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INSTITUTO FEDERAL DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA DE BRASÍLIA Ensaio Literário: O Homem da Areia e o conflito entre a razão e a imaginação Ingridy Gomes da Silva Brasília - DF 2022 SUMÁRIO: 1 O autor ----------------------------------------------------------------------------------- 3 2 A obra -------------------------------------------------------------------------------- 4 3 Referências ------------------------------------------------------------------------------ 8 1. O Autor Ernst Theodor Amadeus Hoffmann (ETA Hoffmann) é considerado o pai do conto de fantasia moderno. A sua relevância era tal que, durante a primeira metade do século XIX, falar de um "conto fantástico" era falar de um tipo de história narrada "ao estilo de Hoffmann"..O homem na areia" ("Der Homem da Areian", 1815). Em suas histórias, o fantástico e o real estão indissoluvelmente unidos. Suas histórias não apresentam aparências fantásticas muito distantes do humano. O fantástico está, em vez disso, no humano, por isso ele tem relação com o realismo, vem do interior do homem e surge do cotidiano. Os fantasmas não são seres que pertencem a outra dimensão, mas estes habitam o mundo do leitor. O fantástico e o real andam de mãos dadas em Hoffmann. O autor mostra essa caminhada e questiona se existe apenas o que vemos com nossos próprios olhos. Até que ponto podemos diferenciar entre o que é real e o que não é, de onde vem o fantástico e para onde nos leva? Sua abordagem é, nesse sentido, nova, filosófica. O grande diferencial de Hoffman é essa mistura do real e do fantástico que dá autenticidade à sua narrativa. 2. A obra. Esta história tem uma parte epistolar e uma parte narrada. A parte epistolar é composta por três cartas. A narração é a parte mais longa da história. O nome da obra está associado à imagem folclórica da Europa Ocidental do Homem-Areia : na interpretação da mãe de Natanael, esta é uma bela metáfora, com a qual ela explica o processo de “fechar os olhos” antes de ir para a cama; no entendimento antigo, esta é uma criatura do mal que joga areia nos olhos das crianças malcriadas para que se encha de sangue, depois ele as esconde em uma bolsa e as leva para a lua, para um ninho onde vivem seus filhotes. Natanael toma essa história como verdade desde sua infância. Com o tempo, o herói percebe que Homem da Areia não é bem o que dizem sobre ele, e deixa de associar seus medos de infância a um personagem desconhecido. Apesar do pequeno Natanael já ter dez anos e ser grande e inteligente o suficiente para entender que a história que sua mãe contava era apenas um folclore, o medo dele estava firmemente enraizado nele. Até que um dia, depois que a mãe mandou todos se deitarem quando deu 9 horas da noite, ele decidiu descobrir como é o Homem da Areia, então se escondeu atrás da cortina no escritório de seu pai. Quando o visitante chegou ele reconheceu o advogado da família, Coppelius, uma personalidade repulsiva que as crianças costumavam evitar quando ele às vezes aparecia em um jantar, e agora o identifica como o temível Homem da Areia. Quanto ao desenvolvimento desta cena, o escritor já levanta dúvidas se estamos lidando com o primeiro ataque de loucura de um menino medroso, ou com tal história, que deve ser entendida como real dentro do mundo ficcional do romance, do fantástico. O pai e seu convidado começaram a trabalhar, então o pequeno espião ouve Coppelius exclamar: “Olhos aqui, olhos aqui!” enquanto o pai implora que ele deixe os olhos da criança. Um ano depois, durante outra visita do Homem da Areia, o pai morre em uma explosão em seu escritório - que na verdade era um laboratório de alquimia e o advogado desaparece sem deixar vestígios. Em vários momentos no conto, o protagonista enfatiza a dificuldade de expressar em palavras as próprias emoções e percepções irracionais e incompreensíveis, que todos somos suscetíveis a experimentar. Fica evidente a dificuldade de expressar essas imagens que ele vê em sua mente, com todos os detalhes e traços, mas que não consegue encontrar palavras para descrever. E essa dificuldade se estende ao próprio problema de como abordar sua história, como iniciá-la: “Então, resolvi não começar a história. Meu caro leitor, você terá a bondade de considerar as três cartas, que o amigo Lothar teve a gentileza de me mostrar, como esboço da imagem que tentarei colorir, cada vez mais. Talvez eu consiga, como bom retratista, captar algumas fisionomias tão bem que, mesmo sem conhecer o original, você as julgará parecidas, chegando a acreditar tê-las visto pessoalmente. Talvez – ó meu leitor – você chegue até a pensar que não exista nada mais extraordinário ou mais louco do que a vida real, e que apenas o poeta esteja capacitado a aprender, como se fosse vago reflexo de espelho mal polido” Ao crescer, Natanael se permite ir além da percepção mística do mundo, faz faculdade e tem uma noiva, Clara. Mas ainda demonstra despreparo para compreender o mundo real e não esquece jamais que aos dez anos, se tornou testemunha de estranhos atos praticados por seu pai e um velho advogado. A busca de Natanael já começou, que nada mais é do que descobrir quem é o homem na areia. E também se instalou a dicotomia razão-imaginação. Do ponto de vista da psicologia, Natanael sofreu um grave trauma psicológico e carrega seu efeito destrutivo durante toda a sua juventude (tempo de seus estudos na Geórgia). Depois de anos o velho advogado aparece para o herói no início como vendedor de barômetros, e depois como um mecânico piemontês Coppola, que vende uma variedade de instrumentos ópticos ( óculos, lunetas etc.). Diante de uma criatura diabólica, Natanael fica horrorizado e começa a antecipar sua morte iminente. A princípio, ele se segura graças a Clara, sua prometida, que considera seus medos uma bobagem vazia. A terceira parte da narrativa trata da estranha relação amorosa que Natanael mantém com Olímpia. Após um incêndio no prédio onde mora, Natanael ocupa uma casa nova localizada em frente à casa do Professor Spallanzani. Da janela do seu quarto observa Olímpia, a quem considera a filha de Spallanzani. Ele percebe que Olímpia costuma estar sozinha, sentada ao lado de uma mesa pequena, não fala e nem se mexe; Ele passa horas na mesma posição. Com a ajuda dos óculos que Coppola lhe vendeu, ele observa seu rosto maravilhoso. Até que o professor Spallanzani faz uma festa para apresentar Olímpia à sociedade. Durante o evento, Natanael se aproxima de Olímpia, dança com ela e declara seu amor; mas também sente a frieza de suas mãos e lábios. Um amigo, adverte Natanael que ela é estranha mas o jovem acha que ele é apenas incapaz de compreender seu verdadeiro espírito intenso. O amor apaixonado de Natanael por Olímpia abala o seu relacionamento com Clara. Em certo sentido, ele se apaixona pelo autômato sem alma por causa de sua própria natureza: ele gosta de ser ouvido sem interrupção; quando estão encantados com tudo o que ele disse; quando ele vê em um ente querido um reflexo de sua própria alma e nada mais diferente de uma pessoa cheia de opiniões e críticas, como Clara, que para ele não entendia dessas coisas intensas como Olímpia então ela que era um robô. Ela podia ouvi-lo por horas sem se mexer e até sem piscar e isso o fazia interpretar sinais de delicadeza e romantismo, mesmo que fosse fria quando ele o tocava e seus olhos fossem fixos e mortos ele ainda se mantém apaixonado. Ao contrário dela, sua namorada humana, Clara piscava sempre e não suportava seus delírios infinitos e falava a realidade como ela é. O autômato, expresso no conto tem uma terrível conclusão sobre a indistinguibilidade do mecânico/morto do natural/espiritual, está intimamente ligado no conto à imagem simbólica dos olhos, que são reflexo tanto da alma e também da vida dele. Quando criança, Natanael teme por seus olhos; em sua juventude - ele se apaixona pelos olhos artificiais de Olímpia. Em uma carta de do personagem paraLothar, ele declara que afinal Coppola não é Coppelius: Coppola é claramente italiano, significa que Coppelius era alemão, e Coppola também é o novo professor de física: Spallanzani, que também é italiano e conhece Coppola há muitos anos. Os olhos constituem um dos motivos centrais da narração, os olhos são considerados o 'espelho da alma', uma maneira de olhar para dentro de outro ser humano. Fica evidente que os transtornos mentais de Natanael tem muita ligação com os olhos, pois eles afetam tanto sua percepção ótica do mundo externo,por isso ele vê simbolismo onde não há nada e ainda acha que um óculos vai fazer vê-lo mais intimamente alguém. A loucura dele faz com que tenha essa dissociação de si mesmo, a confusão entre realidade e fantasia. Exatamente onde quero chegar, na analogia que o personagem faz com a história do homem na areia, a perda dos olhos. Por isso ele se encanta pelos olhos vazios de Olímpia. Clara é quem tenta, em última análise, convencê-lo de que seus medos são fruto da imaginação de uma criança. A posição racional de Clara é, portanto, o contraponto a essa outra realidade que o personagem de Natanael está vivenciando. Encontramo-nos, mais uma vez, com a razão contra a imaginação. Ao decorrer do conto fica cada vez mais evidente que ele, incapaz de distinguir a realidade da fantasia, é fascinado pelo maravilhoso e misterioso e por não se integrar à sociedade acaba se fechando para o mundo. Ademais, continua dizendo ser perseguido pelo Homem da Areia. Existem várias teorias, até lógicas que inferem que Clara representaria o Iluminismo e Natanael o Romantismo: "O próprio nome de Clara, seguindo sua origem latina, alude à claridade, à luz, à diáfana, à clarividência, ao que é compreensível, óbvio ou plausível. Clara é representativa de uma visão de próprio mundo da ilustração.(...) No mundo que o cerca ele não observa nada misterioso ou inexplicável. (Maldonado 2001: 83) Depois de descobrir que Olímpia é apenas um ser inanimado de repente seu mundo de relações imaginárias entra em crise, o que era suave e simbólico é descoberto grosseiramente, ele é obrigado a encarar e insuportável vida real, é nesse momento que ele enlouquece. Natanael enlouquece e precisa receber tratamento, depois de um tempo recupera sua saúde mental e tenta voltar a viver a vida real, volta a namorar Clara. Até que um dia os dois decidem subir no campanário para contemplar a paisagem e Natanael olha pela luneta. Então ele pensa que vê Coppelius novamente, ou Coppola – e nunca fica claro se eles são a mesma pessoa. Em uma nova explosão de loucura, ele quer jogar Clara do alto, mas no final é ele quem se joga no vazio. Como final, conta-se que anos depois Clara foi vista, feliz com um homem sensato e bonito com quem formou uma família e vive em harmonia com o mundo e a natureza, algo que teria sido impossível com o jovem Natanael. Assim ele volta a si, o verdadeiro amante volta a ficar perto do seu verdadeiro lugar: seu coração e seus únicos olhos. REFERÊNCIAS [3] Hoffmann, ETA: 1876, Der Einsiedler Serapion , tradução para o espanhol de Lupiani, C. e R., Los Hermanos de San Serapión , Anaya, Madrid, 1988, p. 63. In González, A.: 2008, Arte e terror , Mudito & Co., Barcelona, pág. 16. Das Unheimliche , 1919, tradução espaCattaneo Rodríguez, G. (2012). Lo ominoso y el artefacto de la mirada. Affectio Soc.(Medellin), 8(15), 81-98.nhola de L. López-Ballesteros e Torres: “Lo sinister”, em Hoffmann, ETA: El hombre de la arena , José J. de Olañeta Editor, Palma de Mallorca, 2001. Freud, S. (1987). Edição Standard brasileira das Obras psicológicas completas de S. F. CD-ROM. Rio de Janeiro: Imago. Pulsões e destinos da pulsão (1915); “O Estranho” (1919h). Quinet, A. (2002) Um olhar a mais. Rio de Janeiro: Jorge Zahar. Calvino, I. (2004) Contos fantásticos do século XIX escolhidos por Italo Calvino. São Paulo: Companhia das Letras. Rodríguez, J. V. O Homem de Areia, o estranho e as estruturas do fantástico. http://www.unicamp.br/iel/site/alunos/publicacoes/textos/h00001.htm Todorov, T. (1975) Introdução à Literatura Fantástica. Símbolo, São Paulo.