrarem de uma tarefa enfadonha e obterem uma nota. Feita essa observação, vejamos como podem ser resolvidos os problemas de elaboração textual presentes nas redações de alunos. No livro A produção escrita e a gramática, de Lúcia Kopschitz Bastos e Maria Augusta de Mattos, as Autoras apresentam, na seção “Anexo”, textos de alunos a quem foram propostas as seguintes frases iniciais: “Eu vinha para casa feliz da vida, e faltavam dez minutos para a meia-noite. Olhei para o lado e vi, junto à parede antes da esquina, algo que me pareceu uma trouxa de roupa, um saco de lixo.” Transcrevo uma das trinta e três redações publicadas no livro. Eu vinha para casa feliz da vida e faltavam 10 minutos para a meia noite perto da praça olhei para o lado e vi junto a parede ante da esquina algo que me pareceu uma trouxa de roupa um saco de lixo. me aproximei e fiquei olhando para aquilo era alguma coisa muito extranha um saco com formato quadrado imaginei é alguma coisa, alguma coisa de que jogaram fora e esta aqui para o lixeiro levar amanhã, virei e ia indo embora, mas não resistia a vontade de voltar e pegar aquilo voltei peguei e levei para casa. Chegando em casa coloquei o pacote em cima da cama fiquei observando o pacote e imaginando o que será que era aquilo o que estava acontecendo comigo eu estava com medo do pacote eu não queria abrilo, e parecia que ele estava me forçando a abri- lo fiquei nisso até as 5:30 quando o galo cantou nesse momento eu senti algo mais estranho ainda um frio pelo corpo inteiro. pensei quer saber duma coisa vou acabar com isso. pegue aquilo saí correndo até o rio e atirei-o pacote na correntesa depois daquilo fiquei sem dormir por mais de uma semana sempre que ia durmir eu lembrava do pacote e não esquecia mais. Um dia fui no medico e ele me deu uns comprimidos para durmir tomei. e fui para cama. acordei na cama do hospital 3 dias depois, sem saber o que tinha acontecido fiquei arrepiado ao saber fui encontrado quase morto na fóz do rio Saindo do hospital eu foi a um centro espírita depois de 2 secoes eu fiquei livre daqueles tormentos hoje eu durmo em paz e não pego nada na rua. (Apud BASTOS; MATTOS, 1992, p.151-152) O professor desperdiçaria seu tempo se reescrevesse o texto, pois esse trabalho não evitaria que o aluno incorresse novamente nas mesmas inadequações no tocante às regras da linguagem escrita. Sugere-se que o professor elabore exercícios em que os alunos façam substituições como "As famílias do Nordeste sofrem com a seca. → As famílias nordestinas sofrem com a seca.", ou sejam levados a explicitar o mecanismo da concordância: "A confissão da mulher foi comovente. → A palavra comovente concorda com o termo confissão." (BASTOS; MATTOS, 1992, p.12-13). BUSCANDO CONHECIMENTO Estratégias para a constituição de uma leitura dialógica, questionadora e crítica O terceiro e o quarto ciclos têm papel decisivo na formação de leitores, pois é no interior destes que muitos alunos ou desistem de ler por não conseguirem responder às demandas de leitura colocadas pela escola, ou passam a utilizar os procedimentos construídos nos ciclos anteriores para lidar com os desafios postos pela leitura, com autonomia cada vez maior. Assumir a tarefa de formar leitores impõe à escola a responsabilidade de organizar-se em torno de um projeto educativo comprometido com a intermediação da passagem do leitor de textos facilitados (infantis ou infanto-juvenis) para o leitor de textos de complexidade real, tal como circulam socialmente na literatura e nos jornais; do leitor de adaptações ou de fragmentos para o leitor de textos originais e integrais. De certa forma, é preciso agir como se o aluno já soubesse aquilo que deve aprender. Entre a condição de destinatário de textos escritos e a falta de habilidade temporária para ler autonomamente é que reside a possibilidade de, com a ajuda do professor e de outros leitores, desenvolver a competência leitora, pela prática de leitura. Nessas situações, o aluno deve pôr em jogo tudo o que sabe para descobrir o que não sabe. Essa atividade só poderá ocorrer com a intervenção do professor, que deverá colocar-se na situação de principal parceiro, favorecendo a circulação de informações. Nessa condição, o professor deve preocupar-se com a diversidade das práticas de recepção dos textos: não se lê uma notícia da mesma formaque se consulta um dicionário; não se lê um romance da mesma forma que se estuda. Boa parte dos materiais didáticos disponíveis no mercado, ainda que venham incluindo textos de diversos gêneros, ignoram a diversidade e submetem todos os textos a um tratamento uniforme. Para considerar a diversidade dos gêneros, não ignorando a diversidade da recepção que supõem, as atividades organizadas para a prática de leitura devem se diferenciar, sob pena de trabalharem contra a formação de leitores. Produzir esquemas e resumos pode ajudar a apreensão dos tópicos mais importantes quando se trata de textos de divulgação científica; no entanto, aplicar tal procedimento a um texto literário é desastroso, pois apagaria o essencial ─ o tratamento estilístico que o tema recebeu do autor. Também não se formará um leitor de textos de imprensa, do qual se espera, senão uma leitura diária, ao menos uma leitura regular dos jornais, lendo-se notícias apenas no primeiro bimestre. [...] Tomando como ponto de partida as obras apreciadas pelo aluno, a escola deve construir pontes entre textos de entretenimento e textos mais complexos, estabelecendo as conexões necessárias para ascender a outras formas culturais. Trata-se de uma educação literária, não com a finalidade de desenvolver uma historiografia, mas de desenvolver propostas que relacionem a recepção e a criação literária às formas culturais da sociedade. Para ampliar os modos de ler, o trabalho com a literatura deve permitir que progressivamente ocorra a passagem gradual da leitura esporádica de títulos de um determinado gênero, época, autor para a leitura mais extensiva, de modo que o aluno possa estabelecer vínculos cada vez mais estreitos entre o texto e outros textos, construindo referências sobre o funcionamento da literatura e entre esta e o conjunto cultural; da leitura circunscrita à experiência possível ao aluno naquele momento, para a leitura mais histórica por meio da incorporação de outros elementos, que o aluno venha a descobrir ou perceber com a mediação do professor ou de outro leitor; da leitura mais ingênua que trate o texto como mera transposição do mundo natural para a leitura mais cultural e estética, que reconheça o caráter ficcional e a natureza cultural da literatura. (PCN´s: 3º e 4º ciclos do ensino fundamental: língua portuguesa, p.70-71). UNIDADE 8 - A FORMAÇÃO DO LEITOR CRÍTICO CONHECENDO A PROPOSTA DA UNIDADE Objetivos: propiciar conhecimentos sobre a formação de leitores Formar bons leitores, imbuídos de competências e habilidades para analisar, interpretar e posicionar a respeito de textos deve ser o papel da escola. ESTUDANDO E REFLETINDO Consideremos a seguinte passagem dos Parâmetros curriculares nacionais (língua portuguesa, terceiro e quarto ciclos): [...] Assumir a tarefa de formar leitores impõe à escola a responsabilidade de organizar-se em torno de um projeto educativo comprometido com a intermediação da passagem do leitor de textos facilitados (infantis ou infanto-juvenis) para o leitor de textos de complexidade real, tal como circulam socialmente na literatura e nos jornais; do leitor de adaptações ou de fragmentos para o leitor de textos originais e integrais. De certa forma, é preciso agir como se o aluno já soubesse aquilo que deve aprender. Entre a condição de destinatário de textos escritos e a falta de habilidade temporária para ler autonomamente é que reside a possibilidade de, com a ajuda do professor e de outros leitores, desenvolver a capacidade leitora, pela prática de leitura. Nessas situações, o aluno deve pôr em jogo tudo que sabe para descobrir o que não sabe. Essa atividade só poderá ocorrer com a intervenção do professor, que deverá colocar-se na situação de principal parceiro, favorecendo a circulação de informações. (BRASIL, 1998, p.70) Levando em consideração essas palavras, pode-se considerar inadequado dizer que a mediação feita pelo professor é uma tarefa de “facilitação” da leitura. A ideia de facilidade implica a permanência do aluno em um nível de capacidade leitora restrita à compreensão de obras adaptadas. Assim, por mais complexos que sejam os textos, compete ao professor atuar como intermediário entre eles e seus alunos, sem que isso implique, necessariamente, o recurso às adaptações ou à fragmentação dos textos originais. "Ah! Os alunos não vão entender nada!" Vocês já devem ter ouvido essa frase muitas vezes. Além de reforçar o conformismo e a acomodação, ela está errada, pois, com a intervenção do professor, que possibilitará a compreensão dos aspectos mais complexos do texto, os alunos compreenderão alguma coisa. Dessa forma, eles darão os primeiros passos em direção à releitura autônoma, que ocorrerá quando a intermediação do professor já não for necessária. O costume de nivelar por baixo é deplorável. Ele perpetua a incapacidade de interação do leitor com os textos que lhe poderiam proporcionar os meios para uma participação social, cultural e política mais ampla. O leitor crítico não teme a complexidade. Aceitando desafios, ele ouve as vozes que ressoam nos textos, reflete sobre elas e faz ouvir sua própria voz. BUSCANDO CONHECIMENTO A especificidade do texto literário A mate´ria prima do etxto literário é a palavra. Mas, o que é a palavra? Uma definição linguística seria a união de um significante, o suporte material e de um significado, seu conceito. No entanto, imaginem se para cada uso que o falante faz, houvesse a necessidade de uma palavra específica. As línguas não caberiam nos dicionários. Daí o questionamento: o que torna a palavra singular e única? É a condição de seu uso, é a situação em que a plavra se materializa. O que é isso? É simples. A língua é a mesma para todos os indivíduos de uma comunidade, de uma sociedade, mas o uso das palavras é diferente de pessoa, para pessoa. Assim, quando um pobre diz: “Vou para meu rancho”, entendemos o que ele diz. No entanto, se um milionário diz essa mesma frase, com as mesmas palavras, o sentido já é outro completamente diferente. Essa relação que explicitei pode ser transportada para uma comparação de uso das palavras pelos poetas e por nós, simples mortais. É lógico que o uso é diferente, nós vemos uma pedra e atribuímos a ela o significado de uma pedra, o que não aconteceu com Drummond quando viu uma pedra e a pedra tornou-se motivo de um lindo poema. No meio do caminho tinha uma pedra tinha uma pedra no meio do caminho tinha uma pedra no meio do caminho tinha uma pedra. Nunca me esquecerei desse acontecimento na vida de minhas retinas tão fatigadas. Nunca me esquecerei que no meio do caminho tinha uma pedra tinha uma pedra no meio do caminho no meio do caminho tinha uma pedra. Bom, não precisamos despender uma força para entender que o poeta levou para o poema não apenas o significante pedra, mas o conceito de pedra: dureza, aspereza, enfim, as pedras do caminho, nada mais são do que os problemas com que nos defrontamos na vida. Vale dizer que não são poucos, pela repetição com que o poeta constrói seus versos. A genialidade do poeta não pára aí, pois ele nos diz: nunca me esquecerei desse acontecimento na vida de minhas retinas tão fatigadas, ora, o que é retina fatigada? Retinas fatigadas essa expressão pode ser entendida como olho cansado, mas pode ser também vida vivida, vida marcada pelo passar do tempo. Sabemos que nada é totalmente novo e que tudo se transforma, tudo é reaproveitado. É isso mesmo. Eu diria que tudo é reproduzido, a partir do existente. Há dois caminhos para a reprodução, recriação: paráfrase e polissemia. Paráfrase é o já dito que retorna com o mesmo sentido. Caetano Veloso, na música “Língua”, faz uso de paráfrases, pois cita literalmente versos de Fernando Pessoa:“Minha Pátria é minha língua”. Falamos da polissemia discursiva. O que é isso? É o já dito que retorna com um novo saber, rompe-se com o conhecido e instaura-se o novo. Chico Buarque fez isso de maneira magistral na Música Bom Conselho Ouça um bom conselho Que eu lhe dou de graça Inútil dormir que a dor não passa Espere sentado Ou você se cansa Está provado, quem espera nunca alcança Venha, meu amigo Deixe esse regaço Brinque com meu fogo Venha se queimar Faça como eu digo Faça como eu faço Aja duas vezes antes de pensar Corro atrás do tempo Vim de não sei onde Devagar é que não se vai longe Eu semeio o vento Na minha cidade Vou pra rua e bebo a tempestade O que dissemos até agora confirma o fato de tudo ser recriado, reproduzido e não totalmente inventado, criado do nada. A escolha e o arranjo que cada um faz do inventário de palavras que uma língua é diferente. Os poetas o fazem de maneira peculiar e Chico é um bom exemplo disso. Ele vinha sem muita conversa, sem muito explicar Eu só sei que falava e cheirava e gostava de mar Sei que tinha tatuagem no braço e dourado no dente E minha mãe se entregou a esse homem perdidamente, laiá, laiá, laiá, laiá Ele assim como veio partiu não se sabe prá onde E deixou minha mãe com o olhar cada dia mais longe Esperando, parada, pregada na pedra do porto Com seu único velho vestido, cada dia mais curto, laiá, laiá, laiá, laiá Quando enfim eu nasci, minha mãe embrulhou-me num manto Me vestiu como se eu fosse assim uma espécie de santo Mas por não se lembrar de acalantos, a pobre mulher Me ninava cantando cantigas de cabaré, laiá, laiá, laiá, laiá Minha mãe não tardou alertar toda a vizinhança A mostrar que ali estava bem mais que uma simples criança E não sei bem se por ironia ou se por amor Resolveu me chamar com o nome do Nosso Senhor, laiá, laiá, laiá, laiá Minha história e esse nome que ainda carrego comigo Quando vou bar em bar, viro a mesa, berro, bebo e brigo Os ladrões e as amantes, meus colegas de copo e de cruz Me conhecem só pelo meu nome de menino Jesus, laiá, laiá Os ladrões e as amantes, meus colegas de copo e de cruz Me conhecem só pelo meu nome de menino Jesus, laiá, laiá, laiá, laia. Ora, vestido cada dia mais curto foi empregado pelo autor em lugar de gravidez, pois em se crescendo a barriga, obviamente, o vestido vais se encurtando. Eis o uso singular da língua pelos poetas. Por falar em palavras e seu uso pelos poetas, vale a pena a leitura dos versos abaixo. AI PALAVRAS Ai, palavras, ai palavras, que estranha potência, a vossa! Ai, palavras, ai palavras, sois o vento, ides no vento, e, em tão rápida existência, tudo se forma e transforma! Sois de vento, ides no vento, e quedais, com sorte nova! Ai, palavras, ai palavras, que estranha potência, a vossa! Todo o sentido da vida principia à vossa porta; o mel do amor cristaliza seu perfume em vossa rosa; sois o sonho e sois audácia, calúnia, fúria, derrota… A liberdade das almas, ai! com letras se elabora… E dos venenos humanos sois a mais fina retorta: frágil como o vidro e mais que o são poderosa! Reis, impérios, povos, tempos, pelo vosso impulso rodam… (Cecília Meireles). Esse é o poder das palavras, formar, como diz os versos: Todo o sentido da vida principia à vossa porta e transformar o mundo e as pessoas: sois audácia, calúnia, fúria, derrota… E dos venenos humanos/ sois a mais fina retorta: frágil como o vidro e mais poderosa que reis, impérios, povos, tempos que pelo impulso da palavra rodam, caem. Vejamos o que dizem os PCNs sobre o texto literário: O texto literário constitui uma forma peculiar de representação e estilo em que predominam a força criativa da imaginação e a intenção estética. Não é mera fantasia que nada tem a ver com o que se entende por realidade, nem é puro exercício lúdico sobre as formas e sentidos da linguagem e da língua. Como representação — um modo particular de dar forma às experiências humanas — o texto literário não está limitado a critérios de observação fatual (ao que ocorre e ao que se testemunha), nem às categorias e relações que constituem os padrões dos modos de ver a realidade e, menos ainda, às famílias de noções/conceitos com que se pretende descrever e explicar diferentes planos da realidade (o discurso científico). Ele os ultrapassa e transgride para constituir outra mediação de sentidos entre o sujeito e o mundo, entre a imagem e o objeto, mediação que autoriza a ficção e a reinterpretação do mundo atual e dos mundos possíveis. Pensar sobre a literatura a partir dessa relativa autonomia ante outros modos de apreensão e interpretação do real corresponde a dizer que se está diante de um inusitado tipo de diálogo, regido por jogos de aproximação e afastamento, em que as invenções da linguagem, a instauração de pontos de vista particulares, a expressão da subjetividade podem estar misturadas a citações do cotidiano, a referências indiciais e, mesmo, a procedimentos racionalizantes. Nesse sentido, enraizando-se na imaginação e construindo novas hipóteses e metáforas explicativas, o texto literário é outra forma/fonte de produção/apreensão de conhecimento. Do ponto de vista linguístico, o texto literário também apresenta características diferenciadas. Embora, em muitos casos, os aspectos formais do texto se conformem aos padrões da escrita, sempre a composição verbal e a seleção dos recursos linguísticos obedecem à sensibilidade e a preocupações estéticas. Nesse processo construtivo original, o texto literário está livre para romper os limites fonológicos, lexicais, sintáticos e semânticos traçados pela língua: esta se torna matéria-prima (mais que instrumento de comunicação e expressão) de outro plano semiótico — na exploração da sonoridade e do ritmo, na criação e recomposição das palavras, na reinvenção e descoberta de estruturas sintáticas singulares, na abertura intencional a múltiplas leituras pela ambigüidade, pela indeterminação e pelo jogo de imagens e figuras. Tudo pode tornar-se fonte virtual de sentidos, mesmo o espaço gráfico e signos não verbais, como em algumas manifestações da poesia contemporânea. O tratamento do texto literário oral ou escrito envolve o exercício de reconhecimento de singularidades e propriedades que matizam um tipo particular de uso da linguagem. É possível afastar uma série de equívocos que costumam estar presentes na escola em relação aos textos literários, ou seja, tomá-los como pretexto para o tratamento de questões outras (valores morais, tópicos gramaticais) que não aquelas que contribuem para a formação de leitores capazes de reconhecer as sutilezas, as particularidades, os sentidos, a extensão e a profundidade das construções literárias. (BRASIL, 1998, p. 26-27). UNIDADE 9 - O DESENVOLVIMENTO DE COMPETÊNCIAS E HABILIDADE EM LÍNGUA PORTUGUESA CONHECENDO A PROPOSTA DA UNIDADE Objetivos: Explicitar as competências e habilidades em Língua Portuguesa expressas nos PCNs. Os Parâmetros Curriculares Nacionais, Ensino Médio, acentuam a necessidade de se desenvolverem nos alunos competências e habilidades em Língua Portuguesa. ESTUDANDO E REFLETINDO Na página 24 dos PCNs, observamos: Competências e habilidades a serem desenvolvidas em L í ngua Portuguesa Representação e comunicação: • Confrontar opiniões e pontos de vista sobre as diferentes manifestações da linguagem verbal. • Compreender e usar a Língua Portuguesa como língua materna, geradora de significação e integradora da organização do inundo e da própria identidade. • Aplicar as tecnologias de comunicação e da informação na escola, no trabalho e em outros contextos relevantes da vida. Investigação e compreensão • Analisar os recursos expressivos da linguagem verbal,relacionando textos/contextos, mediante a natureza, função, organização, estrutura, de acordo com as condições de produção, recepção/intenção, época, local, interlocutores participantes da criação e propagação das ideias e escolhas, tecnologias disponíveis). • Recuperar, pelo estudo do texto literário, as formas instituídas de construção do imaginário coletivo, o patrimônio representativo da cultura e as classificações preservadas e divulgadas, no eixo temporal e espacial. • Articular as redes de diferenças e semelhanças entre a lingua oral e escrita e seus códigos sociais, contextuais e linguísticos. Contextualização socio-cultural • Considerar a Lingua Portuguesa como fonte de legitimação de acordos e condutas sociais e como representação simbólica de experiências humanas manifestas nas formas de sentir, pensar e agir na vida social. • Entender os impactos das tecnologias da comunicação, em especial da lingua escrita, na vida, nos processos de produção, no desenvolvimento do conhecimento e na vida social. (PCN- Ensino Médio) Os PCNs são claros, ao estabelecerem como objetivo do Ensino de Língua Portuguesa o desenvolvimento de competências e habilidades para leitura e produção de textos orais e escritos adequados às diferentes situações comunicativas em que se encontra o falante. Aqui, fazemos uma ressalva, para explicitar que cabe à escola o ensino para a vida e não para a escola. Mas o que isso significa? Ensinar para a vida é dotar o aluno de conhecimentos, competências e habilidades de uso da língua em situações concreta de comunicação. Diferentemente, ensinar para a escola implica um ensino calcado na metalinguagem, na memorização de regras. Nessa direção, a língua deve ser compreendida como patrimônio cultural, cuja apropriação se dá pela mediação da família, dos amigos, da escola e dos meios de comunicação. Essa ideia deve ser incorporada na realidade escolar, ou seja, se a família é o maior contato linguístico do falante, é claro que crianças oriundas de famílias com maior poder aquisitivo, melhor nível social e econômico terão um desempenho linguístico melhor e mais próximo da norma culta do que as crianças, cujas famílias são segregadas social e intelectualmente. O que estamos dizendo é que essas relações vão determinar o modo como nos valemos da língua, o modo como usamos a língua nas práticas sociais cotidianas. O que se deve buscar, então, é o desenvolvimento do potencial crítico do aluno, desenvolver a percepção das múltiplas possibilidades de expressão linguística e capacitá-lo para ser leitor crítico dos diferentes textos que circulam na sociedade, conforme Lauria (2002). Os PCNs preveem um ensino que ultrapasse as regras de memorização e que privilegie o desenvolvimento da competência interativa, linguística e textual. A questão que se coloca é: como desenvolver essas competências? Podemos fazê- lo, a partir de situações concretas, como as sugeridas abaixo. BUSCANDO CONHECIMENTO Situação 1 Na escola X tem aumentado, espantosamente, o número de gravidez precoce. O que a comunidade escolar pode fazer? Situação 2 Proposta: Continue a frase e faça uma produção de texto narrativo “Percebemos então que nós nos perdêramos.” E vou perguntar onde era Rua Lins para ir casa da minha para buscar a roupa para minha mãe ir no Aniversário lá na rua Piracicaba. No tinha um orelhão e vou ligar para minha mãe para fala que e muito loge fou liga para o noto taxi para buscar a roupa. Vou ligar para minha tia que eu não fou buscar a roupa porque é muito loge da dor nas perna. Tia eu vou nada um noto taxi porque eu tou muito cansado. Ai pasou uma horas derepete vimos a minha tia e voumos para casa dela e pegei aa roupa e vi empora par minha casa.” Situação 3- O Bicho Vi ontem um bicho Na imundície do pátio Catando comida entre os detritos. Quando achava alguma coisa, Não examinava nem cheirava: Engolia com voracidade. O bicho não era um cão, Não era um gato, Não era um rato. O bicho, meu Deus, era um homem. (Manuel Bandeira). Lauria (2002) afirma que situações como as colocadas acima são comuns na escola e o professor deve aproveitá-las para o ensino de Língua Portuguesa. O que se coloca é: como trabalhar situações como as citadas acima? A primeira coisa a ser feita é a leitura cuidadosa de cada uma delas, para extrair delas caminhos para o trabalho efetivo. Para a autora citada, devemos também pensar se o conhecimento sobre a língua, incluindo o gramatical e textual são suficientes para resolvera s situações. Finalmente, deve-se refletir se apenas esses conhecimentos linguísticos dão conta das situações. Passemos, agora, ao trabalho com a situação 1. Trata-se, na verdade de uma situação que extrapola os domínios da sala de aula e, de certa maneira, atinge a comunidade. Por essa razão, há que se envolver diretor, pais, professores, alunos, médicos entre outros. A resolução da situação em foco requer um conjunto de habilidades, tais como: diálogo, atribuição de tarefas, responsabilidade, negociação. Urge que os alunos sejam conscientizados e instruídos. Mas o que se coloca é: o que fazer, efetivamente? Devem-se promover palestras com especialistas: médicos; psicólogos; realizar debates; mesas-redondas, envolvendo a comunidade intra e extramuros, promover exibição de vídeos e filmes a respeito de gravidez precoce, enfim, é importante ouvir os alunos, fazer com que eles exponham seus pontos de vista sobre a situação. Você poderia me questionar: “Mas e o ensino de Língua Portuguesa, como fica?”. Ora, a resposta é óbvia, quando se enfoca o fato de a missão da escola não se resumir ao ensino da língua escrita, mas abordar, também, a oralidade. É importante desenvolver nos alunos competências e habilidades orais. Estamos falando da competência interativa, cujas habilidades implicam um fazer/fazer, ou seja, permite a possibilidade de agir sobre o outro. É importante que a escola desenvolva essa competência? Claro que sim, pois todo ato verbal deve ser adequado às situações comunicativas em que se encontra o falante. Assim, a escola deve desenvolver a técnica do diálogo, base da competência interativa, e, entendida como lugar de falar, ouvir, concordar, opinar, respeitar, elaborar argumentos, saber aceitar opiniões diferentes. Acho que você, caro aluno, ainda está pensando: “E o ensino da escrita?” Para isso, basta o professor solicite à classe que produzam convites para a comunidade interna e externa, para participação das atividades propostas. Após os eventos, o professor pode, ainda, solicitar produção escrita, em que os alunos podem se posicionar a respeito do tema abordado. Sobre a situação 2, retomamos o já exposto na disciplina Ensino e Avaliação de Produção Textual na Escola. No entanto, deixamos claro que essa situação é específica de sala de aula, não exigindo a participação da comunidade externa da escola. A escola deve aprimorar a competência gramatical dos alunos, levando-os a construir enunciados mais próximos possíveis da norma culta. Atenção, esse aprofundamento não deve ser a partir da memorização de regras de concordância, por exemplo, mas a partir do que o aluno sabe e o autor do texto que nos serve de modelo, sabe, tanto que conseguimos dar unidade de sentido para o texto, embora linguisticamente comprometido. Levando em consideração as categorias da narração, observamos que o aluno aproveita-se de um dado da proposta que se refere à complicação e procura dar sequência ao texto. Em outras palavras, a partir de Percebemos então que nós nos perdêramos, o aluno inicia seu texto, deixando implícito o fato de estar perdido, pois introduz no texto que ia perguntar onde ficava a Rua Lins. Provavelmente, a resposta dada indicava que a referida rua estava muito distante, razão pelaqual ligaria à mãe. No entanto, outra complicação é instaurada: não tinha orelhão. Sem explicitar como, o produtor do texto introduz sua fala com a tia, provavelmente pelo telefone que inexistia no local: “Tia eu vou nada um noto taxi porque eu tou muito cansado”. Na tentativa de fechar seu texto, resolvendo as complicações instauradas, o aluno conclui que viu a tia, foi a sua casa, pegou a roupa e levou para a mãe. Pode-se dizer que o aluno não faz uso das categorias da narração, mas apenas expande a complicação. Quanto aos elementos da narração, a proposta deveria manter o relato no passado. No entanto, o aluno mistura os tempos do passado e do presente com valor de futuro: No tinha um orelhão e vou ligar. Em seguida, o aluno assume a narração no presente. No que diz respeito ao foco narrativo, o aluno opta pela 1ª pessoa e mantendo-a até o final do texto. Observamos vários problemas formais. O primeiro diz respeito à ortografia, pois o aluno, embora na 6ª série, ainda troca letras, problema comum nas séries iniciais do processo de aquisição da escrita, como se constata em: fou por vou; voumos por fomos; nada por “manda”; noto por moto; empora por embora. Além disso, há falta de domínio de escrita de sons nasais: loge por longe; No por não; derepete, observando-se juntura, por de repente. Outro problema relacionado à aquisição da escrita refere-se ao domínio da grafia dos dígrafos, como se verifica em: pasou e pegei. Há que se ressaltar a falta de concordância, observada em: pasou uma horas e problemas relacionados à pontuação do discurso direto, verificado em: Tia eu vou nada um noto taxi porque eu tou muito cansado e acentuação gráfica taxi e ai. No texto em questão, há marcas de oralidade, como se constata em: tou e ai (aí), cujo emprego indica sequencialização no tempo. A situação 3, diferentemente das outras duas é um texto literário e, como tal, exige o entendimento de uma série de recursos expressivos que mobilizam relações entre texto e contexto, escolhas temáticas e lexicais, estruturas composicionais e estilo. A primeira coisa a abordar é a questão da temática. Assim, deve-se deixar claro para os alunos que há temáticas universais: amor, morte, vida, miséria, por exemplo, e há temáticas específicas de determinada época e país. O professor pode abordar que o romance O Quinze, de Raquel de Queirós, é regionalista, pois trata de um determinado acontecimento: a seca em 1915 no Brasil. Diferentemente, o assunto de Vidas Secas já não é regional, mas universal, pois trata da miséria, temática universal. No poema que nos serve de exemplo, a temática é a miséria em que vive o ser humano. Abordada a temática, o passo seguinte é a estruturação do texto. Neste caso, há os versos que se formam as quatro estrofes do texto. É importante ressaltar que as três primeiras estrofes possuem o mesmo número de versos, mas a última não. A que se deve essa diferença estrutural? Ora, na última estrofe, concentra-se a essência do texto. É a indignação do sujeito produtor sobre um fato da realidade. O professor deve chamar a atenção dos alunos para o paralelismo da 3ª estrofe. Sabe o que é isso? É a repetição da mesma estrutura: O bicho não era um cão, Não era um gato, Não era um rato. Quanto à escolha lexical, o poeta pinçou do mundo natural um referente banal: bicho, mas deu a ele um novo referente, ou seja, homem. Aqui está a metáfora: O homem é bicho. Quais os elementos que evidenciam essa metáfora, ou seja, por que o homem é bicho? Nas próprias ações explicitadas no poema, podemos observar isso, como se indica abaixo: - catar comida na imundície; - encontrar algo, não examinar, nem cheirar; -engolir com voracidade. É preciso atentar para a importância das negações presentes no texto. Em outras palavras, essas negações opõem as ações explicitadas no texto às ações humanas. Assim: - Homem encontrar alimento em casa, no supermercado; - Homem examina antes de comê-lo; - Homem não engole com voracidade, isso é próprio de bichos. As outras negações apenas ressaltam um dado negativo: - Não ser gato; - não ser cão; - não ser rato. É importante o emprego do vocativo no texto “Meu Deus”, cujo efeito de sentido é de uma aclamação, uma evocação da religião para a resolução do problema do home. É a indignação diante da miséria humana. Nas situações acima, abordamos as três competências isoladamente, para efeito didático, mas elas não se excluem, mas se complementam. Vamos retomar, então. Na situação 1, a Competência Interativa explicita-se nos debates, nas palestras, nas discussões. Podemos até gravar esses eventos, para, em seguida, analisarmos o uso de variantes produzidas pelos alunos e convidados. Estamos diante da competência linguística/ gramatical. A competência textual é enfocada na produção de convites e textos pelos alunos. UNIDADE 10 - COMPETÊNCIA INTERATIVA, LINGUÍSTICA E TEXTUAL CONHECENDO A PROPOSTA DA UNIDADE Objetivos: Explicitar as três competências ESTUDANDO E REFLETINDO Competência Interativa Já dissemos, anteriormente, que toda nossa comunicação, nossas trocas sociais são mediadas pela linguagem. É bom saber que ninguém fala para o nada ou sobre coisa alguma, mas toda vez que nos comunicamos o fazemos para alguém e com um determinado propósito, com uma determinada intenção. Daí o desenvolvimento da competência interativa ser fundamental. A competência interativa relaciona-se ao diálogo entre os interlocutores. Para o sucesso dessa competência, os participantes do processo de ensino/aprendizagem devem ter alguns conhecimentos básicos, tais como, conforme assinala Lauria (2002): toda língua possui variantes linguísticas que devem ser respeitadas. O aluno que diz “ponha”, por exemplo, está empregando em sua comunicação uma variante da língua portuguesa; as variantes devem ser adequadas às diferentes situações comunicativas. O que se fala em um bate-papo não deve ser reproduzido em uma prova, em uma conferência; a escola deve propiciar a participação do aluno em diversas situações de discurso na fala ou na escrita, para que ele possa avaliar a adequação das variedades lingüísticas às circunstâncias comunicativas; a norma culta deve ser privilegiada pela escola, mas não deve ser a única a ser ensinada. Já assinalamos em diversos conteúdos de Língua Portuguesa o fato de ela não ser homogênea, como também registramos que a língua padrão ou norma culta é mais uma possibilidade de uso da língua. Em nenhum momento de nossos encontros, dissemos que não se deve fazer com que o aluno domine a língua padrão, mas devemos, sim, a partir de sua variante criar situações para que tenha acesso à norma culta. Como dotar o aluno de formas de adequação de uso da língua aos diferentes contextos? O professor deve criar situações que envolvam diferentes situações, tais como: pedir um pé de alface ao verdureiro; solicitar ao delegado de polícia um guarda noturno para a escola; relatar um fato a um amigo; relatar o mesmo fato ao diretor da escola, dentre outras possibilidades. Para o desenvolvimento dessa competência, conforme Lauria (2002), alguns procedimentos devem ser adotados pelo professor, a saber: o professor deve deixar clara a situação comunicativa que está sendo enfocada, por exemplo, se deseja que o aluno produza um bilhete, deve incentivar a linguagem coloquial; se deseja que escreva uma carta para o prefeito, a linguagem deverá ser mais elaborada; o professor deve criar, durante as aulas, oportunidades para que os alunos, em grupos ou individualmente, manifestem sua opinião, participem de situações dialogadas. Para tanto, o professor pode propor situações dialogadas, debates sobre obras literárias, acontecimentos do cotidiano; os alunosdevem se apropriar dos papéis de falantes e ouvintes exigidos na interlocução com o outro. É preciso saber falar, adequando o discurso à situação proposta; é preciso saber ouvir, para que a fala do outro ganhe legitimidade e possa ser avaliada; a escola não deve desvalorizar outras variantes que não seja a norma culta, mas, o professor deve mostrar que, em determinadas situações, o uso de um padrão ou de outro pode ser mais adequado. BUSCANDO CONHECIMENTO Competência Textual A nosso ver é fundamental que se desenvolva essa competência. Trata-se da capacidade de ler, produzir e interpretar os diferentes textos que circulam em nossa sociedade. Já tivemos a oportunidade de discutir que texto é um todo significativo e que, diferentemente do que se entendia, qualquer forma de comunicação é um texto, desde um olhar até folhas e folhas escritas. Lauria (2002) afirma que para o desenvolvimento dessa competência há que se considerar: capacidade de ler, interpretar e produzir textos, considerando-se as diferentes linguagens: verbal, não verbal; capacidade de detectar a temática envolvida no texto; capacidade de ler, interpretar e produzir textos, considerando os diferentes gêneros textuais; capacidade de entender o diálogo entre os textos; capacidade de produzir textos de acordo com a situação comunicativa em que se encontra; capacidade de adequar sua fala ao seu interlocutor. Competência Gramatical Várias vezes, assinalamos que a gramática deve ser ensinada, mas não da forma convencional: dar o ponto na lousa, mas deve-se partir da língua em uso. Para o ensino de gramática faz-se necessário: compreender as duas modalidades da língua: oral e escrita; compreender os diferentes usos da língua: formal e informal; compreender as adequações de uso da gramática, considerando-se a situação comunicativa; compreender a língua como organismo vivo, sujeita, portanto, a variações; refletir sobre os usos gramaticais. Embora tenhamos separado as três competências, elas não se dissociam, mas devem ser trabalhadas conjuntamente. Como sugestão de trabalho, introduzimos o texto abaixo. UNIDADE 11 - TEXTOS E SUAS COMPETÊNCIAS CONHECENDO A PROPOSTA DA UNIDADE Objetivos: Explicitar as competências textuais. Já abordamos em ocasiões passadas que o discurso (suporte abstrato que sustenta os vários textos que circulam na sociedade) é a materialização da ideologia. (formações ideológicas e Formações discursivas). O texto, por sua vez, é a materialização dos discursos proferidos nas diferentes situações comunicativas em que se encontra o falante. Além disso, como estudamos em Linguística Textual, o texto é a unidade maior de estudo da língua e contribuem para a criação de competências e habilidades específicas. Entre elas, citamos: -reconhecer, produzir, compreender e avaliar a produção textual; - interferir em determinadas produções, de acordo com certas intenções; - incluir determinado texto em um certo gênero. Trata-se de reconhecer se se trata de um poema, de uma crônica, de um conto. ESTUDANDO E REFLETINDO O desenvolvimento das três competências: interativa, gramatical e textual não se dá isoladamente, mas pressupõe um processo de realimentação constante, conforme Paris, 2002, p: 59: - a leitura de textos literários, opinativos, publicitários, entre outros, pressupõe a mobilização de conhecimentos lingüísticos de que o aluno dispõe; - a produção de textos orais e escritos no interior de um projeto de trabalho requer, também, o exercício da competência interativa, uma vez estabelecidos grupos de trabalho que devem apresentar produtos finais de seu processo de aprendizagem. Conceitos e competências gerais a serem desenvolvidas Representação e comunicação Conceitos: 1- Linguagens: Verbal e não verbal É preciso deixar claro que o ensino de Língua Portuguesa não deve se restringir ao uso da linguagem verbal, mas outros tipos de linguagem devem ser igualmente explorados, afinal, os PCNs são claros ao afirmarem a necessidade de desenvolverem no aluno competências e habilidades no domínio com as diferentes linguagens. O que pode ser feito? É possível, por exemplo, a comparação de Vidas Secas com imagens de Portinari: “O Retirante”, conforme Lauria (2002). 2- Denotação e Conotação Denotação- vínculo direto de significação, relação significativa objetiva entre referência e conceito. Conotação: conjunto de alterações ou ampliações que uma palavra agrega ao seu sentido denotado. Na atividade escolar a aproximação de textos jornalísticos mais objetivos com textos literários mais subjetivos exige a ativação desses conceitos. Torna-se um exercício bastante produtivo a transformação de um texto jornalístico (classificados, notícias) em literário ou vice-versa. Outra forma de abordagem refere-se ao fato de a linguagem poética servir-se de textos jornalísticos ou científicos, como o caso de "Tragédia Brasileira" (Manuel Bandeira) e o poema de João Paulo Paes. Tragédia Brasileira Misael, funcionário da Fazenda, com 63 anos de idade. Conheceu Maria Elvira na Lapa — prostituída, com sífilis, dermite nos dedos, uma aliança empenhada e os dentes em petição de miséria. Misael tirou Maria Elvira da vida, instalou- a num sobrado no Estácio, pagou médico, dentista, manicura... Dava tudo quanto ela queria. Quando Maria Elvira se apanhou de boca bonita, arranjou logo um namorado. Misael não queria escândalo. Podia dar uma surra, um tiro, uma facada. Não fez nada disso: mudou de casa. Viveram três anos assim. Toda vez que Maria Elvira arranjava namorado, Misael mudava de casa. Os amantes moraram no Estácio, Rocha, Catete, Rua General Pedra, Olaria, Ramos, Bonsucesso, Vila Isabel, Rua Marquês de Sapucaí, Niterói, Encantado, Rua Clapp, outra vez no Estácio, Todos os Santos, Catumbi, Lavradio, Boca do Mato, Inválidos... Por fim na Rua da Constituição, onde Misael, privado de sentidos e de inteligência, matou-a com seis tiros, e a polícia foi encontrá-la caída em decúbito dorsal, vestida de organdi azul. Manuel Bandeira. O texto acima, sem dúvida, pode ter sido baseado em uma notícia de jornal. No entanto, há evidências de tratar-se de um texto literário. Dentre elas, merecem destaque o emprego de reticências Misael tirou Maria Elvira da vida, instalou-a num sobrado no Estácio, pagou médico, dentista, manicura..., cujo efeito de sentido é indicar que ela traiu Misael inúmeras vezes. Ao final dos locais, mais uma vez, o emprego das reticências, significando a possibilidade de existência de outros lugares. Há várias maneiras de trabalho com esse texto, uma delas é solicitar que os alunos, a partir do texto acima, a partir das informações nele contidas, escrevam uma notícia de jornal. Observe, agora, o texto, de João Paulo Paes, abaixo. O exame do texto acima revela-nos o emprego da linguagem denotativa, pois se trata de uma placa do DETRAN, em que se constata que o ingresso ao Bairro Liberdade, de São Paulo está interditado. No entanto, o poeta apossou-se dessa placa de trânsito e, por meio de uma foto, introduziu-a em um livro de poesia. Ora, em se mudando o lugar de veiculação: de uma rua para um livro de poesia, o sentido das palavras já não é o mesmo. Dessa maneira, a linguagem do texto já não é mais denotativa, mas conotativa. Assim, Liberdade deixa de ser um bairro paulistano, uma figura, um elemento concreto persente no mundo natural e passa a ser um tema, um conceito. Além do lugar de produção que propicia a leitura do texto como literário, há que se considerar, também. O momento histórico social em que o texto foi proibido: censura decorrente do regime militar. Assim, liberdade diz respeito à interdição de expressão. Gramática Segundo Lauria (2002), O conceito de gramáticarefere-se a um conjunto de regras que http://3.bp.blogspot.com/-5MTDhQCiOuA/T3nxac0JPqI/AAAAAAAAAAM/pNk6XnKJQkk/s1600/liberdade.jpg sustentam o sistema de qualquer língua. Na fala fazemos uso de um conhecimento linguístico internalizado, que independe de aprendizagem escolarizada e que resulta na oralidade. Na escrita, também utilizamos esse conhecimento, mas necessitamos de outros subsídios linguísticos fornecidos pelo letramento (conjunto de práticas que denotam a capacidade de uso de diferentes tipos de material (escrito). (LAURIA, 2002, p. 60). O domínio desse conceito, segundo Lauria (2002), pressupõe: a) Na fala ou na escrita, é fundamental que se considere a situação de produção que é alicerçada pelo conhecimento gramatical (morfológico, sintático, semântico) de cada pessoa; b) Compreender que o aceitável na linguagem coloquial pode não sê-lo na linguagem padrão ou culta; c) Abordar os diversos graus de formalidade das situações de interação; d) Compreender as especificidades das modalidades oral e escrita. 3- Texto Como devemos abordar os textos? Como ponto de partida, sugere-se: - Consideração dos diversos aspectos implicados em sua estruturação: O que o texto diz? Como o texto diz o que diz? Por que o texto diz o que diz? Se o professor consegue fazer com que os alunos responda aos questionamentos acima, certamente, tornou-os aptos ao entendimento textual. Assim, responder ao que o texto diz, implica reconhecer a temática nele abordada; responder a como o texto diz o que diz significa detectar todos os recursos empregados pelo produtor textual, inclusive, delimitar o gênero textual a que o texto pertence; finalmente, o último questionamento diz respeito ao momento histórico e social que deu origem ao texto. BUSCANDO CONHECIMENTO Interlocução, significação As diversas situações de interlocução possibilitam que os falantes produzam enunciados com diferentes intenções, que, na situação, produzem diferentes sentidos. É preciso diferenciar significação e sentido. Significação é o conceito da palavra e dos enunciados fixado no dicionário. Sentido refere-se ao uso de palavras e enunciados em situações concretas de uso. Nesta perspectiva, o enunciado dito à empregada por uma patroa do tipo: “O latão de lixo está cheio”, deixa de ser uma mera informação e passa a ter o sentido de uma ordem: “Coloque o lixo na rua”, por exemplo. Lauria (2002) assinala que cabe ao professor propor situações que incentivem a produção de textos orais ou escritos, nas quais se considerem: - um público ouvinte ou um leitor específico; - a situação de produção em que se encontram os interlocutores; - as intenções dos produtores. Protagonismo Para Lauria (2002), o aluno não pode ser considerado um sujeito passivo, mas deve ser entendido e visto como um sujeito da própria aprendizagem. Situações podem ativar o protagonismo: - na produção de um texto opinativo sobre uma situação problema, o aluno deve elaborar propostas articuladas com a sua visão de mundo, usando argumentos que a sustentem; - na produção de um texto narrativo, o aluno deve ser incentivado a colocar-se na situação de quem reconta um fato ocorrido com ele. Competências e Habilidades Os conceitos acima estruturam conteúdos que mobilizam as seguintes competências, segundo Lauria (2002), são: 1- Utilizar linguagens nos três níveis de competência: interativa, gramatical e textual. Ser falante pressupõe: a) a utilização da linguagem na interação com pessoas e situações envolvendo: - desenvolvimento da argumentação oral por meio de gêneros como o debate regrado; - domínio progressivo das situações de interlocução, a partir do gênero entrevista; b) conhecimento das articulações que regem o sistema lingüístico, tais como: - conexão - coesão - mecanismos enunciativos Ler e interpretar Ser leitor pressupõe domínios: a) Do código verbal e não verbal; b) Dos mecanismos de articulação dos elementos que produzem sentido c) Do contexto em que se insere esse todo. d) A competência de ler e interpretar pode ser desenvolvida com atividades como: antecipação e inferência, título e índices, elementos da narrativa, efeitos de sentido, estilo. Ser protagonista na produção e recepção de texto Correspondência com colegas e com membros da comunidade: fax, correio eletrônico, por exemplo. Aplicar tecnologias da comunicação e da informação em situações relevantes Gravação em vídeos de um debate, com vistas à análise crítica da expressão oral, da consistência dos argumentos que sustentam as opiniões, da postura corporal dos participantes. Navegação pela internet. (LAURIA, 2002, p. 62). OUTRAS REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BAKHTIN, Mikhail. Marxismo e filosofia da linguagem. São Paulo: Hucitec, 1979. BASTOS, Lúcia Kopschitz; MATTOS, Maria Lúcia de. A produção escrita e a gramática. 2.ed. São Paulo: Martins Fontes, 1992. BRITO, Eliana Vianna. Estratégias de leitura: a formação do leitor no ensino fundamental. In: _____ (Org.). PCNs de Língua Portuguesa: a prática em sala de aula. São Paulo: Arte & Ciência, 2001.p.46-8. GERALDI, João Wanderley (Org.). O texto na sala de aula. 3. ed. (8. reimpr.). São Paulo: Ática, 2004. KLEIMAN, Ângela. Oficina de leitura: teoria e prática. 8. ed. Campinas, SP: Pontes, 2001. LAURIA, Maria Paula. Linguagens, códigos e suas tecnologias. Brasília: MEC; SEMTEC, 2002. (PCN + Ensino Médio: Orientações Educacionais Complementares aos Parâmetros Curriculares Nacionais). POSSENTI, Sírio. Sobre o ensino de português na escola. In: GERALDI, João Wanderley (Org.). O texto na sala de aula. 3. ed. São Paulo: Ática, 2004.p.32-38. TRAVAGLIA, Luiz Carlos. Gramática e interação: uma proposta para o ensino de gramática no 1º e 2º graus. São Paulo: Cortez, 1996. Capa Material Metodologia de Ensino de Língua Portuguesa Capa