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W BA 11 15 _V 1. 0 PROCESSOS FERMENTATIVOS 2 Tallyta Santos Teixeira São Paulo Platos Soluções Educacionais S.A 2022 PROCESSOS FERMENTATIVOS 1ª edição 3 2022 Platos Soluções Educacionais S.A Alameda Santos, n° 960 – Cerqueira César CEP: 01418-002— São Paulo — SP Homepage: https://www.platosedu.com.br/ Head de Platos Soluções Educacionais S.A Silvia Rodrigues Cima Bizatto Conselho Acadêmico Alessandra Cristina Fahl Camila Braga de Oliveira Higa Camila Turchetti Bacan Gabiatti Giani Vendramel de Oliveira Gislaine Denisale Ferreira Henrique Salustiano Silva Mariana Gerardi Mello Nirse Ruscheinsky Breternitz Priscila Pereira Silva Tayra Carolina Nascimento Aleixo Coordenador Nirse Ruscheinsky Breternitz Revisor Rayane Kunert Langbehn Editorial Beatriz Meloni Montefusco Carolina Yaly Mariana de Campos Barroso Paola Andressa Machado Leal Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)_____________________________________________________________________________ Teixeira, Tallyta Santos Processos fermentativos / Tallyta Santos Teixeira. – São Paulo: Platos Soluções Educacionais S.A., 2022. 44 p. ISBN 978-65-5356-253-0 1. Reatores em processos microbianos. 2. Reatores ideais. 3. Reatores não ideais. I. Título. CDD 660.62 _____________________________________________________________________________ Evelyn Moraes – CRB: 010289/O T266p © 2022 por Platos Soluções Educacionais S.A. Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida ou transmitida de qualquer modo ou por qualquer outro meio, eletrônico ou mecânico, incluindo fotocópia, gravação ou qualquer outro tipo de sistema de armazenamento e transmissão de informação, sem prévia autorização, por escrito, da Platos Soluções Educacionais S.A. https://www.platosedu.com.br/ 4 SUMÁRIO Apresentação da disciplina __________________________________ 05 Fundamentos de Processos Fermentativos __________________ 07 Bioquímica aplicada a Processos Fermentativos _____________ 20 Produção de biomassa e Cultivo celular ______________________ 33 Aplicação industrial dos Processos Fermentativos ___________ 45 PROCESSOS FERMENTATIVOS 5 Apresentação da disciplina Olá, aluno(a)! A disciplina de Processos fermentativos fornecerá conceitos e aplicações necessárias para que um especialista em Biotecnologia possa atuar no mercado de trabalho. Além de instigar sua curiosidade para aprofundar os conhecimentos sobre esse mundo dos processos fermentativos. O objetivo da disciplina é fazer com que você estude a aplicação dos reatores em processos microbianos e identifique as aplicações industriais dos diferentes bioprocessos. Dessa forma, a disciplina está dividida em quatro unidades. As duas primeiras unidades são mais teóricas, enquanto as duas últimas possuem uma formatação mais aplicada. A primeira unidade abordará sobre os Fundamentos dos Processos Fermentativos, ou seja, sobre tipos de processos fermentativos, principais tipos de biorreatores, cinética microbiana e modelos matemáticos. Enquanto a segunda unidade, mostrará sobre a bioquímica relacionada a processos fermentativos. Logo em seguida, será mostrada a produção de biomassa e o cultivo celular microbiano, vegetal e animal, na unidade três. Fecharemos esta disciplina com a aplicação industrial dos processos fermentativos, mostrando como podem ser aplicados para a obtenção de alimentos fermentados, medicamentos e etanol, e como o conceito de biorrefinaria pode ser inserido neste contexto geral. 6 Que você esteja ansioso(a) para começar essa jornada sobre os processos fermentativos e aproveite cada etapa para adquirir mais conhecimento sobre esse assunto fantástico. 7 Fundamentos de Processos Fermentativos Autoria: Tallyta Santos Teixeira Leitura crítica: Rayane Kunert Langbehn Objetivos • Compreender os princípios básicos de processos fermentativos, como tipos e formas de condução de processos fermentativos e onde ocorrem. • Entender sobre a cinética de crescimento microbiano. • Estudar a aplicação de modelos matemáticos modernos em processos fermentativos. 8 1. Princípios básicos de processos fermentativos Os processos fermentativos estão presentes no ramo da Biotecnologia, da Engenharia Química, Bioquímica e de Bioprocessos, ou seja, em qualquer área que utiliza organismos vivos para obtenção de algum produto de interesse. O que é um processo fermentativo? Como pode ser aplicado industrialmente ou no cotidiano? Essas e outras perguntas serão respondidas neste tema de estudo. O processo fermentativo consiste na utilização de um microrganismo, que consumirá determinado nutriente no meio de cultivo (substrato) e converterá em um produto (intermediário metabólico ou final). Este produto pode ser enzima, antibiótico, iogurte, cerveja, entre outros. O sucesso de um processo fermentativo necessita atender aos seguintes itens: 1) escolha do microrganismo; 2) definição do meio de cultura; 3) exigências do microrganismo utilizado; 4) tipo e/ou forma de condução do processo fermentativo; 5) recuperação do produto de interesse (SCHIMDELL et al., 2021). Neste tema, aprofundaremos no quarto, que é o tipo de processo fermentativo, também associado ao terceiro, que diz respeito ao atendimento das exigências (fisiológicas e nutricionais) do microrganismo, de acordo com o tipo de processo fermentativo escolhido. Agora, você conhecerá um pouco mais sobre os tipos de processos fermentativos e quando podem ser utilizados. 1.1 Processos fermentativos 1.1.1 Tipos de fermentação Os processos fermentativos podem ser divididos em dois tipos: Fermentação em Estado Sólido (FES) e Fermentação Submersa (FS). 9 A FES, ou fermentação em meio sólido (FMS), se caracteriza pelo crescimento dos microrganismos em substratos sólidos umedecidos. Nesse tipo de fermentação, a umidade é um fator importante, pois a presença de água livre (denominada atividade de água e abreviada como Aw) é determinante para o crescimento do microrganismo e produção do produto de interesse. A Fermentação em Estado Sólido (FES) é muito utilizada devido à possibilidade de reaproveitar resíduos agroindustriais, como substrato de baixo custo e a pouca geração de efluente. Dessa forma, é empregada para produção de enzimas e de cogumelos, a fim de reduzir os custos do processo e oferecer um produto acessível economicamente (SCHMIDELL et al., 2021). Já a fermentação submersa, ou fermentação líquida, é caracterizada pelo cultivo do microrganismo em meio líquido. Este tipo de fermentação é um dos mais utilizados na indústria alimentícia e farmacêutica, devido a variedade de formas de condução que garantem maior produtividade (SCHIMDELL et al., 2021). O que é isso e quais são essas formas de condução? É o que veremos a seguir. 1.1.2 Formas de condução A forma de condução é uma estratégia adotada para alcançar os melhores rendimentos de determinado processo fermentativo, considerando a peculiaridade fisiológica do microrganismo e das características do processo submerso ou em estado sólido. Podem ser classificados em descontínuo simples, descontínuo alimentado e contínuo (SCHMIDELL et al., 2021). O processo Descontínuo Simples, também chamado de Batelada Simples, consiste na adição de substrato apenas no início do processo. Dessa forma, o processo termina quando não há mais nutrientes no meio. A partir de então, o produto de interesse pode ser retirado do reator. Vale ressaltar que pode ser necessário adicionar ácido ou base 10 para o controle do pH, antiespumante ou O2 (em caso de processos aeróbicos) no decorrer do processo. A vantagem da condução em batelada é o menor risco de contaminação e, por isso, pode ser utilizada para a produção de substâncias de maior valor agregado, tais como antibióticos, antígenos, enzimas e vacinas. No entanto, resulta em menor produtividade devido inibição/ repressão/ desvio do substrato, visto que é adicionado apenasuma vez no processo. Além disso, há os tempos mortos, que são tempos de parada de produção para limpeza e a esterilização do reator antes de uma nova fermentação (SCHMIDELL et al., 2021). Por sua vez, o processo Descontínuo Alimentado, também chamado de Batelada Alimentada, consiste na adição de um ou mais nutrientes no decorrer da fermentação. Para isso, é necessário conhecer a fisiologia do microrganismo e a velocidade da reação. Tais informações permitirão montar a curva de crescimento microbiano e identificar o período de limitação de nutrientes, a fim de determinar o momento ideal para adicionar o substrato. Isso significa que o substrato é inserido gradativamente e continuamente durante o processo para suprir as necessidades nutricionais do microrganismo. A Batelada Alimentada surgiu como uma alternativa à Batelada Simples para diminuir o risco de inibição/ repressão/ desvio e aumentar a produção. Este processo pode ser utilizado para a produção de acetona, glicerol e ácido lático (SCHMIDELL et al., 2021). De forma suscinta, a Batelada Alimentada pode ser vista como um modo de operação intermediário entre batelada (única alimentação no início do processo) e contínuo. No processo contínuo, a alimentação do reator é contínua e feita de acordo com a necessidade do microrganismo com vazão (quantidade em volume de meio de cultivo que entra no reator por unidade de tempo) constante, ou seja, o volume de entrada de substrato é igual ao volume de saída do produto dentro do reator ao longo do tempo, não tendo acúmulo. Isso implica que o volume de meio de cultivo dentro do reator também é constante em um processo contínuo. 11 Este processo pode ocorrer em único ou em múltiplos estágios e, ainda, com única ou múltiplas alimentações. Além disso, a condução em contínuo é um sistema aberto e garante maior produtividade, desta forma, é utilizada para a produção de produtos de baixo valor agregado, tal como etanol. Como vantagens, há a maior produção, obtenção de caldo fermentado uniforme, menor necessidade de mão de obra e manutenção de células no mesmo estado fisiológico no decorrer do processo. Como desvantagens, há o maior investimento na planta industrial, possibilidade de ocorrência de contaminação e dificuldade de manutenção da homogeneidade do reator (SCHIMDELL et al., 2021). Após aprender sobre as formas de realizar um processo fermentativo, você pode estar se perguntando onde esses processos acontecem, não é mesmo? Eles acontecem em um reator. 1.2 Biorreatores Reator é qualquer recipiente onde um processo químico ou bioquímico acontece, sob condições controladas. Então, um Erlenmeyer, um saco de propileno, um vidro de azeitona reutilizado, uma garrafa pet, por exemplo, podem ser um reator. Para isso, é preciso que ocorra algum processo químico ou bioquímico dentro do recipiente e que condições como temperatura, pH e umidade, sejam minimamente controladas, nem que seja inicialmente. De acordo com a resposta previsível ou não do comportamento do processo fermentativo, dentro de um reator, pode ser considerado ideal ou não ideal. Dessa forma, os reatores ideais, seguem modelos matemáticos preditos, o que facilita a operação e controle de um processo fermentativo. Os reatores industriais são projetados como reatores ideais, mas, muitas vezes, comportamentos reais, como alterações de vazão e mistura, podem fazê-los destoarem da idealidade. 12 Devido à presença de microrganismos nos processos bioquímicos/ fermentativos, o reator pode ser chamado de biorreator, porém, assim como existem diferentes cores em uma cartela de tinta que podem ser utilizadas ao gosto do cliente que construirá uma casa, por exemplo, existem diversos biorreatores. Existe uma infinidade de biorreatores no mercado, com diferentes aplicações, vantagens e desvantagens. Veremos sobre os três tipos mais utilizados para fermentação submersa, bem como as características, vantagens, desvantagens e aplicações deles, a fim de sabermos quando podem ser escolhidos e utilizados. 1.2.1 Batelada O reator em batelada (do inglês, Batch Reator, abreviado como BR) opera em sistema fechado, com a entrada de reagente/ substrato no início da reação, e abertura do sistema/ reator apenas no final do processo para coleta do produto de interesse. Pode ser utilizado em pequena escala, sendo útil para testes de novos processos, porém, como é utilizado em processo descontínuo, não permite grandes conversões como nos sistemas contínuos. Tais reatores possuem sistema de agitação, aquecimento e resfriamento, que permite uma boa homogeneização do meio, além do controle da temperatura ideal para que um processo ocorra (SCHMIDELL et al., 2021). Entre as vantagens, o reator em batelada apresenta conversões elevadas, flexibilidade de operação, facilidade de limpeza, tempo de residência bem definido e melhor controle de processos com altas viscosidades. Apresenta como desvantagens: elevado custo de operação e, por isso, é destinado a produtos mais caros; variabilidade de produtos em larga escala e limitado controle de temperatura (SCHMIDELL et al., 2021). Esse tipo de biorreator é utilizado para indústria de pigmentos, alimentícia, farmacêutica e de cosméticos. 13 1.2.2 Reator contínuo de tanque agitado (CSTR) O reator contínuo de tanque agitado ou perfeitamente agitado (do inglês, Continuous Stirred-Tank Reactor, abreviado como, CSTR), como o próprio nome diz, é um tanque agitado de mistura perfeita operado de forma contínua. Assim, as variáveis de temperatura, concentração do substrato e produto são iguais em todos os pontos dentro do reator (FOGLER, 2009, p.10). Um reator do tipo CSTR é utilizado quando a agitação intensa é requerida, com o borbulhamento de um gás, por exemplo. Além disso, é aplicado em processos com reações em fase líquida e em reações bifásicas. Apresenta como vantagem a facilidade de controle da temperatura e de regulação da vazão da alimentação, que, por sua vez, pode auxiliar no controle de reações paralelas indesejáveis, mantendo uma baixa concentração de um dos reagentes. Além disso, pode ser configurado para operar em sistemas de reatores em série. No entanto, apresenta como desvantagem a necessidade de ter um grande volume de reator para obter altas conversões de reagente em produto (FOGLER, 2009, p. 17). Devido ao grande volume alcançado e ao processo contínuo rápido e econômico, é muito explorado pela indústria química e farmacêutica. Apesar do projeto de reatores CSTR considerá-los perfeitamente agitados, na prática, podem existir zonas de estagnação no fundo do reator, que criam o chamado volume morto. Além disso, pode haver um caminho em diagonal e mais curto chamado by-pass, pelo qual o reagente atravessa o reator sem se misturar com os fluidos. Esses dois fatores podem fazer com que o reator, inicialmente, projetado como ideal, se torne não ideal, pois, apesar de serem previstos, não podem ser controlados e nem estimados matematicamente, com precisão. Isso pode afetar negativamente a eficiência do processo fermentativo e torna necessária a realização de estudos para minimizar esses efeitos (RANADE, 2001, p.12). 14 1.2.3 Reator tubular (PFR) O reator tubular (do inglês, Plug Flow Reactor, abreviado como PFR) é constituído por um longo tubo ou feixe de tubos e é, frequentemente, utilizado em processos na fase gasosa, mas também pode ser aplicado em processos na fase líquida. Neste tipo de reator, os reagentes são continuamente consumidos à medida que percorrem o reator. Dessa forma, há uma variação da concentração do reagente ao longo do reator. No entanto, não há variação na velocidade da reação (velocidade no fim do reator = velocidade no início do reator), pois a velocidade de escoamento é uniforme. O mesmo acontece com a variação radial da concentração e da temperatura (FOGLER, 2009, p.11-12). Esse tipo de reator é de fácil manutenção por possuir partes móveis, baixo custo operacional e maiorconversão por volume, se comparado com os demais reatores de uso contínuo. Por outro lado, o controle de temperatura em um reator PFR é mais complexo, pois não há uma mistura perfeitamente homogênea, como em um CSTR. (FOGLER, 2009, p.18). O PFR possui também comportamentos reais que podem fugir da idealidade projetada. Neste caso, a formação de zonas de misturas na entrada do reator devido à vorticidade e turbulência da inserção do substrato num escoamento empistonado pode torná-lo não-ideal (RANADE, 2001, p.12). Este tipo de reator é utilizado para produção de biomassa de microalgas (Clorella sp.), em tubos transparentes que permitem uma boa incidência de luz e não necessitam de uma agitação (mistura perfeitamente homogênea). Até aqui, vocês aprenderam sobre os princípios básicos de um processo fermentativo, focando nos tipos e nos principais biorreatores. No entanto, falta falar sobre os protagonistas dos processos fermentativos, que são os microrganismos. Os microrganismos possuem comportamentos característicos que nos permitem controlar os processos fermentativos, veremos isso no tópico a seguir, sobre a cinética de crescimento microbiano. 15 2. Cinética de crescimento microbiano O crescimento microbiano pode ser quantificado experimentalmente de várias formas: 1) determinação do peso seco ou úmido; 2) turbidimetria; 3) contagem de microrganismos, por exemplo. Além dessas técnicas, o crescimento microbiano também pode ser expresso graficamente, plotando o número de células de um microrganismo, em escala logarítmica, em função do tempo, como visualizada na Figura 1. Figura 1 – Fases da curva de crescimento microbiano Fonte: elaborado pela autora. A fase lag é a fase inicial do crescimento microbiano, seguida pela fase de crescimento exponencial (fase log), fase estacionária e fase de declínio ou morte. Conhecer estas fases, permite uma melhor condução do processo fermentativo e, consequentemente, do produto de interesse (ALTERTHUM et al., 2020, p. 42-46). Por exemplo, sabendo que a bactéria Clostridium sp. possui fase log de 8-10h, podemos cultivar os microrganismos, por este mesmo período, em uma solução com condições ótimas para o seu crescimento, que chamaremos de pré-inóculo. Assim, obtemos o inóculo que será adicionado 16 ao biorreator para iniciar o processo fermentativo. Sabendo, ainda, que o produto de interesse é obtido após vinte horas de cultivo, durante a fase estacionária da bactéria, é mais fácil realizar o processo em um reator batelada. Vale lembrar que que precisamos considerar as condições ótimas de temperatura, pH, vazão do substrato, taxa de agitação e aeração, por exemplo, mas quais outras variáveis podem ser estudadas durante um processo fermentativo? Como este estudo pode ser realizado? As concentrações do substrato, produto ou microrganismo, ao longo do tempo, são variáveis de um processo fermentativo que podem ser obtidas a partir de um estudo cinético. A partir deste estudo, calcularemos as velocidades de consumo e formação dos compostos de interesse e os fatores de conversão, que serão fundamentais para o dimensionamento do processo em escala industrial. Além disso, os dados cinéticos servem para criar modelos cinéticos ou ainda podem ser ajustados a modelos já existentes. Entre os modelos cinéticos já existentes, pode ser citado o proposto por Monod, que mensura a relação da concentração do substrato limitante (S) do meio com a velocidade específica (µx) do microrganismo, em função da máxima velocidade específica do microrganismo (µm) e a constante de saturação do substrato (Ks): Equação de Monod: Uma das desvantagens da equação de Monod é que não leva em consideração o efeito inibidor presente no meio, que é típico em processos fermentativos que utilizam materiais lignocelulósicos como substrato. Neste caso, outras equações podem ser utilizadas como de Teissier, Moser, Contois e Fujimoto e Powell (SCHMIDELL et al., 2021). 17 Além de equações para prever a relação e cinética dos substratos, produtos de interesse e do microrganismo, será que é possível prever outros fatores matematicamente? 3. Modelos matemáticos modernos Os modelos matemáticos modernos podem relacionar uma série de fatores ambientais, como pH, temperatura, vazão do substrato e composição de substrato, com a população microbiana. Isso pode ser feito a partir de modelos fenomenológicos, no qual o modelo é construído para explicar fenômenos empíricos, ou, ainda, modelos chamados de entrada-saída, no qual são construídas equações matemáticas com base na entrada de dados obtidos empiricamente (SCHIMIDELL et al., 2021). Podem, ainda, ser contemplados os modelos matemáticos que visam simular computacionalmente um sistema (SCHIMDELL et al., 2021) ou, ainda, os modelos estatísticos, utilizados para planejamento e otimização de processos. Entre os modelos para selecionar variáveis de um processo, pode ser utilizado o planejamento fatorial para casos em que se deseja estudar até oito variáveis independentes. Para estudos com mais de oito variáveis, pode ser utilizado o modelo Plackett e Burman (PB). Nesses casos, são escolhidas a quantidade de variáveis a serem avaliadas e os níveis. Os níveis representam as variações do parâmetro avaliado, geralmente, em um ponto máximo, central e mínimo. Por exemplo, temperatura a 0 ºC, 25 ºC e 40 ºC, ou, ainda, um pH ácido, neutro e outro básico (RODRIGUES; IEMMA, 2014). Imagine que um biotecnologista queira avaliar a produção de enzimas celulolíticas em três temperaturas e três substratos diferentes. Neste caso, existem três níveis e duas variáveis, e pode ser utilizado um planejamento 18 fatorial. Os níveis serão descritos no planejamento como -1, 0 e +1, e combinados com as variáveis a serem estudadas no modelo matemático. Experimentalmente, será feita uma codificação, na qual -1, 0 e +1, podem se referir as temperaturas (20, 30 e 40 ºC) e aos substratos (X, Y e Z). Finalizado o experimento, uma resposta de cada possibilidade testada deverá ser devolvida pelo programa computacional para gerar uma superfície resposta e um modelo matemático. Neste caso, a variável resposta seria a atividade celulolítica, pois o biotecnologista quer avaliar a melhor condição para a produção desta enzima. Neste tema, foi possível estudar os fundamentos de um processo fermentativo. Inicialmente, você pode verificar quais tipos de processos fermentativos existem: fermentação em estado sólido e fermentação submersa, assim como suas formas de condução. Em seguida, conheceu onde ocorre a mágica do processo fermentativo (reatores/ biorreatores) e como os protagonistas desse processo, os microrganismos, podem ter seu comportamento predito (ou uma tentativa disso) a partir de modelos cinéticos, como Monod. Além de estimar o comportamento dos microrganismos, é possível saber sobre as fases do crescimento deste e calcular as variáveis ótimas de um processo a partir de modelos matemáticos modernos. Dessa forma, todos os componentes de um processo fermentativo podem ser cuidadosamente escolhidos, a partir das características principais, aplicações, vantagens e desvantagens. Cabe a você, biotecnologista, fazer a melhor escolha em cada situação, de acordo com o seu conhecimento prévio e adquirido. Referências ALTERTHUM, F.; SCHMIDELL, W.; LIMA, U. de A. et al. Biotecnologia industrial: fundamentos. v. 1., 2. ed. São Paulo: Blucher, 2020. 19 FOGLER, H. S. Elementos de Engenharia das Reações Químicas. 4. ed. Rio de Janeiro: LTC, 2009. RANADE, V. V. Computacional flow modeling for Chemical reactor engineering. London: Academic Press, 2001. RODRIGUES, M. I.; IEMMA, A. F. Planejamento de experimentos e otimização de processos. 3. ed. Campinas: Cáritas, 2014. SCHMIDELL, W.; ALTERTHUM, F.; LIMA, U. de A. et al; MORAES, I. de O. Biotecnologia industrial: Engenharia Bioquímica. v. 2., 2.ed. São Paulo: Blucher, 2021. 20 Bioquímica aplicada a Processos Fermentativos Autoria:Tallyta Santos Teixeira Leitura crítica: Rayane Kunert Langbehn Objetivos • Compreender sobre os conceitos, vias metabólicas, processos e produtos relacionados com a bioquímica da fermentação. • Entender sobre os efeitos Pasteur e Contra Pasteur. • Analisar a importância da aeração e da agitação nos processos fermentativos. 21 1. Bioquímica da fermentação Antes de entender sobre a bioquímica aplicada à fermentação, é importante saber sobre alguns conceitos importantes. O que é a bioquímica? O que é uma fermentação? 1.1 Conceitos da Bioquímica A bioquímica é a área do conhecimento que relaciona processos químicos em sistemas biológicos. Neste caso, envolve o estudo de biomoléculas, que são compostos orgânicos de baixa massa molecular, chamados de metabólitos, e que podem ser divididos basicamente em primários e secundários. Os metabólitos primários são essenciais à sobrevivência de um organismo, como proteínas, lipídeos, ácidos nucleicos e carboidratos. Enquanto, os metabólitos secundários são moléculas específicas para o desenvolvimento, reprodução e defesa dos organismos, como compostos fenólicos, terpenos e alcaloides (LEHNINGER; NELSON; COX, 2018). Além dos metabólitos estruturais e funcionais, a Bioquímica também é responsável pelo estudo do conjunto de complexas reações que ocorrem nos organismos vivos, denominado metabolismo. Como as reações químicas podem liberar ou consumir energia, podem ser subdividas de acordo com esse balanço energético (LEHNINGER; NELSON; COX, 2018). O catabolismo compreende as reações químicas que liberam energia, chamadas de reações degradativas ou catabólicas. Isso porque ocorrem reações de quebra de compostos maiores em menores. Já o anabolismo, compreende o conjunto de reações que consomem energia, chamadas de reações biossintéticas ou anabólicas. Geralmente, ocorre com o processo inverso do catabolismo, ou seja, está envolvido na formação de substâncias maiores a partir de moléculas menores (TORTORA; FUNKE; CASE, 2017). 22 Assim, a Bioquímica pode ser vista como um estudo que relaciona a formação de moléculas dentro dos organismos vivos, mas como ela está relacionada à fermentação? Para compreender sobre isso, é importante que você entenda mais sobre o conceito e aplicação da fermentação. 1.2 Fermentação: do ponto de vista biotecnológico e bioquímico Do ponto de vista biotecnológico, a fermentação é mais que um mero processo de obtenção de energia, como, muitas vezes, dito pelo ponto de vista bioquímico. Além disso, também corresponde a um processo de geração de produtos naturais úteis aos seres humanos. Neste bioprocesso, o metabolismo microbiano é responsável pela transformação ou obtenção de alimentos e promove alterações na estrutura, textura, sabor e aroma de substratos. Os benefícios que a fermentação pode trazer são, por exemplo: o enriquecimento da dieta; destoxificação, que é a redução dos impactos negativos das toxinas ao metabolismo corporal; enriquecimento biológico; preservação do alimento; diminuição do tempo de cozimento e redução dos custos de produção (SCHMIDELL et al., 2021). Para entender o ponto de vista bioquímico sobre a fermentação, é importante diferenciar a respiração (aeróbia e anaeróbia), da fermentação. A respiração aeróbia, a respiração anaeróbia e a fermentação são processos para produção de energia pelas células vivas, ou seja, geração de ATP (adenosina trifosfato) a partir de fontes de alimento. Cada processo pode compartilhar características (mecanismos) para a produção de ATP, mas também possui suas particularidades (TORTORA; FUNKE; CASE, 2017). 1.2.1 Mecanismos de produção de energia celular (ATP) Primeiramente, é importante conhecer os mecanismos de produção de ATP pelos microrganismos, que são três: fosforilação em nível de 23 substrato (Figura 1A), fosforilação oxidativa (Figura 1B) e fotofosforilação (TORTORA; FUNKE; CASE, 2017). Na fosforilação em nível de substrato, o ATP normalmente é gerado quando um fósforo (P) de alta energia é diretamente transferido de um composto fosforilado (um substrato) para ADP (adenosina difosfato). (...) Na fosforilação oxidativa, os elétrons são transferidos de compostos orgânicos para um grupo de carreadores de elétrons (normalmente o NAD+ e FAD). (...) A sequência de carreadores de elétrons utilizada na fosforilação oxidativa é chamada de cadeia de transporte de elétrons (série de reações integradas/sistema). A transferência de elétrons de um carreador de elétrons para o próximo libera energia, sendo uma parte dela utilizada para gerar ATP a partir de ADP, em um processo chamado de quimiosmose(...). (TORTORA; FUNKE; CASE, 2017, p.118) Figura 1 – Mecanismos de fosforilação (A) em nível de substrato e (B) oxidativa, em célula eucariótica (com a presença de mitocôndria) Fonte: adaptada de VectorMine/ iStock.com. A fotofosforilação também chamada de fotossíntese, ocorre somente nas células fotossintéticas, que contêm pigmentos que absorvem a luz, como a clorofila. Na fotossíntese, moléculas orgânicas, especialmente açúcares, são sintetizadas com a energia da luz a partir de dióxido de carbono e água, que são blocos construtivos de baixa energia. A fotofosforilação inicia 24 esse processo pela conversão da energia luminosa em energia química de ATP e NADPH, que, por sua vez, são utilizados para sintetizar moléculas orgânicas. Como na fosforilação oxidativa, uma cadeia de transporte de elétrons está envolvida. (TORTORA; FUNKE; CASE, 2017, p. 118-119). Além dos mecanismos de produção do ATP, é importante conhecer as vias metabólicas envolvidas nos processos de respiração e fermentação. 1.2.2 Vias metabólicas As vias metabólicas podem ser comparadas ao mapa de uma cidade, com vários caminhos e paradas. Algumas paradas são essenciais para a sobrevivência do organismo vivo, enquanto outras podem ser caminhos alternativos, em virtude das condições do meio. Uma das vias consideradas essenciais é a glicólise (Embden Meyerhoff Parnas), que é o primeiro passo da fermentação e da respiração celular. “A glicólise é a oxidação da glicose em ácido pirúvico com a produção de algum ATP e NADH contendo energia” (TORTORA; FUNKE; CASE, 2017, p. 121). O ácido pirúvico será reduzido a Acetil CoA que vai para a lipogênese, onde ocorre a síntese de ácido graxos. Outra parte do Acetil CoA entra no ciclo de Krebs e há obtenção de aminoácidos para, posteriormente, obter proteínas e ácidos nucleicos (RNA ou DNA). Vale ressaltar que há um ganho líquido de duas moléculas de ATP para cada molécula de glicose (TORTORA; FUNKE; CASE, 2017, p. 121). Apesar da glicólise ser a via metabólica comumente empregada, há vias metabólicas alternativas utilizadas por microrganismos. A via da pentose- monofosfato funciona simultaneamente com a glicólise e fornece um meio para a quebra de açúcares de cinco carbonos, de forma semelhante ao que ocorre com a glicose (açúcar de seis carbonos). Essa via se caracteriza pela geração de pentoses intermediárias essenciais para a obtenção de outros metabólitos primários, como DNA, RNA e aminoácidos (TORTORA; FUNKE; CASE, 2017, p. 121). 25 Outra via alternativa à glicólise é a via de Entner-Doudoroff que, neste caso, consegue metabolizar a glicose sem a necessidade de vias simultâneas, como acontece na via pentose-fosfato. Esta via funciona convertendo a glicose em ácido pirúvico, assim como a glicólise. No entanto, utiliza enzimas diferentes para esta conversão. Além disso, a via de Entner-Doudoroff é encontrada em algumas bactérias gram-negativas, como Rhizobium, Pseudomonas e Agrobacterium (TORTORA; FUNKE; CASE, 2017, p. 121). 1.2.3 Diferença da fermentação para a respiração A fermentação é caracterizada por “liberar energia a partir de açúcares ou outras moléculas orgânicas, e não requerer oxigênio, mas pode ocorrer na presença dele” (TORTORA; FUNKE; CASE, 2017, p. 127). Além disso, promove a oxirredução de um composto orgânico, possui baixo potencialde energia, e ocorre a fosforilação em nível de substrato (TORTORA; FUNKE; CASE, 2017, p. 127-129). Tanto a respiração aeróbia, anaeróbia ou a fermentação, necessitam de um aceptor final de elétrons. O que caracteriza a respiração aeróbia é justamente a molécula de O2 como aceptor final. Já na respiração anaeróbia, o aceptor final de elétrons é diferente do O2, podendo ser utilizado aceptores como íon nitrato (NO3 –), sulfato (SO4 2–) e carbonato (CO3 2–), dependendo da espécie bacteriana. Já a fermentação, geralmente, utiliza uma molécula sintetizada pela célula como aceptor final de elétrons (TORTORA; FUNKE; CASE, 2017, p. 127-130). 1.2.4 Tipos de fermentação Há diversos tipos de fermentações, como alcoólica, lática, propiônica, butírica, acética, ABE (acetona-butanol-etanol), e cítrica (SCHMIDELL et al., 2021). Você sabe qual a diferença de cada tipo de fermentação? Como cada fermentação ocorre? 26 Esses tipos de fermentações ocorrem com a utilização de um substrato, que é convertido em ácido pirúvico através da via da glicólise ou qualquer outra via alternativa. Em seguida, o ácido pirúvico ou seus derivados são convertidos em diversos produtos. O que determina o tipo de fermentação, é o substrato, microrganismo utilizado e o produto obtido (TORTORA; FUNKE; CASE, 2017, p.130-132). Veja, no Quadro 1, alguns exemplos de microrganismos, substratos produto e aplicação comercial e/ou industrial para diferentes tipos de processos fermentativos. Quadro 1 – Produtos obtidos durante a fermentação a depender do microrganismo utilizado Microrganismo Substrato Produto da fermentação Uso comercial ou industrial Tipo de fermentação Streptococcus, Lactobacillus, Bacillus e/ou Pediococcus. Leite; açúcar; vegetais; carne. Ácido lático. Queijo, iogurte; pão de centeio; picles; salame. Lática. Saccharomyces. Carboidrato. Etanol e CO2. Bebidas e combustível. Alcoólica. Propionibacterium. Ácido lático. Ácido propiônico e CO2; ácido acético. Queijo suíço; Vinagre. Propiônica; acética. Clostridium. Carboidrato. Acetona, butanol e etanol; ácido butírico. Uso farmacêutico e industrial. ABE; butírica. Acetobacter. Etanol. Ácido acético. Vinagre. Acética. Aspergillus. Carboidrato. Ácido cítrico. Indústria alimentícia. Cítrica. Fonte: adaptado de Tortora, Funke e Case (2017, p. 130 e 132). Vale destacar que outros fatores determinam o produto produzido pelo microrganismo durante a fermentação. Entre esses fatores, podem ser citadas as enzimas, presentes e ativas em cada microrganismo, 27 que definirão as vias metabólicas a serem utilizadas na conversão do substrato em produto (TORTORA; FUNKE; CASE, 2017, p. 128). Dependo da quantidade de produto obtido ao final da fermentação, os microrganismos podem ser classificados como homofermentativos, se produzem apenas um produto, ou como heterofermentativos, se produzem dois ou mais. Como exemplo de microrganismo homofermentativo, podem ser citadas as bactérias do ácido láctico (BALs), como Lactobacillus e Streptococcus, que produzem apenas ácido lático. Já como microrganismo heterofermentativo, pode ser citado o gênero Clostridium que produz acetona, butanol e etanol, durante a fermentação ABE (TORTORA; FUNKE; CASE, 2017, p. 128-130). Dessa forma, é possível perceber que ao estudar a bioquímica da fermentação, você precisa compreender como as reações acontecem, na presença e ausência de determinados fatores (substrato, microrganismo, anaerobiose ou aerobiose, por exemplo). Além disso, é importante saber o que se deseja produzir e como este produto pode ser formado por métodos tradicionais ou modernos, ou seja, a partir de modificação genética. 2. Efeitos Pasteur e Contra Pasteur Cada tipo de fermentação tem suas particularidades e alguns efeitos que podem interferir no mecanismo normal da reação. A fermentação alcoólica, por exemplo, ocorre com a degradação de carboidratos com a formação de etanol e gás carbônico, mas também de subprodutos como ácidos orgânicos, glicerol e outros álcoois. É realizada principalmente pelas leveduras do gênero Saccharomyces (ALTERTHUM et al., 2020). Bioquimicamente, a obtenção de etanol e de gás carbônico ocorre através da glicólise, com a ação diversas enzimas e cofatores, mas 28 é importante lembrar que as enzimas são moléculas altamente específicas, que funcionam simplificadamente através do mecanismo chave-fechadura. Podem ter cofatores que auxiliam nesta ligação ou inibidores que afetam a atividade enzimática e, consequentemente, a conversão de substrato em produto. Como essas reações ocorrem em forma de cascata, na qual o produto de uma reação é o substrato da próxima reação, é importante se atentar a todos detalhes presentes na obtenção do produto de interesse (ALTERTHUM et al., 2020). No caso da fermentação alcoólica, o produto de interesse é o etanol. Por isso, é importante verificar, monitorar e, se possível, remover possíveis interferentes desta conversão de carboidrato em etanol (ALTERTHUM et al., 2020). Um dos efeitos conhecidos por reduzir a produção de etanol e o consumo de carboidrato pelo microrganismo, é o efeito de Pasteur. Isso pode acontecer em meio anaeróbio devido à inibição da enzima fosfofrutoquinase. Esta enzima é inibida pela presença de ATP e citrato e ativada por AMP (adenosina 3,5 monofostato), ADP e fosfato inorgânico. Então, o excesso ou falta de uma dessas moléculas ativadoras ou repressoras, pode acarretar prejuízos para ação da enzima fofosfrutoquinase, prejudicando a via da glicólise e, consequentemente, na obtenção de etanol (ALTERTHUM et al., 2020). Outro efeito é o chamado Crabtree (ou efeito contra Pasteur), que ocorre quando há produção de etanol em altas concentrações de carboidratos e aerobiose. Isso ocorre porque, nestas condições, há inibição das enzimas respiratórias e da formação da mitocôndria, onde a respiração aeróbia acontece. Conhecer esse efeito é importante para produzir etanol de forma mais eficiente e com menor gasto em termos econômicos. Isso porque é mais viável produzir etanol em aerobiose, onde o oxigênio pode ser obtido por um sistema de agitação contínua, do que na ausência de oxigênio, com injeção de gases como N2 ou CO2 (ALTERTHUM et al., 2020). 29 De forma geral, o fato da levedura conseguir respirar mesmo na ausência de oxigênio, ou seja, em anaerobiose, é chamado de efeito Pasteur. Enquanto o fato de a levedura conseguir fermentar mesmo na presença de oxigênio, ou seja, em aerobiose, é denominado de efeito contra Pasteur ou Crabtree (ALTERTHUM et al., 2020). Dessa forma, é possível notar que a ausência ou presença em diferentes concentrações de alguns compostos podem direcionar a via metabólica e promover a obtenção de um determinado produto. Esses efeitos podem ser explorados na tentativa de obter um processo fermentativo com maior conversão do produto de interesse, com menor custo (ALTERTHUM et al., 2020). Além disso, observa-se que, além do substrato (carboidrato), os gases também podem direcionar essas vias metabólicas, em especial o oxigênio. Como esses gases podem ser controlados, mensurados e inseridos em um processo fermentativo? 3. Sistemas de agitação e aeração A agitação e a aeração são parâmetros importantes de serem controlados durante uma fermentação, pois afetam o metabolismo do microrganismo e, consequentemente, o produto de interesse. Isso porque através dos sistemas de aeração e/ou agitação que é fornecido o substrato ideal para a atividade bioquímica de cada célula (SCHMIDELL et al., 2021). Há diversas ferramentas para monitorar e controlar a concentração de gases como oxigênio (O2) em um biorreator, local onde a mágica acontece. Os biorreatores do tipo CSTR, por exemplo, possuem sistemas para controle da aeração através de uma sonda ou eletrodo, que medirá o potencial gerado pelo oxigênio, determinando, assim, a quantidade de oxigênio dissolvido do meio. Neste caso, o sistema de aeração é diferentedo sistema de agitação. A agitação é proporcionada através 30 de pás, inseridas no meio do biorreator, com a função de homogeneizar solução e também de transferir oxigênio para o meio. Tendo como base um processo aeróbio, que necessita de oxigênio, é nítida a importância desta molécula para que os processos bioquímicos aconteçam. O oxigênio é importante para diversas vias metabólicas, por ser o aceptor final de elétrons e ainda permitir o armazenamento de energia nas células (SCHMIDELL et al., 2021), sendo essa reação, muitas vezes, simplificada como: C6H12O6 + 6 O2 → 6 CO2 + 6 H2O Observando a reação química de oxidação da glicose, e pensando do ponto de vista bioquímico sobre o que acontece nas células, é apenas uma faísca para uma cascata de reações celulares que acontecerão. Além disso, para que um processo fermentativo ocorra com sucesso, é importante monitorar e fornecer nutrientes necessários, no início e/ou durante o processo, a depender das necessidades do microrganismo e do produto de interesse. Por isso, é importante que haja sistemas de agitação e aeração do meio (SCHMIDELL et al., 2021). A agitação, geralmente, fornece a homogeneização do meio, mas também pode garantir a oxigenação (transferência de oxigênio), caso seja realizada continuamente e de forma vigorosa, como ocorre em reatores continuamente agitados (CSTR). Essa agitação é feita por pás (chamados também de agitadores), que podem ter vários formatos, como hélices ou discos, a depender das condições que deseja ter no meio. Isso porque a geometria, dimensões e estrutura das pás interferem na potência e vazão a ser transmitida no processo fermentativo (SCHMIDELL et al., 2021). Já a aeração, é feita por difusores ou dispersores de ar que também possuem diferentes tipos, dependendo da característica do microrganismo e do substrato utilizado. O mais utilizado é o anel de distribuição colocado após a turbina ou pás de agitação de um 31 biorreator. No entanto, em sistemas com substrato muito viscoso ou com materiais em suspensão, o ideal é utilizar difusores porosos e descartáveis que facilitem a manutenção do biorreator e o não entupimento dos difusores de ar, que fornecem os gases necessários para o metabolismo do microrganismo (SCHMIDELL et al., 2021). Há também biorreatores, em que o mesmo sistema de aeração promove a agitação do meio. Isso é o que acontece em um reator do tipo air- lift, através de borbulhamento de gases, por um sistema de coluna de bolhas. Basicamente, o biorreator air-lift consiste em um reator cilíndrico com um injetor de ar em seu interior. É exatamente esse injetor de ar central, que pode ter diferentes tamanhos e dimensões, que promove a aeração e agitação do meio. Esses sistemas também podem ser uma alternativa para bioprocessos que utilizam como substrato materiais em suspensão como resíduos agroindustriais e materiais amiláceos, por exemplo (SCHMIDELL et al., 2021). É importante destacar que como a fermentação pode ser realizada em aerobiose, tendo em vista o efeito Contra Pasteur, muitas vezes, a palavra aeração pode ser substituída pelo termo transferência de oxigênio. No entanto, outros gases também podem ser fornecidos ou monitorados no sistema. Nos bioprocessos que ocorrem em anaerobiose, o oxigênio precisa estar ausente no meio para que o microrganismo desenvolva e produza o metabólito de interesse. Nestes casos, outros gases como N2 (nitrogênio) ou de uma mistura gasosa (geralmente com N2 – nitrogênio, H2 – hidrogênio, e CO2 – dióxido de carbono), podem ser inseridos no meio para que o processo ocorra (SCHMIDELL et al., 2021). Em sistemas que ocorrem em anaerobiose, a injeção dos gases como N2, H2 e/ou CO2 é necessária para reagir com o O2 presente o meio, convertendo-o em outra substância e, assim, eliminando-o do meio para não atrapalhar o metabolismo do microrganismo que não fermentaria na presença de O2. Esse sistema de controle da anaerobiose (ausência de oxigênio) pode ser sofisticado através de biorreatores, ou ainda feito em sistemas chamados de câmaras de anaerobiose, que funcionam 32 como uma caixa isolada, onde será inserido os biorreatores. Na câmara de anaerobiose, injeta-se N2, H2 e CO2, no qual o gás hidrogênio reagirá com o oxigênio presente no meio, formando água. Por sua vez, a água formada é removida pelo carvão ativado presente na câmara de anaerobiose. Para monitorar se essa conversão está sendo eficaz, geralmente, utilizam-se métodos colorimétricos, como um papel filtro mergulhado em resazurina, que ficará rosa na presença de oxigênio e incolor na ausência deste. Dessa forma, nota-se como é importante conhecer as reações bioquímicas que acontecem dentro de um microrganismo e como isso pode ser utilizado para beneficiar um processo fermentativo, a partir de um sistema adequado de aeração e/ou agitação. Referências ALTERTHUM, F.; SCHMIDELL, W.; LIMA, U. de A. et al. Biotecnologia industrial: fundamentos. v. 1., 2. ed. São Paulo: Blucher, 2020. LEHNINGER, T. M; NELSON, D. L.; COX, M. M. Princípios de Bioquímica. 7. ed. Porto Alegre: Artmed, 2018. SCHMIDELL, W.; ALTERTHUM, F.; LIMA, U. de A. et al. Biotecnologia industrial: Engenharia Bioquímica. v. 2., 2. ed. São Paulo: Blucher, 2021. TORTORA, G. J.; FUNKE, B. R.; CASE, C. L. Microbiologia. 12. ed. Porto Alegre: Artmed, 2017. 33 Produção de biomassa e Cultivo celular Autoria: Tallyta Santos Teixeira Leitura crítica: Rayane Kunert Langbehn Objetivos • Compreender conceitos e exemplos de biomassas e as técnicas para a sua produção. • Entender sobre o cultivo celular e suas particularidades. • Verificar os procedimentos realizados nos cultivos de células microbianas, vegetais e animais. Neste tema, serão apresentados os conceitos básicos do cultivo de células microbianas, vegetais e animais. Você também aprenderá como estas células podem ser cultivadas por meio dos processos fermentativos e como são utilizadas para a produção de biomassa. Primeiramente, convém aprofundar os estudos sobre o termo biomassa. Você sabe o que é biomassa? 34 1. Biomassa: conceito e técnicas de produção O termo biomassa é, geralmente, empregado para conceituar toda matéria orgânica viva que possui energia armazenada em suas células. Entretanto, alguns pesquisadores consideram que o conceito de biomassa é válido apenas para materiais renováveis que se destinam à produção de energia. No entanto, como o conceito de energia é amplo, “o termo biomassa é utilizado para denominar o grupo de produtos energéticos e matérias-primas renováveis, obtidos a partir da matéria orgânica por via biológica” (MARAFON et al., 2016, p.7). Além disso, a biomassa pode ser classificada de acordo com sua fonte, que pode ser: vegetal (lenhoso, não-lenhoso e resíduos), animal e microbiana. Também pode estar envolvida em diversos processos de conversão, como fermentação, combustão, pirólise, esterificação e biodigestão. Assim, podemos obter vários produtos energéticos, como etanol, calor, carvão, metanol, biogás e biodiesel. Como exemplos de biomassa podem ser citados: resíduos agroindustriais (biomassa lignocelulósica/ resíduo de origem vegetal), algas Chlorella (biomassa vegetal não-lenhosa aquática), excrementos animais (biomassa animal) ou leveduras (biomassa microbiana, utilizada como ração animal ou suplemento alimentar) (MARAFON et al., 2016). Além disso, a produção de biomassa pode ser o objetivo direto ou indireto em um bioprocesso (SCHMIDELL et al., 2021). Por exemplo, para obtenção de etanol, deseja-se que haja um aumento da produção da levedura (biomassa microbiana) para alcançar maior produção do biocombustível. A obtenção do etanol é alcançada com a fermentação alcoólica, empregando a levedura e o substrato/ matéria-prima, que é uma biomassa vegetal. Neste caso, a produção da biomassa microbiana é um objetivo secundário, que está associado ao objetivo principal de produzir mais etanol, a partir de uma biomassa vegetal e microbiana.35 Já em casos de produção da microalga Chlorella sp., o objetivo principal é aumentar a quantidade de células da microalga, porque será o produto comercializado ao final do bioprocesso. Dessa forma, é possível perceber que a produção da biomassa está associada ao produto obtido a partir do processo de conversão, que, nesta disciplina, será focado em Bioprocessos. Vale destacar que para a produção da biomassa, geralmente, empregam-se algumas técnicas, que podem ser classificadas genericamente como tradicional e moderna. A diferença entre essas duas está na utilização de ferramentas mais avançadas, que caracteriza a técnica moderna (MARAFON et al., 2016, p.8). As biomassas conhecidas como modernas englobam aquelas obtidas após passar por um processamento, como o caso dos briquetes e pellets, ou por uma interferência humana, como é caso das florestas plantadas (áreas de reflorestamento, por meio do plantio, produção, manejo e colheita de culturas que atendam a um plano sustentável). As técnicas de produção de biomassa podem ter particularidades, de acordo com a origem da biomassa que se deseja produzir. Por isso, para facilitar seu entendimento, serão apresentados conceitos sobre o cultivo e, em seguida, as particularidades dos cultivos, a partir das biomassas de origem microbiana, vegetal e animal. 2. Fundamentos do cultivo celular “A célula é a unidade morfofisiológica básica dos seres vivos, com exceção dos vírus” (GONÇALVES; SOBRAL, 2020, p. 10). No entanto, cada grupo de ser vivo possui células com determinadas características. As células bacterianas são conhecidas por serem procarióticas, por exemplo. Já as células de leveduras e de fungos são eucarióticas, mas todas essas são consideras células microbianas. No caso das células vegetais e animais, mesmo sendo eucarióticas e pertencentes ao 36 domínio Eukarya, há algumas distinções básicas, como a presença de cloroplastos e de vacúolos em células vegetais, que por sua vez, não estão presentes em células animais (Figura 1). Como “o cultivo celular é uma técnica que permite manter e estudar o comportamento das células vivas fora do organismo” (GONÇALVES; SOBRAL, 2020, p. 10), é necessário conhecer as particularidades de cada célula e os conceitos gerais para alcançar o sucesso no cultivo celular. Figura 1 – Célula (A) bacteriana, (B) fúngica, (C) vegetal e (D) animal Fonte: adaptada de (A) Vitalii Dumma/ iStock.com. (B) ttsz/ iStock.com. (C); e (D) Vitalii Dumma/ iStock.com. De forma geral, o cultivo celular se baseia nas etapas de isolamento de células, seguido pelo crescimento celular, mantendo as características morfofisiológicas em condições ótimas. Estas células precisam estar viáveis, ou seja, vivas e com atividade metabólica. Por isso, é tão importante que o cultivo celular seja realizado em condições ótimas para manter a atividade celular (GONÇALVES; SOBRAL, 2020). Quais seriam essas condições ótimas? 37 Para responder a essa pergunta, devem ser observadas as características de cada célula que se deseja cultivar. No geral, a forma e meio de cultivo das células devem simular as condições naturais. Isso significa que devemos adicionar os nutrientes essenciais, como fonte de carbono, nitrogênio, minerais e vitaminas, e também manter o controle das condições físico-químicas do ambiente durante o crescimento celular (GONÇALVES; SOBRAL, 2020). A seguir, você aprenderá sobre os protocolos gerais para o cultivo de células microbianas, vegetais e animais, para que tenha uma noção dos critérios que devem ser considerados para cada tipo de cultivo. 3. Cultivo de células microbianas Para o cultivo de células microbianas, o primeiro passo é o isolamento dos microrganismos de interesse. Para isso, é necessário saber o objetivo da pesquisa, qual microrganismo queremos isolar e a fonte de isolamento, ou seja, o local onde é possível encontrar o microrganismo de interesse. Posteriormente, deve-se ter uma amostra de material, fazendo uma raspagem da superfície ou do ambiente de onde se deseja isolar, com aparatos esterilizados (como Swab) (SCHMIDELL et al., 2021). Por exemplo, se você deseja estudar os microrganismos presentes no solo, poderá coletar uma amostra de solo para isolar os microrganismos ali presentes. Se quiser analisar os microrganismos presentes na mesa de seu trabalho, pode utilizar o swab para raspar uma superfície da mesa de trabalho e obter os microrganismos para o estudo. Em alguns casos, você coletará partes do microrganismo, como em macrofungos, que são macroscópicos. Em seguida, a amostra deve ser levada ao laboratório para processamento, seja por maceração, homogeneização ou diluição. Em muitos casos, utiliza-se a diluição seriada decimal, pois esta técnica é 38 ideal para obtenção de colônias isoladas puras e idênticas. Depois, é necessário cultivar as células microbianas isoladas na forma in vitro, ou seja, cultivar em placas de Petri, atendendo aos requisitos exigidos pelo organismo que se deseja cultivar, como: meio de cultura (básico ou rico em nutrientes), tensão de oxigênio (aeróbico, anaeróbico, microaeróbico), temperatura ótima (psicrófilo, mesófilo ou termófilo), pH ótimo (ácido, básico ou neutro), tempo de cultivo, cinética de crescimento do microrganismo e forma de condução do processo fermentativo (SCHMIDELL et al., 2021). Além disso, para um cultivo de células microbianas, após o isolamento do microrganismo, realiza-se o armazenamento em bancos de cepas. A cepa referência é a cepa base para o processo fermentativo, pois, a partir dela, se obtém a cepa master e, desta, obtém-se a cepa trabalho, que pode ser obtida por meio de isolamento ou compra em bancos de cepa nacionais ou internacionais (ALTERTHUM et al., 2020). Os procedimentos para obtenção, padronização e produção de banco de cepas master e trabalho, são: 1) obtenção de cepa de referência, por meio de isolamento ou compra em bancos de cepa nacionais e internacionais; 2) ativação do banco de cepa de referência em ágar inclinado; 3) passagem para um meio líquido contendo temperatura e ph ideais; 4) centrifugação da amostra, a fim de concentrar as células e retirar os metabólitos; 5) lavagem do pellet com solução salina 0,85%; 6) centrifugação para eliminar o meio líquido e obter apenas as células; 7) adição de criopreservante, tal como glicerol, para não matar as células ao serem submetidas a baixa temperatura; 8) homogeneização da solução; 9) fracionamento, a fim de obter o banco de cepa master, que pode ser conservado a -70ºc, nitrogênio líquido ou por liofilização; 10) repique do banco de cepa master para obtenção do banco de cepa trabalho realizando as etapas de 3 a 8, e fracionando na quantidade desejada para o processo industrial (ALTERTHUM et al., 2020). 39 É importante destacar que quando o banco de cepa trabalho esgotar, deve-se obter novamente o banco de cepa master e realizar a quantidade de repiques desejados. Além disso, o cultivo de células microbianas sempre se inicia com a ativação do banco de cepas de trabalho, também denominado de pré-inóculo. Nele, ocorre o cultivo de células armazenadas em condições ótimas até se atingir a fase de crescimento exponencial, como descrito anteriormente. A partir da alíquota do pré- inóculo, você obterá o inóculo ou cultura starter que dará início ao processo fermentativo efetivamente (ALTERTHUM et al., 2020). Esse processo de escalonamento e de preparo para o cultivo de células microbianas é essencial para o ajuste gradual das células microbianas ao meio e para a obtenção do produto de interesse nas condições ótimas de pH, temperatura, agitação, aeração e nutrientes, conforme as necessidades de cada microrganismo (ALTERTHUM et al., 2020). Vale destacar que essa é uma descrição geral do processo de isolamento e cultivo de um microrganismo, mas lembre-se de que cada microrganismo terá condições ótimas de crescimento, que podem ser determinados a partir de resultados experimentaise otimização de processos, e que ainda podem ser utilizadas técnicas de engenharia genética para alterar genes específicos, dando origem a cepas geneticamente modificadas. No entanto, o processo de cultivo dessas cepas depois de transformadas, ou seja, modificadas geneticamente, segue o mesmo raciocínio do cultivo de cepas selvagens, (sem a modificação genética), que é a construção de banco de cepas, obtenção do pré-inóculo e do inóculo, nas condições gerais descritas. 4. Cultivo de células vegetais A cultura de células vegetais é utilizada para aumentar o desenvolvimento vegetativo e a produção de biomassa, por meio de 40 técnicas tradicionais e modernas (BAJAY; SORIANO, 2018, p. 93). Nos primórdios da agricultura, ao selecionar as espécies mais desejáveis, foram desenvolvidas as primeiras alterações genotípicas direcionadas, que se caracterizavam por ser um melhoramento subjetivo, podendo ser considerado mais uma arte do que uma ciência. O interessante é que no melhoramento tradicional, as espécies iguais são cruzadas pela combinação simultânea de vários genes. Entretanto, com o surgimento da Biotecnologia, esse processo se tornou mais rápido e eficaz, pois promoveu o desenvolvimento de espécies transgênicas (indivíduo no qual um gene exógeno, transgene, foi integrado ao seu genoma), trazendo melhorias na qualidade dos alimentos, tanto no aspecto nutricional quanto nas condições de cultivo (BORÉM; SANTOS, 2003; BAJAY; SORIANO, 2018). A compreensão e o domínio básico de conceitos da morfologia, fisiologia e bioquímica das plantas, garante o bom cultivo de células vegetais. Para o desenvolvimento, crescimento e diferenciação celular de uma planta, os hormônios são essenciais (BAJAY; SORIANO, 2018, p. 99). Geralmente, o meio utilizado para cultivo de células vegetais é o meio MS (meio nomeado em homenagem aos pesquisadores que o formulou, Murashige e Skoog). Este meio de cultivo é composto por macro e micronutrientes e por hormônios (como citocina, etileno, ácido abscísico, ácido jasmônico, citocinina e giberelina), que é muito utilizado para micropropagação de plantas (cultivo de mudas). Outros componentes podem ser adicionados a este meio, de acordo com as características da planta. O ágar, por exemplo, pode ser adicionado para deixar o meio mais rígido e permitir a sustentação das raízes. Dessa forma, nota-se que não há uma composição padrão do meio de cultivo para células vegetais (BAJAY; SORIANO, 2018). Cultivos feitos a partir de segmentos de plantas (flores, raízes, gemas, ápices caulinares, por exemplo) são, geralmente, realizados em meios contendo nutrientes adequados, retirados dos recipientes (tubos de ensaio, placa de petri, vasos) e, em seguida, levados para casa de 41 vegetação e para campo para se desenvolverem. Esta técnica recebe o nome de clonagem vegetal porque dá origem a plantas idênticas àquelas que deram origem ao segmento, e são muito populares na agricultura (BAJAY; SORIANO, 2018). Vale destacar que, apesar dos hormônios serem essenciais para cultivo de vegetais, sua utilização não é necessária quando realizado a partir de sementes. Neste caso, há necessidade apenas de realizar a quebra da dormência da semente, geralmente, feita com ácido sulfúrico, e a desinfecção e assepsia com hipoclorito de sódio (1%) e detergentes como TWEEN 20 (2%) (BAJAY; SORIANO, 2018). 5. Cultivo de células animais Alguns conceitos precisam ser esclarecidos antes de falar sobre o cultivo de células animais, pois são termos técnicos muito utilizados nesta área. O primeiro conceito é sobre o cultivo in vitro e in vivo. O cultivo in vitro se baseia no cultivo de células em meio sintético, que não permite o crescimento tridimensional das células, como ocorre dentro do organismo vivo. Já o cultivo in vivo utiliza animais para que as células cresçam dentro do organismo vivo. Cada tipo de cultivo tem suas vantagens e desvantagens, e, devido às questões éticas, o cultivo in vitro é o mais utilizado (GONÇALVES; SOBRAL, 2020). O cultivo celular animal in vitro apresenta como vantagens, o controle das condições ambientais (pH~7, temperatura ~37 ºC, pressão osmótica e tensão de O2 e de CO2), elevado número de testes em um pequeno intervalo tempo, redução dos ensaios com animais e custo inferior aos processos com experimentação animal. Isso significa que os meios de cultura utilizados são mais baratos e podem ser enriquecidos com soro fetal ou outros materiais de baixo custo. Além disso, há o 42 desenvolvimento de placas de poços para cultivo de células animais, que otimizam o processo, por meio da economia de tempo e das etapas de escalonamento. Como desvantagens, possui a perda de características fenotípicas, sistema biológico fora do ambiente natural e ausência de sinais importantes, como interação célula-célula (FRESHNEY, 2010). No entanto, as culturas tridimensionais (3D) in vitro estão conseguindo simular o ambiente in vivo, que, por sua vez, consegue estudar interações célula-célula e transporte de nutrientes que eram uma desvantagem para o uso do cultivo in vitro com células 2D (GONÇALVES; SOBRAL, 2020, p. 28). Outro fator interessante de ser compreendido, ao estudar as células animais, são os tipos celulares e as propriedades que apresentam. Quanto ao tipo celular, existem as células primárias ou cultura de explantes, linhagem celular contínua ou imortalizada e células transformadas. As células primárias consistem em partes dos tecidos que são cultivados e possuem características semelhantes às das células de origem, mas com capacidade finita de multiplicação celular. Como exemplo destas células, há o cultivo de neurônios do gânglio da raiz dorsal de roedores (FRESHNEY, 2010; GONÇALVES; SOBRAL, 2020). As células contínuas ou imortalizadas, por sua vez, são assim denominadas por possuírem uma capacidade infinita de multiplicação, sem perder as características das células que deram origem. Como exemplos destas células, temos células VERO, obtidas do rim de uma espécie de macaco, e as células CHO, extraídas do ovário de hamster (FRESHNEY, 2010; GONÇALVES; SOBRAL, 2020). As células transformadas, como o próprio nome já indica, são células que foram modificadas geneticamente e/ou morfologicamente e se tornam diferentes das células de origem, que, geralmente, são células tumorais, com divisão descontrolada. Um exemplo de célula transformada é a HEK293, que é uma célula do rim embrionário humano modificado geneticamente e utilizado para expressão de proteínas 43 recombinantes. É importante destacar que é possível utilizar células imortalizadas e transformadas para estudos de fármacos, como as células SH-SY5Y (FRESHNEY, 2010; GONÇALVES; SOBRAL, 2020, p. 24). A cultura de explante possui baixo crescimento, pois somente as células da borda têm capacidade de crescer e necessitam de muito meio de cultura. Já o cultivo de células imortalizadas, em comparação ao cultivo de explantes, possui capacidade infinita de multiplicação e utilização em larga escala (escala industrial). Além disso, há células imortalizadas para tudo, e as que não existem, existem empresas que criam. Tais células são de fácil cultivo e ampla aplicabilidade, quando não se preocupa com a genética e nem com a morfologia (FRESHNEY, 2010). Quanto às propriedades das células animais, podem ser aderentes, quando “dependem de ancoragem para se proliferar”, ou em suspensão quando “não necessitam de interação” para proliferarem (GONÇALVES; SOBRAL, 2020, p. 26). Saber sobre essas propriedades das células a serem cultivadas, auxilia na simulação do ambiente necessário para o cultivo das mesmas. Vale destacar que o ideal é obter células animais de bancos confiáveis e, se possível, mantê-las sobre quarentena, ou seja, não utilizar as células imediatamente para obtenção de produto, devendo cultivá-las e analisá- las morfologicamente e microbiologicamente (contaminações), pelo menos. Só, então, é recomendado realizar o cultivopara a obtenção do produto desejado. Nota-se que cada célula possui suas particularidades para o cultivo, ou seja, multiplicação celular, a fim de obter maior quantidade de células. Essas células cultivadas, seja microbiana ou vegetal, podem corresponder à produção de biomassa, tendo em vista que o conceito de biomassa envolve a obtenção de produtos energéticos ou utilização de matéria-prima renováveis. Já as células animais, geralmente, são cultivadas para aplicação na área biomédica e farmacêutica, por 44 exemplo, ao invés de uso como biomassa ou obtenção de produtos energéticos, como ocorre em células microbianas e vegetais. Para o cultivo celular vegetal, animal ou microbiano, geralmente, utilizam-se os bioprocessos, que simulam ambientes ideais para o desenvolvimento de células conforme os ajustes das condições físico-químicas e biológicas necessárias para cada célula. Então, utilizam-se essas células ou produtos obtidos por elas, para alguma aplicação industrial, como na área de alimentos, saúde e energia. Referências ALTERTHUM, F.; SCHMIDELL, W.; LIMA, U. de A. et al. Biotecnologia industrial: Fundamentos. v. 1., 2. ed. São Paulo: Blucher, 2020. BAJAY, S. K.; SORIANO, L. Biotecnologia vegetal. Londrina: Editora e Distribuidora Educacional S.A., 2018. BORÉM, A.; SANTOS, F. R. A Biotecnologia. In: COSTA, N. M. B.; BORÉM, A. Biotecnologia e Nutrição: saiba como o DNA pode enriquecer os alimentos. p. 13- 30. São Paulo: Nobel, 2003. FRESHNEY, R. I. Culture of animal cells: a manual of basic technique and specialized applications. 6 ed. New York: John Wiley & Sons Ltd, 2010. GONÇALVES, J. C. R.; SOBRAL, M. V. Cultivo de células: da teoria à bancada. João Pessoa: UFPB, 2020. MARAFON, A. C.; SANTIAGO, A. D.; AMARAL, A. F. C. et al. Uso da Biomassa para geração de energia. Aracaju: Embrapa Tabuleiros Costeiros, 2016. SCHMIDELL, W.; LIMA, U. de A.; AQUARONE, E. et al. Biotecnologia industrial: engenharia bioquímica. v. 2., 2. ed. São Paulo: Blucher, 2021. 45 Aplicação industrial dos Processos Fermentativos Autoria: Tallyta Santos Teixeira Leitura crítica: Rayane Kunert Langbehn Objetivos • Promover a reflexão sobre a diversidade de aplicação dos processos fermentativos. • Conhecer sobre os processos de obtenção dos alimentos fermentados, como picles, chucrute e azeitonas. • Compreender como o processo fermentativo pode ser aplicado para produção de medicamentos. • Entender sobre a produção de etanol e o conceito de biorrefinaria, com base no exemplo da indústria sucroalcooleira. 46 1. Processos fermentativos e suas diversas aplicações Os processos fermentativos podem ter diversas aplicações industriais, como na área alimentícia, de cosméticos, da saúde (produção de vacinas, medicamentos, kit diagnóstico) e bioenergia (biodiesel e etanol). Geralmente, na Biotecnologia, cada uma dessas aplicações pode ser identificada com uma cor (ITO, 2018). Você conhece as cores da Biotecnologia? Sabia que as cores estão intimamente ligadas com suas aplicações? Figura 1 – Relação das cores da Biotecnologia e suas aplicações Fonte: adaptada de Da Silva (2004). É claro que, em um contexto multidisciplinar, uma área acaba permeando várias cores, como é o caso da produção de etanol. Esta pode estar inclusa na área verde, do ponto de vista da matéria-prima utilizada; na Biotecnologia branca, se considerar os microrganismos utilizados para aplicação industrial; ou ainda, na Biotecnologia cinza, se considerar o processo fermentativo em si. De toda forma, as cores da Biotecnologia mostram as diversas aplicações desta ciência e aproxima os leigos, por meio dessa abordagem mais visual (DA SILVA, 2004; ITO, 2018, p. 10). Apesar da infinidade de aplicações da Biotecnologia, neste tema, será discutido com mais detalhes sobre a produção de alimentos 47 fermentados (Biotecnologia amarela), produção de medicamentos (Biotecnologia vermelha), produção de etanol (Biotecnologia verde, branca e/ou cinza) e da Biorrefinarias. 2. Obtenção de alimentos fermentados A fermentação lática é responsável pela obtenção de diversos produtos com características únicas, tal como propriedades organolépticas agradáveis e maior preservação dos alimentos devido à produção de compostos como ácido lático, ácido acético e etanol. Entre os produtos obtidos por meio da fermentação lática, estão os vegetais fermentados, como picles, chucrute e azeitona. Tais alimentos utilizam matérias-primas específicas e são submetidos a pré-tratamentos, métodos de salga e condições fermentativas diferentes. Apesar dessas diferenças, utilizam a mesma classe de microrganismos durante o processo fermentativo, que são bactérias do ácido lático (BALs), como os gêneros Leuconostoc e Lactobacillus. Possuem etapas gerais em comum: preparo da matéria- prima, salga, fermentação, vedação e enlatamento. (ITO, 2018). Vale destacar que as BALs estão presentes na microflora nativa e, por isso, em condições nutricionais, salinas, pH e temperatura ideais, pode ocorrer a fermentação lática espontânea. No entanto, geralmente, essas bactérias são inoculadas quando se realiza um bioprocesso em escala industrial, para garantir o controle e qualidade do processo e produto (ITO, 2018). Os picles são produzidos a partir de vegetais e frutas, podendo ser utilizados, por exemplo, cenouras, pepinos, nabos, couve-flor, cebolas e pepinos. Para a obtenção de picles de alta qualidade, a fermentação lática deve durar entre quatro e seis semanas. Este bioprocesso acontece em biorreatores de salmoura com concentração salina inicial igual a 10%, que aumenta gradativamente até chegar a 15%, a partir da 48 adição de cloreto de sódio (NaCl). Estando nessas condições, os pepinos sofrem fermentação lática espontânea, ou seja, com os microrganismos presentes na microflora nativa. A população microbiana predominante da etapa fermentativa espontânea pode ser dividida em três fases. Na primeira fase, há a predominância de bactérias, leveduras e fungos, em que as bactérias láticas crescem rapidamente e produzem ácidos que aumentam a acidez do meio, ou seja, reduz o pH. Tal ambiente inibe o crescimento das leveduras e fungos, e permite que a segunda fase ocorra, fase em que predominam as espécies do gênero Leuconostoc e Lactobacillus, sendo que, com o passar do tempo, há predomínio de Leuconostoc spp. Na terceira fase, verifica-se o aumento da acidez e há o predomínio do gênero Lactobacillus. É a acidez do meio que regula as espécies predominantes de cada fase. Caso o processo fermentativo seja feito com a inoculação das BALs, não acontecem essas três fases. Nestes casos, há a inoculação de bactérias do gênero Leuconostoc e Lactobacillus em um biorreator, em que ocorre a fermentação lática, com os controles dos parâmetros como pH, que indicam o fim do processo. O processo, seja espontâneo ou com a inoculação, finaliza quando a acidez total estiver em torno de 0,5-1% em ácido lático (pH 1-2) e, então o vegetal fermentado é armazenado em vinagre (MORAES, 2021). Já o chucrute, ou repolho azedo, em alemão, é o nome dado ao repolho fermentado. Primeiramente, realiza-se a seleção, sanitização e corte da matéria-prima, que, em seguida, passa por salga seca na concentração de sal de 2,5% em relação ao peso da matéria-prima. Essa concentração salina favorece um ambiente propício para a próxima etapa. Além disso, o ambiente anaeróbio, temperatura de 18 a 20 ºC e pH por volta de 3,4 a 3,6, são outros parâmetros que devem ser mantidos para permitir o crescimento das BAL. Tais parâmetros também evitam o crescimento de microrganismos deteriorantes, que podem inibir a ação das BALs e, consequentemente, a fermentação lática. 49 Vale ressaltar que os microrganismos envolvidos na produção do chucrute são as espécies: Leuconostoc mesenteroides, Lactobacillus brevis e Lactobacillus plantarum, que estão presente na própria folha do vegetal, mas também podem ser utilizados como cultura starter/inóculo(ITO, 2018; MORAES, 2021). A fermentação lática para obtenção do chucrute dura em média de um a dois meses, e é responsável pela produção de compostos que darão o sabor e aroma do chucrute. Destaca-se que o fim do processo fermentativo pode ser observado por meio do controle visual (translúcido – avaliação qualitativa) ou físico-químico (avaliação quantitativa–pH em torno de 3,4-3,6 e 1,7% de acidez expressa em % de ácido lático). Por fim, o chucrute é enlatado na própria salmoura, onde pode ser curado por certo tempo antes de consumir e/ou adicionar conservantes (MORAES, 2021). As olivas, ao contrário dos pepinos e repolhos, não podem ser consumidas in natura. Neste caso, o processo de fermentação lática das olivas dá origem às azeitonas, que são frutos saborosos e macios pela ação dos microrganismos fermentadores (ITO, 2018, p. 77). Para a obtenção de azeitonas, primeiramente, é necessário realizar um pré-tratamento com as olivas com 1-2% de hidróxido de sódio. Esse processo é denominado lixiviação e consiste na remoção do amargor do fruto, conferido pela oleuropeína. O tratamento é realizado até a solução atingir 2/3 de profundidade da polpa. Depois, os frutos são colocados em tanques com salmoura, cuja concentração inicial é de 9% e depois decai para 4%, sendo, por fim, corrigida para 6,5%. O processo fermentativo é semelhante ao do pepino, sendo que o método de salga e o período de fermentação dependem do tipo de oliva e de azeitona que se deseja ter. Os principais microrganismos responsáveis pela fermentação são Lactobacillus plantarum, Lactobacillus casei e Leuconostoc mesenteroides (MORAES, 2021). 50 Os vegetais fermentados podem ser mantidos em conserva com sal, azeite e vinagre, por exemplo, para favorecer a conservação e sabor do produto. Esta etapa também é importante para controlar o crescimento do microrganismo fermentador (BALs) (ITO, 2018, p. 78). 3. Produção de medicamentos A Biotecnologia é conhecida por atuar no desenvolvimento de medicamentos com menos efeitos colaterais, menores riscos de contaminação, mais eficazes e mais específicos (ITO, 2018, p. 103), mas como os processos fermentativos estão relacionados com a obtenção de medicamentos? Muitas macromoléculas, como proteínas e enzimas, podem atuar como princípio ativo específico para o tratamento de diversas doenças. Por exemplo, as asparaginases, obtidas a partir da fungos, podem ser empregadas para tratamento de câncer, como a leucemia. Para a obtenção destas macromoléculas, geralmente, empregam-se bioprocessos (ITO, 2018, p. 104-105). A produção da enzima L-asparaginase, que é utilizada como medicamento no tratamento de leucemia, pode ser feita a partir do cultivo de actinobactérias isoladas do solo. Os microrganismos podem ser isolados em meio seletivo. No caso do isolamento de microrganismos produtores de L-asparagina, pode ser empregado o meio de cultivo chamado ISP-2, contendo o aminoácido L-asparagina para promover a produção da enzima de interesse. Então, os microrganismos produtores de L-asparaginase poderão ser identificados por meio da coloração rosa no meio seletivo. Em seguida, esses microrganismos podem ser isolados, depois cultivados em condições ótimas de pH, temperatura e nutrientes para favorecer a máxima produção da enzima de interesse (L-asparaginase), que, depois de 51 produzida, deverá ser purificada para devida comercialização (ITO, 2018, p. 116-118). Na produção de enzimas, os microrganismos são utilizados como biofábricas para produção da molécula com ação terapêutica. Então, essa molécula é extraída, isolada e purificada. Geralmente, a etapa mais onerosa deste processo é a purificação, principalmente, quando a enzima é de origem intracelular, pois necessita da quebra das células microbianas. Só então, são empregados métodos físicos ou químicos para separação da molécula de interesse. No caso, da L-asparaginase, que é um produto extracelular, é necessário apenas o processo de filtração e centrifugação (ITO, 2018, p. 116-118). Vale destacar que “a produção de L-asparaginase é feita naturalmente pelas actinobactérias do solo e pela bactéria Zymomonas mobilis, mas em pequena quantidade” (ITO, 2018, p. 121). No entanto, é possível aumentar a quantidade desta enzima produzida em um microrganismo utilizando ferramentas da engenharia genética, ou seja, a partir da inserção do gene que codifica a L-asparaginase do produtor natural, em um sistema microbiano com maior capacidade de produção de metabólitos e fácil cultivo, como a Escherichia coli (ITO, 2018, p. 120-121). Além dessas macromoléculas, outros fármacos podem ser produzidos por microrganismos. Um famoso exemplo é a penicilina, utilizada como antibiótico e consiste no metabólito secundário produzido pelo fungo Penicillium. Além deste microrganismo, há mais de oito mil bactérias e fungos conhecidos por serem produtores de antibióticos. A obtenção destas moléculas consiste no cultivo do microrganismo em condições ótimas, seguida da purificação/ isolamento da molécula de interesse (ITO, 2018, p. 105-107; LIMA, 2019). Outro exemplo de moléculas produzidas por microrganismos, com aplicação na área da saúde, são os hormônios. Diversos hormônios podem ser obtidos a partir da biotransformação de esteroides feitas por 52 microrganismos. Além disso, podem ser citadas as vacinas produzidas a partir de microrganismos, como a da cólera feita a partir do vírus inativo ou atenuado de Vibrio cholerae e da rubéola a partir do vírus Rubivirus Togaviridae (ITO, 2018, p. 107). 4. Produção de etanol A produção de etanol envolve, geralmente, as seguintes etapas: 1) moagem do substrato para obtenção do açúcar fermentescível; 2) ajustes da temperatura, pH e grau Brix do caldo de açúcares; 3) fermentação alcóolica; 4) destilação; e 5) recuperação do produto. Mesmo que a via fermentativa seja uma das mais utilizadas para obtenção de etanol e outros combustíveis, como butanol, metano e gás hidrogênio, alguns deles podem ser obtidos também por outras vias como a destilatória e sintética (FARIAS et al., 2014). A produção de etanol pode ser feita a partir de vários tipos de substratos (matérias-primas), que, por sua vez, podem ser divididos em: açucarados, amiláceos e lignocelulósicos. Cada tipo de matéria-prima possui uma determinada estrutura e solubilidade, que podem influenciar na obtenção dos açúcares fermentescíveis (di e monossacarídeos). As matérias-primas açucaradas, por exemplo, são solúveis e os açúcares são facilmente obtidos através da moagem da matéria-prima. Como exemplo de matérias-primas açucaradas, podem ser citados: cana-de-açúcar, algumas frutas e soro do leite, dos quais se extraem facilmente os açúcares fermentescíveis glicose, frutose e lactose, respectivamente. Ao contrário das matérias- primas açucaradas, as amiláceas e lignocelulósicas são insolúveis e necessitam de pré-tratamento e hidrólise para liberação dos açúcares fermentescíveis. Como exemplos de matérias-primas amiláceas, podem ser citados grãos de milho, mandioca, trigo e batata. Como exemplos de materiais lignocelulósicos, podem ser citados osresíduos agro-industriais, comobagaço da cana, e também os florestais (FARIAS et al., 2014). 53 Esses materiais lignocelulósicos, por sua vez, têm sido muito estudados para obtenção de etanol de segunda geração, enquanto os materiais amiláceos e açucarados são mais utilizados para obtenção de etanol de primeira geração. A diferença está na consolidação e utilização das tecnologias e na origem das matérias-primas. Geralmente, são considerados biocombustíveis de primeira geração aqueles cujas matérias-primas também são empregadas no setor alimentício, enquanto o de segunda geração emprega fontes alternativas, como resíduos agroindustriais (FARIAS et al., 2014). No Brasil, o etanol é produzido com base na cana-de-açúcar por via fermentativa, cujo processo pode ser resumido na Figura 2. Figura 2 – Fluxograma para o processo
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