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LPI A1 Origem e identidade da literatura portuguesa

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DESCRIÇÃO
Contexto do surgimento da literatura portuguesa e seu processo construtivo a partir da lírica e
da prosa medievais.
PROPÓSITO
Conhecer o contexto histórico-cultural do surgimento da literatura portuguesa para o
entendimento da origem e da identidade da expressão estética em língua portuguesa.
PREPARAÇÃO
Tenha à mão um dicionário de literatura para compreender o vocabulário específico da área.
Na internet, você pode acessar gratuitamente o E-dicionário de termos literários, de Carlos
Ceia, e o Dicionário de cultura básica, de Salvatore D’Onofrio.
OBJETIVOS
MÓDULO 1
Reconhecer o contexto histórico-cultural da origem da literatura portuguesa
MÓDULO 2
Identificar as características das cantigas na poética medieval
MÓDULO 3
Identificar as características das novelas de cavalaria e das crônicas na prosa medieval
INTRODUÇÃO
Você sabe quando e como se inicia a produção literária em língua portuguesa? Já imaginou
quantas questões culturais e identitárias estão implicadas no surgimento e no desenvolvimento
dessa literatura?
Agora você terá a oportunidade de estudar alguns aspectos históricos e culturais pertinentes a
esses questionamentos. Além disso, analisaremos as diferentes cantigas que surgiram na
Baixa Idade Média e que tiveram demasiada importância para o caráter literário ibérico.
Em seguida, faremos um percurso pelas novelas de cavalaria, apresentando, para isso, duas
das mais famosas do gênero: A demanda do Santo Graal e O Amadis de Gaula. Por fim,
estabelecermos uma compreensão acerca do papel das crônicas na sociedade portuguesa
enquanto importante elemento da historiografia antiga.
MÓDULO 1
 Reconhecer o contexto histórico-cultural da origem da literatura portuguesa
INDEPENDÊNCIA E ORGANIZAÇÃO DE
PORTUGAL
Comecemos este módulo com uma panorâmica da independência e da organização de
Portugal como Estado.
A independência portuguesa foi sendo forjada ao longo de um processo que se dividiu em
várias etapas. Conforme aponta Saraiva (1996, p. 45-46), podemos registrar os momentos
mais decisivos da seguinte forma e sequência:
A BATALHA DE SÃO MAMEDE
 Castelo de Guimarães, sobranceiro ao Campo de São Mamede, Portugal.
Imperador da Península Ibérica, Afonso VI (1040-1109), rei de Leão, deu a Teresa, sua filha
ilegítima, o Condado Portucalense, enquanto Urraca, que era sua filha legítima, herdou os
reinos de Leão e Castela.
Teresa tentou anexar o Condado Portucalense à Galícia. Isso gerou descontentamento entre
os nobres de Portucale, tradicionais rivais da nobreza galega. Filho de Teresa, Afonso
Henriques (que nasceu provavelmente em 1109 e faleceu em 1185) tomou partido, aos 21
anos, dos nobres do Condado e ficou contra sua mãe.
Em função disso, em 1128, no Campo de São Mamede, Afonso Henriques, ao lado dos nobres
portucalenses, expulsou Teresa e o Conde de Borgonha, seu pai. Com isso, teve início a saga
de Afonso Henriques, o futuro rei de Portugal.
Para compreender melhor os próximos itens desta seção, verifique a seguir a árvore
genealógica do imperador Afonso VI e de seus descendentes:
 Árvore genealógica de Afonso VI.
A BATALHA DE OURIQUE
 Batalha de Ourique de Jorge Colaço no Centro Cultural Rodrigues de Faria, Portugal.
Neto do rei Afonso VI, Afonso Henriques era de linhagem nobre. Apesar de ele ter assinado
como rei em diversas situações, seu “título de rei era uma dignidade pessoal”, explica Saraiva. 
(1996, p. 47).
 Afonso Henriques.
Isso não implicava por si só a independência do reino. Um fato célebre, porém, fez com que
Afonso Henriques passasse a usar direto o título de rei: a batalha de Ourique, que foi travada
em 25 de julho de 1139.
Sabe-se que os portugueses faziam incursões (fossados) nas terras ocupadas pelos mouros,
apreendendo gado, escravos e outros despojos. Em um desses fossados, eles se depararam
com um exército de mouros.
 COMENTÁRIO
Não podemos afirmar com segurança o que é mito e o que é história nesse confronto, mas
tudo nos leva a crer que os mouros eram numericamente superiores. Isso alimentou o mito do
milagre de Ourique, que passou a fazer parte de um dos muitos milagres do ciclo de Santiago
de Compostela.
De acordo com o mito, a vitória foi obtida com o auxílio divino. O milagre tem seu primeiro
relato completo na crônica dos sete primeiros reis em Portugal, em 1419.
D. Afonso Henriques procurava encorajar os seus afirmando que eles seriam ajudados por
Deus. E Santiago, cujo dia se celebrava, seria o conde do povo.
A história depois foi desenvolvida atribuindo-se o milagre exclusivamente a Cristo. Essa versão
de 1419 é a fonte das outras versões que virão depois, mas nelas Santiago deixa de intervir,
frisa Saraiva (1996, p. 57).
De qualquer modo, sendo o milagre atribuído a Cristo ou a Santiago, diz o mito que, no
momento da batalha, Afonso Henriques foi ungido como rei de Portugal.
A INDEPENDÊNCIA
 Cerco de Lisboa, por Roque Gameiro, Portugal.
Após a morte de Afonso VII (1105-1157), neto legítimo de Afonso VI, o título de imperador da
Península Ibérica se extinguiu. As relações de Afonso Henriques e Afonso VII, que era seu
primo, sempre foram tensas.
Henriques dilatou o território do condado, conquistando, entre outras terras, Coimbra, Lisboa e
Santarém. Dessas conquistas, a mais polêmica foi o “cerco de Lisboa” pelo caráter sangrento
da ocupação.
 SAIBA MAIS
Há um romance famoso do escritor português José Saramago (1922-2010) que faz alusão a
esse fato. O título do livro é A História do cerco de Lisboa.
Sabemos que, além das conquistas, ele buscou o apoio do Papa Inocêncio II (1081-1143),
embora o reconhecimento do reino e sua oficialização só tenham sido obtidos quase no final do
seu reinado. Até esse momento derradeiro, os diplomatas de Roma procuravam evitar o
reconhecimento de Afonso Henriques como rei.
A mudança nessa situação foi adquirida por mil moedas de ouro, mas isso parece não ter
influenciado muito na consolidação da independência de Portugal, algo que já se tornara fato
consumado. Aliás, nem mesmo havia mais imperador, destaca Saraiva (1996).
Afonso Henriques morreu em 6 de dezembro de 1185 na cidade de Coimbra, dando origem à
primeira dinastia de Portugal (conhecida como “Afonsina” ou “Dinastia de Borgonha”). A sua
biografia se confunde com os mitos e a história da própria independência de Portugal.
O SURGIMENTO DA CAVALARIA E O AMOR
CORTÊS
 God Speed, por Edmund Leighton, 1900.
UM NOVO TIPO DE ECONOMIA MONETÁRIA
O feudalismo sofreu, na Europa no século XI, uma transição. Era o início de uma economia
comercial monetária. De acordo com Hauser (1972, p. 269), os mosteiros foram os precursores
da administração racional dos negócios, emprestando dinheiro a juros.
Com o passar dos anos, eles cederam o lugar às cidades, que passaram a ser os centros de
administração das trocas comerciais. Com isso, o capital estéril do mundo medieval foi posto
em movimento: a economia financeira das cidades passou a ameaçar de extinção todo o
sistema feudal.
O RESSURGIMENTO DA BURGUESIA
A partir daí, observou-se o aumento do nível de vida e o gosto dos homens por tudo que fosse
vestuário, armaduras e alojamentos. As pessoas já não se satisfaziam mais com o que era
simples e útil.
 Burgueses.
Com o aluguel das terras produtivas, os camponeses passaram a receber dinheiro em vez de
gêneros, pontua Hauser (1972). Os senhores feudais se tornavam endividados e acabavam
vendendo suas terras a homens da cidade, cujas origens eram plebeias.
A situação da burguesia emergente a colocava como intermediária entre a nobreza e os
camponeses. Desenraizados, os burgueses, a partir do século XIII, formaram uma classe social
própria.
A BURGUESIA, ASSIM, TOMOU A DIANTEIRA DO
PROCESSO HISTÓRICO.
O APARECIMENTO DA CAVALARIA
Os príncipes, os barões, os condes e os grandes senhores tinham conseguido feudos como
recompensas de seus serviços de guerra, porém o número de senhores peritos em guerras
pouco a pouco se tornou escasso! Havia senhoresmilitares que nunca conseguiram feudos;
por conta disso, seus descendentes se tornaram soldados mercenários: a cavalaria.
No século XI, segundo Hauser (1972), houve finalmente a concessão de feudos aos
“cavaleiros”. Com isso, formava-se uma classe hereditária de cavaleiros, uma nobreza de
segunda classe na qual se enraizou o espírito do servilismo. Na nobreza feudal, tal espírito era
diferente: todos se enxergavam como pretendentes ao trono.
 ATENÇÃO
Para Hauser (1972), o idealismo romântico e o heroísmo consciente da cavalaria eram
idealismos e heroísmos de segunda mão. Os zelos da cavalaria eram sinais da falta de
segurança e das fraquezas que a velha nobreza não tinha.
Fora isso, a Igreja encorajou a formação da nobreza da cavalaria, tentando anular o processo
de secularização que provinha das cidades. Ela passou a reconhecer a cavalaria como o
exército de Cristo. As virtudes dos cavaleiros se assemelhavam às cristãs e pressupunham
esforço e treino físico.
A CULTURA DA CORTE
A cultura da corte da Idade Média distinguiu-se de qualquer outra cultura palaciana anterior
pelo seu caráter feminino. Ao contrário do que ocorria com as canções de gestas francesas, as
canções de amor provençais e os romances de cavalaria do ciclo arturiano foram
essencialmente escritos para mulheres.
CICLO ARTURIANO
Ciclo literário vinculado à lenda do rei Artur e seus cavaleiros na Idade Média. Ainda é muito
famosa a versão de Rei Arthur e os cavaleiros da távola redonda, escrita e ilustrada pelo norte-
americano Howard Pile (1853-1911).
Elas participavam ativamente da educação dos jovens; os homens, portanto, deviam-lhes sua
educação moral e estética. Diferentemente do que ocorreu na época clássica e na Idade
Média, a concepção cavaleiresca desenvolvida nas cortes era um sintoma de uma nova
posição ocupada pelas mulheres.
O AMOR TROVADORESCO
O FEMININO E UMA NOVA CONCEPÇÃO DE
AMOR
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No século XII, surgiu uma nova concepção de amor baseada no destaque da figura da mulher.
Tratava-se do amor trovadoresco como caracterização de um novo código de amor. Há
sobretudo algo de original nessa temática, até porque ela ocorreu numa sociedade teocrática
de origem misógina.
Segundo Bloch (1995, p. 55-60), nos primórdios do cristianismo, houve uma nítida estetização
dos sexos, marcando as distinções entre homem e mulher. Isso partiu de uma interpretação do
Gênesis, cuja narrativa apresenta a mulher surgindo da costela de Adão.
No início da Idade Média, o corpo dela estava associado não apenas à carne, enquanto fonte
de pecados, mas também aos ornamentos e aos cosméticos tidos como pecaminosos e
prostituintes.
Havia um nexo econômico na relação estreita entre:
 
O OURO.
O PRODUTO DO TRABALHO EM DEMASIA.
 
AS ARTES.
 
AS MULHERES.
A natureza de cada um desses elementos seria não essencial e não natural, pois eles estariam
relacionados com um excesso escandaloso e ofensivo, pontua Bloch (1995).
Para os primeiros padres da Igreja, a mulher que utilizasse artifícios estéticos se aproximava
do caráter enganador da arte e se mostrava como um objeto demoníaco de sedução. Tal
posicionamento estava em sintonia com o entendimento religioso de que o ser humano perde
parte de sua dignidade ao ter admiração por qualquer coisa além de Deus, completa Bloch
(1995).
 COMENTÁRIO
É surpreendente que, no século XII, tenha surgido – principalmente no Sul da França – um
culto ao feminino.
O SURGIMENTO DA LÍRICA PROVENÇAL E AS
TRÊS TESES
Falaremos agora sobre as possíveis influências presentes no surgimento da lírica provençal
(lírica trovadoresca). Para isso, apresentaremos três teses:
TESE MÉDIO-LATINA
Natália Correia (1978, p. 16) afirma que o conhecimento dos trovadores do Languedócio
(região costeira do Sul da França) acerca dos elegíacos latinos pode sugerir uma influência
no aparecimento da lírica trovadoresca.
Nesse sentido, suas influências seriam sobretudo de Catulo, Ovídio, Propércio e Tíbulo. Mas
talvez elas não tenham excedido o caráter decorativo estilístico, porque os antigos
consideravam o amor uma enfermidade dos sentidos.
No caso dos trovadores, o amor era visto como:
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Um transporte espiritual que sobrevoa a realidade física.
Uma via de salvação.
TESE ÁRABE
Os poetas árabes da Andaluzia, segundo Correia (1978, p. 16), deram aos trovadores
occitânicos os temas primordiais para a sua poética.
Os poetas árabes desenvolviam os acentos de um amor platônico que se expandiu entre as
elites muçulmanas depois das traduções de sírios cristãos nos séculos VIII e IX. O platonismo
árabe coincidiu com a ascese amorosa da poética provençal.
TESE FOLCLÓRICA
A tese folclórica, na perspectiva de Correia (1978, p. 18), oferece um fundamento para a
erótica provençal, cuja exaltação sensual se encaminha para uma mística do amor. Nesse
caso, admite-se o trânsito de uma poesia popular jogralesca (feita pelo jogral) para um produto
requintado de lirismo cortês.
O amor adulterino, tão glorificado pelos cantos eróticos, trazia as marcas da euforia orgiástica
das Florálias, as antigas festas romanas da primavera.
TROVADORES
O termo “trovador” é originário do provençal trobador e geralmente designa um artista que
compunha letras e melodias de suas canções (as cantigas). O trovador tinha uma posição
social privilegiada, muitas vezes pertencendo à nobreza. O artista proveniente da vila (o vilão),
de classe social inferior, seria designado como “jogral”.
ELEGÍACOS LATINOS
Poetas ligados à elegia, gênero literário de origem grega. Inicialmente, a elegia era um canto
fúnebre; depois, ela deixou de ser apenas um canto triste para tratar de temas como a pátria, a
guerra, a dor, o amor e a amizade. Já os elegíacos latinos cantavam motivos eróticos e o amor
relacionados com suas experiências de vida.
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OCCITÂNICOS
Referente à língua occitana ou occitânica, que é uma língua românica (com suas raízes no
latim) falada no Sul da França. Ela também é chamada de provençal ou langue d’oc
(literalmente “língua de Oc”). Vem daí o nome dado para uma região no Sul da França:
Languedoc.
A INFLUÊNCIA CÁTARA
 Expulsão dos cátaros de Carcassonne em 1209, oficina do mestre de Boucicaut, 1415.
Aproximadamente na mesma época do surgimento da poesia provençal, existia, no Sul da
França, a cultura cátara. Segundo Correia (1978), a forma de conhecimento cátara tirava todas
as suas conclusões lógicas de um antagonismo entre o espírito e a matéria.
CÁTARA
Doutrina considerada herege pela Igreja e muito difundida no Sul da França e no Norte da Itália
no século XII. Os adeptos da cultura e das ideias cátaras também são chamados de
Albigenses em referência a um importante centro de difusão dessa cultura: a cidade francesa
de Albi.
Partindo do pressuposto de que a bondade de Deus não comportava no mundo a criação da
matéria, os cátaros defendiam que matéria era obra de um segundo deus, um deus do mal.
Eles também acreditavam na bissexualidade celeste dos corpos espirituais. Desse modo,
aparição da amada – cuja imagem o amante já conhecia por se tratar da sua outra metade
espiritual – libertava-o do desejo e o fazia esquecer seu corpo. Nesse sentido, a abstinência de
caráter metafísico dos cátaros era semelhante ao amor puro dos trovadores.
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INFLUÊNCIAS DO PLATONISMO
A lírica provençal está inserida numa dialética do amor no mundo ocidental, destacando-se,
conforme aponta Correia (1978), sobretudo o platonismo.
Há uma distinção platônica entre o amor popular e sensual e o amor espiritual. Confira:
AMOR POPULAR E SENSUAL
Seria uma prerrogativa dos homens vulgares, que são escravos da atração feminina.

AMOR ESPIRITUAL
Corresponderia à comunhão espiritual, sendo o amor dos sábios, ou seja, daqueles que
estimam as virtudes espirituais do homem.
Tal distinção ou dicotomia se transmitiu no cristianismo na forma de uma conflituosa antítese
entre carne e espírito. Mas, no caso da líricatrovadoresca, esse culto dos dons do espírito se
revestiu de um caráter pré-helênico pertencente a uma estrutura matriarcal em forte oposição a
uma tradição ocidental de superioridade viril.
O CRISTIANISMO E A CISÃO ENTRE CORPO E
ALMA
O cristianismo agravou uma cisão ocidental, dividindo o homem entre espírito e carne,
acrescentando a noção de pecado. Houve um aviltamento do corpo e uma exaltação do
espírito. Com isso, um dos dois acaba saindo prejudicado.
A voz do instinto leva o homem à angústia do pecado, sendo “a fantasmagoria de um amor
celeste que repudia o sexo e o desespero de uma natureza insatisfeita”, explica Correia (1978,
p. 24).
 ATENÇÃO
O amor cortês, embora tenha se dado na Idade Média, inseriu-se, por seu caráter herético, em
um complexo ideológico que determinou a Renascença e a Reforma.
O RACIONALISMO DIALÉTICO CRISTÃO
Ainda de acordo com a perspectiva de Correia (1978, p. 24-25), no século XII, a lenta
elaboração iniciada com o humanismo de Carlos Magno propiciou uma renovação da cultura
da Antiguidade, propiciando, assim, o surgimento da força libertária do “individualismo”.
 EXEMPLO
Com o filósofo e teólogo francês Pedro Abelardo (1079-1142), que fundou o racionalismo
medieval, desabrochou o exercício apaixonado da dialética. Com isso, certos dogmas
passaram a ser questões problemáticas.
OS CLERICI VAGANTES
Cabe ressaltar ainda a poesia dos clerici vagantes (clérigos errantes) no século XII. Esses
poetas tiveram sua formação nos quadros da Igreja, porém se tornaram autônomos em relação
a ela.
Eles eram homens eruditos que:
Cantavam os prazeres terrestres livres do estigma do pecado.
Parodiavam os evangelhos.
Criticavam a venalidade e hipocrisia do clero.
 Clerici vagantes, com vara e manto.
UMA CONTROVÉRSIA EM TORNO DO ESPÍRITO
SANTO
Para finalizar essa panorâmica do contexto histórico, social e cultural do surgimento da arte
literária na região da Europa da qual Portugal fazia parte em seu início, devemos destacar
também um tema controverso que surgiu como forma de heresia popular.
O povo de então passou a crer que o Espírito Santo, anunciado pela Igreja para 1260,
encarnaria numa mulher, afrontando, com isso, o “antifeminismo” do dogma oficial. Esse foi um
dos elementos que provavelmente influenciou o surgimento, no Sul da França, de um culto
literário do feminismo.
CONTEXTO HISTÓRICO-CULTURAL E
ORIGEM DA LITERATURA PORTUGUESA
Assista ao vídeo com o professor Mário Bruno explicando os aspectos históricos e culturais que
fazem parte do contexto de origem e formação da literatura portuguesa.
VERIFICANDO O APRENDIZADO
MÓDULO 2
 Identificar as características das cantigas na poética medieval
OS CANTARES EM PORTUGAL
 Uma das cantigas de amigo de Martim Codax, século XIII.
CONCEITOS E CONTEXTUALIZAÇÃO
A primitiva poesia lírica – geralmente chamada de “galego-portuguesa” por ter sido produzida
em galego-português – surgiu de forma quase simultânea à formação da nação portuguesa.
Os poetas que deram início à poesia portuguesa trovadoresca eram provavelmente ligados à
corte de D. Sancho I (1185-1211), o segundo rei de Portugal. Inclusive o próprio rei talvez tenha
escrito a canção Ai eu coitada, uma cantiga de amigo.
NÃO PODEMOS, PORÉM, CONSIDERAR A POESIA
LÍRICA PRIMITIVA DOTADA DE UM CARÁTER
NACIONAL.
As fronteiras políticas e culturais na Península Ibérica, dos fins do século XII até meados do
século XIV, eram muito permeáveis e de contato estreito entre os reinos de Leão, Castela,
Aragão, Catalunha, Navarra e Portugal. Esses contatos eram mantidos por meio dos laços
matrimoniais entre os nobres da Península, argumenta Vieira (1992, p. 25).
A internacionalização dessa poesia se deu pela escolha do galego-português como língua de
expressão para a poesia lírica. Sabemos que Guilherme IX, da Aquitânia (1071-1127), primeiro
trovador em língua provençal, teve contatos e trocas culturais com a Galícia.
Há muitas dificuldades para estabelecer o início da poesia trovadoresca galego-portuguesa. As
duas obras consideradas pelos pesquisadores como inaugurais dessas manifestações líricas
são:
Ora faz ost’o senhor de Navarra, de Joam Soares de Paiva.
Cantiga de guarvaia, de Pai Soares de Taveirós.
 ATENÇÃO
Os problemas relativos à sua datação se complicam quando damos conta de que só os poetas
de alta posição social possuíam registros biográficos.
Os “segréis” e “jograis”, poetas de classes inferiores, só podiam ser identificados quando:
Havia referências em poemas de outros autores.
Participavam de desafios poéticos ou ciclos de poemas.
O maior número desses poetas está localizado nas cortes de Fernando III (1217-1252) e
Afonso X (1252-1284), de Leão e Castela, e na do rei português D. Afonso III (1245-1279).
CARACTERÍSTICAS
As cantigas desses trovadores tinham como interlocutores um pequeno grupo. Muitas vezes,
elas eram feitas em parcerias e na forma de tenção, ou seja, no formato de um desafio ou
debate poético.
Era muito comum uma cantiga provocar a resposta de um ou mais poetas. Por isso, as
composições acabavam tendo o aspecto de apartes que ocorrem em um debate, “passando a
constituir um ciclo” (VIEIRA, 1992, p. 29).
Depois do reinado de Afonso X, houve um declínio da produção poética ibérica e castelhana,
mas, com a ascensão do rei português D. Dinis (1261-1325), sua corte passava a contar com
um novo centro trovadoresco.
A morte de D. Dinis, em 1325, poderia ser considerada como a data final do lirismo
trovadoresco galego-português. Entretanto, Pedro Afonso (1287-1350), conde de Barcelos e
filho de D. Dinis, chegou a doar, em testamento, um livro de cantigas a Afonso XI de Castela
(1311-1350).
ORIGENS
A lírica galego-portuguesa sofreu a influência da poesia provençal e tinha um lastro de caráter
popular feminino voltado ou não para a própria terra.
Sabemos que o impacto do lirismo provençal no Ocidente europeu foi mais imediato nas
regiões mais próximas, ou seja, no Norte da Itália e na Catalunha. Já áreas como a Sicília e a
Península Ibérica, mais distantes da Europa central, receberam uma influência atenuada ou
modificada da poesia do Sul da França.
PRESERVAÇÃO
A preservação da poesia trovadoresca galego-portuguesa se deu por meio do:
CANCIONEIRO DA AJUDA
Recebeu esse nome por ter sido descoberto exatamente na Biblioteca do Palácio da Ajuda, em
Lisboa. Ele reúne 310 cantigas de amor.
CANCIONEIRO DA BIBLIOTECA NACIONAL DE LISBOA
Anteriormente chamado de Cancioneiro Colocci-Brancuti, ele deve seu atual nome por ter sido
depositado na Biblioteca Nacional de Lisboa em 1924 depois de adquirido pelo Estado
português. Nesse cancioneiro, estavam compiladas originalmente 1664 composições, mas
atualmente permanecem 1560.
CANCIONEIRO DA VATICANA
Seu nome deriva do fato de estar depositado na Biblioteca do Vaticano, sendo uma coletânea
medieval de aproximadamente 1200 cantigas.
Pode-se dizer que, comparados numericamente aos manuscritos provençais, os três
cancioneiros constituem uma tradição “pobre”. Confira:
CANCIONEIRO DA AJUDA
CANCIONEIRO DA VATICANA
CANCIONEIRO DA BIBLIOTECA NACIONAL DE LISBOA
CANCIONEIRO DA AJUDA
O Cancioneiro da ajuda foi copiado provavelmente na corte de Afonso X, sendo um manuscrito
rico que deveria conter miniaturas coloridas e pautas musicais das cantigas. Interrompida, sua
confecção ficou incompleta. Ele contém as cantigas de amor dos trovadores mais antigos.
CANCIONEIRO DA VATICANA
O Cancioneiro da Vaticana foi copiado pelo filólogo e humanista italiano Angelo Colocci (1467-
1549), no século XVI, a partir de um manuscrito mais antigo. Possui cantigas de amor, de
amigo, de escárnio e de maldizer dos poetas galego-portugueses.
CANCIONEIRO DA BIBLIOTECA NACIONAL DE LISBOA
O Cancioneiro da Biblioteca Nacional de Lisboa também foi obra de Angelo Colocci, sendo
oriunda do mesmo manuscrito que deu origem ao Cancioneiro da Vaticana. Além de ser o mais
completo, ele possui um pequeno tratado de poética trovadoresca.
GÊNEROS TROVADORESCOSEM
PORTUGAL
Agora conheceremos melhor os gêneros trovadorescos em Portugal. Para isso,
apresentaremos brevemente as características das cantigas descritas a seguir, examinando
pelo menos um exemplo de cada uma delas.
CANTIGAS DE AMOR
Com nítida inspiração nas canções provençais, o poeta expressa seu amor pela “senhor”.
Havia um código de amor cortês a ser seguido por ele.
Porém, mesmo seguindo o código da poesia do Sul da França, as trovas galego-portuguesas
eram menos variadas na expressão da sintomatologia das alegrias do amor cortês. As
estruturas socioculturais da França e da Península Ibérica eram centralizadas em valores
diferentes.
Um aspecto dessa diferença é que o amor cortês galego-português enfatizava a renúncia – e
não a recompensa do amor. Não havia nessa poesia da Península Ibérica o fin’amors como
esperança da recompensa.
Podemos até dizer que a coita (sofrimento) do amor ibérico é distinta do joi (alegria) occitânica.
Dessa forma, o amor é percebido como uma fatalidade inevitável e tem seu fundamento na
excelência da senhora. Ela, por sua vez, também é fatalmente altiva e inacessível.
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“SENHOR”
O uso de “senhor” se deve ao fato de o substantivo ser invariável para os dois gêneros em
galego-português.
Diante disso, amar é um tipo de exercício de “gestão” do sofrimento, que chega ao auge no
desejo de morte, explica Vieira (1992, p. 39). A dama das poesias galego-portuguesas inspira
um amor absoluto em virtude de suas qualidades físicas e morais.
Chega-se a falar em “vassalagem amorosa”, ou seja, a mulher é tratada como senhora,
enquanto o homem se coloca na posição de servo do seu amor. Mas é evidente que falta
sinceridade nos trovadores.
A poesia medieval é uma forma codificada na qual não existe uma preocupação em expressar
sentimentos, cabendo a ela expressar-se dentro de uma forma adequada e aceita socialmente.
TRATA-SE, ASSIM, DE UM LIRISMO ARTIFICIAL QUE
EXIGE UMA HABILIDADE ARGUMENTATIVA NA QUAL
O POETA DEMONSTRA UMA COITA QUE DERIVA DA
VONTADE DE DEUS.
Veremos agora um exemplo de cantiga de amor. Apresentaremos ainda uma versão para o
português contemporâneo do texto de João Garcia de Guilhade e sua posterior análise:
CANTIGA D’AMOR DE REFRAN
Vy oj’ eu donas mui bem parecer 
e de muy bom prez e de muy bom sen 
e muyt’ amigas son de todo bem, 
mays d’ũa moça vos quero dizer: 
 de parecer venceu quantas achou 
 hũa moça que x’ agora chegou. 
Cuydava-m’ eu que non avyam par 
de parecer as donas que eu vi, 
atan bem me parecian ali, 
mays, po(i)’ la moça filhou seu loguar, 
 de parecer venceu quantas achou 
 hũa moça que x’ agora chegou. 
Que feramente as todas venceu 
a moçelina em pouca sazon! 
de parecer todas vençudas son! 
mays, poy’ la moça hi pareceu, 
 de parecer venceu quantas achou 
 hũa moça que x’ agora chegou.
Clique aqui para ler a tradução desta cantiga.
CANTIGA DE AMOR DE REFRÃO
Tinham todas belíssima aparência 
as donas que hoje eu vi, donas prendadas 
devotadas ao bem, ajuizadas 
mas de uma moça vos faço a confidência: 
 em beleza venceu quantas achou 
 uma moça que agora aqui chegou. 
Julgava eu que não teria par 
a formosura das donas que ali estavam; 
tão belas a meus olhos se mostravam; 
mas apenas a moça vi chegar: 
 em beleza venceu quantas achou 
 uma moça que agora aqui chegou. 
Da mocinha, a linda aparição 
deixou as outras donas apagadas. 
Formosas são mas quando comparadas 
com a moça, vencidas se acharão: 
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 em beleza venceu quantas achou 
 uma moça que agora aqui chegou.
(CORREIA, 1978, p. 126-127)
Análise
Perceba que, nessa cantiga de amor, sobressai uma característica formal presente em muitas
cantigas medievais: a ideia, a informação ou o sentimento apresentado na primeira estrofe
acaba se repetindo nas estrofes seguintes, ainda que com palavras e construções variadas. De
certo modo, as demais estrofes repetem ou aprofundam a impressão inicial da primeira.
O poema nos permite reconhecer o tema do amor vinculado à excelência da senhora, ou seja,
da mulher que se destaca por sua beleza em relação às demais. A dama ou a senhora alvo da
admiração e fervor do poeta inspira a canção e o sentimento dele em virtude de suas
qualidades físicas e de sua beleza ímpar.
 COMENTÁRIO
O poeta brasileiro Manuel Bandeira (1886-1968) apresenta em sua escrita uma inspiração
medieval na qual valoriza a influência e a estética das cantigas trovadorescas portuguesas. O
poema Cantiga de amor, por exemplo, nos remete ao tema e à forma da cantiga de amigo
composta por Guilhade.
 CANTIGA DE AMOR
Mulheres neste mundo de meu Deus 
Tenho visto muitas — grandes, pequenas, 
Ruivas, castanhas, brancas e morenas. 
E amei-as, por mal dos pecados meus! 
Mas em parte alguma vi, ai de mim, 
Nenhuma que fosse bonita assim! 
 
Andei por São Paulo e pelo Ceará 
(Não falo em Pernambuco, onde nasci) 
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Bahia, Minas, Belém do Pará... 
De muito olhar de mulher já sofri! 
 Mas em parte alguma vi, ai de mim, 
 Nenhuma que fosse bonita assim! 
 
Atravessei o mar e, no estrangeiro, 
Em Paris, Basileia e nos Grisões, 
Lugano, Gênova por derradeiro, 
Vi mulheres de todas as nações. 
 Mas em parte alguma vi, ai de mim, 
 Nenhuma que fosse bonita assim! 
Mulher bonita não falta, ai de mim! 
Nenhuma porém, tão bonita assim!
(BANDEIRA, 1986)
CANTIGA D’AMIGO (TENÇON)
— Responde, filha, formosa filha, 
porque tardaste na fonte fria? 
 Amores eu tenho! 
 
Filha, formosa filha, responde: 
porque tardaste na fria fonte? 
 Amores eu tenho! 
 
— Tardei, minha mãe, na fonte fria, 
cervos do monte e água volviam. 
 Amores eu tenho! 
 
Tardei, minha mãe, na fria fonte; 
volviam a água cervos do monte. 
 mores eu tenho! 
 
— Que escondes, filha, por teu amigo? 
cervos do monte não volvem o rio. 
 Amores eu tenho! 
 
Por teu amado, filha, que escondes? 
o mar não volvem cervos do monte. 
 Amores eu tenho!
(CORREIA, 1978, p. 158-159)
CANTIGAS DE AMIGO
São cantigas cujo eu lírico, que é feminino, se dirige ao seu amigo (namorado), à sua mãe ou
às suas irmãs. Embora postas na voz de uma mulher, as cantigas de amigo eram escritas por
trovadores. Seus poetas foram os mesmos que compuseram as cantigas de amor, de escárnio
e de maldizer.
Há uma relação muito próxima entre a cantiga de amigo e a de amor em muitas canções, com
a apresentação de uma visão supostamente feminina do “amor cortês”. Por isso, é possível
identificar um certo diálogo entre esses dois tipos de cantigas.
Em algumas cantigas, a identidade é tamanha que se houvesse “a substituição do vocábulo
‘amigo’ por ‘mia senhor’ seria suficiente para transformá-las em cantigas de amor”, frisa Vieira
(1992, p. 44)
Veremos agora uma cantiga de amigo escrita por Pero Meogo. Em seguida, daremos sua
tradução para o português contemporâneo:
CANTIGA D’AMIGO (TENÇON)
— Digades, filha, mia filha velida: 
porque tardastes na fontana fria? 
 os amores ei. 
 
Digades, filha, mia filha louçana: 
porque tardastes na fria fontana? 
 os amores ei. 
 
— Tardei, mia madre, na fontana fria, 
cervos do monte a augua volvian: 
 os amores ei. 
 
Tardei, mia madre, na fria fontana, 
cervos do monte volvian a augua: 
 os amores ei. 
 
— Mentir, mia filha, mentir por amigo; 
nunca vi cervo que volvess’o rio: 
 os amores ei. 
 
Mentir, mia filha, mentir por amado; 
nunca vi cervo que volvess’o alto: 
 os amores ei. 
Clique aqui para ler a tradução desta cantiga.
CANTIGA D’AMIGO (TENÇON)
— Responde, filha, formosa filha, 
porque tardaste na fonte fria? 
 Amores eu tenho! 
 
Filha, formosa filha, responde: 
porque tardastena fria fonte? 
 Amores eu tenho! 
 
— Tardei, minha mãe, na fonte fria, 
cervos do monte e água volviam. 
 Amores eu tenho! 
 
Tardei, minha mãe, na fria fonte; 
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volviam a água cervos do monte. 
 mores eu tenho! 
 
— Que escondes, filha, por teu amigo? 
cervos do monte não volvem o rio. 
 Amores eu tenho! 
 
Por teu amado, filha, que escondes? 
o mar não volvem cervos do monte. 
 Amores eu tenho!
(CORREIA, 1978, p. 158-159)
CANTIGAS DE ESCÁRNIO E DE MALDIZER
 O rei Afonso X, o Sábio, escreveu cantigas satíricas.
As cantigas de escárnio e de maldizer possuem elementos em comum e distintos. O que há de
comum em ambas é a intenção de dizer mal de alguém.
Já sua diferença está no modo de dizer:
Nas cantigas de escárnio, por palavras cubertas, de forma mais velada.

Nas cantigas de maldizer, por palavras descubertas, de um modo mais transparente.
As cantigas de escárnio e de maldizer possuem um caráter satírico, o qual por vezes acaba
sendo burlesco e obsceno. Ambas eram cantigas muito valorizadas pelos trovadores galego-
portugueses.
 SAIBA MAIS
O filólogo português Rodrigues Lapa (1897-1989) chegou a editar 428 cantigas de escárnio e
de maldizer. Elas eram composições de diferentes poetas pertencentes a diversos níveis
sociais. O leque de compositores incluía desde reis, como D. Afonso X, até jograis, trovadores
de classes sociais inferiores.
As cantigas de escárnio e de maldizer também tiveram seus representantes provençais.
Guilherme IX da Aquitânia, considerado o primeiro trovador, foi um deles. Esse trovador foi
denominado no século passado como “trovador bifronte”, já que suas cantigas possuíam uma
dupla natureza:
[...] ENQUANTO ALGUNS EXALTAM A DEPURAÇÃO DO
AMOR CORTÊS OUTROS CANTAM OS PRAZERES DO
AMOR CARNAL DE FORMA ÀS VEZES APENAS
SUGESTIVA, OUTRAS, CLARA E MESMO CARICATA. O
GÊNERO SATÍRICO NOBRE, PORÉM, ERA O
“SIRVENTÊS”, EMPREGADO PARA A CRÍTICA SOCIAL,
MORAL E POLÍTICA.
(VIEIRA, 1992, p. 50)
Observaremos agora uma cantiga de escárnio escrita por D. Afonso X em galego-português,
além de sua tradução para o português contemporâneo. Em seguida, faremos uma análise
desse texto:
CANTIGA D’ESCANEO
Non me posso pagar tanto 
do canto 
das aves nen de seu son, 
nen d’amor nen de mixon 
nen d’armas — ca ei espanto, 
por quanto 
mui perigo(o)sas son, 
— come dun bon galeon, 
que mi alongue muit’ aginha 
deste demo da campinha, 
u os alacrães son; 
ca dentro no coraçon
senti neles a espinhal 
E juro par Deus lo santo 
que manto 
non tragerei nen granhon 
nen terrei d’amor razon 
nen d’armas, por que quebranto 
e chanto 
ven delas toda sazon; 
mais tragerei un dormon, 
e irei pela marinha 
vendend’ azeit’ e farinha; 
e fugirei do poçon 
do alacran, ca eu non 
lhi sei outra meezinha. 
Nen de lançar a taviado 
pagado 
non sõo, se Deus m’ampar 
aqui, nen de bafordar; 
e andar de noute armado. 
sen grado 
o faço, e a roldar; 
ca mais me pago do mar 
que de seer cavaleiro; 
ca eu foi já marinheiro 
e quero-m’ ôi-mais guardar 
do alacran, e tornar 
ao que me foi primeiro. 
E direi-vos un recado: 
pecado 
nunca me pod’ enganar 
que me faça já falar 
en armas, ca non m’é dado 
(doado 
m’é de as eu razoar, 
pois-las non ei a provar); 
ante quer’ andar sinlheiro 
e ir come mercadeiro 
algũa terra buscar, 
u me non possan culpar 
alacran negro nem veiro.
Clique aqui para ler a tradução desta cantiga.
CANTIGA DE ESCÁRNIO
Não me posso agradar tanto 
do canto 
das aves nem de ambição 
nem de canseira ou paixão 
nem de armas com que me espanto, 
por quanto 
perigosas elas são 
como de um bom galeão 
que me arrebate à vizinha 
maldição desta campina 
onde vive o escorpião; 
pois dentro, no coração 
dele senti a espinha. 
Não mais trazer barba e manto 
garanto; 
tampouco me enredarão 
do amor e inquietação 
ou armas que só quebranto 
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e pranto 
são o fruto que elas dão. 
Antes quero embarcação 
que me leve e na marinha 
vendendo azeite e farinha 
fugirei do escorpião, 
já que para a peçonha não 
conheço melhor mezinha. 
De lançar a tavolado 
agrado 
não tenho ou de bafordar; 
e se obrigado a rondar 
o faço de noite armado, 
enfado 
é o que tenho a lucrar. 
Partir e fazer-me ao mar 
prefiro a ser cavaleiro 
eu que já fui marinheiro 
e me quero resguardar 
de escorpiões e voltar 
àquilo que fui primeiro. 
Sabei que do inimigo 
o perigo 
já me não pode enganar 
fazendo-me armas tomar. 
Pelejar não é comigo. 
Castigo 
não me vale imaginar 
se não o hei-de aplicar. 
Antes sozinho onde for 
como qualquer mercador 
outras terras procurar 
onde não me há-de acusar 
escorpião de vária cor!
(CORREIA, 1978, p. 188-191)
Análise
Nessa cantiga de escárnio, pode-se perceber uma crítica mais implícita àquilo que rodeia D.
Afonso X. O poeta descreve diversas situações perigosas e outras consideradas – em alguns
momentos – ruins para afirmar que elas são preferíveis ao “escorpião” que o ronda.
A referência ao escorpião pode ser entendida como uma metáfora da ação ou do caráter de
uma pessoa, pois evitava-se dizer o nome de quem era alvo de uma crítica.
Conheceremos também um exemplo de uma cantiga de maldizer escrita pelo trovador
português Gil Pérez Condes (sem data de nascimento confirmada e falecido em 1286), seguida
de sua tradução para o português contemporâneo. No final, ainda analisaremos o poema:
CANTIGA DE MALDIZER
Já eu non ei por quen trobar 
e já non ei em coraçon,
por que non sei já quen amar; 
poren mi míngua razon, 
ca mi filhou Deus mia senhor, 
a que filh’o Demo maior 
quantas cousas que suas son, 
Como lh’ outra vez já filhou 
a cadeira u siia 
o Filh’; e por que mi filhou 
bõa senhora que avia? 
E diz el que non á molher; 
se a non á, pera que quer 
pois tant’ a bõa Maria? 
Deus nunca mi a mi nada deu 
e tolhe-me bõa senhor: 
por esto, non creo en el eu 
nen me tenh’ em pecador, 
ca me fez mia senhor perder. 
Catad’o o que mi foi fazer, 
confiand’ eu no seu amor!
Clique aqui para ler a tradução desta cantiga.
CANTIGA DE MALDIZER
Já dona por quem trovar
não tenho, nem me apetece: 
proibido estou de amar 
e a razão me desfalece. 
Roubou-me Deus meu amor. 
Leve o demônio ao Senhor 
tudo quanto lhe pertence! 
Como a cadeira levou 
outrora que pertencia 
ao Filho. Por que roubou 
Deus quem feliz me fazia? 
Diz Deus que não tem mulher 
Se a não tem porque quer 
tanto à bondosa Maria? 
Nunca bem de Deus me veio 
antes do amor me privou. 
Por isso, se hoje descreio, 
por pecador não me dou. 
A amada fez-me perder. 
Vede o que Deus foi fazer 
a quem nele confiou!
(CORREIA, 1978, p. 110-111)
Análise
Nessa cantiga de maldizer, o poeta é explícito em sua heresia e deboche para com a figura de
Deus, que teria tomado sua amada, fonte de sua felicidade.
Ele até cita um “querer” do Criador com uma mulher, Maria. O poeta também diz que não se
considera pecador, pois é culpa de Deus essa descrença criada em relação a Ele.
Diferentemente do exemplo da cantiga de escárnio, em que a crítica era implícita, na de
maldizer vê-se uma afronta e crítica explícitas.
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É A PARTIR DA DISTINÇÃO ENTRE O DIZER DIRETO E
O INDIRETO QUE RESIDE A PRINCIPAL DIFERENÇA
ENTRE ESSES DOIS TIPOS DE CANTIGA.
TROVADORISMO EM PORTUGAL
Assista ao vídeo com o professor Mário Bruno apresentando comentários e exemplos de
cantigas trovadorescas em Portugal.
VERIFICANDO O APRENDIZADO
MÓDULO 3
 Identificar as características das novelas de cavalaria e das crônicas na prosa
medieval
NOVELAS DE CAVALARIA
Trataremos agora da prosa medieval a partir das novelas de cavalaria. Apoiando-nos
principalmente no trabalho de Vieira (1992), começaremos nossa análise conhecendo um
pouco mais sobre:
O contexto do surgimento das novelas de cavalaria.
As características dessa interessante manifestação cultural e literária.
 ComoSir Galahad, Sir Bors e Sir Percival foram alimentados com o Santo Graal, por Dante
Gabriel Rossetti, 1864.
A DEMANDA DO SANTO GRAAL
A ficção em torno da lenda do rei Artur ficou conhecida entre os estudiosos pela denominação
“matéria de Bretanha”. Tal lenda é considerada um assunto difícil devido à quantidade de textos
e às numerosas versões escritas ao gosto do copista. Em virtude disso, as opiniões
divergentes e as discussões genéticas são intermináveis.
A demanda do Santo Graal portuguesa não foge a essas querelas. O único original existente é
o códice 2594 da Biblioteca Nacional de Viena, que, por sua vez, foi traduzido de um outro
original francês, cuja produção é situada no século XIII.
Talvez movidos pela necessidade de estabelecer uma ordem, os pesquisadores organizaram
essa matéria em ciclos, distinguindo-os das canções de gesta. Nesse sentido, A Demanda
passou a pertencer ao ciclo “bretão” ou “arturiano”.
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DISCUSSÕES GENÉTICAS
Debates filológicos sobre a origem ou a gênese da obra.
CANÇÕES DE GESTA
Poemas épicos medievais que surgem no início da literatura francesa.
 EXEMPLO
As obras do trovador francês Chrétien de Troyes (1135-1191 aproximadamente) são o mais
significativo repositório desse ciclo.
QUANTO AOS LAÇOS ENTRE A LENDA DE ARTUR E O
MITO DO GRAAL, O TEMA DO GRAAL É MUITO MAIS
ANTIGO DO QUE A LENDA DE ARTUR.
A figura histórica de Artur tem sido identificada por especialistas como um chefe guerreiro das
Ilhas Britânicas, o dux bellorum (líder da guerra) dos bretões, que se destacou entre os séculos
VI e VII em confrontos contra os inimigos saxões. Na outra ponta está o mito do Graal, cuja
essência nos remete aos objetos célticos, às crenças judaico-cristãs e até ao evangelho
apócrifo de Nicodemos.
 Rei Artur (Ciclo Arturiano)
Existem referências anteriores à história de Artur, mas foi com o clérigo galês Geoffrey de
Monmouth (nascido em 1095 e morto em aproximadamente 1155), com sua obra Historia
regum Britannie, de 1135, que tal personagem ganhou seus contornos heroicos.
Devemos destacar ainda Chrétien de Troyes, que escreveu sete novelas em versos sobre a
“matéria Bretanha”, entre 1162 e 1182. No entanto, foi a partir da morte de Chrétien que os dois
motivos (a lenda de Artur e o Graal) se uniram.
Também podemos apontar o trabalho do cavaleiro e poeta alemão Wolfram von Eschenbach
(1170-1220) com sua Parzifal, escrita entre 1200 e 1212. Essa obra, dividida em dezesseis
livros, traz a famosa localização do Castelo do Graal no Mont Sauvage.
O primeiro texto conhecido como pertencente ao “ciclo do Graal” foi escrito pelo poeta francês
Robert de Boron (que viveu entre os séculos XII e XIII) na forma de uma tetralogia. No entanto,
o início mais significativo desse ciclo se deu com os cinco livros atribuídos ao clérigo e escritor
inglês Gautier Map (1140-1210).
Rodrigues Lapa (1981) assinala a existência de duas versões da Demanda: uma portuguesa e
outra castelhana. Apesar de se certificar de que uma foi traduzida da outra, ele expõe dúvidas
sobre qual delas é a original.
 SAIBA MAIS
Há uma hipótese – não confirmada – de que a “matéria de Bretanha” tenha circulado
primeiramente em Portugal, indo depois para Castela.
A DEMANDA E SEUS SIMBOLISMOS
A Demanda é uma novela mística e simbólica.
Na Demanda, precisamente após 453 anos da morte de Jesus Cristo, no Pentecostes, Galaaz,
o cavaleiro puro, entra no castelo em Camalote. Galaaz ocupa um lugar vago entre 150
cadeiras da távola redonda.
Logo a seguir, conduzido por Artur, Galaaz retira a espada enfiada numa pedra de mármore.
Com isso, fica indicado que ele seria o cavaleiro escolhido para encontrar o Cálice Sagrado (o
Graal). Na versão da Demanda, não é o ingênuo Percival que encontra o Cálice, e sim Galaaz,
o cavaleiro puro.
A INVESTIDURA DE GALAAZ
A ordenação ou a investidura de um cavaleiro significava na Idade Média um ato nobre, uma
cerimônia ritual com a iniciação do dignitário na dignidade de cavaleiro. Na ordenação de
Galaaz, Lancelote do Lago é chamado, por uma donzela, de Camalote para a abadia onde seu
filho fora educado.
 Galaaz numa pintura de George Frederick Watts, 1888.
Não é um dia qualquer: trata-se da véspera de Pentecostes. Galaaz passa a noite vigiando e
orando acompanhado do ermitão, o seu aio. Lancelote faz o seu filho cavaleiro e o ermitão
pede para segui-lo, pois pretende registrar por escrito todas as maravilhas que Galaaz viverá
em nome de Deus.
Investido cavaleiro, Galaaz parte para Camalote no dia de Pentecostes. Artur é chamado à
ribeira, onde a espada cravada na pedra está flutuando nas águas por encanto de Merlim. Artur
diz então que só o melhor cavaleiro do mundo conseguirá retirá-la da pedra.
 A Dama do Lago oferecendo a Arthur a espada Excalibur.
Nesse momento, Galaaz chega à corte de Artur e é apresentado pelo ermitão. Galaaz era o
cavaleiro que Merlim havia profetizado. Artur conduz Galaaz ao ribeiro e o convida a retirar a
espada cravada na pedra.
Galaaz retira a espada com facilidade, metendo-a depois à cinta. Dá-se então início à
demanda, ou seja, à busca do Cálice Sagrado.
O PRIMEIRO SURGIMENTO DO GRAAL
A primeira aparição dele ocorre quando Tristão, sobrinho do rei Marcos, muito querido de Artur,
chega à távola redonda. Com todos sentados à mesa, o Santo Graal surge misteriosamente.
Após a aparição do Cálice, todos ficam mais belos, enquanto a sala enche-se de maravilhosos
odores e ofuscante luz. Já sobre a mesa, surgem maravilhosos manjares. O Graal, por fim,
desaparece tão misteriosamente como surgira.
O ESCUDO DE GALAAZ
Galaaz foi armado de espada, mas não tinha ainda o escudo (a ser recebido do rei
Bangemaguz). O escudo que lhe é dado tem a cor branca com uma cruz vermelha
representando o próprio Cristo.
Nesse momento, o ermitão revela a “sinefiança” das aventuras de Galaaz. As três sinefianças
de sua aventura representavam a paixão de Jesus Cristo.
GALAAZ NO CASTELO DO REI BRUTUS
Esse episódio pôs à prova a virgindade e a pureza de Galaaz. Ele e Boors, dois cavaleiros,
caminhavam juntos e chegaram ao castelo do rei Brutus. O rei os recebe. Seduzida pela beleza
de Galaaz, a princesa entra na câmara onde o cavaleiro dormia para possuí-lo. Ele acorda e
aconselha-a a partir.
A donzela, irada, ameaça matar-se e acaba por cravar a espada de Galaaz no próprio peito. A
princípio, o rei crê que ela teria sido morta por Galaaz, porém acaba se convencendo de que
ela se matara pelas próprias mãos.
GALAAZ EM CORBENIC: O GRAAL
DESCOBERTO
 Os cavaleiros Galahad, Bors (o filho) e Percival acham o Graal.
N’A demanda, são muitas as aventuras, inclusive havendo uma perseguição da “besta
ladrador”, filha de uma donzela com um demônio. Galaaz, por fim, encontra o Santo Graal no
Castelo de Corbenic.
A condição para entrar em tal castelo era ter fé e pertencer à Igreja. Na câmara do rei Peles,
que jazia doente, Galaaz vê o cálice. Além de encontrá-lo, Galaaz e os outros cavaleiros
escolhidos, Boors e Percival, recebem do próprio Jesus Cristo um manjar e a hóstia.
MORTE DE ARTUR
A demanda acaba, porém, ainda assim, a história se desdobra no confronto de Artur com
Lancelote, que havia raptado sua esposa, Genebra, e em outro confronto de Artur com o seu
filho, Morderet, fruto de uma relação incestuosa com a sua meia-irmã Morgana.
Morderet quer se apoderar do reino de Logres e luta com Artur. Morderet é morto, mas Artur
também acaba sendo ferido mortalmente.
O corpo de Artur desaparece; assim, ninguém sabe se ele está vivo ou morto. Após o seu
desaparecimento, Lancelote se torna ermitão e Genebra entra para um convento.
O AMADIS DE GAULA
 Amadis de Gaula, edição de 1533.
APRESENTAÇÃO E QUESTIONAMENTOS
Consideraremos agora outra tradição do romance ou da novela de cavalaria – dessa vez, no
contexto da Península Ibérica. Para isso, nos apoiaremos nas considerações feitas por Lapa
(1981).
O romance Amadis de Gaula provavelmente foi escrito em portuguêse aparece pela primeira
vez em 1508 numa edição castelhana. Isso suscita, portanto, uma questão: o Amadis é de
autoria portuguesa?
Tudo indica que tal obra teria sido escrita, no século XIII, por um trovador da corte de Afonso III
e de D. Dinis. Esse trovador seria Vasco Lobeira (sem data de nascimento confirmada e morto
em 1403). Parece que Vasco Lobeira escreveu os três primeiros livros, enquanto um parente
seu teria retomado o fio da narrativa por volta de 1370.
A FIGURA DE AMADIS
A personagem Amadis, em torno da qual gira toda a obra, nem sempre possui um tratamento
psicológico adequado. Aos 16 anos, ele já se comporta como um cavaleiro, demonstrando uma
infatigável perfeição, mesura e sanha de leão nas batalhas.
Amadis, portanto, vai do voluntário comedimento de maneiras até a brutalidade inaudita.
Entretanto, o que cria um aspecto de destaque para ele é seu tipo sentimental, que está
adequado ao cultivo do amor na poesia dos trovadores.
 EXEMPLO
O herói se consome em dores e lágrimas pela ausência da amada, a personagem Oriana. O
donzel do mar (Amadis) sofre por ela grandes coitas.
Por outro lado, o romance de Amadis não se caracteriza pela sublimação do amor; em vez
disso, aproxima-se das cantigas de amigo ao abordar o aspecto carnal de um amor que se
concretiza fisicamente.
 EXEMPLO
Em uma das cenas, Oriana se mostra ousada e se entrega ao amado em um encontro
ardentíssimo de amor, ainda que ele seja timidamente confessado.
AS NOVELAS DE CAVALARIA
Assista ao vídeo com o professor Mário Bruno apresentando comentários e exemplos das
características das novelas de cavalaria.
AS CRÔNICAS
Finalizaremos nossa abordagem da prosa medieval tratando das crônicas produzidas em
Portugal.
A PROSA HISTORIOGRÁFICA
No período anterior ao de Fernão Lopes (nascido em 1380 e morto em cerca de 1460),
escrivão e cronista oficial de Portugal no século XIII, os pesquisadores da historiografia
portuguesa concordam que as principais fontes da prosa historiográfica são as seguintes:
CRÔNICAS BREVES DO MOSTEIRO DE SANTA CRUZ
DE COIMBRA
LIVROS DE LINHAGEM
CRÔNICA GERAL 
DE ESPANHA DE 1344
O trabalho de análise desses textos apresenta muitas dificuldades, já que houve neles
acréscimos e supressões feitas por mãos anônimas, existindo ainda versões distintas dos
originais.
FERNÃO LOPES
Fernão Lopes inscreve-se na literatura portuguesa por seu papel como historiador e primeiro
grande prosador. De origem incerta e humilde, Lopes atravessou as crises que vão da morte de
D. Fernando até o governo de Afonso V.
Ele ocupou-se dos seguintes ofícios:
Escrivão do Infante D. Fernando
Guardião-mor da Torre do Tombo
Tabelião-geral do reino
 Possível retrato de Fernão Lopes, nos Painéis 
de São Vicente de Nuno Gonçalves.
Quanto às suas crônicas, Fernão Lopes mostrava-se parcial, pois era simpatizante do povo e
da revolução financiada pela burguesia. Isso, entretanto, não o impediu de registrar uma visão
muito ampla e concreta da realidade social, quando comparado ao dos cronistas de seu tempo.
As crônicas de Fernão Lopes, de acordo com Maleval et al. (1992), estavam baseadas em:
Sua noção de verdade relativa.
Documentos criteriosamente selecionados por ele.
Para Teresa Amado (1993), a experiência profissional de Fernão Lopes como notário e
arquivista contribui para ele escrever crônicas fundadas numa verdade histórica, trabalhando
tanto com narrativas quanto com registros oficiais. Sua convivência na corte ao longo de quase
trinta anos também permitiu o acesso a várias informações sigilosas.
São de autoria de Fernão Lopes as Crônicas de D. Pedro, D. Fernando e D. João I (primeira e
segunda partes). Também fazem parte de sua lavra as crônicas dos primeiros afonsinos
(posteriormente reescritas por Duarte Galvão e Rui de Pina). Muitas outras lhe foram
atribuídas, embora sua autoria seja contestável.
 Primeira página de uma cópia manuscrita das 
Crônicas de Dom Pedro I, Dom Fernando e Dom João I.
Além disso, os manuscritos da Crônica de Portugal – texto de 1419 encontrado somente em
meados do século XX – têm sido considerados por alguns autores como representantes da
primeira fase das crônicas de Fernão Lopes.
Cabem ainda algumas observações sobre as qualidades estilísticas de Fernão Lopes. Ele
aglutinava fragmentos narrativos aos documentos e às citações de obras de diferente teor no
interior de um texto, mas sem que, com isso, as fontes utilizadas se confundissem.
Essa originalidade do texto era fruto da intervenção do cronista na:
Composição de frases e trechos próprios.
Escolha de sentenças ou fragmentos de outras fontes combinados em sua própria redação.
Amado (1993, p. 273) considera isso “uma técnica híbrida de escrita, por vezes hoje difícil de
apreciar, mas que permite ao autor um domínio perfeito dos seus efeitos, e a composição duma
narrativa que produz o seu próprio sentido”.
Não só pelo labor dele enquanto escrivão e historiador, mas também por sua aprimorada
técnica narrativa, Fernão Lopes é considerado o mais importante cronista da historiografia
portuguesa.
VERIFICANDO O APRENDIZADO
CONCLUSÃO
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Apresentamos o contexto do surgimento da literatura portuguesa, procurando estabelecer as
relações entre o início do nascimento da identidade do povo português e as suas primeiras
manifestações literárias. Fomos, assim, do universo das cantigas trovadorescas até o
surgimento da historiografia e das primeiras crônicas, passando pelas novelas de cavalaria.
Com isso, procuramos cobrir os principais aspectos da escrita literária portuguesa na Baixa
Idade Média. Desse modo, vimos que tanto na lírica quanto na prosa medievais existem
importantes aspectos que devem ser considerados nos estudos literários que procuram
retomar o surgimento da literatura em língua portuguesa.
 PODCAST
Escute o podcast com o professor Mário Bruno resumindo os principais pontos estudados aqui,
como amor trovadoresco, cantigas trovadorescas, novelas de cavalaria e crônicas.
AVALIAÇÃO DO TEMA:
REFERÊNCIAS
AMADO, T. Dicionário da literatura medieval galega e portuguesa. Lisboa: Editorial
Caminho, 1993.
BANDEIRA, M. Lira do brigadeiro. In: Poesia completa e prosa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar,
1986.
BLOCH, R. H. Misoginia medieval e a invenção do amor romântico ocidental. Rio de
Janeiro: Editora 34, 1995.
CORREIA, N. Cantares dos trovadores galego-portugueses. Lisboa: Editorial Estampa,
1978.
HAUSER, A. História social da literatura e da arte. São Paulo: Mestre Jou, 1972.
LAPA, M. R. Lições de literatura portuguesa: época medieval. Coimbra: Coimbra Editora,
1981.
MALEVAL, M. A. T. et al. A literatura portuguesa em perspectiva: volume 1. São Paulo:
Atlas, 1992.
SARAIVA, J. H. História concisa de Portugal. Sintra: Publicações Europa-América, 1996.
VIEIRA, Y. F. A poesia lírica galego-portuguesa. In: MONGELLI, L. M. M. et al. A literatura
portuguesa em perspectiva: trovadorismo e humanismo. v. I. São Paulo: Atlas, 1992. p. 25-54.
EXPLORE+
Navegue pelos textos de diversas cantigas trovadorescas no acervo disponibilizado pela
página da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa.
Aprofunde seu estudo sobre os aspectos históricos e sociais do trovadorismo lendo o texto O
trovadorismo galego-português e a Europa, de José Carlos Ribeiro Miranda, disponível no
Google Acadêmico.
Assista a estes filmes:
a) O incrível exército de Brancaleone 
Essa obra do diretor Mario Monicelli ajudará você a compreender melhor o período histórico em
que se deram as novelas de cavalaria.
b) Excalibur 
Esse filme do diretor John Boorman ilustra o ciclo arturiano e a procura pelo Graal.
c) Indiana Jones e a última cruzada 
A película do diretor Steven Spielberg é uma forma de entretenimento que aborda a busca do
Cálice Sagrado.
CONTEUDISTA
Elaine Zeranze Bruno
 CURRÍCULO LATTES
DIREITO DE USO DE IMAGEM
* A EnsineMe reserva ao autor o direito de se manifestar.
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