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Atividade Física na obesidade, diabetes, cardiopatia e hipertensão 1 Atividade Física na obesidade, diabetes, cardiopatia e hipertensão Professor Wagner Dantas Atividade Física na obesidade, diabetes, cardiopatia e hipertensão 2 Atividade Física na obesidade, diabetes, cardiopatia e hipertensão 3 Introdução 4 Fisiopatologia da Obesidade 4 Balanço Energético 4 Equilíbrio entre os nutrientes 5 Determinante do desequilíbrio energético 6 Aumento da ingestão alimentar 6 Diminuição do gasto energético 7 Farmacologia Aplicada a Obesidade 8 Medicamentos Catecolaminérgicos 9 Sibutramina 9 Orlistate 10 Fluoxetina 10 Prescrição de Exercício na Obesidade 10 Exercícios Aeróbios 11 Benefícios 11 Possíveis mecanismos 11 Volume/ Intensidade 12 Contraindicações 12 Exercícios Resistidos 12 Benefícios 12 Contraindicações 13 Doença Cardiovascular e Exercício Físico 13 Benefícios do Exercício Físico na Prevenção Secundária 14 Possíveis ações prejudiciais do exercício físico na Doença Cardiovascular 16 Prescrição de Exercício para Coronariopatas 17 Treinamento Resistido na Doença Coronariana 18 Treinamento Resistido logo após o Infarto do Miocárdio 19 Medicações e Manejo Clínico 20 Preocupações Especiais 20 Hipertensão Arterial e Exercício Físico 21 Efeitos da Hipertensão Arterial sobre a resposta ao Exercício Físico 23 Benefícios do treinamento aeróbio 25 Benefícios do treinamento resistido 26 Medicações e Manejo Clínico 26 Tratamento medicamentoso 26 Diabetes e Exercício Físico 28 Exercício e Diabetes Melito tipo 2 28 Exercício e Diabetes Melito tipo 1 30 Prevenção e tratamento das anormalidades glicêmicas no exercício físico 30 Considerações Especiais 31 SUMÁRIO Atividade Física na obesidade, diabetes, cardiopatia e hipertensão 4 INTRODUÇÃO De um modo bem simplista, entende-se que as pessoas engordam porque comem muito e são sedentárias. Durante muito tempo, e ainda atualmente por uma grande parte da população, a obesidade foi considerada como conseqüência apenas de fatores comportamentais, relacionados com a falta de “força de vontade”. Hoje em dia, sabe-se que a fi siopatologia da obesidade é complexa e que existem sim indivíduos altamente suscetíveis ao ganho de peso e outros altamente resistentes. Inúmeros fatores genéticos, ambientais e comportamentais infl uenciam o balanço energético e o controle do peso corporal. Nos diferentes universos da saúde e da doença humana acredita-se que a adequada prescrição do exercício físico pode-se tornar um fator contribuinte ao tratamento clínico tradicional. Além disso, de acordo com Pedersen e Saltin (2006)1, em uma vasta revisão da literatura, o exercício físico pode apresentar menos efeitos colaterais do que determinados tipos de medicamento, o que estimula a busca constante do aprimoramento de sua aplicação. Devido à diversidade de protocolos de aplicação do exercício físico associado as demais intervenções no controle da obesidade, no presente texto serão descritas as principais evidências sobre os efeitos dos diferentes tipos, volumes e intensidades do exercício físico sobre a fi siopatologia da obesidade e seus possíveis mecanismos de ação, assim como possíveis contra-indicações e cuidados com esse público. FISIOPATOLOGIA DA OBESIDADE Balanço Energético Assim como todos os organismos vivos, o corpo humano necessita de energia como combustível para as funções vitais. Esta energia é obtida predominantemente pela ingestão de alimentos. As células necessitam de combustível o tempo todo, ao passo que nos alimentamos apenas durante poucas horas do dia. Logo, é necessário que haja alguma forma de estocar energia. No corpo humano, são os reservatórios de glicogênio (no fígado e no músculo esquelético) e principalmente de gordura (no tecido adiposo) que suprem a constante demanda energética. Os seres humanos e os mamíferos em geral são capazes de equiparar a ingestão alimentar ao gasto energético, o que possibilita a manutenção do peso corporal relativamente estável por longos períodos de tempo. Isso é resultado de um complexo sistema fi siológico de regulação da homeostase energética, que atua principalmente por meio da integração de sinais periféricos a centros reguladores hipotalâmicos. O objetivo deste sistema é garantir ao organismo a disponibilidade de energia mesmo em situações de falta de alimentos. Ou seja, é um mecanismo de defesa adaptado contra a escassez de energia, que pode não funcionar tão bem em situações de abundância calórica. Além disso, a ingestão de alimentos pelos seres humanos está regulada também por mecanismos menos conhecidos relacionados com um sistema de prazer e recompensa, que não necessariamente age em sinergismo com o sistema homeostático. O ganho de peso e o progressivo aumento da massa adiposa acabam limitando o ganho ponderal adicional. Isso porque, conforme o peso aumenta, aumenta também o gasto energético total (GET), devido ao aumento da taxa metabólica basal e do custo energético dos movimentos. Da mesma forma, o aumento da massa adiposa produz fatores circulantes que podem reduzir a ingestão calórica. Atividade Física na obesidade, diabetes, cardiopatia e hipertensão 5 Além disso, o desequilíbrio energético cronicamente leva a situações como a resistência à insulina (RI), que, por levarao aumento da lipólise, a diminuição da oxidação de glicose e ao conseqüente aumento da oxidação de gorduras, acaba por limitar o ganho de peso adicional. Na essência, tornar-se obeso possibilita um reajuste do balanço energético, porém nivelado em um peso maior. Visto por este lado, o desenvolvimento da obesidade pode ser considerado não como um defeito adaptativo, mas sim como uma resposta natural ao nosso ambiente atual. Portanto, em última análise, o principal determinante para o aparecimento da obesidade é o desequilíbrio energético, ou seja, uma ingestão excessiva de calorias em relação ao gasto energético durante um determinado período de tempo, gerando um balanço positivo. Este desequilíbrio é resultado da interação de fatores genéticos, ambientais e comportamentais. Equilíbrio entre os nutrientes Existem diferenças importantes entre os estoques de carboidratos, proteína e gordura no organismo. Conforme se vê na Tabela 1, a primeira grande e importante diferença são em relação à quantidade: o corpo humano é capaz de armazenar até 300 vezes mais calorias sob a forma de gordura do que de carboidrato (glicogênio). Outra diferença é relacionada com a utilização: carboidratos são utilizados mais rapidamente, enquanto as gorduras garantem o fornecimento em longo prazo. Ou seja, obesos sobrevivem muito mais tempo em privação calórica do que magros, devido à reserva de triglicerídeos (TG) no tecido adiposo. Isso só ocorre porque o balanço de cada um dos nutrientes é regulado individualmente, tanto em relação ao armazenamento quanto em relação a sua utilização como combustível. TABELA 1. Comparação do tamanho das reservas corporais dos macronutrientes em indivíduos obesos e não obesos. As proteínas constituem normalmente cerca de 15% do total de calorias da dieta. Já em relação ao total de calorias estocados no organismo de um homem de 70 kg, até um quinto é composto de proteínas. Os estoques de proteínas aumentam em resposta a determinados estímulos (como hormônio de crescimento, andrógenos e exercício físico) e não simplesmente em resposta a um aumento da ingestão dietética. O balanço protéico é, portanto, rigidamente controlado e seu desequilíbrio não está envolvido diretamente no aparecimento da obesidade, embora se saiba que, indiretamente, a ingestão protéica pode afetar o balanço de gorduras. Normalmente, os carboidratos são as principais fontes de calorias provenientes da dieta, embora os estoques corporais de glicogênio sejam muito limitados. Assim como acontece com as proteínas, os estoques de glicogênio são rigidamente controlados: o aumento da ingestão dietética de carboidratos estimula o armazenamento de glicogênio, aumenta a oxidação da glicose e suprime a oxidação das gorduras. O excesso de carboidratos que não é convertido em glicogênio é oxidado (e não transformado em gordura), de forma a manter o balanço equilibrado. Dessa forma, um aumento crônico na ingestão de carboidratos não causa diretamente o ganho de peso, porque os estoques são limitados, a conversão em gorduras ocorre de forma extremamente rara em humanos e existe um aumento da oxidação para compensar o aumento da ingestão. De forma bem diferente da que ocorre com as proteínas e os carboidratos, os estoques de gordura no organismo são enormes e a ingestão de gorduras não tem infl uência na oxidação dos ácidos graxos. O que promove então a oxidação das gorduras? A quantidade de gordura corporal promove um efeito pequeno, porém signifi cativo na oxidação dos ácidos graxos, que, de certa forma, atenua o ganho de peso. Macronutriente Indivíduo magro de 70 kg Indivíduo obeso de 100 kg Gramas Kcal Gramas Kcal Carboidratos 500 2.000 600 2.400 Gorduras 13.000 120.000 37.600 350.000 Proteínas 6.250 25.000 7.000 28.000 Atividade Física na obesidade, diabetes, cardiopatia e hipertensão 6 Entretanto, o grande determinante da oxidação de gorduras é o equilíbrio energético: quando é negativo (isto é, quando o gasto é maior que a ingestão), a oxidação das gorduras aumenta. Resumindo, em condições fi siológicas, a gordura é o único nutriente capaz de se manter em um desequilíbrio crônico entre ingestão e oxidação, promovendo um aumento do tecido adiposo. Os outros macronutrientes infl uenciam indiretamente o ganho de adiposidade. Determinante do desequilíbrio energético O desequilíbrio energético é determinado por um ou mais dos seguintes fatores: - aumento da ingestão alimentar e/ou diminuição do gasto energético; - aumento da capacidade de estocar gordura e/ou diminuição da capacidade de oxidação das gorduras. Cada um desses fatores por sua vez tem múltiplas causas. A fi gura 1 resume os principais pontos que serão expostos a seguir. Aumento da ingestão alimentar Os mecanismos fi siológicos de regulação da ingestão alimentar envolvem a sensação de fome (que leva o ser humano a procurar alimentos e a ingeri-los), a sensação de prazer na ingestão de alimentos (o que leva a continuar com uma refeição), a sensação de saciação (o que leva a interromper uma refeição) e a sensação de saciedade (o que leva a adiar a refeição seguinte). Qualquer fator que interfi ra nos mecanismos de fome, prazer, saciação e saciedade podem interferir no padrão de ingestão alimentar. Por exemplo, fatores que diminuem a saciação levam ao hábito de fazer grandes refeições (hiperfagia), enquanto fatores que diminuem a duração da saciedade levam ao aumento da freqüência das refeições. Pequenos aumentos na ingestão alimentar por períodos prolongados de tempo são sufi cientes para provocar um ganho signifi cativo de massa adiposa. Em um ano, o consumo calórico 5% maior do que o gasto energético promove um ganho de 5 kg de gordura corporal. Ao longo de 30 anos, o consumo de apenas 8 kcal/dia acima do gasto energético é capaz de causar um aumento de 10 kg no peso. Fig 1. Determinantes do desequilíbrio energético (SNC: Sistema Nervoso Central) Atividade Física na obesidade, diabetes, cardiopatia e hipertensão 7 Diminuição do gasto energético A diminuição do gasto calórico leva ao desequilíbrio energético e favorece o ganho de peso e o surgimento da obesidade. Também existe grande infl uência de fatores genéticos, ambientais e sociocomportamentais, conforme será exposto. O gasto energético total (GET) é composto da seguinte forma: aproximadamente 60 a 75% correspondem ao gasto energético de repouso (GER), 15% a 30% ao gasto energético pela atividade física (GEAF) e 10% à termogênese alimentar (TA). O GER inclui a energia necessária para as funções celulares vitais, no estado pós-absortivo e em vigília. O GEAF é o componente mais variável entre os indivíduos: inclui a atividade física voluntária e as atividades involuntárias (ex: contrações musculares para manter a postura). A TA representa a energia utilizada na digestão, absorção e ativação do sistema nervoso simpático (SNS) após a ingestão alimentar. As mudanças sociocomportamentais das últimas décadas relacionam-se basicamente ao componente do GEAF, que, como corresponde a cerca de 20% do GET, pode infl uenciar signifi cativamente o balanço energético diário. Tanto nas atividades de trabalho quanto nas de lazer, os avanços tecnológicos diminuíram muito a necessidade do ser humano se esforçar fi sicamente para conseguir se deslocar, se comunicar, se divertir e mesmo se alimentar. A mudança no perfi l de trabalho é um fator até mais importante do que a atividade física nas horas de lazer: relata-se um aumento de mais de 80% no número de indivíduos empregados em atividades sedentárias e uma diminuição de 25% no número de indivíduos em empregos que exigem muita atividade física. O maior componente do GET é o GER. Para tanto é preciso entender melhor os fatores que infl uenciam o GER. O próprio GEAF pode infl uenciar oGER: ao realizar um exercício físico voluntário, há uma elevação posterior do GER, que persiste por várias horas. Já o exercício físico extenuante pode, por outro lado, causar uma diminuição do metabolismo basal. Nos seres humanos e nos animais existe uma grande variação individual do GER. O principal fator determinante do GER é a massa de tecido magro presente. Em humanos, as diferenças na massa magra explicam 40% a 50% da variação interindividual. O segundo fator mais importante é quantidade de massa gorda. Embora o tecido adiposo tenha o metabolismo muito baixo, a sua presença pode infl uenciar o gasto energético da massa magra. Mulheres apresentam GER menor do que os homens, porém esta diferença desaparece quando ajustado para massa magra. O GER também diminui com a idade e, neste caso, a diferença persiste mesmo após ajuste pela massa magra. Mesmo assim, duas pessoas com a mesma idade e mesma quantidade de tecido magro e gordo podem apresentar GER signifi cativamente diferentes. Embora os motivos que explicam tais diferenças ainda não estejam totalmente esclarecidos a diferença no GER pode ser um dos componentes da susceptibilidade genética à obesidade. Outros fatores genéticos também podem infl uenciar as taxas metabólicas dos tecidos. Polimorfi smos nos genes dos receptores adrenérgicos e das proteínas desacopladoras mitocondriais (uncoupling proteins - UCPs) foram associados a variações no GER em alguns estudos. O sistema adrenérgico está bastante envolvido no balanço energético, por estimular o balanço energético, por estimular a termogênese alimentar e a lipólise. O papel da UCPs é dissipar o gradiente eletroquímico de prótons através da membrana mitocondrial e desse modo desacoplar a oxidação de substratos de conversão de adenosina difosfato (ADP) em adenosina trifosfato (ATP), gerando calor e exercendo efeito termogênico no tecido adiposo. Dessa forma, pequenas diferenças no funcionamento destas proteínas podem ser um componente que favoreça a obesidade. Sendo assim, indivíduos obesos, na realidade, apresentam GER maior do que os magros. Isso porque os obesos têm maior massa celular, tanto magra quanto adiposa. Estudos falham, em tentar mostrar que os obesos “resistentes à dieta” tenham menor GER, o que ocorre na maioria das vezes é a subestimação da ingestão alimentar por parte deste pacientes. Atividade Física na obesidade, diabetes, cardiopatia e hipertensão 8 Provavelmente, nos obesos que apresentam menor GET, a diferença está no GEAF (são menos ativos fi sicamente) ou mesmo na termogênese alimentar. Estudos com indivíduos obesos e magros, pareados por massa adiposa e massa magra, mostram uma pequena (cerca de 75 kcal/dia), porém potencialmente signifi cativa redução da termogênese alimentar. Esta redução da termogênese alimentar pode ser causada pela resistência a insulina e pela menor ativação do SNS nos obesos. Como já foi dito, o sistema homeostático do equilíbrio energético humano é regulado para tentar equiparar a ingestão ao gasto calórico, de forma a manter o peso corporal estável. Dessa forma, é razoável supor que a lógica do equilíbrio energético seja a de que a ingestão alimentar deva “seguir” o gasto energético: se o gasto diminui, a ingestão deve diminuir. Não é o ocorre na prática. Assim, em tempos de baixo gasto energético e alta disponibilidade de alimentos, a evolução esperada é mesmo o ganho individual progressivo de peso até que atinja um novo equilíbrio energético (lembrando que o ganho de peso eleva o gasto energético basal), a menos que haja um aumento voluntário da atividade física e uma diminuição consciente da ingestão alimentar. FARMACOLOGIA APLICADA A OBESIDADE Se a obesidade é aceita como doença crônica, deve ser tratada da mesma forma como outras doenças crônicas, como diabetes e hipertensão arterial (HA). O tratamento da obesidade não deve ser em curto prazo, mas um contínuo ao longo da vida para manutenção de um corpo com peso normal ou mais próximo do normal. O American College of Physicians (ACP) recomenda que as estratégias de tratamento do sobrepeso e obesidade devem incluir mudanças de estilo de vida e alterações comportamentais, tais como dieta e exercício físico. Medicações não devem ser usadas apenas por motivos estéticos. Um estudo clínico revelou que a combinação de medicamentos e gerenciamento do estilo de vida, que inclui dieta, exercício físico e terapia comportamental, tem maior efeito na perda de peso que a terapia farmacológica isoladamente; no entanto, o melhor resultado ocorre quando a modifi cação intensiva de estilo de vida e o remédio são usados em conjunto. Por muito tempo o tratamento farmacológico da obesidade foi visto como uma opção terapêutica controversa e sujeita a inúmeras críticas. Isso se deve a vários fatores: erros no uso racional dos remédios disponíveis, generalização da prescrição de medicamentos, abusos na comercialização de cápsulas manipuladas, desvalorização da orientação do tratamento clássico (dieta, exercício físico e terapia comportamental). Esse tratamento está sofrendo nesse momento uma reavaliação, principalmente no quis diz respeito ao conceito emergente de uso em longo prazo de medicações antiobesidade como adjunto a outras terapias para perda de peso, ou, ainda mais importante, no sentido de ajudar a manter o peso corporal ao longo do tempo. Muito embora a quantidade de perda de peso (além do placebo) imputável às medicações antiobesidade seja modesta (menor que 5 kg), esse montante tem se mostrado sufi ciente para melhorar a sensibilidade à insulina (SI), o controle glicêmico, a dislipidemia e a hipertensão em pacientes com excesso de peso. Um dos principais objetivos do controle do peso corporal é reduzir os riscos cardiovasculares e a morbimortalidade relacionadas com a obesidade. Não existe uma estratégia particular ou medicação que deva ser recomendada para uso rotineiro. O individuo obeso deve será avaliado profundamente em relação a erros em hábitos alimentares e exercício físico, presença de sintomas depressivos, presença de complicações ou doenças associadas à obesidade e possibilidade de efeitos colaterais. A escolha de um medicamento antiobesidade deve basear-se também na experiência prévia do paciente e no uso anterior de medicamentos, muito embora a falência de um tratamento prévio não justifi que a não utilização de um determindado agente posteriormente. Em qualquer discussão sobre o uso racional de medicamentos antiobesidade é importante entender alguns conceitos: Atividade Física na obesidade, diabetes, cardiopatia e hipertensão 9 1) O tratamento farmacológico só se justifi ca em conjunção com orientação dietética e mudanças de estilo de vida. Os agentes farmacológicos somente ajudam a aumentar a adesão dos pacientes a mudanças nutricionais e comportamentais. 2) O tratamento farmacológico da obesidade não cura a obesidade – quando descontinuado, ocorre reganho de peso. 3) Como em qualquer outro tratamento em Medicina, os medicamentos não funcionam quando não são tomados, isto é, deve-se esperar recuperação do peso perdido quando os medicamentos são suspensos. 4) Medicações antiobesidade devem ser utilizadas sob supervisão médica contínua. 5) O tratamento e a escolha medicamentosa são moldados para cada paciente. Os riscos associados ao uso de uma droga devem ser avaliados em relação aos riscos da persistência da obesidade. 6) O tratamento deve ser mantido apenas quando considerado seguro e efetivo para o paciente em questão. Um medicamento útil para o tratamento da obesidade deve possuir as seguintes características: 1) Demonstrar efeito em conduzir o peso corporal e levar a melhora das doenças dependentes do excesso de peso. 2) Ter efeitos colaterais toleráveis e/ou transitórios. 3) Não terpropriedades de adição. 4) Apresentar efi cácia e segurança mantidas em longo prazo. 5) Possuir mecanismo de ação conhecido. 6) Idealmente ter um custo razoável. Medicamentos Catecolaminérgicos O uso ético desta classe de medicações pode trazer grandes benefícios no tratamento da obesidade. Por esta razão são medicamentos que ainda estão disponíveis no mercado e são recomendados em consensos de tratamento de obesidade. A melhor indicação para estes medicamentos inclui pacientes não responsivos ao uso de Orlitaste e/ou Sibutramina. Todos os medicamentos anorexiantes de ação central são derivados da β-fenetilamina. O esqueleto β-fenetilamínico é também estrutura da anfetamina. Os derivados β-fenetilamínicos infl uenciam a neurotransmissão noradrenérgica e dopaminérgica (podendo agir estimulando a liberação e/ou bloqueando a recaptação). O principal efeito observado após seu uso é a diminuição do apetite com conseqüente perda de peso. Além disso, os medicamentos β-fenetilamínicos demonstram ação termogênica em estudos em animais. No Brasil são aprovados e comercializados a dietilpropriona, mazindol e femproporex. Sibutramina A sibutramina é o único agente antiobesidade de ação central disponível para o tratamento da obesidade por longo prazo. Sua ação é inibir a recaptação de serotonina e noradrenalina. Ao contrário dos anorexígenos catecolaminérgicos, seu efeito principal sobre a regulação da ingestão de alimentos parece estar relacionado muito mais ao aumento da saciação e prolongamento da sensação de saciedade do que ao efeito direto de supressão da fome. Considerando essa característica farmacológica distinta, a sibutramina deveria ser classifi cada como agente sacietógeno e não anorexígeno. Apesar de a sibutramina possuir importante ação termogênica em roedores, os estudos em humanos não demonstraram aumento signifi cativo do gasto calórico, sugerindo apenas a prevenção parcial da redução do gasto energético que se segue à perda de peso. Atividade Física na obesidade, diabetes, cardiopatia e hipertensão 10 Orlistate O orlistate é um agente antiobesidade com ação não sistêmica e que atua reduzindo a absorção de gordura da dieta no trato gastrointestinal. Foi desenvolvido a partir de pesquisa sobre microrganismos que apresentavam uma atividade inibitória sobre a lipase gastrintestinal e a descoberta da lipstatina, um composto produzido pelo Streptomyces Toxitricini deu origem ao fármaco. No processo de digestão de gorduras, as lípases gastrintestinais se ligam aos triglicerídeos (TG) da dieta, promovendo a quebra destes a ácidos graxos (AG) e monoglicerídeos que serão então absorvidos pela mucosa intestinal. A semelhança estrutural do orlistate com os TG permite que este fármaco se ligue às enzimas digestivas (lípases) impedindo a quebra destas gorduras, o que reduz em 30% a absorção dos TG, acarretando, portanto, um défi cit calórico. Os principais efeitos colaterais deste medicamento advêm da presença de gordura não digerida no intestino que pode ocasionar evacuações oleosas, fl atulência com perdas oleosas, urgências para evacuar, aumento das evacuações e, e, raros casos, incontinência fecal. Fluoxetina Existem várias famílias diferentes de receptores de serotonina, com diversos subtipos em algumas delas. A maior parte desses subtipos está nas famílias 5HT1e 5HT2. Drogas que inibem a recaptação de serotonina, tais como a fl uoxetina e a sertralina, claramente diminuem a ingestão alimentar, porém de um modo temporário e limitado pelos eventuais efeitos adversos. PRESCRIÇÃO DE EXERCÍCIO NA OBESIDADE As tendências norte-americanas demonstraram que a redução na ingestão de gorduras e calorias e o freqüente uso de produtos alimentares de baixas calorias estão associados ao paradoxal aumento da prevalência da obesidade. Um dos contra-argumentos é que a redução na proporção de gorduras na dieta tem sido relativamente pequena, aproximadamente 3% a 5%. Outra explicação, como comentado anteriormente, é a drástica diminuição no nível de atividade física. As crianças parecem ser o segmento populacional mais ativo entre os norte-americanos. Porém, a partir dos 6 anos de idade torna-se evidente a mudança nesse padrão. Com a adolescência, ocorre o decréscimo mais acentuado no nível de atividade física e, na vida adulta, o comportamento sedentário é mais evidente entre as mulheres, os que possuem menor nível educacional e os mais pobres. Uma vez instalada, a obesidade associa-se a menor utilização dos lipídeos como fonte energética. Esse fato pode contribuir para o desenvolvimento e a manutenção de maiores estoques de gordura corporais. Algumas explicações têm sido propostas para essa reduzida utilização de gorduras na obesidade. Entre elas estão a baixa atividade das enzimas envolvidas na β-oxidação, bem como a mobilização defi ciente a partir dos estoques de gordura corporais. Por outro lado, sabe-se que o exercício físico crônico aumenta a oxidação de gorduras durante e após o exercício. Dessa forma, o exercício físico pode apresentar efi ciente prevenção do ganho de peso ou de sua recuperação (para indivíduos anteriormente obesos), a ponto de estimular maiores esforços junto à saúde publica para se aumentar o nível de atividade física da população. Paralelamente a isso, construiu-se um considerável corpo de evidencias que mostra que a o exercício físico exerce um papel fundamental não somente no controle do peso corporal, mas também na regulação da composição corporal. Atividade Física na obesidade, diabetes, cardiopatia e hipertensão 11 Alem disso, tornou-se de suma importância a averiguação das características do exercício físico capazes de proporcionar os melhores resultados nesse sentido, e grande atenção tem sido direcionada para a prescrição do exercício físico “ideal” capaz de aperfeiçoar esse processo. Veremos a seguir qual a contribuição da prática de exercícios aeróbios e resistidos, realizados de forma isolada ou associada, na melhora do quadro da obesidade e suas comorbidades. EXERCÍCIOS AERÓBIOS Benefícios Os exercícios aeróbios aumentam o transporte de oxigênio para os músculos exercitados, que por sua vez, promovem maior utilização dos estoques de gordura como substrato energético, poupando a utilização do glicogênio muscular. A prática diária de exercício físico aeróbio está associada a reduções signifi cativas na quantidade de gordura corporal total, abdominal e visceral e à melhora da sensibilidade a insulina, e os resultados podem ser alcançados mesmo quando não há redução signifi cativa do peso corporal. Cronicamente, esse tipo de exercício é capaz de diminuir a pressão arterial sistólica e diastólica em indivíduos hipertensos e normotensos, porém, em magnitudes diferentes, além de aumentar o enchimento diastólico do ventrículo esquerdo, a vasodilatação dependente do endotélio e induzir efeitos a efeitos antiinfl amatórios. A melhora do condicionamento e da aptidão física promovidos pelo exercício aeróbio é de suma importância para a prevenção de doenças cardiovasculares, pois estudos mostram que a prática regular de exercícios físicos aeróbios melhora a função endotelial independentemente da perda de peso, possibilitando a hipótese de que a obesidade seja um potente fator de risco cardiovascular, não apenas devido ao acúmulo de gordura, e sim, por estar associada ao sedentarismo e a baixos níveis de aptidão física e de consumo máximo de oxigênio (VO2 máx.). De acordo com essa hipótese, indivíduos obesos fi sicamente ativos apresentariam menor risco de mortalidade e morbidade precoce por doenças cardiovasculares Possíveis mecanismos A melhora da sensibilidade insulínica promovida pelo exercício aeróbio pode ser explicada por diversos mecanismos citados na Tabela 2. O principal mecanismo que explica amelhora da disfunção endotelial encontrada em indivíduos obesos é o fato de o exercício físico aumentar o fl uxo sanguíneo e, consequentemente, o shear stress fi siológico na parede do vaso sanguíneo, fenômeno que é considerado um potente estímulo para a produção de óxido nítrico (NO) derivado do endotélio, que por sua vez induz o relaxamento do músculo liso e a vasodilatação. Outro mecanismo bastante estudado refere-se ao efeito anti-hipertensivo do treinamento aeróbio, no qual as hipóteses mais aceitas relacionam-se à redução da vasoconstrição simpática e a atenuação do sistema renina-angiotensina-aldosterona, já que ambos estão exacerbados no indivíduo obeso, promovendo aumento da vasoconstrição, infl amação e estresse oxidativo. TABELA 2. Possíveis mecanismos que explicam a melhora da sensibilidade insulínica em obesos submetidos a treinamento aeróbio Aumento na expressão gênica de elementos intracelulares da via de sinalização da insulina, em particular transportadores de glicose (GLUT 4), na musculatura esquelética. Aumento da sinalização insulínica pós-receptor Melhora da função das células β pancreáticas Aumento na expressão e na atividade da enzima AMP quinase Redução no conteúdo intramiocelular de triglicerídeos e de seus metabólitos Aumento na atividade das enzimas glicogênio sintase e hexoquinase Diminuição da produção e aumento da depuração de ácidos graxos livres (AGL) Melhora do infl uxo de glicose para o músculo devido ao aumento da capilarização e do fl uxo sanguíneo muscular Atividade Física na obesidade, diabetes, cardiopatia e hipertensão 12 Volume/ Intensidade Recomenda-se a prática de exercícios físicos aeróbios com duração de 30 minutos a 60 minutos, freqüência de 3 a 5 vezes/semana, por um período indeterminado, já que o tratamento e o controle da obesidade visa à aquisição de hábitos saudáveis para toda a vida. A administração dessa prática durante 1 mês representa um défi cit energético que culmina em uma perda de no mínimo 0,5 kg do peso corporal por semana, e quanto maior a duração e a freqüência desse tipo de exercício, maior será o défi cit energético gerado. Em relação ao percentual de oxidação das gorduras durante o exercício, os de intensidade leve a moderada, apresentam-se mais efi cientes do que os de alta intensidade. Porém, não se pode confundir o percentual de oxidação da gordura com o metabolismo total de gordura. Isso porque durante altas intensidades o gasto calórico total e a quantidade de gordura metabolizada por unidade de tempo são maiores. Além disso, a gordura parece ser o principal suprimento para o consumo excessivo de oxigênio pós-exercício (EPOC) nas primeiras horas após a realização de exercícios de alta intensidade. Esse tipo de exercício também melhora a função endotelial, possivelmente por aumentar a biodisponibilidade de NO, principal regulador da função endotelial. Exercícios intensos e moderados são capazes de aumentar a concentração de adiponectina, porém, exercícios aeróbios de alta intensidade (entre 90% e 95% da freqüência cardíaca máxima ou entre 85% e 90% do VO2 máx.) promovem maiores benefícios da capacidade aeróbia em um menor intervalo de tempo, e podem ser prescritos de forma intervalada para indivíduos com sobrepeso ou obesidade leve. O método de treinamento intervalado inclui períodos de alta intensidade intercalados com de intensidade moderada, permitindo que o indivíduo se recupere para um novo estímulo forte. O possível mecanismo que explica esse fenômeno é que em intensidades mais elevadas ocorre um maior número de adaptações cardiovasculares como aumento do volume sistólico máximo, e conseqüente aumento do pulso de oxigênio, que podem contribuir para o aumento do VO2 máx., já que o volume sistólico é um dos fatores que limita esse parâmetro. Contraindicações Exercícios aeróbios de intensidade vigorosa conduzem a uma sobrecarga articular semelhante à de um saltador, e sua prescrição deve ser evitada para obesos sedentários com graus de obesidade mais graves (IMC ≥ 35kg/m2). EXERCÍCIOS RESISTIDOS Os exercícios resistidos não aumentam a oxidação lipídica, mas devem ser prescritos especialmente para a manutenção da massa magra e melhora dos riscos à saúde. Aplicados como estratégia isolada de tratamento para mulheres de meia-idade sedentárias e com sobrepeso durante 1 ano, esse tipo de exercício não foi capaz de reduzir o percentual e a quantidade de gordura corporal, porém promoveu aumento signifi cativo de massa magra e dos níveis plasmáticos de adiponectina, assim como a redução signifi cativa da concentração da PCR (proteína C reativa, importante marcador infl amatório de doença cardiovascular), atenuando o estado infl amatório de baixo grau associado ao sobrepeso das voluntárias, podendo reduzir as chances de desenvolver doenças cardiovasculares. Benefícios Embora o exercício resistido, aplicado de forma isolada, possa apresentar modesta contribuição na redução de gordura corporal, e conseqüente perda de peso em indivíduos obesos, ele apresenta-se como um potente auxiliar no processo de emagrecimento, além de estar associado à atenuação dos fatores de risco para doença cardiovascular. Atividade Física na obesidade, diabetes, cardiopatia e hipertensão 13 Existem evidências na literatura de que o exercício resistido, principalmente de intensidade moderada, e com alto volume (em torno de 15 a 20 repetições), é capaz de melhorar a sensibilidade à insulina, podendo ser utilizado como um possível protetor contra o diabetes melito tipo 2 (DM2). Um estudo com 22 homens com DM2 mostrou que o exercício resistido foi mais efi ciente para manter o controle glicêmico do que o exercício aeróbio. O exercício resistido contribui para o aumento do gasto calórico diário, por intermédio do próprio custo energético de sua execução, e durante o período de recuperação devido ao EPOC. Além disso, esse tipo de exercício também promove uma resposta hipotensiva pós- exercício, e a duração dessa resposta, assim como o gasto energético após a sessão de treinamento, é proporcional à intensidade do exercício. Os principais benefícios da prescrição de exercícios resistidos no tratamento de indivíduos obesos estão destacados na TABELA 3. TABELA 3. Efeitos sistêmicos da prescrição de exercícios resistidos para indivíduos obesos. VLDL-c: lipoproteína de baixíssima densidade; LDL-c: lipoproteína de baixa densidade; HDL-c: lipoproteína de alta densidade; PCR: proteína C reativa; TNF- : fator de necrose tumoral alfa; EPOC: consumo excessivo de oxigênio após o exercício. Contraindicações Ao prescrever o exercício resistido para indivíduos obesos deve-se levar em consideração a associação com comorbidades tais como: » hipertensão arterial, quando se deve evitar a utilização de cargas muito elevadas ( 85% de 1-RM associado a um número que 15 repetições) e da manobra de valsalva, além de realizar o controle da PA do indivíduo (antes do treinamento resistido e ao fi nal do treinamento resistido). » limitações músculo-esqueléticas » limitações mecânicas ocasionadas pela obesidade » diagnóstico de placa aterosclerótica com manifestação clínica importante (ex: angina pectoris ou parestesia mandibular) DOENÇA CARDIOVASCULAR E EXERCÍCIO FÍSICO A reabilitação cardiaca, desde os seus primórdios, teve como base o emprego de exercícios físicos desde a fase I (algumas horas após um episódio agudo de infarto do miocárdio) passando pelas fases II, III e de manutenção, conhecida também como fase IV.Na década de 1990, entretanto, somente a utilização de exercícios passou a ser questionada por causa das evidências de que uma intervenção efetiva sobre todos os fatores de risco modifi cáveis poderia estabilizar o processo aterosclerótico e, em alguns casos, até regredi-lo. Hoje se preconizaque o conceito de reabilitação se confunda com os de prevenção secundária da doença arterial coronariana, ou seja, o conjunto de todas as ações necessárias para evitar a ocorrência de novos eventos em pacientes coronarianos. TERRITÓRIO EFEITOS MÚSCULO massa magra, força muscular, utilização de glicose pelo músculo esquelético, aumento da sensibilidade insulínica no músculo esquelético FÍGADO produção de lipoproteínas (VLDL-c e LDL-c), produção de HDL-c TECIDO ADIPOSO expressão de PCR e TNF- , expressão de adiponectina, lipólise, oxidação lipídica após a realização do exercício GED taxa metabólica de repouso, EPOC, capacidade funcional ARTICULAR sobrecarga articular CORAÇÃO pressão arterial sistólica e diastólica, volume sistólico máximo Atividade Física na obesidade, diabetes, cardiopatia e hipertensão 14 A prevenção secundária implica a utilização de recursos abrangentes envolvendo mudanças comportamentais, como total controle dos fatores de risco, além de tratamentos clínicos, invasivos e cirúrgicos, não só na tentativa de se evitar a recorrência da doença, mas também na sua regressão e no prolongamento da vida com qualidade. Entretanto, os programas especializados de condicionamento físico e a prática de exercícios físicos continuam sendo uma das ferramentas utilizadas visando a atingir os objetivos dessa prevenção. A intervenção com programas individualizados de treinamento é vital e potencialmente efetiva como componente do nosso arsenal na guerra contra as doenças crônicas. Entretanto, aproximadamente 50% das pessoas que iniciam o programa de exercícios continuam praticando por mais de 6 meses. A comunidade médica precisa valorizar a aderência ao programa por períodos prolongados para garantir a assimilação dos benefícios do exercício físico. Benefícios do Exercício Físico na Prevenção Secundária Os primeiros estudos controlados versando sobre os benefícios da reabilitação cardiovascular relataram menor ocorrência de angina pectoris nos pacientes em reabilitação após o treinamento, resultado unanimemente replicado em todos os programas especializados e confi rmado por estudos posteriores. Esses resultados subjetivos são explicados objetivamente pelas evidências de que os exercícios físicos regulares em pacientes com doença coronariana podem produzir modifi cações benéfi cas que reproduzem repercutem na melhora dos sintomas e da qualidade de vida depois da doença instalada. Basicamente, as mesmas modifi cações encontradas em indivíduos normais sedentários que iniciam um programa de exercícios físicos são documentadas em pacientes coronarianos que se engajam na prática regular de exercícios físicos. Essas mudanças, além de morfológicas, hemodinâmicas e metabólicas, englobam modifi cações nos fatores de risco e na qualidade de vida. As modifi cações morfológicas induzidas pelo exercício físico incluem: aumento da massa muscular ventricular esquerda e do seu volume fi nal diastólico. Elas são mais evidentes em jovens e mais difíceis de serem demonstradas após os 30 anos. Estudos ecocardiográfi cos demonstram que, após um período de treinamento físico em indivíduos normais com menos de 35 anos de idade, há um aumento entre 10% e 20% na espessura da parede posterior do ventrículo esquerdo, bem como um aumento do volume fi nal diastólico do ventrículo esquerdo. Estudo semelhante em indivíduos coronarianos que treinavam em intensidades altas (80% a 90% do VO2 máx.) mostrou aumento signifi cativo na espessura da parede posterior e do volume fi nal diastólico do ventrículo esquerdo. O aumento médio do VO2 máx. do grupo foi de 38%. Tal nível não é o habitual em programas de reabilitação cardiovascular, mas esses dados mostram que o comportamento clínico dos pacientes coronariopatas pode ser semelhante ao de indivíduos normais sedentários submetidos a um programa de treinamento físico. Pacientes após infarto do miocárdio que se exercitam três vezes por semana, até um nível de 70% a 85% da freqüência cardíaca máxima, podem aumentar em 30% a 50% as suas capacidades físicas, medidas pelo teste ergométrico em esteira, e o VO2 máx. em 15 a 20%. O aumento da capacidade física ocorre em pacientes com e sem isquemia de esforço e naqueles com má função ventricular esquerda. Ridocci et al., avaliando a resposta isquêmica, observaram menor infradesnivelamento do segmento ST em um nível maior de intensidade do esforço, após um programa de treinamento físico de intensidade moderada a alta, em pacientes após infarto do miocárdio. Esses resultados permitem supor que em alguns pacientes essas modifi cações podem ser explicadas por aumento do fl uxo sanguíneo coronariano. Após uma revisão de estudos relevantes, Franklin et al. concluíram que evidencias convincentes não existem sobre a estimulação de circulação colateral coronariana em humanos. Entretanto, um estudo em corredores de longa distância sugere que o exercício físico aumenta as coronárias epicárdicas, fenômeno que, se verdadeiro, em intensidades menores de exercício físico (comparado aos atletas corredores de longa distância), poderia aumentar o fl uxo regional do músculo cardíaco em certas circunstâncias. Atividade Física na obesidade, diabetes, cardiopatia e hipertensão 15 O treinamento físico moderado, quatro a oito semanas após o infarto de parede anterior, em pacientes com função ventricular deprimida não previne a dilatação do ventrículo esquerdo que ocorre, inevitavelmente, em muitos desses pacientes. O exercício físico também não causa maior incremento nessa dilatação. Em alguns pacientes selecionados pode ocorrer um aumento da fração de ejeção com o treinamento físico. Em muitos casos é provável que haja um modesto aumento na contratilidade e no volume sistólico. Hagberg (1991) coletou dados que sugerem que exercícios aeróbios de alta intensidade pode resultar em adaptações centrais ao treinamento físico. Essas adaptações centrais ocorrem em pacientes com doença coronariana, após um ano de participação efetiva em programa de reabilitação cardiovascular, com uma hora de exercícios aeróbios entre 70% e 90% do VO2 máx., cinco vezes na semana, tendo sido avaliadas por dados eletrocardiográfi cos, ecocardiográfi cos, hemodinâmicos e da medicina nuclear. Os resultados sugerem aumento da oxigenação miocárdica e, concomitantemente, aumento da função ventricular esquerda nesses pacientes. Esses benefícios cardiovasculares foram mantidos ao fi nal de seis meses nos quais o treinamento físico inicial prosseguiu. Isso não signifi ca que todos os pacientes com doença coronariana possam iniciar um programa de exercícios físicos em alta intensidade, mas que, em pacientes selecionados, que foram submetidos a níveis de treinamento maiores do que o habitual pode haver adaptações maiores do que as que se acreditava. As modifi cações metabólicas que podem ser observadas em decorrência do treinamento físico incluem aumento da reserva de glicogênio muscular, maior oxidação de gorduras, aumento nas enzimas do metabolismo aeróbio e aumento do VO2 máx. O colesterol total e o LDL - colesterol não são modifi cados diretamente pelo treinamento físico. Apenas o HDL - colesterol tem os seus níveis aumentados, especialmente se o treinamento é acompanhado de perda de peso corporal. O exercício físico continua sendo a única intervenção que documentadamente aumenta o HDL – colesterol. Há uma redução dos triglicérides e efeitos positivos na curva de tolerância à glicose. O sistema fi brinolítico tornar-se mais efi ciente, o que confere menor possibilidade de infarto do miocárdio nos participantes dos programas de reabilitação cardiovascular. O treinamento físico age favoravelmente na redução dos fatores de pró- coagulação em indivíduos com mais de 60 anos. Uma redução da agregação plaquetáriafoi observada após 12 semanas de treinamento físico em homens obesos sedentários. Já é bem estabelecido os efeitos positivos do treinamento físico na melhora da função endotelial na doença cardiovascular instalada. Estudos randomizados, principalmente entre 1975 e 1985, sugeriram uma redução na mortalidade e morte súbita cardíaca de 20% a 30%, mas não foram capazes de demonstrar que estas diferenças eram estatisticamente signifi cativas, em virtude dos insufi cientes tamanhos das amostras. Em 1988, Oldridge et al. publicaram uma meta-análise com 10 investigações clínicas randomizadas, envolvendo um total de 4.347 pacientes, sugerindo uma redução na incidência de mortalidade total e cardiovascular de 25% nos que participavam de programas de reabilitação cardiovascular. O treinamento físico começou entre 8 e 36 meses após o infarto e a duração variou de 6 a 48 meses. Os decréscimos da mortalidade total e cardiovascular não dependiam de quando o exercício tinha sido iniciado ou se o programa incluía ou não modifi cações de alguns fatores de risco, ou se era uma intervenção isolada do exercício. Entretanto, a redução da mortalidade foi mais evidente naqueles que se exercitaram por 52 semanas ou mais e, foi menos signifi cativa entre os que exercitaram entre 12 e 52 semanas. Outros estudos, nos quais a abordagem terapêutica foi mais ampla sobre os fatores de risco, mas que incluía também um programa de treinamento físico encontrou uma redução da morte súbita no grupo sob intervenção. O exercício físico pode contribuir para um aumento da estabilidade elétrica do miocárdio por vários mecanismos: redução da isquemia regional em nível submáximo de exercício, diminuição das catecolaminas no miocárdio em repouso e em níveis submáximos de esforço e aumento do limiar de fi brilação devido à redução do AMP cíclico. Outras explicações para o impacto do exercício físico em programas de reabilitação cardiovascular na mortalidade têm sido postuladas como o aumento do tônus vagal com o treinamento físico, documentado pela modifi cação da variabilidade da freqüência cardíaca observada por análise espectral. Atividade Física na obesidade, diabetes, cardiopatia e hipertensão 16 Nas pesquisas relacionadas à regressão da aterosclerose por meio da angiografi a, não foram estudadas isoladamente, as eventuais ações benéfi cas do exercício físico. Entretanto, um intensivo programa de treinamento físico, em associação com uma intervenção dietética, mostrou um efeito favorável sobre as lesões coronarianas ateroscleróticas e sobre a isquemia induzida em pacientes com angina pectoris estável. Além disso, essa mesma investigação demonstrou haver relação entre a extensão do efeito benéfi co e a intensidade do exercício realizado. A regressão somente foi vista em pacientes que tinham um gasto calórico, em média, de 2.200 kcal por semana. Outro estudo mostrou que a progressão mais lenta da aterosclerose foi vista angiografi camente nos pacientes que tinham um gasto calórico em média de 1500 kcal por semana. Outro fator importante observado nos pacientes coronariopatas é a depressão. Frasure-Smith et al. revelaram ser a depressão pós-infarto um fator independente de risco para mortalidade, mesmo após ser ajustado para a disfunção ventricular esquerda. Roose et al. relacionaram o fenômeno da morte súbita com desordens afetivas, como a depressão, observando que a atividade parassimpática, medida pela análise da variabilidade da freqüência cardíaca, está diminuída em pacientes deprimidos quando comparados aos controles. Possíveis ações prejudiciais do exercício físico na Doença Cardiovascular As publicações sobre a mobilização precoce dos coronariopatas após evento coronário, como já foi relatado, destacaram os benefícios advindos desta prática, ao se evitarem as complicações do repouso prolongado. A quase totalidade dos trabalhos sobre os programas de reabilitação cardiovascular concordam em relatar os benefícios que se conseguem com a prática de exercícios físicos em pacientes coronarianos. Os possíveis efeitos prejudiciais, entretanto, raramente são motivos para investigações sistemáticas. Todavia, eles não devem ser desprezados. Um dos primeiros possíveis efeitos indesejáveis referidos pela literatura foi à especulação de que os exercícios mais intensos poderiam levar a uma hipertrofi a ventricular esquerda, e isso não seria favorável a indivíduos com doença coronariana. Como já foi salientado, apenas o treinamento físico em alta intensidade pode modifi car signifi cativamente a massa muscular do ventrículo esquerdo. Na maioria dos programas de reabilitação cardiovascular, o nível de treinamento mais baixo não causa preocupação quanto a esse possível efeito prejudicial. A ocorrência de eventos coronarianos agudos, durante uma sessão de exercício físico, podendo levar à morte súbita, é outro efeito indesejável possível dos programas de reabilitação cardiovascular. Enquanto, a incidência desses eventos é considerada aceitável e não superior ao número de episódios que ocorrem na população de pacientes coronarianos fora das sessões de treinamento físico. Lesões osteoarticulares são outras ocorrências indesejáveis dos programas de treinamento físico e têm ligação direta com a intensidade e freqüência do treinamento físico. Embora a prática de exercícios físicos regulares possa produzir injúria músculo-esquelética, a adoção de medidas profi láticas pode reduzi-las a níveis aceitáveis. Elas incluem individualização da prescrição do treinamento físico, aquecimento, alongamento, emprego de calçados e equipamentos adequados. Outras ações deletérias foram aventadas em um artigo de revisão publicado, em 1987, pelo Dr. Myrvin H. Ellestad. Ele advogou a possibilidade de o exercício físico regular, em algumas circunstâncias, ser prejudicial para coronariopatas, sendo necessária uma reformulação nos conceitos até então vigentes sobre o emprego de exercícios regulares nesta população. Na opinião daquele autor, os avanços nos conhecimentos sobre isquemia miocárdica necessitam ser aplicados à prescrição de exercícios físicos regulares em coronariopatas. Para ele, deve-se valorizar o número de mortes súbitas, durante o exercício físico em pacientes com essa doença. Está muito bem estabelecido que em doentes lesões coronarianas os desnivelamentos do segmento ST, quase que, invariavelmente, signifi cavam isquemia miocárdica. Atividade Física na obesidade, diabetes, cardiopatia e hipertensão 17 Muitos pacientes, por prescrição médica ou por iniciativa própria, se exercitam um nível de esforço que produz isquemia miocárdica, aumentando o risco de morte súbita, podendo também causar morte celular na ausência de infarto do miocárdio. Na sua argumentação, o Dr. Ellestad afi rmou que, em muitos serviços de reabilitação cardiovascular, os pacientes são repetidamente exercitados até um nível de freqüência cardíaca que produz infradesnivelamento do segmento ST ou até mesmo angina. Algumas vezes, eles ao estimulados a continuar o exercício físico neste nível e usam nitroglicerina que possibilita o prosseguimento do esforço. Outras vezes, os pacientes têm prescrições de exercícios físicos para serem realizados sem supervisão, com base na percepção de angina ou em uma freqüência cardíaca determinada. Muitos deles, especialmente os de personalidade tipo A, acreditam que se um pouco é bom, bastante é melhor, e se exercitam acima dos níveis prescritos, sendo a sua atividade causadora de infradesnivelamento do segmento ST. Segundo, ainda, o Dr. Ellestad, é bem provável que episódios curtos de oclusão coronariana possam produzir necrose miocárdica. Os trabalhos da literatura que sustentam essa hipótese são os de Ninomiya et al. e Braunwald e Kloner. Oclusões em coronárias de cães,por períodos de 15 a 20 minutos, resultaram em alterações da contratilidade que perduraram por vários dias. Braunwald e Kloner especularam que o miocárdio humano pode sofrer as mesmas conseqüências diante de repetidas isquemias a que possa ser submetido e, inclusive, ter pequenas necroses celulares. Esse poderia ser o mecanismo para justifi car o fato de que doentes com lesão coronariana de caráter tri-arterial, que morreram por causas não cardíacas, sem terem tido um quadro de infarto do miocárdio clássico, apresentavam áreas de fi brose à necropsia. A partir do alerta do Dr. Ellestad e com base nos trabalhos disponíveis, pode-se concluir que só devem ser prescritos exercícios físicos que não causem períodos de isquemia prolongada em pacientes coronarianos. Prescrição de Exercício para Coronariopatas As bases fi siológicas para a obtenção dos benefícios propiciados por um programa regular de exercícios físicos para pacientes com doença coronariana estão relacionadas ao princípio de uma sobrecarga desencadear mecanismos adaptativos. Com efeito, espera-se que o esforço físico realizado, acima daquele da vida diária, determine o desencadeamento de modifi cações, principalmente nos músculos e nos sistemas cardiovascular e humoral. Assim sendo, é necessário que a prescrição do exercício físico contenha a dose efi caz do estímulo sem propiciar efeitos colaterais signifi cativos. Não se deve esquecer que a prescrição do exercício físico deve ser a mais individualizada possível para os pacientes coronariopatas, uma vez que a generalização pode causar efeitos indesejáveis não desprezíveis. Eles englobam a possibilidade de aumento indesejável, em coronariopatas, da massa do ventrículo esquerdo, arritmias cardíacas, eventos coronarianos, lesões osteoarticulares e morte súbita. Existem várias maneiras de se estabelecer a intensidade de exercício em programas de reabilitação cardiovascular. A mais utilizada é através da análise do teste ergométrico. Este permite afastar todos os potenciais riscos, revelar sintomas, comportamento anormal da pressão arterial, isquemia miocárdica e arritmias. Não mais se recomenda para esta população, o estabelecimento da capacidade física máxima a partir de testes submáximos que podem induzir a erros signifi cativos de avaliação. Da mesma forma não se pode aceitar mais a prescrição de exercício físico aeróbio baseado no nível de freqüência cardíaca submáxima calculada apenas a partir da idade do paciente, sem que se realize uma prova ergométrica. Executando o teste, preferencialmente com a medicação em uso e no horário em que o indivíduo irá se exercitar, a intensidade do esforço pode ser determinada. A freqüência cardíaca, por sua relação estreita com o volume de oxigênio consumido durante o exercício físico e por ser de fácil aferição no esforço, tem sido a variável mais constantemente recomendada para estabelecer a intensidade do esforço. Atividade Física na obesidade, diabetes, cardiopatia e hipertensão 18 A mais simples prescrição preconizada de exercício aeróbio é aquela baseada na freqüência cardíaca máxima atingida durante o teste ergométrico ou a presença de sintoma limitante durante o teste ergométrico. Segundo as diretrizes brasileiras, a intensidade do treinamento aeróbio pode ser dada pela freqüência cardíaca que represente 70% a 90% da freqüência cardíaca de pico atingida durante o teste ergométrico, o que equivale a 60% a 80% do pico de consumo de oxigênio do indivíduo. Aqueles com baixa capacidade física podem necessitar de treinamento aeróbio próximo a 70% da freqüência cardíaca máxima, e os de melhor desempenho e clinicamente aptos, na freqüência cardíaca máxima mais próxima a 90%. Para tanto é necessário que se aplique os dados revelados no teste ergométrico em uma fórmula mundialmente conhecida para prescrição de treinamento aeróbio: fórmula de Karvonen. Essa preconiza que a freqüência cardíaca em repouso seja também considerada como elemento da prescrição de exercício aeróbio. A freqüência cardíaca de treinamento será a freqüência que se obtém somando-se a FC de repouso com 60% a 80% do valor obtido da diferença da FC máxima atingida no teste e a FC de repouso: FCT = FCR + (FCM – FCR) x intensidade do esforço Treinamento Resistido na Doença Coronariana Nos anos iniciais da reabilitação cardíaca, à maioria dos pacientes com doença arterial coronariana eram orientados a evitarem o treinamento resistido ou o levantamento de qualquer coisa “pesada”. Estas recomendações foram baseadas em conceitos acerca de respostas exageradas de freqüência cardíaca e pressão arterial e que, portanto, o exercício resistido poderia desencadear arritmias latentes, disfunção ventricular transitória, isquemia miocárdica ou a combinação destes. Outra consideração era que a maioria dos programas de reabilitação cardiovascular focalizava sobre o condicionamento físico cardiovascular e os benefícios do treinamento resistido não eram claros. Os exercícios prescritos envolviam grandes grupos musculares e contrações rítmicas evitando-se exercícios estáticos. Felizmente, nos últimos anos a informação científi ca tem se acumulado sobre as respostas aguda e crônica ao treinamento resistido nos pacientes coronariopatas de alto risco, incluindo relatos recentes sobre a segurança e efetividade do treinamento resistido nesses mesmos pacientes. O treinamento resistido quando comparado com o treinamento aeróbio para níveis similares de trabalho metabólico falharam em trazer à tona sintomas como angina pectoris, depressão isquêmica do segmento ST, arritmias ventriculares ou outros sintomas importantes. A pressão arterial durante a execução do treinamento resistido permanece dentro de uma faixa clinicamente aceitável quando este é realizado a 40% de 1-RM (uma repetição máxima). Embora o aumento do duplo- produto, o qual refl ete a demanda de oxigênio para o miocárdio, possa ser similar ao que ocorre com o exercício aeróbio, as determinantes hemodinâmicas são diferentes. Com o exercício resistido, há uma pressão arterial mais elevada, mas uma resposta de freqüência cardíaca mais reduzida às cargas de trabalho crescentes, quando comparado com o exercício aeróbio. Um benefício potencial de uma freqüência cardíaca mais reduzida combinada com uma pressão arterial mais elevada é a acentuada perfusão coronária durante a diástole. OBJETIVO FORÇA RESISTÊNCIA REPETIÇÕES Alta Intensidade < 6 repetições 8 - 15 repetições > 15 repetições Baixa Intensidade 0 5 10 15 20 Intensidade Moderada FIGURA 1. Classifi cação da intensidade do treinamento resistido. Utilizando-se cargas que permitam de 8-15 repetições, geralmente facilitará melhorias na força e resistência muscular, independente do estado de saúde ou faixa etária. Atividade Física na obesidade, diabetes, cardiopatia e hipertensão 19 Outro conceito seguro é o efeito do treinamento resistido sobre a função ventricular esquerda. Uma revisão da literatura de 1989 concluiu que o treinamento resistido não tem efeitos deletérios sobre a função diastólica ventricular esquerda e nenhum efeito adverso sobre a função sistólica ventricular esquerda se a função ventricular esquerda é normal em repouso. Entretanto, em pacientes com função ventricular esquerda anormal em repouso, a recomendação foi para se evitar altas intensidades de treinamento resistido para se reduzir os riscos de exacerbação da disfunção ventricular esquerda. Todavia, um benefício potencial do treinamento resistido em pacientes com insufi ciência cardíaca é a massa muscular magra aumentada que pode contrabalancear a atrofi a muscular desencadeada pela doença mencionada. Treinamento Resistido logo após o Infarto do Miocárdio Poucos dados existem com relação à segurança e efi ciência do treinamento resistidologo após o infarto do miocárdio. Em um estudo recente, a combinação do treinamento resistido e exercício aeróbio precocemente melhorou a aptidão cardiorrespiratória e a força muscular mais do que a utilização isolada do exercício aeróbio. O consumo máximo de oxigênio aumentou em 14% no grupo de treinamento combinado, enquanto não houve nenhuma melhora signifi cativa nos pacientes que realizaram somente o treinamento aeróbio. A força muscular dos membros superiores e inferiores aumentaram em ambos os grupos. Entretanto, as melhorias (os ganhos) foram maiores para o grupo de treinamento combinado – 31% versus 16% para força de membros inferiores e 20% versus 10% para força de membros superiores. A ausência de sinais ou sintomas de isquemia miocárdica, respostas hemodinâmicas anormais, evidencia de alterações adversas na função ventricular esquerda, assim como de complicações clínicas, sugerem que a incorporação do treinamento resistido dentro do programa de reabilitação cardiovascular é segura em pacientes selecionados. TABELA 1. Recomendações para a prescrição do exercício aeróbio e resistido Modalidade Objetivos Intensidade/ Frequência/ Duração Tempo Esperado de Melhora Clínica AERÓBIO - capacidade aeróbia - PA e FC - fatores de risco - demanda de O2 pelo miocárdio - BORG 11 - 16 - 40-80% do VO2 máx ou FC reserva - ≥ 3 dias/ semana - 20-60 minutos/ sessão - 5-10 minutos de aquecimento e volta à calma 4 – 6 meses RESISTIDO - independência funcional - força muscular - 50 – 80% de 1-RM (evitar Valsalva) - 2- 3 dias/ semana - 2 – 4 séries de 10-15 repetições - 8 – 10 exercícios - Ajuste de cargas a cada 4 semanas. 4 – 6 meses FLEXIBILIDADE - risco de lesões - mobilidade articular - economia de movimento - Alongamentos estáticos - Manter por 10 – 35 segundos - 2- 3 dias/ semana 4 – 6 meses Atividade Física na obesidade, diabetes, cardiopatia e hipertensão 20 Medicações e Manejo Clínico O tratamento médico de indivíduos com doença arterial coronariana e a recuperação de um infarto do miocárdio é essencialmente paliativo, na tentativa de minimizar a gravidade das sequelas clínicas e possibilidade de retardar, impedir ou mesmo reverter a progressão da doença. Indivíduos com risco moderado a elevado, provavelmente, podem experimentar uma redução na mortalidade através de procedimentos invasivos como a angioplastia coronária ou cirurgia de revascularização do miocárdio. Intervenções com foco nos fatores de risco com vista a cessação do tabagismo, modifi cação de lipoproteínas, controle da hipertensão, inclusão dos exercícios físicos, redução do peso (se for o caso) e medicamentos efi cazes (incluindo beta-bloqueadores, estatinas, inibidores da enzima conversora da angiotensina, clopidrogel, e aspirina) produziram notavelmente uma redução consistente (aproximadamente 20-25%) na morbidade e mortalidade relacionada a problemas cardiovasculares. Quando as intervenções sobre os fatores de risco são seletivamente combinados, reduções ainda maiores nos eventos cardiovasculares subseqüentes possam ser alcançadas. Embora a suplementação de vitamina (vitamina E, ácido fólico, vitamina B6 e vitamina B12) não demonstrou promover benefícios cardioprotetores adicionais em pacientes com doença cardiovascular, fontes de alimentos que fornecem os ácidos graxos ômega-3 (especialmente os ácidos graxos de cadeia mais longa de fontes marinhas) são agora amplamente recomendada para diminuir o risco cardiovascular. Farmacoterapia adequada reduz a mortalidade após infarto agudo do miocárdio, atenua as manifestações das síndromes isquêmicas agudas, melhora os sintomas em síndromes isquêmicas estáveis, melhora os sintomas de angina estável e insufi ciência cardíaca, suprime arritmias atriais e ventriculares e inibe a função plaquetária e formação de fi brina. Assim, muitas pessoas tomam um ou mais medicamentos após um infarto agudo do miocárdio, incluindo medicamentos com propriedade anti-isquêmica (beta-bloqueadores, bloqueadores dos canais de cálcio nitroglicerina, e os nitratos de ação prolongada), antiagregantes plaquetários, anticoagulantes, medicamentos para o tratamento da insufi ciência cardíaca (digitálicos, diuréticos, inibidores da enzima conversora da angiotensina), vasodilatadores, antiarrítmicos e estatinas. Preocupações Especiais Várias medicações utilizadas para o tratamento da doença coronariana pode infl uenciar potencialmente a resposta do exercício para o teste ergométrico e para, propriamente, a sessão de exercício físico. São eles: - Os diuréticos não alteram a reserva cronotrópica ou a capacidade aeróbia (exceto, possivelmente, em indivíduos com insufi ciência cardíaca congestiva). Assim, a freqüência cardíaca prescritapara o treinamento aeróbio pode ser determinada da forma padrão (através da fórmula de Karvonen). Entretanto, os diuréticos podem precipitar ectopia ventricular na vigência da hipocalemia ou hipomagnesemia, tendo como resultado um teste ergométrico “falso positivo”. - Betabloqueadores diminuem a freqüência cardíaca máxima e submáxima e, por vezes, a capacidade de realização do exercício, especialmente com agentes não seletivos. Essas drogas também podem prevenir ou retardar sinais ou sintomas de isquemia do miocárdio e aumentar a tolerância ao exercício em clientes com angina de esforço. No entanto, a treinabilidade para o exercício físico não parece ser afetada, apesar de doses terapêuticas e uma redução da freqüência cardíaca de treinamento. - Vasodilatadores, inibidores da enzima conversora da angiotensina não afetam a resposta da FC para o exercício físico. Consequentemente, a intensidade da prescrição do exercício físico pode ser feita de maneira usual. Indivíduos em uso desse princípio farmacológico podem estar sujeitos a episódios de hipotensão após o exercício físico. Uma forma de evitar esse desconforto é a realização de um período de desaquecimento adequado. - Bloqueadores dos canais de cálcio não prejudicam a capacidade aeróbia máxima ou a treinabilidade para o exercício físico. Essa classe farmacológica pode até aumentar a intolerância ao exercício em pacientes com angina pectoris. Atividade Física na obesidade, diabetes, cardiopatia e hipertensão 21 Entretanto, alguns bloqueadores dos canais de cálcio (ex: diltiazem e verapamil) podem diminuir a resposta da FC no repouso e para o exercício físico e, prevenir ou retardar manifestações de isquemia miocárdica. - Agentes antiarrítmicos podem causar uma resposta “falso negativo” (ex: quinidina) ou “falso positivo” (ex: procainamida) para o teste ergométrico. Entretanto, essa classe farmacológica não altera, substancialmente, a resposta da FC e a capacidade aeróbia máxima em pacientes com ou sem doença cardiovascular. Em contraste, uma redução de 20 batimento por minuto da FC máxima foi reportada in pacientes em uso de amiodarona. HIPERTENSÃO ARTERIAL E EXERCÍCIO FÍSICO A hipertensão arterial permanece como um dos grandes problemas de saúde pública em países desenvolvidos, estimando-se 29% da população norte-americana com 18 anos ou mais tenha hipertensão arterial. Apesar de defi nirem-se limites de corte de pressão arterial para o diagnóstico da doença, estudos observacionais mostram uma positiva relação entre níveis de pressão arterial e risco de doença cardiovascular a partir de níveis pressóricos maiores que 116 x 76 mmHg. A incidência e a prevalência também aumentam com a idade. Indivíduos com mais de 55 anos de idade com níveis normais de pressão arterial (PA) terão no transcorrer de sua vida 90% de chance para o desenvolvimento da hipertensão arterial. Ao diagnosticar- se a hipertensão arterial, deve-se considerar o benefício de um programa de exercícios físicos em umindivíduo sedentário ou os benefícios e riscos cardiovasculares do exercício físico e/ou esporte em indivíduos engajados em programas regulares de exercícios físicos. Baseado nesta defi nição aventa-se, atualmente, qual nível de pressão arterial seria considerado ideal, ou ainda, a partir de qual nível os médicos deveriam levar em conta para diagnosticar a hipertensão arterial. Num estudo longitudinal conduzido por 20 anos conhecido pela sigla NHBPEP (National High Blood Pressure Education Program) foi verifi cado que os riscos em longo prazo para mortalidade cardiovascular associavam-se progressivamente com vários níveis de pressão arterial, de modo que não se identifi cou um limite que estabelecesse que a partir daquele ponto houvesse um perigo potencial. Então, a própria defi nição de hipertensão é, até certo ponto, arbitrária, de modo que a melhor defi nição para a hipertensão arterial, pelo menos do ponto de vista operacional, seria o nível de pressão arterial em que os riscos excedem os benefícios, mas o nível exato para isso ainda há de ser identifi cado. O desenvolvimento da hipertensão arterial depende da interação entre predisposição genética e fatores ambientais. No entanto, independentemente da etiologia (genética ou ambiental) sabe-se que a hipertensão é acompanhada por alterações funcionais do sistema nervoso autônomo simpático, renais, do sistema renina - angiotensina, além de outros mecanismos humorais e disfunção endotelial. Em relação ao sistema nervoso autônomo, a alça simpática deste sistema exerce uma grande infl uência na gênese da hipertensão arterial e isso tem sido verifi cado tanto de forma sistêmica, quanto periférica ou mesmo cardíaca. De fato, há vários estudos que compararam pacientes hipertensos com seus pares normotensos e verifi caram que os hipertensos apresentavam maiores concentrações plasmáticas de catecolaminas, atividade nervosa simpática periférica, medida diretamente pela técnica de microneurografi a, e também uma modulação autonômica cardíaca em favor de um maior predomínio simpático, avaliada pela técnica de variabilidade do intervalo entre as ondas R do eletrocardiograma. O sistema renina-angiotensina-aldosterona também está envolvido no controle da pressão arterial e no controle do sódio. Assim, um desbalanço deste sistema acarreta em importantes implicações no desenvolvimento da hipertensão renal que repercute em alterações signifi cantes na pressão arterial, favorecendo para a gênese da hipertensão arterial. Além disso, o efeito desse sistema no coração, nos vasos e no rim é mediado pela produção ou ativação de diversos fatores de crescimento e substâncias vasoativas, induzindo vasoconstrição e hipertrofi a celular. Atividade Física na obesidade, diabetes, cardiopatia e hipertensão 22 Todos esses aspectos são agravados ao longo do tempo pelo próprio nível de pressão arterial elevado e sustentado, de modo que a sobrecarga no sistema cardiovascular imposta pela pressão arterial elevada e pela ativação de fatores de crescimento leva a adaptações estruturais, com estreitamento do lúmen arteriolar e aumento da relação entre a espessura da média e da parede arterial. Isso aumenta a resistência ao fl uxo e aumenta a resposta aos estímulos vasoconstritores e as adaptações estruturais cardíacas progridem para uma hipertrofi a concêntrica da parede ventricular esquerda em consequência ao aumento da pós-carga aumentada. Sabendo que a pressão arterial é o produto entre o débito cardíaco e a resistência vascular periférica, todas as alterações explicitadas anteriormente podem elevar a pressão arterial de diversas maneiras, causando constrição arteriolar - o que representa um aumento da resistência vascular periférica; alterando a relação pressão-volume renal, aumentando a retenção de sódio e água - o que confere maior volemia e, portanto, maior débito cardíaco; ou, comumente, a associação de ambos os fatores. De acordo com as IV Diretrizes da Sociedade Brasileira de Hipertensão, a hipertensão arterial é defi nida como pressão sistólica ≥ 140 mmHg e/ou pressão diastólica ≥ 90 mmHg em adultos, que não fazem uso de medicamentos anti-hipertensivos. Os valores limites para diagnóstico de hipertensão em crianças e adolescentes são obviamente inferiores. Nestes a hipertensão arterial é defi nida como níveis de pressão sistólica ou diastólica maiores ou iguais ao percentil 95 para o sexo, idade e altura. Daí ser de fundamental importância seu correto diagnóstico, pois a elevação da pressão arterial é muitas vezes o primeiro sinal da doença. Em termos absolutos e faixas etárias, os valores para diagnóstico de hipertensão arterial são: » 3 – 5 anos : 116 x 76 mmHg » 6 – 9 anos: 122 x 78 mmHg » 10 – 12 anos: 126 x 82 mmHg » 13 – 15 anos: 136 x 86 mmHg TABELA 1. Defi nição e classifi cação da pressão arterial (em mmHg) segundo a Sociedade Brasileira de Hipertensão O diagnóstico da hipertensão arterial depende fundamentalmente de medidas confi áveis da PA e, para tanto, recomenda-se algumas regras de verifi cação que ajudem a minimizar os erros: » o indivíduo deve estar sentado, com o braço apoiado e na altura do coração (no nível da crossa da aorta), mão supinada, descanso de pelo menos 5 minutos antes da verifi cação, evitar fumar ou ingerir substâncias estimulantes (ex: cafeína) por período mínimo de 30 minutos; » o manguito deve ser adequado a circunferência do braço; » o manguito deve ser insufl ado rapidamente até 20 a 30 mmHg acima dos valores esperados e desinsufl ado entre 20 a 30 mmHg por segundo. Apesar de todos os cuidados descritos, a PA obtida, se elevada, pode ainda não refl etir os valores reais do indivíduo. Este fato pode ser devido à reação de alarme ligado à emotividade no momento da verifi cação e à própria variabilidade espontânea da PA nas 24 horas de um dia. Para evitar que um indivíduo seja rotulado como “hipertenso” erroneamente, podemos complementar as regras de verifi cação com três estratégias: Reavaliar a PA em várias sessões de exercício físico em um período de 2 a 4 meses; Recorrer a verifi cações fora da sessão de exercício físico pelo paciente, com equipamento adequado; Indicar procura médica para efetuar a monitorização ambulatorial da PA. CATEGORIA SISTÓLICA DIASTÓLICA ÓTIMA < 120 < 80 NORMAL 120 – 129 80 - 84 NORMAL ALTA 130 – 139 85 – 89 ESTÁGIO 1 140 – 159 90 – 99 ESTÁGIO 2 160 – 179 100 – 109 ESTÁGIO 3 ≥ 180 ≥ 110 HIPERTENSÃO SISTÓLICA ISOLADA ≥ 140 < 90 Atividade Física na obesidade, diabetes, cardiopatia e hipertensão 23 Efeitos da Hipertensão Arterial sobre a resposta ao Exercício Físico Em relação aos benefícios, apesar das inúmeras demonstrações com resultados inequívocos de um melhor controle pressórico, as modifi cações no estilo de vida ainda não fazem parte da rotina médica que se propõe a tratar essa doença. Programas de exercícios físicos promovem prevenção, tratamento e controle da hipertensão arterial cujos mecanismos propostos para um melhor controle dos níveis pressóricos têm como resultado fi nal a diminuição das catecolaminas plasmáticas, diminuição da resistência vascular periférica, aumento da sensibilidade insulínica e melhor relação entre os hormônios vasoconstritores e vasodilatadores produzidos pelo endotélio vascular. Esta redução induzida pelo treinamento físico na pressão arterial pode persistir por até 9 horas e parece ser mediado por uma redução transitória do volume de ejeção, em vez da vasodilatação periférica. A hipertensão arterial não tratada, bem como o uso de certos medicamentos anti-hipertensivos, podem prejudicar a tolerância ao exercício, o desempenho físico ou ambos. No entanto, a tolerância ao exercício é geralmente reforçada por meio do controle da hipertensão arterial com modifi cações de estilo de vida associado
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