Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
33 Nesses espaços, aquele que se interessa em aprender algo (aprendiz) tem a possibilidade de escolher o assunto objeto do conhecimento de que necessita, estipulando o seu roteiro, horários e formatos a aprender, muitas vezes sem a mediação de um terceiro. 5 ENSINO E APRENDIZAGEM: DOIS PROCESSOS BÁSICOS DA DIDÁTICA O ensino e a aprendizagem exercem papéis centrais na didática. Eles fornecem subsídios para que o professor possa atuar em sala de aula e preparar os seus alunos para viverem numa sociedade balizada pelo aprender, não só na escola e durante a infância, mas em todos os campos sociais e ao longo de toda a vida. Entender o que é o processo de ensino e aprendizagem e como esses conceitos se encontram presentes em nosso cotidiano de professores significa perceber que seguimos alguma tendência pedagógica que vai alicerçar as nossas práticas. 5.1 O conceito de ensino O ser humano tem se dedicado a compreender como ocorre o ensino desde a Antiguidade Clássica, procurando maneiras, formatos, técnicas e métodos mais eficazes para fazer com que os conhecimentos produzidos e acumulados da cultura humana possam ser transmitidos, repassados e ensinados aos demais membros da sociedade. Piletti (2010, p. 23) reforça que “[...] o ensino e a aprendizagem são tão antigos quanto a própria humanidade”, referindo-se à necessidade de as tribos primitivas ensinarem os seus filhos a caçar e sobreviver num ambiente hostil. Fazer com que esse acúmulo de informações e conhecimentos se perpetue através do tempo passa a ser entendido, então, a partir da ideia de ensinar, ou seja, da ação de transmitir ao outro esses saberes. Daí vem a primeira característica importante sobre o ensino: ele é realizado por alguém que tem o conhecimento. Essa pessoa, partindo de um objeto que deseja ensinar, vai transmitir o que sabe a alguém. Piletti (2010, p. 26) traz o seguinte complemento: “[...] segundo o conceito etimológico, ensinar (do latim signare) é ‘colocar dentro, gravar no espírito’. De acordo com esse conceito, ensinar 34 é gravar ideias na cabeça do aluno. Nesse caso, o método de ensino é o de marcar e tomar a lição”. Assim, podemos entender, a partir dessa ideia inicial sobre o ensino visto numa perspectiva pedagógica tradicional, que ensinar segue um processo que envolve três elementos, conforme a Figura abaixo. Podemos perceber que os assuntos que envolvem o ensino para a área da educação são muito pertinentes. Com base na sua conceituação, há inúmeras problematizações possíveis. Qual é a relação existente entre o preparo técnico do professor para que ensine de forma mais eficiente? Quais as técnicas (didática) mais adequadas para ensinar determinados objetos de conhecimentos? Como são eleitos os conteúdos que serão ensinados (currículo)? O ensino que está sendo proposto tem gerado aprendizagem? Você poderá constatar que nem todos os esforços em torno do ensino, com conteúdos ricos, ambiente estimulante, boas técnicas didáticas e preparo do professor que os ministra poderão garantir que a aprendizagem ocorra. É importante destacar que considerar o ensino como algo dissociado do aprender e da aprendizagem em si remonta aos primórdios do surgimento da didática, identificada como a “arte de ensinar”. Ela propõe técnicas diversas, as quais vão facilitar a condução e o desenvolvimento das aulas pelo docente (BES, 2017). Para contribuir com esse argumento, podemos resgatar as ideias propostas por Comenius (1657) em sua obra Didáctica Magna: 35 Nós ousamos prometer uma didática magna, ou seja, uma arte universal de ensinar tudo a todos: de ensinar de modo certo, para obter resultados, de ensinar de modo fácil [...] de ensinar de modo sólido, não superficialmente, de qualquer maneira, massa para conduzir à verdadeira cultura, aos bons costumes [...] (COMENIUS, 1976, p. 13). É claro que a forma como o ensino é entendido fará com que as ações do professor levem à finalidade de ensinar. Esse conceito se reconfigura com o passar dos séculos, indo ao encontro das tendências pedagógicas (e até mesmo psicológicas) que emergem, possibilitando ao docente se posicionar e optar por aquelas com as quais mais se identifica. Ainda assim, segundo Luck (1994, p. 39), “[...] o ensino, em geral, centra-se na reprodução do conhecimento já produzido”. Damis (2010), ao estudar as transformações ocorridas na didática e as ênfases que recaem sobre o ensinar, comenta que elas seguem as mudanças apresentadas na Figura abaixo: Dessa maneira, um professor alinhado com as tendências pedagógicas liberais tradicionais, por exemplo, é visivelmente identificado como aquele que se porta como o único detentor do conhecimento. Por essa razão, ele vai transmitir os conteúdos a serem ensinados, também por considerar que os alunos não possuem conhecimento algum sobre eles. Os alunos, nesse caso, recebem o ensino de forma passiva, memorizando informações e não interagindo entre si ou com o docente. Nessa visão pedagógica tradicional, ensinar é transmitir conhecimentos. Já se o docente segue uma tendência pedagógica progressista, entenderá que, ao ensinar, deverá envolver outros elementos no processo, como as vivências e experiências do aluno sobre os conteúdos abordados, bem como a problematização 36 das realidades sociais nas quais ele se encontra envolvido. Essa maneira de posicionar-se pedagogicamente propõe que o ensino possa ser visto como uma relação horizontal entre o professor e os alunos, em que ambos podem ter conhecimento e aprender juntos. É conveniente destacar ainda que o movimento da Escola Nova, que despontou no Brasil na década de 1930, propõe algumas modificações interessantes em relação ao ensino, deslocando-o da visão pedagógica tradicional, conforme propõe Piletti (2010, p. 27): Com a Escola Nova, o eixo da questão pedagógica passa do intelecto (ensino tradicional), para o sentimento; do aspecto lógico, para o psicológico; dos conteúdos cognitivos para os métodos ou processos pedagógicos; do professor para o aluno; do esforço para o interesse; da disciplina para a espontaneidade; do diretivismo para o não-diretivismo; da quantidade para a qualidade; de uma pedagogia de inspiração filosófica centrada na ciência da lógica para uma pedagogia de inspiração experimental baseada principalmente na Biologia e na Psicologia. Como podemos perceber, as formas como o ensino é entendido pertencem a cada época histórica e seus acontecimentos. Assim, a escola também se modifica e apresenta novas maneiras de desenvolver os seus processos de ensino e aprendizagem, visando dar conta de um mundo em constante transformação. É importante perceber que as teorias produzidas por outras áreas das ciências, como a psicologia, a filosofia e a sociologia, repercutem na pedagogia, que incorpora novos conceitos sobre as maneiras como se deve ensinar e aprender, modificando as condutas docentes. Um exemplo dessas contribuições da psicologia sobre o entendimento do ensino é a definição de aprendizagem como “[...] mudança de comportamento resultante do treino ou da experiência” (GIUSTA, 2013, p. 22). Essa ideia, que surge nos trabalhos de psicólogos da corrente conhecida como behaviorismo, entre eles Skinner, Pavlov e Watson, altera a compreensão do ensino em que o professor era considerado o centro do processo, passando à percepção de outros elementos, como a experiência ou o condicionamento. Já as pesquisas desenvolvidas por Jean Piaget, com a sua epistemologia genética, propõem a ideia de que “[...] o conhecimento não procede nem da experiência única dos objetos nem de uma programação inata pré-formada no sujeito, mas de construções sucessivas com elaborações constantes de estruturas 37 novas” (PIAGET, 1976, p. 4). Da mesma maneira, as teorias de Vygotsky (1977) a respeito do processo sócio-históricoe cultural e da aprendizagem contribuem de forma significativa para os conceitos de ensino e aprendizagem, uma vez que, de acordo com esse autor: [...] a aprendizagem não é em si mesma, desenvolvimento, mas uma correta organização da aprendizagem da criança conduz ao desenvolvimento mental, ativa todo um grupo de processos de desenvolvimento, e está ativação não poderia produzir-se sem a aprendizagem. Por isso, a aprendizagem é um momento intrinsecamente necessário e universal para que se desenvolvam na criança essas características humanas não naturais, mas formadas historicamente (VYGOTSKY, 1977, p. 47). Como podemos verificar, as ideias da área da psicologia contribuem para que a pedagogia se renove e passe a entender o ensino a partir de outras lentes. 5.2 O conceito de aprendizagem Destacamos até aqui o caráter originário do ensinar, que enfatiza as ações iniciais da didática, traduzido como o ato de repassar a alguém os conhecimentos produzidos pela humanidade em todas as suas esferas: cultural, científica, religiosa ou até mesmo do senso comum. Inicialmente, o ensinar estava associado direta e exclusivamente com a figura do professor; já o aprender estava relacionado com o aluno (alvo das técnicas de ensino), devendo apropriar-se dos conhecimentos propostos. Em outras palavras, aprende-se alguma coisa quando aquilo que foi ensinado a partir de alguém é de fato apreendido e compreendido pelo aluno ou aprendiz. A partir de então, esse conhecimento passa a fazer parte do indivíduo, mudando os seus pensamentos ou a sua conduta. Pilletti (2010) comenta que existem três tipos de aprendizagem: aprendizagem motora ou motriz; 38 aprendizagem cognitiva; aprendizagem afetiva ou emocional. A aprendizagem motriz refere-se ao desenvolvimento das habilidades motoras necessárias para a vida, como andar, correr, dirigir, falar, escrever, etc. A aprendizagem cognitiva baseia-se no aprender, assimilar e interpretar todas as informações e os conhecimentos recebidos. A aprendizagem afetiva, por sua vez, envolve os sentimentos e as emoções que existem e fazem parte dos processos de ensino e aprendizagem. É importante destacar que essas aprendizagens ocorrem simultaneamente, de forma interdependente. (PILLETTI, 2010). Podemos constatar ainda que inúmeros outros fatores intervêm na aprendizagem de nossos alunos no interior da escola, conforme a Figura abaixo: Como podemos perceber, o aprender, segundo as concepções pedagógicas e psicológicas que circulam na atualidade, envolve aspectos que fogem do ambiente escolar. Por exemplo, a partir da realidade social que os alunos vivenciam, da sua estrutura de vida, da classe social que ocupam, tanto poderão ter maior dificuldade em aprender quanto ser mais favorecidos. Os aspectos nutricionais (desde a gestação) proporcionarão o desenvolvimento neuronal pleno e, assim, a capacidade para aprender ocorrerá de forma tranquila. Já crianças que tiveram uma nutrição precária na gestação e na infância poderão apresentar maiores dificuldades de aprendizagem. O ambiente familiar no qual a criança passa a viver a sua infância e a sua escolarização inicial também afeta a maneira como aprende. Pais ou responsáveis que se preocupam com um ambiente harmônico, não violento e pautado no diálogo, 39 por exemplo, produzem melhores condições psicológicas para que essa criança possa aprender em casa e na escola. Da mesma forma, crianças que vivenciaram ambientes familiares agressivos e violentos tendem a ter maiores dificuldades no aprender. Os aspectos culturais, e até mesmo étnicos que envolvem as experiências e vivências nos grupos sociais que as crianças participam desde o seu nascimento também serão importantes para que possam desenvolver a sua visão de mundo e valorizar ou não o aprender escolar. Nesse sentido, a didática utilizada pelo professor e os estímulos que este adota para ensinar vão motivar e interferir diretamente na aprendizagem de seus alunos. Podemos admitir uma relação muito estreita entre a motivação para aprender ou o interesse pela aprendizagem com a maneira como o professor procura planejar e desenvolver as suas aulas. Segundo Brousseau (apud ALMOULOUD, 2007, p. 31): Um processo de aprendizagem pode ser caracterizado de modo geral (se não determinado) por um conjunto de situações identificáveis (naturais ou didáticas) reprodutíveis, conduzindo frequentemente à modificação de comportamentos de alunos, modificação característica da aquisição de um determinado conjunto de conhecimentos. O autor entende que há outras situações, além das didáticas, que poderão proporcionar a aprendizagem e aponta algo muito importante, que atesta que algo foi aprendido: a mudança de comportamento. Logo, se você quiser verificar se algum conteúdo ou conhecimento foi aprendido pelos seus alunos, também precisará pensar em um formato de avaliação que permita visualizar se o comportamento anterior se alterou ou não. Veja um exemplo bem típico das instituições de ensino da atualidade: as ações educacionais que procuram evitar o preconceito, a discriminação ou o bullying no interior das escolas. O professor prepara-se para essa atividade e planeja as mais diversas ações e metodologias que possam conduzir ao objetivo de acabar com tais situações na escola. Após colocá-las em prática com o seu grupo de alunos, vai verificar se estes aprenderam o que foi proposto a partir da modificação de suas condutas em relação ao tema. Se as ações continuarem apontando atitudes preconceituosas e discriminatórias ou o próprio bullying, é provável que a aprendizagem não tenha ocorrido a todos como deveria, pois não atingiu os seus objetivos iniciais. 40 Logo, podemos perceber que desenvolver a aprendizagem não é tarefa simples, uma vez que: [...] aprendizagem não é somente um processo de aquisição de conhecimentos, conteúdos ou informações. As informações são importantes, mas precisam passar por um processamento muito complexo, a fim de se tornarem significativos para a vida das pessoas (PILETTI, 2010, p. 29). É nesse processamento complexo citado pelo autor que se encontram as capacidades individuais e as questões afetivas e motoras existentes naquele que aprende. A aprendizagem também tem sido muito enfatizada na atualidade, uma vez que vivemos numa sociedade que se encontra com grande profusão de informações advindas do universo digital e que contribui para que o seu conceito se reconfigure. Embora seja contestável que as informações disponíveis na internet possam sempre traduzir-se em qualidade de aprendizagem, ainda assim sabe-se que é possível aprender de forma autônoma a partir da rede. Essas possibilidades de aprendizagem que surgiram a partir da globalização e das novas formas de comunicação também modificam o papel do professor nas instituições de ensino: é visto agora como mediador do conhecimento. Conforme Moran (1997, p. 151): [...] precisamos de mediadores, de pessoas que saibam escolher o que é mais importante para cada um de nós em todas as áreas da nossa vida, que garimpem o essencial, que nos orientem sobre as suas consequências, que traduzam os dados técnicos em linguagem acessível e contextualizada. Das novas associações que falam da aprendizagem, relacionando-a com a sociedade da informação ou com a sociedade aprendente atual, fica a ideia de que esse conceito é visto como algo novo, quase que incontrolável em relação aos seus resultados finais. Da mesma forma, a aprendizagem via internet, por meio da intertextualidade proposta pelos hipertextos, com suas camadas de informações sobrepostas e complementares, produz um novo modo de aprender, mais dinâmico e instável. Dessa forma, podemos entender que, na atualidade, o: [...] aprender não pode aludir, nunca, a uma tarefa completa, a um procedimento acabado ou a uma pretensãototalmente realizada; ao contrário, indica vivamente, à dinâmica da realidade complexa, a finitude das soluções e a incompletude do conhecimento (DEMO, 2000, p. 49). 41 5.3 Os quatro pilares da educação e o ensino e a aprendizagem As questões que envolvem a educação e, consequentemente, os aspectos relacionados ao ensino e à aprendizagem têm um destaque muito grande no mundo inteiro na contemporaneidade, sobretudo pelos aspectos relacionados a uma sociedade que passa de pautada na informação para aprendente fenômeno verificado principalmente nas últimas décadas. Assmann (1998) faz uma interessante constatação ao analisar que, com a universalização da internet e das tecnologias da informação e comunicação, que caracterizam a chamada sociedade da informação, tivemos uma mudança radical nas questões de tempo/espaço. Isso também altera as exigências no mercado de trabalho, principalmente nos aspectos relacionados a uma maior formação/qualificação e flexibilidade por parte dos colaboradores que atuam nas empresas globais. Dessa forma, percebemos que a denominada sociedade aprendente surgiu nos ambientes organizacionais e, posteriormente, deslocou-se para as escolas, que mudaram as suas ênfases também para a aprendizagem. Para darmos apenas um pequeno exemplo dessa argumentação, em 1990, Peter Senge lançava o seu livro A Quinta Disciplina, que se tornou um best seller seguido e praticado em muitas das grandes organizações públicas e privadas mundiais. Ele argumenta: Muitos se referem às organizações emergentes como “organizações baseadas no conhecimento” ou como “organizações que aprendem”: organizações inerentemente mais flexíveis, adaptáveis e mais capazes de constantemente “reinventarem-se”. Tais organizações terão por base a crença de que, em um mundo de mudanças cada vez mais aceleradas e crescente interdependência (…) a fonte básica de toda vantagem competitiva está na capacidade de aprender mais rápido do que seus concorrentes (SENGE, 2002, p. 12, grifo nosso). 42 Como podemos verificar, alguns fatores econômicos, políticos e sociais contribuem para essa mudança de ênfase. O aprender ganha destaque e a aprendizagem passa a ser entendida como algo que deva ser realizado pela vida toda. Preocupada em propor condições universais para equilibrar as questões que envolvem a educação da população global, a UNESCO braço da Organização das Nações Unidas (ONU) relativo aos cuidados com a educação lançou, em 1996, o Relatório da Comissão Internacional da Educação para o Século XXI, intitulado Um Tesouro a Descobrir. Esse documento aponta os quatro pilares sobre os quais a educação deverá se pautar (Figura abaixo). Esses pilares vão se relacionar diretamente às questões que envolvem o ensino e principalmente aquilo que deve ser aprendido nas escolas dos sistemas de ensino das nações que fazem parte da ONU. Segundo as próprias palavras do documento, dentro de um mundo que se encontra imerso em tantos infortúnios, violências e desigualdades sociais, e que busca ser coeso e global, é coerente entender que: [...] o indivíduo deve dispor de todos os elementos de uma educação básica de qualidade; melhor ainda, é desejável que a escola venha a incrementar, cada vez mais, o gosto e prazer de aprender, a capacidade de aprender a aprender, além da curiosidade intelectual (UNESCO, 2010, p. 12). 43 Em essência, como a sociedade torna-se mais dinâmica e suscetível a mudanças, e para que se alcance o objetivo de um mundo sustentável no futuro, “[...] é imperativo impor o conceito de educação ao longo da vida com suas vantagens de flexibilidade, diversidade e acessibilidade no tempo e no espaço” (UNESCO, 2010, p. 12). Como podemos perceber, a busca pelo aprender está sendo enfatizada e reforçada, e o relatório propõe ainda que essa educação e essas aprendizagens ocorram não somente durante a vida escolar, mas por toda a extensão da vida, de forma permanente. Conheça os quatro pilares da educação e como se articulam com as questões do processo de ensino e aprendizagem, conforme apresentado no documento da UNESCO (2010). Aprender a conhecer: é necessário que os indivíduos tenham acesso e aprendam sobre determinada cultura geral, sobre uma base cultural relacionada a tudo o que foi desenvolvido nos aspectos científicos. Esses conhecimentos devem ser suficientemente amplos, fornecendo capacidade intelectual e permitindo que essas pessoas possam ter condições de selecionar os que mais lhe interessar e, assim, planejar seus estudos no decorrer da vida. Aqui percebemos que a escolarização inicial é de importância fundamental, pois pelo sucesso no alcance de seus objetivos educacionais, estará proporcionando que os seus alunos adquiram essa base de conhecimentos que darão suporte às suas aprendizagens posteriores. Aqui cabe ressaltar que vivemos na atualidade a emergência de uma Base Nacional Comum Curricular, construída a partir de um esforço do Ministério da Educação e com a participação popular, que propõe um nivelamento de conteúdos a serem adquiridos por todos os que frequentam as escolas brasileiras. Aprender a fazer: esse item refere-se especificamente à aquisição de uma profissão, a aprender competências que qualifiquem o indivíduo para as imprevisibilidades do mercado de trabalho. Propõe-se ainda a desenvolver, dentro da escola, o trabalho em equipe, por meio de processos de ensino e aprendizagem que simulem, testem e aproximem a escola dos ambientes de trabalho encontrados pelos estudantes ao se tornarem trabalhadores. Percebemos esse pilar no interior de muitas escolas que procuram projetar situações empresariais aos alunos e desenvolver as suas competências para exercer algumas atribuições específicas. Da mesma maneira, as dinâmicas de trabalhos em equipe e grupos, o desenvolvimento 44 de lideranças, o empreendedorismo e as habilidades voltadas para a comunicação, inteligência emocional e relacionamento interpessoal, tão valorizadas no mercado de trabalho, têm feito parte importante dos projetos educacionais atuais em muitas das escolas de nosso sistema de ensino. Aprender a conviver: esse pilar vai destacar o quanto o respeito pelo outro é necessário e deve ser constante nos processos de ensino e aprendizagem da escola. Propõe que se conheçam a história, as tradições e até mesmo as questões espirituais que fazem parte da vida dos diversos grupos culturais que convivem na sociedade. Visa-se assim uma convivência social menos conflituosa. Podemos entender, a partir desse pilar, como os temas que envolvem o multiculturalismo, a diversidade e a própria inclusão escolar vão fazendo parte dos projetos de trabalho realizados nas escolas na última década, buscando construir uma sociedade mais tolerante e pacífica. Aprender a ser: esse pilar reforça os compromissos individuais que possuímos em nos tornarmos melhores, no desenvolvimento pleno de nossas capacidades, visando o benefício da coletividade. Aqui são apontadas algumas das capacidades necessárias: “[...] a memória, o raciocínio, a imaginação, as capacidades físicas, o sentido estético, a facilidade de comunicar-se com os outros” (UNESCO, 2010, p. 14). Também aponta a necessidade de autoconhecimento. Partindo desse pilar, ao frequentar a escola, os alunos devem conseguir expandir ao máximo as suas habilidades ou os seus talentos, como refere o documento, pois assim também estarão contribuindo para uma sociedade melhor no futuro. Como você pode ver, ao abordar os quatro pilares da educação propostos no relatório da UNESCO, as questões relacionadas à educação escolar em nível global são cada vez mais importantes. Entende-se que, a partir delas, será possível a construção de um projeto de sociedade capaz de viver em harmonia e enfrentar os seus problemas, as desigualdadese os conflitos de forma sustentável. Para isso, é preciso que se aprenda na escola a ser o melhor que puder, que se adquiram capacidades ou competências profissionais e que se entenda a importância do convívio com os seus semelhantes. Além disso, é necessário ter o conhecimento cultural produzido pela sociedade que o capacite a viver e projetar novos estudos de seu interesse no futuro, uma vez que a educação será a sua acompanhante durante toda a vida. 45 5.4 As abordagens metodológicas e os métodos no processo de ensino- aprendizagem Dada uma determinada concepção metodológica, teremos então os métodos e estratégias de ensino coerentes com os fundamentos que orientam tal concepção. Segundo Araújo (2015), a análise etimológica da palavra método, advém do grego, e compõe-se da junção dos termos metá (que significa além de, em seguida) e de hodós (caminho). Assim, a origem da expressão já nos fornece alguns indicativos dos seus sentidos. Os métodos são, portanto, os caminhos, as técnicas, os meios escolhidos e definidos pelo professor para se atingir os objetivos. A ideia de método como um caminho nos ajuda a compreender que sempre há uma direção escolhida, ou seja, os métodos guardam em si escolhas, pressupostos teórico-metodológicos e, por isso, não podem ser compreendidos apenas como técnicas e procedimentos neutros. Nessa esteira, Libâneo (2013, p. 166) afirma: Os métodos de ensino não se reduzem a quaisquer medidas, procedimentos e técnicas. Eles decorrem de uma concepção de sociedade, da natureza da atividade prática humana no mundo, do processo de conhecimento e, particularmente, da compreensão da prática educativa numa determinada sociedade. Nesse sentido, antes de se constituírem em passos, medidas, e procedimentos, os métodos de ensino se fundamentam em um método de reflexão e ação sobre a realidade educacional, sobre a lógica interna e as relações entre os objetos, fatos e problemas dos conteúdos de ensino, de modo a vincular a todo momento o processo de conhecimento e a atividade prática humana no mundo. Os métodos de ensino derivam da conjunção entre conteúdo, objetivo e pressupostos pedagógico-didáticos e é baseada nessa tríade que o método é elaborado. 46 Os objetivos de aprendizagem não ocorrem naturalmente. Eles requerem uma ação programada, uma sequência de ações planejadas, um meio ou um método adequado para alcançá-los. Os métodos de ensino dependem, portanto, dos objetivos construídos. Pode-se constatar, então, a relação de interdependência entre conteúdo, objetivo e método. Os “[...] métodos [...] são as formas pelas quais os objetivos e conteúdos se manifestam no processo de ensino” (LIBÂNEO, 2013, p. 169). Buscou-se mostrar até aqui que o método é uma das dimensões contidas no processo de ensino-aprendizagem, inserido em uma dada metodologia e construído a partir de determinadas concepções pedagógico-didáticas. Ademais, o método ganha sentido, se tomado conjuntamente com os conteúdos e, especialmente, com os objetivos de ensino. Tendo em vista todos esses elementos em jogo é possível afirmar que o método de ensino de um professor é sempre algo em construção, ou seja, o professor, como intelectual criativo, arquiteta o seu método e constrói estratégias diante de uma determinada realidade escolar. Desta forma, ainda que 47 possamos compartilhar experiências e modelos, há sempre um trabalho a ser feito pelo professor e, nesse sentido, as metodologias são sempre, em alguma medida, inacabadas. Há riscos diversos em pretender encaixar hermeticamente uma determinada proposta metodológica em outros contextos. Entretanto, como profissionais em formação constante, diante de um contexto social e cultural que mudam constantemente, em contextos escolares sempre desafiadores, conhecer, discutir e compreender métodos diversos são sempre tarefas relevantes. Diferentes autores agrupam e nomeiam de formas variadas os métodos de ensino. Libâneo (2013), por exemplo, apresenta o que ele denomina de métodos gerais de ensino, que podem ser utilizados em diferentes perspectivas pedagógico-didáticas, ajustando-se aos objetivos propostos. Veja a seguir. 1. Método de exposição pelo professor ou método expositivo – este método é centrado na ação do professor, que explica e demonstra, em geral, de forma verbal os conhecimentos. No método expositivo, o aluno assume uma postura mais receptiva, que não significa necessariamente ser passiva. É importante salientar que, embora este método receba críticas por presumir pouca participação do aluno, a exposição verbal e sistemática dos conhecimentos é um recurso importante e valioso para a assimilação e compreensão de alguns conteúdos. O desafio aqui é não o utilizar como único método de ensino-aprendizagem pois, como em qualquer outro, há possibilidades e limites em sua utilização. 2. Método de trabalho independente ou método de trabalho individual – conforme o próprio nome sugere, a estratégia central neste método é que o aluno realize de maneira individual e independente algumas tarefas, que podem se apresentam de inúmeras formas, mobilizando diferentes aprendizagens. Podem ser tarefas de aplicação de conteúdos, estudos dirigidos, resolução de problemas, leituras, produção escrita individual, etc. A aplicação desse método ao longo das aulas é um importante recurso para acompanhar a aprendizagem dos alunos. 3. Método de elaboração conjunta ou coletiva – neste método, pressupõe- -se a interação e participação de professores e alunos na elaboração dos conhecimentos e realização das tarefas. Ele pode se dar, por exemplo, por meio de uma conversa ou uma exposição dialogada em que, de maneira conjunta, serão construídas hipóteses e conclusões. Ou, por exemplo, durante a elaboração de textos coletivos, na qual há a participação e intervenção ativa dos alunos e do 48 professor. O funcionamento deste método se dá, sobretudo, por meio de perguntas, instigações e provocações que o professor faz à turma. 4. Método de trabalho em grupo – prevê a realização e elaboração coletiva de tarefas entre grupos de alunos. A proposta intenta construir o conhecimento em colaboração com o outro, promovendo trocas, escuta, diálogo, divisão de tarefas e coordenação de atividades. O trabalho em grupo pode assumir inúmeros formatos: um projeto de pesquisa, um debate, a simulação de um júri, organização de um teatro ou apresentação de trabalhos. É importante, independente das modalidades, que sejam acompanhadas e orientadas por um plano de trabalho, com objetivos claros e construção de um relatório com uma síntese das aprendizagens construídas. 5. Atividades especiais – envolvem, de maneira geral, uma estrutura ou recursos especiais que não são comumente encontrados no espaço limitado de uma sala de aula. Envolvem desde recursos diferenciados (vídeos, materiais, etc.) a espaços que ultrapassam, em alguns casos, os muros da escola, como, por exemplo, as atividades exploratórias extraclasse, experimentos em laboratórios, visitas a museus, cinemas, entre outros espaços. Além dos métodos mais gerais, como denomina Libâneo (2013), que podem ser adaptados às diferentes perspectivas metodológicas, há metodologias que se apresentam de maneira mais delineada, com pressupostos bastante explicitados em que há tipificação de atividades, sequenciamento de etapas e métodos específicos. Por exemplo, se nos voltarmos às experiências de alfabetização, há inúmeras metodologias e métodos desenvolvidos, específicos a essa modalidade, que envolvem pressupostos teóricos distintos sobre o processo de ensino-aprendizagem da língua materna. Há, para isso, diversos conhecimentos produzidos e uma literatura especializada para discutir essas questões. Com alguma frequência, surgem novos materiais dispostos a apresentar novas metodologias e métodos mais geraisaos professores. Ao longo dos últimos anos, as metodologias ativas têm ganhado grande notoriedade no cenário da didática. Convém lembrar que as metodologias ativas em si não se tratam de fato novo no cenário educacional, e possuem suas raízes na pedagogia da escola nova e, especialmente, nas formulações de John Dewey, como vimos na parte inicial deste capítulo. 49 Nesta concepção há um deslocamento da perspectiva do docente para o estudante, que passa a ocupar o centro do processo de ensino-aprendizagem, contrapondo-se à abordagem tradicional, centrada no professor. Assim, alunos passam a assumir um papel ativo na aprendizagem, com “[...] suas experiências, saberes e opiniões valorizadas como ponto de partida para construção do conhecimento” (DIESEL, BALDEZ, MARTINS, 2017, p. 270). As metodologias ativas buscam estimular a autoaprendizagem, envolvendo os estudantes em pesquisas, reflexões, tomadas de decisão e outras estratégias que promovam o seu desenvolvimento autônomo, como preconizavam os autores do movimento escolanovista. Os defensores das metodologias ativas apoiam-se ainda nas contribuições advindas da neurociência, conforme sinaliza Bacich e Moran (2018, p. 3): A aprendizagem é ativa e significativa quando avançamos em espiral, de níveis mais simples para mais complexos de conhecimento e competência em todas as dimensões da vida. Esses avanços realizam-se por diversas trilhas com movimentos, tempos e desenhos diferentes, que se integram como mosaicos dinâmicos, com diversas ênfases, cores e sínteses, frutos das interações pessoais, sociais e culturais em que estamos inseridos. [...]. As pesquisas atuais da neurociência comprovam que o processo de aprendizagem é único e diferente para cada ser humano, e que cada pessoa aprende o que é mais relevante e o que faz sentido para si, o que gera conexões cognitivas e emocionais. Ainda que as fundações dessas correntes metodológicas não sejam necessariamente todas recentes, a novidade em questão é que diversos estudiosos têm aprofundado o estudo de métodos e técnicas que se inscrevem nessa perspectiva, oferecendo aos professores um acervo em expansão de práticas de metodologias ativas. A visibilidade dessas metodologias também decorre do fato de que o método ativo tem sido amplamente divulgado em universidades estrangeiras, que têm recriado propostas e incorporando, sobretudo, contribuições e inovações oportunizadas pelas TICs. Tudo isso produz um grande apelo (comercial, inclusive) pela aplicação desses métodos nos diversos níveis da docência, causando um primeiro e maior impacto em instituições privadas e na docência do ensino superior, de modo especial. 50 Inseridas no amplo espectro das metodologias ativas, há uma série de métodos específicos à disposição dos professores, para que eles possam combinar as estratégias conforme a necessidade e interesse do grupo. Já mais conhecida pelos educadores, a metodologias de projetos, tem sido reconhecida amplamente como uma importante prática ativa. Nesta metodologia de ensino-aprendizagem os alunos se envolvem com tarefas e desafios para resolver um problema ou aprofundar um assunto de interesse dos estudantes. Hernández (1998), um dos estudiosos contemporâneos da metodologia de projetos, que também possui suas origens no pensamento de John Dewey, argumenta que esta abordagem, além de reunir diversos procedimentos capazes de mobilizar ativamente os alunos, também permite o trabalho interdisciplinar. Segundo ele, a metodologia de projetos promove: 1) o tratamento da informação 2) a relação entre os diferentes conteúdos em torno de problemas ou hipóteses que facilitem aos alunos a construção de seus conhecimentos, a transformação da informação procedente dos diferentes saberes disciplinares em conhecimento próprio (HERNÁNDEZ, 1998, p. 37). Na metodologia de projetos e nas demais estratégias apresentadas, o aluno é corresponsável e protagonista do processo de construção do conhecimento, porém, em todas elas, o papel do professor segue sendo primordial. Como vimos, o professor é o sujeito responsável que fará a conexão entre os conteúdos, os 51 objetivos e as concepções pedagógico-didáticas, processos fundamentais para que vislumbrem os meios a seguir. Ademais, é novamente importante reforçar que sejam quais forem as opções metodológicas escolhidas pelo professor, há ainda um longo trabalho criativo e intelectual a ser feito, adequando as práticas pedagógicas ao contexto de cada realidade escolar. Antes de encerrarmos este capítulo, é importante levantarmos algumas questões sobre a relação entre os recursos materiais e as metodologias. 5.5 Metodologias e recursos materiais: as contribuições das TIC’s Como foi argumentado ao longo do texto, há diversos caminhos possíveis para um professor assentar a sua metodologia. O uso de recursos materiais, sobretudo tecnológicos, pode, sem dúvida, agregar muito neste processo. Porém, conforme bem nos lembram Diesel, Baldez e Martins (2017, p. 284), “Percebe-se que a utilização de novos recursos tecnológicos durante as aulas não altera esse cenário de insatisfação coletiva, posto que, sozinha, a tecnologia não garante aprendizagem, tampouco transpõe velhos paradigmas”. Assim, não restam dúvidas de que inundar a aula de recursos de tecnologia e informação não asseguram o funcionamento, tampouco o sucesso de metodologias, sejam quais forem as abordagens utilizadas. Entretanto, também é amplamente reconhecido que a geração atual de estudantes, seja ela oriunda de classes favorecidas ou não, é permeada, com maior ou menor intensidade, por formas diversas de tecnologias. É fato considerado raro uma sala de aula em que professores não precisem conviver e disputar a atenção com smartphones e outros dispositivos eletrônicos. Conhecer essas tecnologias e utilizá-las em favor da aprendizagem, torna-se cada vez mais necessário. Neste sentido, Candau (2015, p. 331) afirma: O impacto das tecnologias da informação e da comunicação sobre os processos de ensino–aprendizagem obriga a buscar novas estratégias pedagógicas. Os sujeitos da educação, crianças e adolescentes, apresentam configurações identitárias e subjetividades fluidas que escapam à compreensão dos educadores/as. Assim, conhecer e dominar gradativamente as TICs é uma tarefa central para os professores de quaisquer segmentos. Não se trata apenas de deixar a aula mais 52 atrativa e dinâmica, mas, sobretudo, de conhecer e dominar o potencial que essas ferramentas trazem consigo de promover mais aprendizagem. Além disso, é igualmente relevante promover estudos e reflexões sobre o uso e a presença das TICs na vida dos estudantes. Tendo em vista as incontáveis e distintas realidades que temos, não é possível apontar uma listagem de sites, aplicativos ou softwares, ferramentas tecnológicas ou dispositivos eletrônicos que possam ser úteis e estejam disponíveis a todos docentes. Uma rápida consulta em sites de busca e localiza-se facilmente inúmeras sugestões que podem deixar as aulas mais interativas, aproximando as relações e tornando-as mais atrativas e significativas para todos. (CANDAU, 2015). Entretanto, é importante enfatizar que, em muitos contextos, antes de utilizar esses recursos, é necessário primeiro auxiliar os alunos a fazerem o uso consciente e crítico dessas ferramentas. Trata-se de educar para a cidadania que também se manifesta, atualmente, de maneira virtual. Por fim, enfatizamos que o sucesso e eficácia das metodologias não dependem exclusivamente da existência de recursos tecnológicos mais sofisticados. Livros, filmes, músicas, pesquisas e visitações, por exemplo, são fontes ricas de aprendizagens que podem favorecer o processo de ensino-aprendizagem.
Compartilhar