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Geovana Sanches, TXXIV TRANSTORNO DE DÉFICIT DE ATENÇÃO E HIPERATIVIDADE (TDAH) DEFINIÇÃO O TDAH é um distúrbio comportamental do neurodesenvolvimento, caracterizado por padrão persistente de dificuldades atencionais, controle insatisfatório de impulsos e hiperatividade com excessiva atividade motora. Tais dificuldades não são compatíveis com o estágio de desenvolvimento do indivíduo, causando-lhe prejuízos funcionais. Curso do transtorno • Início na infância o Predomínio dos sintomas de hiperatividade o Difícil distinguir antes dos 4 anos o Mais facilmente diagnosticado com a criança no Ensino Fundamental (dos 6 aos 15 anos), devido a piora no curso • Persistência na adolescência e vida adulta o Predomínio da desatenção na adolescência, prejudicando o rendimento escolar o Na vida adulta, os sintomas de hiperatividade se tornam mais sutis, predominando a desatenção, com dificuldades no planejamento e cumprimento de prazos • As manifestações devem estar presentes em mais de um ambiente e contexto social PREVALÊNCIA • 5% das crianças e 2,5% dos adultos • No Brasil: 0,9 a 17,9% • Predomínio no sexo masculino o M 1:2,4 H o Indaga-se a relação dessa prevalência pela sintomatologia mais exacerbada nos meninos, fazendo com que haja maior procura por serviços de saúde FATORES DE RISCO • Temperamentais o Redução do controle ou contenção o Redução da inibição comportamental o Afetividade negativa e/ou maior busca por novidades • Ambientais o Tabagismo na gestação o História de abuso infantil o Negligência o Maus tratos o Múltiplos lares adotivos o Infecções ou exposição ao álcool e drogas no intraútero o Complicações da gestação, parto e primeira infância o Muito baixo peso ao nascer (< 1.500g) • Genéticos e Fisiológicos o Hereditariedade substancial, com média estimada de 76% – é frequente o encontro de parentes de 1º grau com o transtorno o Os genes associados ao transtorno codificam: § Transportador de dopamina (DAT) § Transportador de Noradrenalina (SLC6A2) § Receptor D2 de dopamina (DRD2) § Receptor D4 de dopamina (DR4) FISIOPATOLOGIA • Córtex pré-frontal e circuitos para os gânglios da base são críticos para função executiva, manter atenção e exercer inibição frente a estímulos sensoriais • Em indivíduos com TDAH: córtex pré- frontal mesial direito com ativação diminuída durante tarefas que requerem inibição de uma resposta motora planejada e tempo para resposta motora a um estímulo sensitivo Geovana Sanches, TXXIV • RM de crânio funcional demonstra atividade reduzida do córtex pré-frontal direito e núcleo causado esquerdo durante uma tarefa que exija resposta motora a uma pista sensorial QUADRO CLÍNICO O quadro clínico do TDAH se baseia em três sintomas principais – desatenção, hiperatividade e impulsividade, os quais podem aparecer em conjunto ou isoladamente. Desatenção • Divagação em tarefas • Falta de persistência • Dificuldade em manter o foco • Desorganização • “Parece não ouvir” • “Não consegue terminar as atividades” • “Sonha acordado” • “Costuma perder as coisas” Hiperatividade • Atividade motora excessiva não apropriada • Remexer, batucar ou conversar em excesso • “Sempre ligado e em movimento” • “Age como se tivesse um motorzinho” Impulsividade • Ações precipitadas • Ausência de premeditação • Elevado potencial de danos • Desejo de recompensas imediatas • Incapacidade de postergar a gratificação • Dificuldade para esperar sua vez • Interrupção ou intromissão na conversa de outras pessoas O início do quadro ocorre antes dos 12 anos e os sintomas são persistentes, interferindo no funcionamento social, acadêmico ou profissional do indivíduo. Além disso, estão presentes em dois ou mais ambientes e não podem ser mais bem explicados por outro transtorno mental. Classificação da gravidade A gravidade do quadro atual (últimos seis meses) deve ser especificada durante a avaliação do paciente, podendo ser classificada em: • Leve: poucos sintomas presentes além daqueles necessários para fazer o diagnóstico, havendo pequeno prejuízo no funcionamento social ou profissional • Moderado: sintomas ou prejuízo funcional entre leve e grave • Grave: muitos sintomas presentes além daqueles necessários para fazer o diagnóstico ou são particularmente graves, havendo prejuízo acentuado no funcionamento social ou profissional TRIAGEM Diante a suspeita de TDAH, deve-se realizar a triagem a partir do SNAP-IV, o qual consiste em uma série de 18 questionamentos acerca dos sintomas do TDAH. Baseia-se nos critérios do DSM-V e devem ser respondidos pelo acompanhante. DIAGNÓSTICO O diagnóstico do TDAH é clínico, baseado na anamnese, informações coletadas com os pais e escola, e no exame da criança. Os critérios utilizados são o DSM-5 e o CID. É importante avaliar a presença de comorbidades, ou seja, associação com outros distúrbios. Uma das principais no TDAH é o transtorno opositor desafiante (TOD), que pode estar presente em até metade dos pacientes. Esse distúrbio é caracterizado por humor raivoso ou irritado, conduta questionadora e desafiante com relação a regras e figuras de autoridade. Geovana Sanches, TXXIV DSM-5 Item imprescindível: presença dos sintomas por ao menos 6 meses, em dois ou mais ambientes Desatenção Presença de 6 ou mais dos seguintes sintomas por pelo menos 6 meses em grau inconsistente com o nível de desenvolvimento, com impacto diretamente negativo nas atividades sociais, acadêmicas e/ou profissionais: 1. Frequentemente não presta atenção em detalhes ou comete erros por descuido 2. Dificuldade de manter a atenção em tarefas ou atividades lúdicas 3. Frequentemente não segue instruções até o fim // não consegue terminar trabalhos, tarefas 4. Dificuldade frequente para organizar tarefas e atividades 5. Evita, não gosta ou reluta em se envolver em tarefas que exijam esforço mental prolongado 6. Perde coisas necessárias com certa frequência: carteira, chaves, documentos 7. Facilmente distraído por estímulos externos 8. Esquecido em relação a atividades cotidianas Hiperatividade e impulsividade Presença de 6 ou mais dos seguintes sintomas por pelo menos 6 meses em grau inconsistente com o nível de desenvolvimento, com impacto diretamente negativo nas atividades sociais, acadêmicas e/ou profissionais: 1. Frequentemente remexe ou batuca as mãos e pés ou se contorce na cadeira 2. Levanta-se da cadeira em situações em que se espera que permaneça sentado 3. Corre ou sobe nas coisas em situações em que é inapropriado 4. Incapaz de brincar ou se envolver em atividades de lazer calmamente 5. “Não para”, agindo como se o “motor estivesse ligado” 6. Fala demais, com grande frequência 7. Deixar escapar uma resposta antes que a pergunta tenha sido concluída 8. Têm dificuldade para esperar sua vez 9. Frequentemente interrompe ou se intromete O termo “Transtorno Hipercinético” (TH) é empregado no CID-10, se referindo a mesma alteração. Avaliação clínica • Histórico com informações sobre comportamento na escola e em casa • Afastar outras etiologias que possam interferir no aprendizado e/ou comportamento, como apneneia do sono e tireoidopatias • Investigação da presença de outros transtornos psiquiátricos comórbidos o Transtornos Ansioso o Transtornos do Humor o Transtornos de Aprendizagem • Investigação a alterações em capacidade auditiva, visual e no sono • Testes psicométricos para compreender dificuldades específicas da criança • EEG (eletroencefalograma) e exames de imagem (TC de crânio ou RM de encéfalo) não apresentam valores preditivos suficientes Classificação De acordo com a predominância de sintomas, os pacientes com TDAH podem ser classificados emtrês grupos: 1. Predominantemente Desatento o H:M ou M > H (depende do estudo) o Como há predomínio dos sintomas de desatenção nas meninas, elas são menos diagnosticadas, tendo em vista que causam menor desconforto social quando comparado a hiperatividade 2. Predominantemente Hiperativo / Impulsivo o 2 a 9x mais prevalente nos meninos 3. Combinado COMORBIDADES E DIAGNÓSTICOS DIFERENCIAIS Aproximadamente 30 a 50% dos pacientes possuem alguma comorbidade psiquiátrica associada. Além disso, não é incomum o engano entre TDAH e outros transtornos. Neuropsiquiátricos • Transtorno de oposição desafiante • Transtorno explosivo intermitente • Transtorno específico de aprendizagem o Discalculia o Dislexia • Deficiência intelectual Geovana Sanches, TXXIV • Transtorno do espectro autista • Transtorno de ansiedade o Ansiedade generalizada o Obsessivo-compulsivo o Ansiedade de separação / Recusa escolar • Transtornos do humor o Depressivo o Bipolar • Transtorno de personalidade • Abuso de substâncias Outros • Doenças crônicas: asma, alergia, câncer, enxaqueca, diabetes mellitus • Distúrbios do sono o Apneia, principalmente secundário a hipertrofia de adenoide o Terror noturno o Pesadelos • Distúrbios de ajustamento secundário a grandes estresses familiares (divórcio dos pais, morte de familiar, violência doméstica, uso de drogas pelos pais) • Déficit auditivo ou visual • Intoxicação por chumbo TRATAMENTO Não existe cura para o TDAH, sendo a meta o controle dos sintomas. O tratamento é multimodal, abrangendo todos os aspectos do transtorno, tais quais os prejuízos sociais e escolares, as comorbidades e os conflitos familiares. Para isso, indica-se psicoterapia (em geral, Terapia Cognitivo Comportamental) e o uso de medicamentos. Para maior efetividade no tratamento, faz- se necessário um trabalho conjunto da família, escola e dos profissionais da saúde, criando ambientes calmos e livre de distrações. Idade Pré Escolar (0 a 6 anos) ou Sintomas Leves ou Prejuízo restrito a 01 ambiente • 1ª Linha: Terapia Comportamental dirigida aos pais e/ou professores • Prescrição de Estimulante apenas caso as intervenções comportamentais não produzam melhora e os sintomas continuem a causar prejuízo funcional Idade Escolar (6 a 11 anos) e Adolescentes (12 a 18 anos) • Tratamento Medicamentoso + Terapia Comportamental Terapias não farmacológicas Terapia cognitivo comportamental • Identifica os comportamentos que comprometem a vida da criança • Modifica o ambiente físico e social para modificar o comportamento e melhorar as habilidades prejudicadas Terapia Dirigida aos Pais (Treinamento Parental) • Melhora a atmosfera emocional da família • Visa desenvolver as habilidades dos pais de modificar o comportamento da criança e de melhorar a sua capacidade de regular o seu próprio comportamento • Os pais devem ser orientados a darem ordens eficazes, como por exemplo: o Fazendo contato visual com a criança o Evitando dar várias ordens ao mesmo tempo o Verbalizar as ordens de modo positivo Intervenções na escola • Colocar a criança em uma classe pequena • Acomodar a criança na primeira fila de carteiras • Solicitar menor quantidade de tarefas, separadas por intervalos • Solicitar tarefas que tenham novidade e variedade • Prolongar o prazo para entrega das tarefas (porém, sem facilitações) Medicamentos Os psicoestimulantes são as drogas mais utilizadas no tratamento do TDAH, aumentando a disponibilidade sináptica de noradrenalina e dopamina. Eles agem inibindo os transportadores de NOR e DOPA, reduzindo a recaptação sináptica. A partir disso, há aumento da disponibilidade de DOPA em região estriatal e cortical, responsável pelo estado de atenção e funções executivas. • Corpo Estriado: ↑ Atenção e ↓ Distração • Córtex Pré Frontal (CPF): ↑ Função Cognitiva de Aprendizagem e Memória • Núcleo Accumbens: ↑ Motivação e Desempenho Dentre os psicoestimulantes, os mais comumente usados são o Metilfenidato (Ritalina® ou Concerta®), seguido pela Lisdexanfetamina (Venvance) e Atomoxetina (Strattera®). A dose deve ser progressivamente aumentada (a cada quatro semanas), até atingir Geovana Sanches, TXXIV um patamar de bom controle dos sintomas associado a poucos efeitos colaterais. Esses estimulantes podem cursar com efeitos adversos leves, como redução do apetite, perda de peso transitória e distúrbios do sono. É importante mencionar que os medicamentos estimulantes devem ser evitados nas crianças com cardiopatias, visto que eles estão relacionados com um aumento de eventos cardiovasculares adversos, tais como: morte súbita por causa cardíaca, IAM e AVC. Outras classes • Antidepressivos o Imipramina (Tofrani®) o Nortriptilina (Pamelor®) o Bupropiona (Wellbutrin®) • Alfa Agonista o Clonidina (Atensina®) • Antipsicóticos o Tioridazina (Melleril®) o Risperidona (Risperidal®) PROGNÓSTICO O diagnóstico de TDAH na infância costuma persistir por toda a vida, sendo que 60 a 80% das crianças mantém o diagnóstico na adolescência e 40 a 60% na vida adulta. O tratamento adequado iniciado precocemente se associa ao melhor desempenho escolar e profissional, com redução das comorbidades neuropsiquiátricas, risco de acidentes e abuso de drogas.
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