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1 Luana Mascarenhas Couto 18.2- EBMSP Reposição Hidroeletrolítica em Cirurgia Introdução O estado hídrico, a homeostasia eletrolítica e o equilíbrio ácidobasico são parâmetros clínicos de significado decisivo em pacientes cirúrgicos. Os pacientes cirúrgicos apresentam alto risco de distúrbios da distribuição corporal de água, da homeostasia de eletrólitos e da fisiologia acidobásica. Essas alterações podem ser secundárias ao trauma, a condições clínicas preexistentes que alteram a fisiologia normal ou à natureza da cirurgia. 2/3 dos conteúdos líquidos corporal são intracelulares, o terço restante é extracelular, de modo que este é dividido em 2 compartimentos: o intersticial (que corresponde a 80%) e o extravascular (que corresponde a 20%). - O principal cátion do intracelular é o potássio; - O principal cátion do extracelular é sódio. Distúrbios volêmicos A hipovolemia e hipervolemia ocorrem frequentemente em pacientes cirúrgicos, tanto após cirurgia eletiva como no contexto de trauma e tratamento cirúrgico emergencial. Hipovolemia: A hipovolemia, como já dito anteriormente, é comum em pacientes cirúrgicas. Sua causa mais comum á e perda de líquidos isotônicos no contexto de hemorragia, perdas gastrointestinais (êmese e diarreia, por exemplo), sequestro de líquidos no lúmen intestinal (obstrução intestinal, fístulas entéricas, etc), queimaduras e terapia diurética excessiva. Em todos os casos, a perda de líquido isotônico resulta em perda de sódio e água sem afetar significativamente a Osmolaridade do compartimento extracelular, havendo, portanto, pouco desvio de água para dentro ou para fora do compartimento intracelular. A hipovolemia estimula a secreção da aldosterona, que leva à reabsorção de sódio e água e redução da excreção de volume (oligúria), tornando a urina hipertônica com baixa concentração de sódio. A fração de excreção de sódio (FENa) é uma ferramenta útil para diferenciar as causas de oligúria, de modo que temos: - Uma FENa < 1% indica azotemia pré-renal. A hipovolemia é sugerida pela história do paciente, pelo exame físico e dados de laboratório, de modo que o tempo de enchimento capilar prolongado, fala confusa, enfraquecimento dos membros superiores e inferiores, hipotensão e aumento da frequência cardíaca são considerados parâmetros indicativos de hipovolemia. As evidências laboratoriais incluem: - Aumento de creatinina: uma vez que a hipovolemia diminui a perfusão renal, causando uma IRA pré-renal. O tratamento da hipovolemia é feito com administração intravenosa de líquido isotônico, de modo que as anormalidades hidroeletrolíticas existentes devem ser abordadas simultaneamente. Hipervolemia: A hipervolemia também é comum em pacientes cirúrgicos. Ocorre com frequência após tratamento do choque com coloides ou cristaloides. Também ocorre no período pós- operatório, conforme o ADH é secretado, onde promove uma reabsorção de sódio e água. Importante salientar que IC, doença hepática, doença renal e desnutrição são condições que exacerbam a hipervolemia no paciente cirúrgico. Assim como a hipovolemia, a hipervolemia é sugerida pela história clínica e exame físico. Entre os sinais estão: - Hipertensão; - Redução de saturação de O2; - Estertores pulmonares; - Distensão de veia jugular; - Edema de tecidos; - Aumento rápido do peso. O tratamento é feito através de diuréticos e em casos mais extremos hemodiálise. Distúrbios eletrolíticos Os desequilíbrios eletrolíticos podem ocorrer de modo independente entre si, mas frequentemente têm ligação estreita. Importante salientar que a causa subjacente de qualquer distúrbio eletrolítico deve ser investigada enquanto o distúrbio em si é tratado. Distúrbios do sódio: - Hiponatremia: a hiponatremia é um sinal de ganho relativo de água, de modo que é uma condição comum em pacientes no pós-cirúrgico, conforme o ADH é secretado em resposta a dor, náusea e vômito. A hiperglicemia pode levar que o soluto ativo drene a água do espaço intracelular para o extracelular, assim, neste contexto, o sódio corrigido é calculado da seguinte maneira: Os sinais de hiponatremia são: Disfunção do SNC; Alteração do sensório; Convulsões. Tratamento: é feito com administração de solução fisiológica e restrição de água livre. Importante salientar que a velocidade de infuso deve ser lenta, 2 Luana Mascarenhas Couto 18.2- EBMSP uma vez que a correção rápida produz uma situação grave chamada desmielinização osmótica. - Hipernatremia: ocorre quando há uma perda de água livre, a exemplo de pacientes sem acesso à água, Diabetes insipidus, febre alta e pacientes cuja alimentação enteral tem conteúdo de água insuficiente. Como na hiponatremia os sinais e sintomas são: Letargia; Fadiga; Aumento dos reflexos tendinosos; Convulsão e coma. Tratamento: requer administração parenteral de água livre, em geral água contendo dextrose a 5%. Distúrbios do potássio: O potássio é o principal cátion intracelular, de modo que a concentração plasmática deste íon é determinada pela homeostasia acidobásica, de modo que os íons de hidrogênio e potássio são trocados e também pelo tamanho do pool de potássio corporal total. - Hipocalemia: no contexto cirúrgico, o potássio corporal total em geral é diminuído por perdas gastrointestinais, administração de diuréticos em excesso e desnutrição prolongada, principalmente em pacientes etilistas. A alcalose prolongada também resulta em hipocalemia. Os sinais característicos de hipocalemia são: Redução da contratilidade; Alteração no ECG: onda T achatada ou invertida; onda U proeminente; Arritmias. Tratamento: quando há desenvolvimento de hipocalemia de maneira aguda a condição deve ser corrigida com suplementação parenteral de maneira lenta. (Importante salientar que a hipomagnesemia pode causar hipocalemia refratária à administração parenteral, de modo que deve ser corrigida concomitante). Já nos casos de hipocalemia crônica sem manifestações neuromusculares ou cardíacas, a suplementação oral deve ser suficiente. - Hipercalemia: no contexto cirúrgico, a hipercalemia muitas vezes é decorrente de esmagamento, queimaduras, insuficiência renal e administração de potássio em excesso. A acidose pode causar hipercalemia, uma vez que o espaço intracelular tampona a acidemia trocando H+ do espaço extracelular por K+ do interior das células. A hipercalemia está associada aos seguintes sintomas: Arritmias; Alterações de ECG: onda P achatada e ondas T em pico. Tratamento: o paciente deve ser colocado sob monitoramento de ECG contínuo e o tratamento inicial deve consistir em: Administração intravenosa de Dextrose 50%; 10 unidades de insulina regular; Gluconato de cálcio: estabilizador de membrana; Beta-agonistas, como Salbutamol. OBS: A insulina, a glicose e beta-agonistas deslocam o K+ do espaço extracelular para o intracelular, enquanto o gluconato de cálcio estabiliza a membrana conferindo proteção contra as arritmias. Distúrbios do Magnésio: O íon magnésio é um cofator essencial em muitas reações que ocorrem no corpo. - Hipomagnesemia: a hipomagnesemia ocorre no contexto da desnutrição, perdas gastrointestinais (principalmente em diarreia prolongadas), uso de diurético ou aminoglicosídeos, hipercalcemia, hipocalcemia e hipofosfatemia. No contexto cirúrgico, a hipomagnesemia se manifesta como uma hipocalemia refratária à administração parenteral de potássio. Pode ainda causar sedação, paralisia muscular, tetania e convulsões; Tratamento: a administração parenteral de magnésio geralmente é preferida à suplementação oral, uma vez que o magnésio oral causa efeito catártico. - Hipermagnesemia: é rara no contexto cirúrgico, mas pode se desenvolver nainsuficiência renal aguda. Os principais sintomas são: Letargia; Redução dos reflexos tendinosos profundos; Arritmias; Alteração no ECG: ondas T em pico e ampliação do QRS. Tratamento: Se a Hipermagnesemia for leve e causada por suplementação, a retirada desta e o monitoramento cuidadoso devem ser suficientes; Se a Hipermagnesemia for significativa e causar alteração de ECG deve ser feita a administração de Gluconato de Cálcio por via intravenosa, podendo haver necessidade de terapia diurética. Distúrbios do cálcio: O cálcio está envolvido em uma ampla variedade de processos fisiológicos, de modo que metade do cálcio sérico está ligado à proteinas, principalmente a albumina. Os exames laboratoriais padrão quantificam a concentração sérica total do cálcio incluindo a fração ligada à albumina. Assim, um valor baixo de cálcio pode refletir hipoalbuminemia, em vez de uma hipocalcemia verdadeira. Neste contexto, existem fórmulas para correção do cálcio no contexto da hipoalbuminemia. - Hipocalcemia: a hipocalcemia no contexto cirúrgico muitas vezes é causada por hipotireoidismo e Hipoparatireoidismo, pancreatite, insuficiência renal, lesões por esmagamento, infecções graves e infecções necrosantes. A hipocalcemia se manifesta como: Reflexos tendinosos hiperativos; 3 Luana Mascarenhas Couto 18.2- EBMSP Sinal de Chvostek: representa uma torção involuntária dos músculos faciais desencadeada por discreto toque sobre o nervo facial, anteriormente ao meato auditivo externo. Câimbras; Tetania; Dor abdominal; Arritmias cardíacas. Tratamento: na hipocalcemia persistente, o pH do sangue deve ser medido e a alcalose corrigida. Pode haver necessidade de suplementação de cálcio, se possível por via enteral. - Hipercalcemia: no contexto cirúrgico é frequentemente causada por hiperparatireoidismo primário ou terciário, hipertireoidismo, metástase ósseas de câncer, síndromes Paraneoplásicas e complicação de uso de diuréticos tiazídicos. Os sinais e sintomas incluem: Náuseas e vômitos; Polidpsia; Poliúria; Confusão e perda de memória; Psicose; Dispepsia, constipação, pancreatite aguda, nefrolitíase e osteíte fibrosa cística são indicativas de hipercalemia crônica. Tratamento: Em um paciente com rins sadios a administração de amplos volumes de solução fisiológica dentre 1-3 dias muitas vezes corrige a hipercalcemia. O tratamento pode ser seguido estabelecendo como alvo de débito urinário 2-3 ml/kg/hora e monitorando estreitamente os níveis séricos de cálcio. Já na hipercalcemia grave ou na hipercalcemia secundária a insuficiência renal pode haver necessidade de hemodiálise. Distúrbios do fosfato: - Hipofosfatemia: a hipofosfatemia crônica em geral é encontrada em pacientes desnutridos. Uma causa importante é a síndrome da realimentação, que ocorre depois que um paciente permanece pelo menos 5 dias sem ingesta calórica significativa e volta a comer. A hipofosfatemia se manifesta como: Enfraquecimento muscular; Diplopia; Redução do DC; Depressão respiratória; Delirium. Tratamento: requer uma administração parenteral de Na3PO4 ou K3PO4. - Hiperfosfatemia: é incomum no contexto cirúrgico, desenvolvendo-se em geral no contexto de doença renal grave ou trauma grave. É uma condição assintomática, mas pode causar hipocalcemia porque o fosfato de cálcio se precipita e se deposita nos tecidos. Tratamento: é tratada por diurese, administração de ligadores de fosfato ou hemodiálise. Distúrbios acidobásicos O uso de uma abordagem sistemática para identificar e diagnosticar os distúrbios acidobásicos é essencial. Primeiro, é necessário identificar a alcalemia ou acidemia com base no pH. Em seguida, é preciso determinar se há algum distúrbio metabólico com compensação respiratória ou se há um distúrbio respiratório com compensação metabólica. Acidose metabólica: A acidose metabólica é causada pela produção aumentada de H+ ou pela perda excessiva de HCO3-. No contexto cirúrgico, a acidose metabólica comumente é encontrada em casos de trauma, doenças graves e no pós-operatório. OBS: Ânion GAP: o ânion GAP sérico é essencial para determinar a causa de qualquer causa de qualquer tipo de 4 Luana Mascarenhas Couto 18.2- EBMSP acidose metabólica, de modo que pode ajudar a diferenciar a acidose metabólica decorrente do acúmulo de ácidos ou decorrentes da perda de bicarbonato. A produção aumentada de ácido causa aumento do AG, na medida em que os ânions não medidos neutralizam o sódio, portanto, acidose metabólica decorrente da produção exagerada de H+ está associada à AG elevado. Causada por uremia, cetoacidose diabética, acidose lática (causada por choque e sepse). Já uma acidose metabólica não AG é causada pela perda excessiva de HCO3-, de modo que o néfrons mantém a neutralidade elétrica reabsorvendo Cl- conforme o HCO3- é perdido, por isto o AG permanece normal. Pode ser causada por perdas na diarreia, acidose tubular renal (onde o néfrons falha em reabsorver o HCO3-, hipercloremia iatrogênica). O tratamento da acidose metabólica envolve a identificação da causa subjacente, bem como sua correção. Além disso, a resposta do organismo à acidose metabólica é a hiperventilação respiratória, exalando CO2. É uma resposta rápida, começando a agir em 30 minutos após o início da acidose. A adequação desta resposta é avaliada usando a fórmula de Winter, de modo que se a compensação for inadequada ou excessiva, ou seja, o PCO2 estiver fora da faixa prevista pela fórmula é preciso avaliar a existência de um distúrbio misto. Alcalose metabólica: A alcalose metabólica é encontrada com frequência em pacientes cirúrgicos e costuma envolver: Perda de H+, hipovolemia e depleção de K+. O tratamento da alcalose metabólica inclui administração de líquido, geralmente solução fisiológica. Com repleção adequada de líquidos, a reabsorção de sódio diminuiu e os rins passam a excretar o excesso de HCO3-. O potássio precisa ser resposto, tanto para permitir a correção da alcalose, como para prevenir a hipocalemia. Acidose respiratória: A acidose respiratória aguda ocorre quando a ventilação se torna inadequada de repente. Há acúmulo de CO2 no sangue e, à medida que a anidrase carbônica o converte em H2CO3, o paciente desenvolve acidose. A acidose respiratória é mais comum quando há comprometimento das trocas gasosas, a exemplo da PCR, obstrução aguda de vias aéreas, edema pulmonar, pneumonia, embolia, etc. O tratamento da acidose respiratória envolve restauração da ventilação adequada por meio do tratamento da causa subjacente, de modo que a fisioterapia torácica deve ser instituída nos pacientes pós-cirúrgicos. Maior parte do ácido da acidose respiratória é tamponado pelos tecidos corporais e pela hemoglobina e uma menor parte tamponada pelo HCO3- no sangue, sendo recuperada e reabsorvida pelos rins. Alcalose respiratória: A hiperventilação diminui a PCO2 levando à alcalose respiratória. No contexto cirúrgico, a ansiedade, a agitação e a dor são causas comuns de alcalose respiratória. A alcalose respiratória é tratada pela abordagem da causa subjacente. Além disso, a resposta renal à alcalose respiratória consiste na redução da reabsorção de HCO3- e na excreção aumentada deste composto. Distúrbios mistos: Assim como nos distúrbios simples, é essencial uma abordagem sistemática aos distúrbios mistos. Primeiro, é necessário determinar o distúrbio acidobásico primário. Em seguida, determinar se houve ou não compensação adequada e, para tanto, são utilizadas as equações abaixo. Se a compensação for inadequada, ou seja, mínima ou exagerada, o paciente tem um distúrbio misto. Uma etapa adicionalé necessária no caso da acidose metabólica. Uma vez calculado o AG, é preciso calcular o delta-delta ou gap-gap. - Na maioria das vezes, o AG normal máximo é 12 mmol/L e a concentração de HCO3- normal é 24 mmol/L. - Delta-delta < 1: indica coexistência de acidose metabólica AG e não AG, ou seja, acidose metabólica causada pela produção aumentada e ácido e pela perda de HCO3-; - Delta-delta > 1: indica coexistência de acidose metabólica AG e de alcalose metabólica. O distúrbio misto mais comum em pacientes cirúrgicos é uma acidose metabólica sobreposta a uma alcalose respiratória. Isso ocorre em pacientes com choque séptico. Referência Capítulo 9 do Livro Current Cirurgia.
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