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Tema 1 – Hipotireoidismo e Hipertireoidismo Maria Laura Gonçalves Vieira – T XIV Fisiologia da tireoide Temos 2 hormônios tireoidianos: tri-iodotironina ou T3 e a tetraiodotironina (tiroxina) ou T4. Tireoide normal produz todo o T4 circulante e cerca de 20% do T3 circulante. Os 80% restantes do T3 circulante provem da conversão periférica de T4 (ação das deiodinases tipo 1 e tipo 2). TRH = Hormônio liberador da tireotrofina TSH = Hormônio tireoestimulante Hipotireoidismo É a doença endocrinológica mais comum, caracterizada por deficiência de hormônios tireoidianos. Diminuição da produção do hormônio da tireoide – T4 livre, causando aumento do TSH (HT primário – 90% dos casos de hipotireoidismo). Hipotireoidismo central Também chamado de hipo secundário / terciário: comprometimento da capacidade secretora da hipófise anterior e/ou hipotálamo. É bem raro. Etiologias • Perda de tecido funcionante: o Tumores (adenoma hipofisário, craniofaringioma, meningioma, disgerminoma, glioma, metástases...) o Trauma (cirurgia, radioterapia, traumatismo craniano) o Vascular (síndrome de Sheehan, apoplexia hipofisária, secção da haste, aneurisma da carótida interna) o Infecções (abscesso, tuberculose, sífilis, toxoplasmose) o Doenças infiltrativas (sarcoidose, histiocitose, hemocromatose) o Hipofisite linfocítica crônica o Lesões congênitas (hipoplasia hipofisária, displais septo-óptica, encefaocele basal) • Defeitos funcionais na biossíntese e liberação do TSH: o Mutações nos genes do receptor do TSH e TRH, ou nos genes do TSH-β, POU1F1, PROP1, HESX1 o Fármacos: dopamina, dobutamina, glicocorticoides, bexaroteno, interrupção da terapia com L-tiroxina Hipotireoidismo periférico Também chamado de primário: relacionado a defeito na tireoide aos hormônios tireoidianos. Tireoidite de Hashimoto (doença autoimune) é a causa mais comum de hipotireoidismo. Etiologias • Diminuição do tecido tireoidiano funcionante o Tireoidite de Hashimoto: doença autoimune caracterizada por títulos elevados de anticorpos antiperoxidase (anti-TPO) o Tireoidites subagudas (granulomatosa e linfocítica) o Tireoidite pós-parto o Tireoidite de Riedel o Doença de Graves e tratamento do hipertireoidismo o Doenças infiltrativas (amiloidose, hemocromatose, cistinose, esclerose sistêmica progressiva, sarcoidose) o Agenesia e ectopia tireoidianas o Radioterapia externa de cabeça e pescoço e de corpo inteiro • Defeitos funcionais na biossíntese e na liberação dos hormônios tireoidianos o Disormonogênese congênita o Deficiência de iodo grave o Fármacos (antireoidianos de síntese, iodo, lítio, amiodarona, contrastes radiológicos, valproato de sódio, sunitinibe, fármacos bocigênicos sintéticos ou naturais etc.) Fatores de risco • Idade > 60 anos • Sexo feminino • Bócio • Doença nodular tireoidiana • História familiar de doença tireoidiana • História de radioterapia para cabeça e pescoço (radiação externa e iodo radioativo) • Doenças autoimunes tireoidiana e extratireoidiana • Fármacos (amiodarona, lítio, tionamidas, interferon-α etc.) • Baixa ingestão de iodo, síndrome de Down, síndrome de Turner. Manifestações clínicas Sinais e sintomas do hipotireoidismo são muito inespecíficos. Além disso, são mais frequentes em pacientes com hipotireoidismo descompensado. Muitos pacientes são assintomáticos ou oligossintomáticos. (obesidade não faz parte do quadro do hipotireoidismo). • Pele seca • Pele áspera • Letargia • Fala lenta • Edema palpebral • Sensação de frio • Sudorese ↓ • Pele fria • Língua grossa • Fraqueza • Edema facial • Cabelos ásperos • Palidez cutânea • Déficit de memoria • Constipação intestinal • Ganho de peso • Queda de cabelos • Dispneia • Edema periférico • Rouquidão / afonia • Anorexia • Nervosismo • Menorragia • Palpitações • Surdez • Dor precordial Alterações metabólicas Elevação do LDL associada ou não de hipertrigliceridemia HDL inalterado Elevação da PCR, homocisteínas, lipoproteína Elevação das transaminases, CPK, desidrogenase láctica OBS.: essas alterações se resolvem com o tratamento do hipotireoidismo Avaliação Paciente pertencente ao grupo de risco → Solicitar TSH → TSH alterado → repetir em 2-3 meses junto com T4l Para fazer o diagnóstico de hipotireoidismo são necessárias duas dosagens de TSH alterado. Condições clínicas a serem consideradas para avaliação tireoidiana: • Mulheres na idade fértil ou idosas, especialmente > 60a • Mulheres grávidas • Tratamento anterior de radiação da tireoide (iodo radioativo ou radiação terapêutica externa) • Cirurgia tireoidiana ou disfunção tireoidiana prévia • Diabetes mellitus tipo 1 • História pessoal de doença autoimune • Síndrome de Down • Síndrome de Turner • História familiar de doença tireoidiana • Presença de bócio e/ou positividade ATPO • Sintomas clínicos de hipotireoidismo • Uso de drogas, tais como, lítio, amiodarona, interferon alfa, sinutunibe e sorafenibe • Hiperprolactinemia • Dislipidemia • Anemia • Insuficiência cardíaca American Thyroid Association (ATA) recomenda screening com TSH a cada 5 anos em todas as pessoas acima de 35 anos. Diagnóstico Hipotireoidismo subclínico: TSH alto e T4l normal Hipotireoidismo primário: TSH alto e T4l baixo Hipotireoidismo central: TSH normal, baixo ou alto e T4l baixo • No controle, não solicitar TSH, acompanhamento apenas com T4l Após diagnóstico, determinar a etiologia. USG de tireoide não é recomendado de rotina. Indicação: • Hipotireoidismo subclínica para ajudar na avaliação do risco de progressão para hipo franco • Hipotireoidismo com palpação anormal da tireoide • Tireoidite de Hashimoto: glândula tipicamente aumentada, o parênquima é heterogêneo, difusamente hipoecogênico e, muitas vezes, hipervascular. Tratamento Reposição com levotiroxina, dose única diária, em jejum pela manhã, aguardar aproximadamente 40min para desjejum Dose diária ideal • Adultos jovens: 1,6 – 1,8mcg/kg de peso ideal. • Idosos > 65 anos, coronariopatas ou hipo grave de longa duração: 12,5 -25 mcg/dia reajustando a dose gradativamente. Orientar o paciente quanto a forma de usar a medicação. Também orientar a não ficar trocando de laboratório (marca) a medicação Resposta do tratamento: TSH e T4l após 6 semanas TSH suprimido: excesso de dose Causas que justificam o aumento da dose de levotiroxina (>2mcg/kg): • Uso irregular da medicação • Gastrite atrófica (altera a absorção) • Uso concomitante de inibidor de bomba de prótons • Cirurgia bariátrica • Disabsorção Metas de TSH As metas variam com a idade, visto que é fisiológico o TSH aumentar com a idade. Tratamento em gestantes Ao planejar engravidar, a dose de LT4 deve ser ajustada para manter níveis plasmáticos de TSH < 2,5mU/L. Os valores de referência para o TSH deverão ser determinados para cada trimestre da gestação pelo laboratório local. Caso esses valores não estejam disponíveis, os seguintes valores de referência deverão ser utilizados: • 1º trimestre: 0,1 – 2,5 um/L • 2º trimestre: 0,2 – 3,5 um/L • 3º trimestre: 0,3 – 3,5 um/L Atualmente, considera-se primeiro trimestre < 2,5; e segundo e terceiro <3. Mulheres com hipotireoidismo que engravidam e não tem acesso imediato ao médico devem aumentar a dose de T4l em 25 a 30% ou adicionar dois comprimidos de LT4 por semana durante o tratamento. Acompanhamento • TSH e T4l dentro da meta terapêutica • TSH demora em torno de 6-8 semanas para alterar • Controle a cada 6 semanas até se atingir a dose de manutenção e após semestralmente • Cuidado com o hipertireoidismo iatrogênico Faixa etária (anos) Nível de TSH (mUl/l) 20 a 60 0,5 a 2,5 60 a 70 2 a 6 70 a 80 2 a 8 > 80 Até 10 Complicação - Coma mixedematoso Definido pela presença de sinais e sintomas de hipotireoidismo grave, associados aorebaixamento do nível de consciência e hipotermia, com mortalidade muito elevada (pode chegar a 60% ou mais) Tríade clássica: alteração do estado mental, hipotermia e presença de fator precipitante. Bradicardia, hipotensão, hipoventilação, hiponatremia, hipoglicemia, macroglossia, fácies edemaciada. Hipotireoidismo subclínico O HSC é definido bioquimicamente pela elevação dos níveis séricos do TSH na presença de concentrações sérica normais do T4 livre – diagnóstico é laboratorial. Prevalência na população geral de 4 a 10%, sendo maior no sexo feminino, em idosos e inversamente proporcional ao conteúdo de iodo na dieta. Etiologias Elevação transitória de TSH: • Ajustes recentes na dosagem de levotiroxina • Hipotireoidismo subtratado com levotiroxina • Recuperação da tireoidite subaguda • Após administração de radioiodo para doença de Graves • Fase de recuperação da doença de Graves Outras causas de elevação de TSH: • Elevação do TSH com o passar da idade • Uso de TSH recombinante em paciente operados para câncer da tireoide • Insuficiência adrenal primária não tratada • Reação cruzada do TSH com anticorpos heterofilos contra proteínas de ratos • Mutações no receptor de TSH Tratamento O tratamento do HSC deve ser considerado apenas para pacientes com HSC persistente, após confirmação dos níveis séricos do TSH após 3 a 6 meses. Hipertireoidismo Hipertireoidismo: Aumento da síntese e liberação dos hormônios tireoidianos pela glândula tireoide. Tireotoxicose refere-se à síndrome clínica decorrente do excesso de hormônios tireoidianos circulantes, secundário à hiperfunção da glândula tireoide ou não. A tireotoxicose por T3 decorre do aumento isolado dos níveis séricos de T3 e supressão do TSH. • A tireotoxicose por T3 é a única indicação de dosagem de T3. • Tireotoxicose apática: utilizada para descrever o paciente idoso assintomático, exceto pela presença de fraqueza e astenia. Doença de Graves Etiologia mais comum de hipertireoidismo (80%), 5-10x mais comum em mulheres, pico de incidência 30 e 60 anos. É o hipertireoidismo autoimune. Sua patogênese envolve a formação do TRAB → ac se liga aos receptores de TSH presentes na membrana de célula folicular tireoidiana e causa crescimento da glândula, aumento da vascularização e aumento de produção e secreção dos HT. É uma doença poligênica e multifatorial. 10-20% dos pacientes com DG apresentam remissão espontânea e aproximadamente 50% tornam-se hipotireóideos após 20-30 anos, ausência de tratamento → destruição da tireoide pelo processo autoimune. Diagnóstico clínico Apresenta-se com 3 manifestações principais: • Hipertireoidismo bócio difuso • Oftalmopatia infiltrativa • Dermopatia (mixedema pré-tibial) Bócio Caracteristicamente difuso, observado em 97% dos casos. Qualquer paciente com bócio difuso e hipertireoidismo tem DG até que se prove o contrário. Oftalmopatia Os anticorpos regem provocando autoagressão intraorbitária, assim como no tecido tireoidiano. Oftalmopatia pode preceder hipertireoidismo (20%), sucedê-lo (40%) ou surgir concomitantemente a ele (40%). Retração palpebral, olhar fixo ou assustado, sinal de lid-lag (retardo na descida da pálpebra superior quando o globo ocular é movido para baixo). Dermatopatia Acomete apenas 5-10% dos pacientes com DG, quase sempre está associados a oftalmopatia e a títulos elevados de TRAb. Espessamento da pele, devido a acúmulo de glicosaminoglicanos – aspecto de casca de laranja e coloração violácea. Manifestações clínicas Manifestações clínicas são decorrentes do efeito estimulatório dos hormônios tireoidianos sobre o metabolismo e os tecidos. • Nervosismo • Sudorese excessiva • Intolerância ao calor • Palpitação • Fadiga • Perda de peso • Dispneia • Fraqueza • Aumento do apetite • Queixas oculares • Edema de MMII • Hiperdefecação • Diarreia • Distúrbios menstruais • Anorexia • Ganho ponderal • Taquicardia • Bócio • Tremor • Pele quente/úmida • Sopro na tireoide • Alterações oculares • Fibrilação atrial • Ginecomastia • Eritema palmar Diagnóstico TSH baixo ou suprimido com níveis elevados de T4l e/ou T3. USG de tireoide não é indicado rotineiramente. Indicação de TRAb: (TRAb alto significa que a doença está em atividade) • Gestantes com DG ou história pregressa de DG • Diagnóstico diferencial da tireotoxicose gestacional • Oftalmopatia em paciente eutireoidiano • Diagnóstico de hipertireoidismo apático • Na avaliação do risco de recidiva do hipertireoidismo após a suspensão do tratamento com tionamida (títulos elevados após aumentam o risco de recidiva) Exame de imagem: (indicado para diagnóstico diferencial) • USG de tireoide com doppler: diferenciar a DG (glândula difusamente aumentada) da tireotoxicose induzida pela destruição folicular (volume glandular e fluxo sanguíneo diminuídos) • RAIU/24h: DG elevada, tireotoxicose secundária a tireoidite subaguda e pós-parto (baixa) • Cintilografia de tireoide: apenas se tiver nódulo Diagnóstico diferencial Tratamento São 3 opções: • Drogas antitireoidianas (mais utilizada) • Iodo radioativo • Tireoidectomia total Drogas antitireoidianas Inibem a síntese dos HT, efeito imunomodulador. Não afetam a liberação dos hormônios já formados, por isso seu efeito pleno é mais bem observado após cerca de 10-15 dias. Tapazol/metimazol: contraindicada no 1º trimestre de gestação – aplasia cútis congênita (1x/dia) Propiltiouracil: efeito hepatotóxico. Altas doses inibe conversão periférica de T4 → T3 • Preferível no 1º trimestre da gestação e depois no segundo trimestre mudar para tapazol, devido a efeito hepatotóxico Efeitos colaterais das tionamidas: • Urticaria • Prurido • Rash cutâneo • Artralgia • Vasculite • Trombocitopenia • Agranulocitose (mais grave e mais temido) – orientar paciente caso apresente febre e dor de garganta procurar PS com receita Após 12-24 meses de tratamento a DAT deve ser descontinuada gradativamente. Taxa de remissão da DG: 30-50% Fatores que interferem nas chances de remissão definitiva após o tratamento com as tionamidas: • Menor chance: o Bócio grande o Doença em crianças e adolescentes o Doença com elevação predominante de T3 o TRAb em títulos elevados ao final do tratamento o Uso de tionamidas por menos de 1 ano o Supressão do TSH ao final do tratamento o Presença de oftalmopatia o Rinite alérgica o Elevada ingestão de iodo o Tabagismo o Estresse o Hipoecogenicidade tireoidiana à US o Presença de HLA-D3, alelos DQA2U • Maior chance: o Bócio pequeno o Idade > 40 anos o Níveis iniciais de T3 pouco elevados o TRAb em títulos baixos (<30U/l) ao final do tto o Uso de tionamida por 12 a 18 meses o Supressão normal da tireoide ao T3 Betabloqueadores Indicações: Pacientes idosos com tireotoxicose sintomática e outros pacientes tireotóxicos com FC repouso > 90bpm Diminui frequência cardíaca, pressão arterial, tremores, labilidade emocional Mais utilizado: propranolol (dose alta inibição modesta da conversão periférica de T4→T3) Se contraindicação a betabloqueador (ex.: asmáticos) → bloqueador dos canais de cálcio (verapamil e diltiazem) Acompanhamento • Monitoramento da função tireoidiana com T4l e TSH • TSH pode permanecer suprimido por meses após o início do tratamento e não deve ser solicitado com frequência no início do tratamento. Iodo radioativo Indicado como primeira escolha em pacientes com contraindicação ao uso de DAT e/ou cirurgia, ou recidiva do hipertireoidismo após o tratamento com DAT. Contraindicação: gestação, lactação, presença de lesão suspeita ou confirmada de CA de tireoide, mulheres com planos de gestação em menos de 6 meses. Ação: Provoca uma resposta inflamatória seguida de destruição local e fibrose progressiva, contribuindopara a redução do volume da glândula. Reintrodução do tapazol/metimazol (MMI) após 7 dias da terapia com iodo evita a exacerbação da tireoitoxicose Resposta satisfatória aproximadamente 80-90% (eutireoidismo / hipotireoidismo) Hipotireoidismo pode surgir a partir de 4 semanas, normalmente 2-6 meses. Fatores que aumentam a probabilidade para evoluir para hipotireoidismo: • Bócio grande • Presença de ATPO • Doses elevadas de iodo Glicocorticoide é indicado na profilaxia do desenvolvimento ou progressão de oftalmopatia da doença de graves e no tratamento da crise tireotóxica. Falência do tratamento – maior em: • Sexo masculino • Tabagismo • Bócios volumosos (>50g) • Captação elevada em 24h • Dose baixa de iodo • Níveis elevados de T3 Tireoidectomia Indicações: • Bócios muito volumosos (> 150g) • Sintomas compressivos locais ou nódulo com suspeita de malignidade após PAAF • Opção do paciente Rápida normalização de T4 e T3 Complicação – crise tireotóxica Quadro mais grave do hipertireoidismo Pontuação > 45 - altamente sugestivo de tempestade tireotóxica. Pontuação de 25 a 45 – sustenta o diagnóstico Pontuação < 25 – diagnóstico improvável Tratamento Tireoidite subaguda Processo inflamatório autolimitada que constitui a causa mais comum de dor na tireoide. Acomete principalmente entre a terceira e quinta década de vida. Incidência é 5x maior no sexo feminino Ocorre após infecção viral do aparelho respiratório superior, principalmente no verão. 4 fases: • Fase dolorosa aguda inicial com hipertireoidismo • Eutireoidismo • Hipotireoidismo • Eutireoidismo Alterações laboratoriais: • Aumento do VHS • T4 aumentado, TSH suprimido • Captação iodo baixa Tratamento: • Anti-inflamatório • Glicocorticoide • Sintomáticos
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