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Discplina: Ciências da Religião Aula 2: As Ciências da Religião e as definições de Religião Introdução: Nesta aula, você verá os problemas da definição de religião. No senso-comum, a origem da palavra religião é apontada como religare, (ligar de novo, ligar algo que estava rompido) do latim clássico, mas há muito mais elementos que importa a você conhecer, por isso é importante que você tenha uma visão histórica bem fundamentada. Por fim, trabalharemos algumas características das definições mais importantes, a substancialista, a funcionalista e a compreensiva, mostrando suas diferenças e semelhanças. Ter uma visão ampla e ao mesmo tempo procurando aprofundar pontos específicos nos dá um “passaporte” para sair das “caixinhas” estreitas do pensamento e da vida. Nesse sentido, convidamos você a “pensar fora da caixa”. Objetivos: Compreender as características acadêmicas do estudo da religião. Identificar os principais tipos de definição ou conceituação de religião. Estabelecer ampla visão histórico-filosófica sobre os conceitos de religião. Conceito de religião Para definirmos religião, é preciso que nos libertemos de toda ideia preconcebida. Se a filosofia e a ciência nasceram da religião, é que a própria religião começou por fazer as vezes de ciências e de filosofia. (DURKHEIM, 1912) Interior igreja (Fonte: https://goo.gl/Jdc4mw) Muita gente e muitas notícias usam o termo religião. Observe, atentamente, que as manchetes de jornal abrigam, sob o conceito de religião, situações, fatos e personagens diferentes, como, por exemplo, o Estado Islâmico (nome criticado por muita gente, porque não seria nem Estado nem islâmico). Preste atenção em duas manchetes extraídas da página eletrônica do G1 – jornal eletrônico da Rede Globo: Espaço sagrado no Irã guarda lembranças da primeira religião persa. Há 2.500 anos o zoroastrismo dominava a antiga Pérsia. E no templo do fogo, a 1.800 metros de altura, eram realizados cerimônias e rituais. (Globo Play, 02- 09-2017); Globoplay.globo.com <https://globoplay.globo.com/v/6081302/> . Acesso em: 28 out. 2017. "Igreja para público LGBT+ discute religião sem preconceito no AM (Amazonas). Fundadores afirmam que local é refúgio para aqueles que resolveram sair da igreja tradicional. Reuniões e cultos são baseados em Teologia Inclusiva”. (19-07-2017, texto). G1.globo.com <https://g1.globo.com/am/amazonas/noticia/igreja-para-publico-lgbt- discute-religiao-sem-preconceito-no-am.ghtml> . Acesso em: 28 out. 2017. Por fim, podemos citar mais duas reportagens: A primeira, da Folha de São Paulo, publicada no dia 31-10-2017, na data em que se comemora a Reforma Protestante, intitulada: “Igreja presbiteriana critica 'cadáveres da política' e bancada evangélica”. Goo.gl/4CRXtQ <https://g1.globo.com/am/amazonas/noticia/igreja-para-publico- lgbt-discute-religiao-sem-preconceito-no-am.ghtml> . Acesso em: 01 nov. 2017 https://globoplay.globo.com/v/6081302/ https://g1.globo.com/am/amazonas/noticia/igreja-para-publico-lgbt-discute-religiao-sem-preconceito-no-am.ghtml https://g1.globo.com/am/amazonas/noticia/igreja-para-publico-lgbt-discute-religiao-sem-preconceito-no-am.ghtml A segunda, do Jornal Estado de São Paulo, do dia 01-11-2017, intitulada: “Mulheres sauditas se revoltam com cidadã-robô que não precisa usar hijab. Sophia, primeiro robô do mundo a receber cidadania, também não tem de andar acompanhada de um guardião homem e tem mais direitos do que as outras sauditas”. Goo.gl/WfZAra <https://g1.globo.com/am/amazonas/noticia/igreja-para-publico- lgbt-discute-religiao-sem-preconceito-no-am.ghtml> . Acesso em: 01 nov. 2017 Você pode perceber, a partir dessa rápida olhada, que definir religião é uma tarefa complexa, difícil, controversa, plural (diversidade de perspectivas) e sempre inacabada. Mas, podemos dizer que as frases do sociólogo Émile Durkheim, na abertura desta aula, nos trazem o melhor caminho para os pesquisadores. Vale a pena repetir: Para definirmos religião é preciso que nos libertemos de toda ideia preconcebida. https://g1.globo.com/am/amazonas/noticia/igreja-para-publico-lgbt-discute-religiao-sem-preconceito-no-am.ghtml O que podemos entender da posição expressa, nessa frase, é que a ideia preconcebida, isto é, aquela que todos têm de religião antes de estudar religião, pode ser um obstáculo ao pesquisador que deseja obter uma visão acadêmica, menos ingênua e mais crítica. Vivemos uma época de fraturas nos grandes consensos que um dia existiram, mas, ao mesmo tempo, de muros erguidos (intolerâncias políticas e religiosas), de grandes deslocamentos sociais, espaciais e culturais e, ao mesmo tempo, de temores e antagonismos. Em um panorama tão fragmentado, estudar as religiões desde um ponto de vista científico constitui-se, podemos dizer, uma grande vantagem na formação do estudante de Ciências Humanas e Sociais e, em nosso caso, do estudante de Teologia. Após as fortes e interessantes críticas da religião feita por filósofos como Ludwig Feuerbach (1804 - 1872), Friedrich Nietzsche (1844-1900) e Karl Marx (1818-1883), as Ciências da Religião começaram a lidar com sérios problemas: o dos métodos e o das teorias da religião. Há, nessas críticas, uma beleza poética, por exemplo, quando Nietzsche nos disse não acreditar em um Deus que não dança. Infelizmente, devido aos fortes problemas educacionais, no Brasil, ouvimos muitas interpretações ruins de uma das frases mais impactantes, “Deus está morto”, devendo ser entendida como uma crítica à filosofia metafísica e ao positivismo, que representou o avanço da concepção de mundo científico como a forma dominante na modernidade. A crítica da religião foi um importante movimento que ocorreu ao longo do século XVIII, com o Iluminismo, e ao longo do século XIX. Além da filosófica, ocorreu uma crítica histórica, sociológica, antropológica e moral à religião instituída, ou seja, às igrejas oficiais, que no caso da Europa, são principalmente a Igreja Católica Romana (ICAR) e as Igrejas Reformadas (IR), de vários agrupamentos religiosos (luterana, calvinista, anglicana etc.). A herança da crítica da religião nos conduz às questões: se eu tenho por objeto de estudo a religião, como devo estudá-lo? devo definir esse objeto primeiro e depois explicá-lo ou, ao contrário, primeiro busco estudar esse objeto e depois, com os dados em mãos, começar a defini-lo? Essas perguntas não são fáceis de responder, mas para a perspectiva adotada pelas Ciências da Religião não são uma perspectiva “religiosa”, ou seja, não é o objetivo dessas ciências responder questões sobre a existência ou não existência “empírica” de Deus, alma, vida eterna, reencarnação, milagres, entidades espirituais etc. No dizer de Steffen Dix (2007, p. 5), no âmbito acadêmico-científico, “a religião é compreendida mais como uma construção cultural e humana do que uma revelação divina. Estamos aqui confrontados com uma Ciência da Religião que se diferencia consciente e consequentemente da Teologia ou das perspectivas interiores na observação da religião”. Podemos problematizar dois termos que lemos frequentemente, natureza e construção social, muito usados quando falamos sobre religião e direitos humanos, por exemplo. As mudanças sociais e culturais são tão intensas que esses dois vocábulos não dão mais conta de descrever as realidades que vivemos. Sabemos que a divisão entre natural e cultural foi criada pelo pensamento e pela cultura europeia a partir do século XVIII e XIX. Por exemplo, o Iluminismo defendia o homem como natural e racional, enquanto que o Romantismo, logo a seguir, com tom conservador, valorizou os aspectos da cultura, da história e das tradições. Na Filosofia contemporânea a disputa entre natureza e cultura foi superada por Peter Sloterdijk (1947 - atual) por meio da noção de antropotécnica. Saiba mais Natureza versus Cultura? David Hume, filósofo escocês que citamos na aula 01, falava em religião natural do homem selvagem (alusão aos povos índios das Américas), em oposição a uma religiãoinstituída, não natural (Velho Continente). Podemos nos perguntar se faz sentido a oposição natureza versus cultura?. As mudanças da modernidade anunciavam para nós a falência desse modo de falar da humanidade. Por exemplo, os métodos de fertilização como a fertilização in vitro (“bebês de proveta”), usada em casais com problemas severos de fecundação. Sabemos que o médico inglês Robert Edwards, com outros cientistas, desenvolveu, em laboratório, um embrião humano a partir da junção do óvulo colhido do ovário com o espermatozoide, transferindo-o ao útero. Em 1978, na Inglaterra, Lesley Brown foi a mulher que experimentou essa técnica e teve gravidez e parto normais. Os animais, como os macacos, expressam sentimentos, afeições e comunicação específicas. Onde estão as fronteiras entre o natural e o cultural nesses casos? Quer saber mais sobre? Assista a este breve vídeo da palestra que o filósofo Peter Sloterdijk deu no Brasil. Disponível em: Youtube.com <https://www.youtube.com/watch? time_continue=9&v=EKbfweNE1zw> . Acesso em 06 fev. 2018. Podemos recomendar uma boa introdução ao pensamento de Sloterdijk: GHIRALDELLI, Paulo. Para ler Peter Sloterdijk. Rio de Janeiro: Via Veritá, 2016. Neste link, temos uma apresentação de sua importante obra: SLOTERDIJK, Peter. A grande virada. Disponível em: Goo.gl/as352d <https://goo.gl/as352d> . Acesso em 06 fev. 2018. Conforme realçou o antropólogo polonês-britânico, Bronislaw Malinowski, “não existem povos, por mais primitivos que sejam, sem religião nem magia”. https://www.youtube.com/watch?time_continue=9&v=EKbfweNE1zw https://goo.gl/as352d Podemos dizer, a partir dessa posição, que o primeiro problema do estudo teórico do fenômeno religioso e/ou das práticas religiosas é o da definição ou conceituação (o que é e o que não é religião). Religião pode ser definida de muitas formas, portanto, o que é depende também de qual perspectiva será utilizada, histórica, teológica, sociológica, psicológica, geográfica, antropológica. O termo religião, pode ser definido de diversas maneiras, por exemplo, como instituição humana, construção social, experiência subjetiva e pessoal, experiência coletiva etc. Ressaltamos: definir religião é uma das mais complexas tarefas para as Ciências da Religião. Há diferentes perspectivas pelas quais podemos compreender a religião. Cientistas da religião, como Klaus Hock (2010, p. 16) dizem o seguinte: um dos maiores problemas na definição do termo ‘religião’ reside no fato de que o próprio termo nasceu em um contexto cultural e histórico muito específico — em um primeiro momento, pertence à história intelectual ocidental. Quando tentamos aplicar esse termo para explicar outras realidades, surgem problemas. O termo religião dificilmente se aplica ao cotidiano de muitos povos, embora eles possuam práticas e crenças que parecem remeter à ideia de “outro mundo” ou à de seres mágicos e misteriosos. Muitos pesquisadores optam por usar o termo cosmologias índias (e, em seguida, o nome da tribo ou da etnia) para dar conta da estrutura de vida desses povos. Podemos citar também as experiências “culturais” na Índia, que chamamos hinduísmo (um vasto conjunto de diferentes práticas, rituais e crenças) e ao budismo. Em muitas correntes budistas, não há nem conceito de Deus e de transcendente. Constate que são outras visões do sofrimento, da felicidade, do significado da vida humana e das relações desta com outras dimensões. Do ponto de vista das Ciências da Religião, podemos afirmar, com segurança, que essas visões, esses valores, rituais, essas mitologias, são passíveis de investigação e não são melhores ou piores — em termos metodológicos e epistemológicos — do que as visões, os valores, os rituais e as mitologias cristãos que, aliás, são muito diversos entre si. Constatamos que o próprio termo religio, do qual deriva a palavra religião, não tem um uso uniforme e sua etimologia é disputada por diversas correntes e autores da Teologia, das Ciências da Religião e das Ciências Humanas. Apesar de tanta diferença e de centenas de definições, podemos agrupar as definições em três grandes conjuntos: substancialistas, funcionalistas e funcionalistas e Não é possível falarmos em detalhes, mas apresentaremos suas características centrais. As definições substancialistas Antes de apresentarmos as definições que buscam uma suposta substância da religião, falaremos um pouco sobre a controversa origem linguística e um pouco de sua história. Há pelo menos duas propostas que apresentamos aqui, as etimologias defendidas por Cícero (106-43 a.C.) e Lactâncio (240 d.C. - 320 d.C.) sobre religião ou religio no original. 01 O primeiro, pensador e gramático romano, quando trata dos antigos cultos de Roma, propõe o termo relegere como origem etimológica. 02 O segundo, pensador cristão, com o intuito de dar novo nome às práticas cristãs, amplamente desconhecidas no Império Romano, aproxima religio de religare. Este último passou a ser do conhecimento do senso comum, mas não é o único e nem é o mais importante. Derrida, importante filósofo franco- argelino, nos afirma que, no âmbito do tronco latino, a origem de religio foi o tema de contestações intermináveis. Vejamos o primeiro significado etimológico. No livro De natura Deorum, Cícero deriva o termo religio da ideia de observância cuidadosa, um cuidado extremo com as normas e regras do culto e detalhes do culto cívico (Senado, Tribuna, Templo etc.). Afirmamos que religio proviria de religiosus, designando o “escrupuloso em relação ao culto” (HOCK, 2010; ELIADE, 2016). No contexto dos cultos romanos aos deuses e às leis da cidade romana, essa ideia opunha-se a neglegere, ou seja, à falta de cuidado com o culto, daí a palavra negligência. Podemos dizer que os romanos eram orgulhosos quanto à religio. Segundo Cícero, no livro Sulla natura degli dei (“Sobre a natureza dos deuses”, em tradução livre), II, 3, 8, se nós nos compararmos às nações estrangeiras, nós podemos parecer iguais ou mesmo inferiores nos diferentes domínios, menos em religião, isto é, no culto aos deuses, onde nós somos de longe superiores. A prática religiosa romana é zelosa e busca uma relação respeitosa com os deuses que torna necessária a repetição precisa dos ritos. O relegere, nesse sentido, tem a ver com “refazer novamente”, indicando, segundo a cientista da religião, Cristiane Azevedo: “uma disposição subjetiva, um movimento reflexivo ligado a algum temor de caráter religioso: ‘refazer’ uma escolha já feita (retractare, diz Cícero), revisar a decisão que dela resulta, tal é o sentido próprio de religio”. (AZEVEDO, Cristiane. A procura do conceito de religio: entre o relegere e o religare. In: Revista Religare, João Pessoa, v. 7, n. 1, p. 90-96, março de 2010). Textura com máscaras e tambores africanos. (Fonte:Shutterstock.com) Para o sentido romano, isso significa dizer que uma realização correta dos rituais é uma maneira de estar em contato direto e direito com os deuses. Você poderia se perguntar: há religiões que, como a dos romanos, prezam por este zelo ritual? Respondemos positivamente e damos, como exemplo, as religiões de matriz africana, o candomblé, entre outra, as religiões orientais, como o taoísmo e as novas religiões orientais, como a Seicho-No-Iê. A história nunca cessa de se desdobrar, seguindo um trajeto errático e contingente. Novos sentidos foram acrescidos. Os polemistas cristãos, encarregados de fazer a apologia do cristianismo, enfatizaram outros significados. Naquela época, os cristãos buscavam traçar suas diferenças em relação aos “pagãos”. Com Tertuliano (150/155 d. C a 220 d. C.), sabemos que o Cristianismo procurou estabelecer fronteiras inclusive entre Filosofia e Teologia, colocando esta última no ponto mais alto do saber, criticando outros filósofos cristãos que viam no Cristianismo uma nova filosofia. Constatamos que esses escritores, incluindo Lactâncio (com sua Divinae institutiones), e Agostinho, Bispo de Hipona (354-430), queriam opor-se à religiãoantiga e realçar a mudança religiosa (conversão). Daí temos o novo sentido, religare, ligar novamente o que foi quebrado (referência ao pecado original na concepção cristã) e o que foi, supostamente, degradado pela superstição, pela magia e pelo pecado. Os pesquisadores nos afirmam que os intelectuais cristãos, travando polêmicas com intelectuais não cristãos, desejavam mostrar que a nova mensagem, a cristã, era uma ruptura com tudo o que havia antes, constituindo um domínio da realidade separado e diferente do resto. Podemos afirmar que essa ideia de domínios separados, sendo a religião a dimensão mais verdadeira, foi uma invenção de intelectuais cristãos. Mas, ao realizarem a separação entre duas esferas, ou seja, entre a religião e o mundo, criaram para nós o espaço do não religioso ou do profano com muitas implicações. Porém, quando se coloca a questão da “religião verdadeira”, a coisa fica controversa, podemos nos perguntar: o que é a verdadeira religião e quais são os critérios pelos quais podemos reconhecê-la? A história do Cristianismo nos mostra que não é uma resposta tão fácil, pelo menos, desde o ponto de vista das Ciências da Religião. Apontamos que ao longo da história, o sentido do termo religio continuou mudando. Na época da Reforma Protestante (1517), acento recaiu na fé, que voltava a ser invocada contra aquilo que os reformadores chamavam de “superstição” e “magia” e contra a atuação cúltica da Igreja Católica Romana (ICAR) que aos seus olhos estaria errada. No Iluminismo, no século XVIII, constatamos que o termo foi generalizado e aplicado a outras estruturas não europeias. Sabemos, mais ainda, que o termo religião passou a ser uma totalidade ideal, abstrata — um modelo — que estaria presente nas religiões concretas de forma parcial e insuficiente. Identificamos, então, uma oposição criada pelo Iluminismo entre religião e religiões. Isso estabeleceu uma dupla tensão que Hock (2010) nos mostra ao falar sobre a Parábola do anel, criada pelo filósofo Gotthold Ephraim Lessing (1729-1781) contida em sua peça de teatro chamada Natã, o sábio. Vale a pena transcrevermos o que escreveu Hock (2010, p. 19) sobre essa parábola: “por um lado, as religiões concretas — no caso, Judaísmo, Cristianismo e Islamismo — são submetidas a uma crítica voltada [...] contra suas respectivas pretensões de superioridade. Por outro lado, essa crítica se baseia na ideia da religião única e verdadeira em si que abre aos seres humanos futuro e vida (sobrevivência)”. Saiba mais Leia este artigo: AZEVEDO, Cristiane A. de. A procura do conceito de religio: entre o relegere e o religare. Disponível em: Goo.gl/oLbRXT <https://goo.gl/oLbRXT> . Acesso em, 06 fev. 2018. A substância ou essência da religião Cabe aqui fazer uma reflexão sobre o verbo definir, que dá origem ao substantivo definição. Definir vem do latim e tem, em sua polissemia (multidão de significados), os seguintes conceitos: dar fim; apontar com precisão; revelar; tornar claro e sem margem de dúvidas; traçar fronteiras. Trazemos com isso a ideia de que a definição do termo religião é uma tarefa que nunca termina, é incompleta e provisória. Depois de ver um pouco sobre a origem, note que as definições substancialistas procuram a importância da religião, pois estão preocupadas com a essência, aquilo que definiria de uma vez por todas a religião verdadeira, como eles acreditavam. https://goo.gl/oLbRXT As características dessas definições orientam-se por três objetivos: 1 Evitar que a religião fosse reduzida a outros fenômenos como economia, sociedade, política, mito, rito e outros, perdendo sua suposta essência. 2 Garantir a autonomia do objeto de estudo (religião) frente a outros, pois outras ciências conseguiram delimitar seus objetos, por exemplo a Sociologia (estudo da sociedade) e a Psicologia (estudo da psique humana). 3 Enfrentar os problemas da metodologia mais adequada do estudo da religião diante da suposta insuficiência ou incompletude de outras ciências. Os pensadores, filósofos e teólogos que elegeram a fenomenologia da religião, como método, ficaram divididos quanto ao uso do termo religião. Alguns preferiram, por exemplo, o termo sagrado e outros correlatos, como experiência religiosa. É o caso de um dos estudiosos que vimos na aula 01, Rudolf Otto. Para este filósofo e teólogo alemão, o sagrado seria o elemento mais universal das sociedades humanas. Poderíamos citar dois de seus elementos mais centrais, segundo Otto: O Numinoso O Numinoso: o sagrado está além do ético, da moral e da bondade, situa-se além da racionalidade, é o inefável. É uma das mais polêmicas afirmações porque o numinoso não pode ser entendido e explicado totalmente e, ainda assim, aqueles que tiveram uma experiência religiosa é que poderiam sentir, embora não possam expressar racionalmente; O mysterium tremendum ou o “mistério que faz tremer” O mysterium tremendum ou o “mistério que faz tremer”: expresso na forma brutal do sinistro, do terrível, o aspecto mais primitivo, o terror, o panicon, o calafrio, capaz de conduzir a estranhas excitações, alucinações, transportes e ao êxtase. Nas aulas sobre as escolas fenomenológicas, abordaremos mais autores e características dessas e de outras ideias A pretensão universal do conceito de sagrado foi criticada por cientistas da religião como Frank Usarski. Em um artigo bem construído, intitulado “Os enganos sobre o sagrado – uma síntese da crítica ao ramo ‘clássico’ da fenomenologia da religião e seus conceitos-chave” (2004) — disponível em: Goo.gl/yCTnux <https://goo.gl/yCTnux> , acesso em 06 fev. 2018 — Usarski esgrime argumentos contrários à ideia de Otto. Poderíamos resumir parte do argumento de Usarski (2007) da seguinte forma: nas definições substancialistas da fenomenologia da religião o sagrado seria uma categoria a priori, irreduzível e não explicável, acessível somente por uma faculdade do sentir de quem teve alguma experiência; o pesquisador teria mais condição de entender seu objeto se tivesse essa faculdade, que, todavia, não pode ser aprendida ou herdada. Esses dois itens inviabilizam qualquer estudo científico que, por definição, é exotérico (externo), público, submetido a críticas, análises, processos de refutação e falsificação (ou seja, testagem dos limites dos termos e conceitos). Você poderia se perguntar: Por quê? Respondemos que o cientista da religião não deve comprometer-se com motivos religiosos. Nas palavras do historiador Aldo Terrin, ele “deve agir com ‘instrumentos científicos’, renunciando a qualquer discurso apologético que possa servir de sustentação para a validade da experiência religiosa” (TERRIN, Aldo Natale. O https://goo.gl/yCTnux sagrado off limits: a experiência religiosa e suas expressões, São Paulo: Loyola, 1998, p. 15). Uma das críticas a essas abordagens é a de que são criptoteologias (teologias disfarçadas), quando se usam pressupostos supostamente científicos para sustentar-se e, ao mesmo tempo, dizerem que são ciências ao modo racional- moderno. Mircea Eliade (1907-1986), outro grande estudioso das religiões, lembra que, para o mundo moderno, a religião, como forma de vida e concepção do mundo, confunde-se com o Cristianismo. Ele nos diz que é preciso alargar as concepções e percebermos que existem muitas manifestações, desde as mais primitivas — antigas no tempo e no espaço — às mais modernas. Ao mesmo tempo, esse pesquisador romeno nos direcionou a um tratamento da religião em suas origens, símbolos e padrões míticos, propondo-nos o exame da religião a partir de uma escala ou “régua de medir” de base religiosa. Devemos questionar que utilidade (teórica) teria essa “escala religiosa” e como construí-la de forma que o elemento religioso pudesse ser “isolado” dos demais elementos. Podemos nos perguntar: isso seria possível de forma completa? Em geral, defendemos que é impossível esse isolamento completo, pelo menos em termos concretos. No nível da teoria, da abstração, construímos conceitos “puros”, mas eles sãoapenas instrumentos e meios para compreender a realidade e não são a realidade em si. No item 1.3, quando abordaremos as definições compreensivas, falaremos um pouco mais. A monumental obra de Eliade nos mostra uma combinação entre pesquisa e métodos empíricos (Arqueologia, coleta e análise de documentos, análise de imagens, pinturas rupestres, análise linguística e histórica) e as teoria das Ciências da Religião. Saiba mais Pensadores fundamentais para as Ciências da Religião. O mito Mircea Eliade (1907-1986): historiador especialista em questões religiosas, mitólogo e escritor romeno, nasceu em Bucareste (Romênia) e morreu em Chicago (EUA). É autor de estudos considerados clássicos como: do eterno retorno (1949), Mefistófeles e o andrógino (1957) e O sagrado e o profano (1957). Seu pensamento é multifacetado (história, filosofia, antropologia e geografia das religiões). As definições funcionalistas Contrapondo-se às definições substancialistas, surgem o que chamamos de definições funcionalistas as quais possuem origem nas Ciências Sociais da religião (História, Sociologia e Antropologia da religião, em especial). Devemos tomar cuidado com a expressão “definições funcionalistas” porque o senso comum tende a atribuir sentidos levemente negativos ao termo “funcionalista”. Em todas as definições, há uma grande variação de ênfases e autores que devemos levar sempre em conta nos estudos de Teologia. Em geral, são conceitos que enxergam, na religião, um excelente meio para entender a sociedade, a cultura, a psique ou a personalidade. As definições funcionalistas procuram explicar a religião a partir das suas funções concretas na vida humana, na sociedade, na cultura, na política e em outras dimensões da vida coletiva. Os autores que defendem essa perspectiva discordam daqueles que desejam definir a substância real da religião. A religião é vista, segundo o que esses pesquisadores nos mostram, como atrelada intrinsecamente à vida social e cultural. Dentre as várias funções, estariam a de garantir coesão social, ou seja, ser a continuidade dos laços sociais. Leitura Clique <galeria/aula2/anexo/definicoes.pdf> para se aprofundar um pouco mais sobre o assunto. As definições compreensivas Procuram aproximar-se com cuidado do termo religião. A religião não é entendida nem como substância ou essência fora do tempo e do espaço e nem como mera função social ou cultural. Pelas dificuldades de conceituar o termo religião, os autores que tentaram elaborar definições compreensivas procuraram contornar os problemas trazidos por qualquer definição. Uma dessas estratégicas é não fechar o conceito de uma vez, mas mantê-lo provisório, sujeito a revisões futuras. Um dos mais importantes autores desse campo foi o filósofo, economista e sociólogo alemão Max Weber (1864-1920) que não cunhou definições fechadas, mas deixou formulações provisórias. Para esse pensador, uma definição melhor, mas nunca completa, só seria possível depois da síntese de muitos estudos e pesquisas sobre as religiões concretas. Weber se interessou pela religião, como valor e ideia, a partir da maneira como ela relaciona-se com as forças materiais (economia) e com outras ideias e valores (forças sociais e culturais). O filósofo e sociólogo alemão Georg Simmel (1858-1918) afirmou que é impossível definir religião (religio) de uma forma que seja, ao mesmo tempo, precisa e compreensiva. Para Simmel, a religião liga-se à vida humana como uma espécie de enquadramento que orienta o comportamento e a experiência. file:///W:/2018.2/ciencias_da_religiao__GON942/galeria/aula2/anexo/definicoes.pdf Ele nos afirma que a religião tem uma dimensão subjetiva, pessoal, com muitos sentidos e uma dimensão objetiva, oficial, portadora de significados que resultam de pressões e influências sociais. Para muitos pesquisadores, seria uma ilusão pensar que, tal como em um laboratório de química, podemos “isolar” o fator religioso. Sob esse olhar das Ciências Sociais da Religião, experiência religiosa, sociedade e cultura estão ligados de forma muito estreita e o máximo que podemos fazer é identificar contornos, mais ou menos nítidos, entre os elementos que compõem essas complexas realidades que chamamos religião. Você pode se perguntar: Por que isso ocorre? Respondemos que essa impossibilidade decorre do fato de nos relacionamos, simultaneamente, em nosso cotidiano, com o divino, o sagrado, o transcendente — ou realidades parecidas — e com a vida social, política, econômica e cultural. Há muitas expressões espirituais que rejeitam ativamente o termo religião, por exemplo, o grande conjunto chamado New age (vasto, heterogêneo, multifacetado, sem líder, sem dogmas únicos, templos uniformes etc.). Outro conjunto de práticas e crenças, ligadas à espiritualidade e terapêutica (as terapias holísticas) também rejeitam o termo religião. Podemos dizer que esses dois grandes conjuntos “religiosos” ligam o termo religião a sentidos “negativos”, tais como, máscara, frieza, formalidade exagerada, relações superficiais e alienadas, falsidade, ritualismo estéril e outros sentidos. Não podemos deixar de notar que essas acusações e críticas são parecidas com aquelas que os polemistas cristãos acusaram a religião greco-romana ao tentar redefinir o termo religio. Atividade 1 - O sentido de religio seria confirmado pelo termo derivado religiosus que designa “zeloso em relação ao culto”. Há outro sentido, o religare, significando ligar o que estava quebrado ou partido. Um sentido foi afirmado pelos romanos pagãos. O outro pelos cristãos convertidos. Considerando os três tipos de definição de religião e a dupla origem do termo religio, podemos afirmar que: a) As Ciências da Religião não definem o que é religião porque há origens diversas do termo religio. b) As Ciências da Religião desconfiam do termo religio em virtude de pontos de vista conflitantes. c) As origens diferentes do termo religio estimulam novas reflexões às Ciências da Religião. d) As Ciências da Religião aceitam sem crítica as explicações tradicionais do termo religio. e) As Ciências da Religião defendem cientificamente que o verdadeiro sentido é o zelo do culto. 2 – Leia este pequeno texto: “Os estudos etimológicos podem ser de grande auxílio, mas correm o risco de não captar a dinâmica dos conceitos. O fato de que o termo seja conhecido desde há muito tempo, não significa que ele tenha tido sempre o mesmo sentido. Em nosso uso comum [...] (naturalizado), pressupõem-se que religião seja uma espécie de âmbito autônomo da vida humana, que possui certos traços específicos passíveis de serem delimitados com relativa precisão” (Fonte: PIEPER, Frederico. Problematizando o conceito de religião. In: SILVEIRA, Emerson José Sena da. A polissemia do sagrado. Os desafios da pesquisa sobre religião no Brasil. São Paulo: Fonte Editorial, 2015, p. 34). Tendo em vista a passagem acima e os problemas do termo religião, podemos afirmar que: a) Os sentidos etimológicos de termos como religião permanecem com poucas mudanças. b) As definições de religião devem considerar tanto a etimologia quanto o contexto do termo. c) Os sentidos etimológicos de termos como religião são mais importantes do que o contexto. d) As Ciências da Religião consideram mais o contexto do que a origem etimológica. e) As definições de religião devem considerar mais os aspectos etimológicos do que o contexto. 3 – “A Ciência da Religião é incapaz e não tem a mínima legitimidade de fazer declarações se as respostas religiosas, perante a posição do homem no cosmo, são verdadeiras ou falsas, nem pode decidir se a religião é, na moderna história humana, um fenômeno transitório ou não”. (Fonte: DIX, Steffen. O universo, os deuses, os homens. São Paulo: Companhia das Letras, 2000. p. 56). Tendo em vista este texto e relendo as definições substancialistas de religião, assinale alternativa correta. a) As definições substancialistas de religião tendem a ser respostas religiosas exclusivistas. b) As definiçõessubstancialistas de religião buscam legitimar experiências religiosas. c) As definições substancialistas de religião enfatizam o contexto social e externo à religião. d) As definições substancialistas de religião evidenciam a estrutura interna da religião. e) As definições substancialistas de religião fazem com que a religião apareça como sintoma. 4 – Leia este texto: “A partir do mesmo material concreto e conceitual que experimentamos no nível da realidade, emerge o mundo religioso com novas tensões, dimensões e sínteses. Os conceitos de alma e existência, destino e culpa, felicidade e sacrifício chegando até os cabelos de nossa cabeça e até o pardal do telhado — tudo isso também constitui o conteúdo do mundo religioso. [...] Como a lógica científica, também a lógica religiosa reivindica, com demasiada, incluir em si todas as demais ou dominá-las”. (Fonte: SIMMEL, Georg. A religião. In: SIMMEL, Georg. Religião. Ensaios. v. 2. São Paulo: Olho D’Água, 2010, p. 25). Tendo em vista esse texto e as definições funcionalistas, podemos afirmar que: a) As definições funcionalistas de religião desconsideram as mediações sociais da religião. b) As definições funcionalistas de religião buscam exaltar a ideia de autonomia da religião. c) As definições funcionalistas de religião baseiam-se em perspectivas internas à religião. d) As definições funcionalistas de religião constroem as mediações sociais da religião. e) As definições funcionalistas de religião enfatizam os aspectos funcionais da religião. 5 – Atente para este texto: ‘O próprio Derrida nos diz que ‘nem sempre houve, continua não havendo e nunca haverá por toda a parte algo, uma coisa una e identificável, idêntica a si mesma que leve religiosos ou irreligiosos a ficar de acordo para lhe atribuir o nome de ‘religião’. E, no entanto, se diz, é necessário responder’. A resposta talvez possa vir justamente dessa relação que podemos estabelecer entre o relegere e o religare. Quando ouvirmos o termo religio, devemos ter em mente mais do que uma reconciliação entre as duas origens etimológicas possíveis; trata-se de uma complementaridade: a observância escrupulosa do culto, a prática religiosa, e os laços de piedade e amor que unem os homens ao deus único”. (Fonte: AZEVEDO, Cristiane. A procura do conceito de religio: entre o relegere e o religare. In: Revista Religare, v. 7, n. 1, p. 90-96, março de 2010, p. 95). Considerando este texto e as definições compreensivas do termo religião, podemos dizer que: a) As definições compreensivas evitam conceituações permanentes e definitivas da religião. b) As definições compreensivas desprezam os fatores e as funções sociais da religião. c) As definições compreensivas valorizam apenas os aspectos internos e estruturais da religião. d) As definições compreensivas definem precisão e objetividade o conceito de religião. e) As definições compreensivas buscam as origens do termo religião no latim religare. Referências CAMURÇA, Marcelo. Ciências Sociais e Ciências da Religião. Polêmicas e interlocuções. São Paulo: Paulinas, 2008. DURKHEIM, E. (1912). As formas elementares da vida religiosa. São Paulo: Martins Fontes, 2003. ELIADE, Mircea. O sagrado e o profano. A essência das religiões. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2016. HOCK, Klaus. Introdução à ciência da religião. São Paulo: Loyola, 2010. SILVEIRA, Emerson José Sena da. Uma metodologia para as ciências da religião? Impasses metodológicos e novas possibilidades hermenêuticas. In: Paralellus (online), Recife, v. 7, p. 73-98, 2016. Disponível em: http://www.unicap.br/ ojs/ index.php/ paralellus/ article/ view/ 672/ 856 <http://www.unicap.br/ojs/index.php/paralellus/article/view/672/856> . Acesso: 24 out. 2017. USARSKI, Frank (org). O espectro disciplinar da ciência da religião. São Paulo: Paulinas, 2007. Próximos Passos As subdisciplinas que compõem as Ciências da Religião; A história das religiões/história comparada das religiões e suas perspectivas; A sociologia/antropologia da religião e o enfoque sociocultural; A psicologia da religião e o enfoque interindividual-psíquico; A geografia da religião e o enfoque territorial; Outras ciências da religião. Explore mais Assista a este vídeo curto, O que define uma religião? Disponível em: https://www.youtube.com/ watch?v= 3fyiV1fcB3U <https://www.youtube.com/watch?v=3fyiV1fcB3U> . Acesso em 06 fev. 2018. E este outro, A ciência é maior que a religião? Disponível em: https://www.youtube.com/ watch?v= Bg_I1doyfgI <https://www.youtube.com/watch?v=Bg_I1doyfgI> . Acesso em 06 fev. 2018. Veja algumas notas <galeria/aula2/anexo/notas2.pdf> da aula. http://www.unicap.br/ojs/index.php/paralellus/article/view/672/856 https://www.youtube.com/watch?v=3fyiV1fcB3U https://www.youtube.com/watch?v=Bg_I1doyfgI file:///W:/2018.2/ciencias_da_religiao__GON942/galeria/aula2/anexo/notas2.pdf
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