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Práticas funcionais – Caso Clínico II – Dermatomiosite 1. Elencar os tipos de miopatias existentes, destacando as inflamatórias idiopáticas. Miopatias: grupo de doenças geneticamente determinadas ou adquiridas durante a vida, que cursam com algum tipo de disfunção do tecido muscular esquelético. o Genéticas: distrofias musculares, miopatias, congênitas, síndromes miotônicas e metabólicas o Adquiridas: Inflamatórias idiopáticas: grupo de miopatias adquiridas caracterizadas por inflamação muscular que estão associadas a fraqueza motora de gravidade variável. São doenças autoimunes raras e heterogêneas em seu fenótipo muscular e manifestações extramusculares (principalmente pele e pulmão), segundo Mariampillai et. al. (2018) e Sun et. al. (2020) Dermatomiosite (DM): comprometimento cutâneo Polimiosite (PM): fraqueza muscular proximal simétrica e progressiva Dermatomiosite juvenil (DMJ) Miosite associada a neoplasia Miosite associada a doença autoimune Miosite com corpos de inclusão: doença muscular mais comum após os 50 anos de idade Tóxicas: drogas ou medicamentos que podem causar fraqueza muscular ou mialgia Infecciosas: liberação de mediadores inflamatórios que podem agredir as fibras musculares Endócrinas: geralmente causada por uso de corticosteroide, que cura com fadiga, atrofia e fraqueza muscular Sistêmicas: constituem grupo de condições raras e heterogêneas de etiologia desconhecida, assinaladas pela presença de infiltrado inflamatório no tecido muscular esquelético. (Souza et. al., 2018) 2. Traçar a epidemiologia da dermatomiosite. Incidência anual varia de 0,5 a 8,4 casos por milhão de habitantes (raríssima) Data de início da doença apresenta distribuição bimodal: pico observado aos 10 a 15 anos (DMJ) e outro aos 40 a 50 anos de idade (DM adulto) o Brasil: média de idade de aproximadamente 40 anos com predomínio em mulheres Mulheres são mais afetadas que os homens (2:1) 3. Explique os mecanismos imunes e não imunes envolvidos na etiopatogenia da dermatomisite Mecanismos imunes: Predisposição genética envolvendo o gene HLA → autoimunidade CD8 ativados ► citotoxicidade ► apoptose celular ► apresentação de antígenos próprios ► produção de autoanticorpos Deposição de imunocomplexos nos capilares intramusculares Ativação da via clássica do sistema complemento (cascata de eventos proteolíticos que resultaram na formação da C5 convertase) Ativação da via comum do sistema complemento (C5b-C9) Complexo de ataque às membranas na junção dermoepidérmica e em vasos sanguíneos da derme Infiltrado inflamatório muscular com células CD4, células B, anticorpos, complemento e citocinas (IL-1, IL-6, TNF e Interferon) Microangiopatia e isquemia muscular Mecanismos não imunes: Infecções por influenza A, vírus da hepatite B, Coxsackie, Picornavírus, HIV, Toxoplasma gondii (microrganismos que ativam CD8) Penicilina, AINES, corticoides, álcool, zidovudina, antimaláricos e estatinas (drogas citotóxicas) Podem desencadear a dermatomiosite 4. Descrever as manifestações clinicas cutâneas na dermatomiosite. ● Patognomônicas: o Pápulas de Gottron: pápulas eritemato-violáceas sobre as articulações interfalangeanas ou metacarpofalangeanas, cotovelos ou joelhos ● Não patognomônicas: o Poiquilodermia: alteração de cor da pele + atrofia + telangectasias o Sinal de Gottron: eritema macular sobre as articulações interfalangeanas ou metacarpofalangeanas, cotovelos ou joelhos o Telangectasias periungueais e atrofias cuticulares (Sinal de Keining) o Heliotropo: manchas eritematosas ou violáceas peripalpebral o Sinal do chale: poiquilodermia1 distribuída ao longo dos ombros, braços, V do decote e dorso de coloração violácea o Sinal do coldre ou sinal de Holster: poiquiloderma nas partes laterais das coxas 1 Poiquilodermia: doença cutânea que se caracteriza pelo surgimento de áreas avermelhadas, com excesso de pigmentação da pele e a aparência dos vasos sanguíneos dilatados o Mãos de mecânico: descamação, fissuras, ceratose e hiperpigmentação simétrica e não pruriginosa das mãos, que pode estar relacionada ao anticorpo anti-Jo-1ª e síndrome anti-sintetase (pacientes com Dermatomiosite grave com comprometimento pulmonar grave e que não responde a corticoterapia ● Calcinose: depósitos de cálcio em tecidos moles ● Fenômeno de Raynaul: sensibilidade aumentada ao frio, associado às típicas alterações de coloração da pele (palidez, cianose, vermelhidão) 5. Descrever as manifestações clínicas sistêmicas na dermatomiosite. ● Perda ponderal, fadiga, febre e mialgia ● Perda de força muscular proximal, simétrica, que se manifesta por dificuldade em realizar tarefas como pentear o cabelo, chegar a objetos colocados em prateleiras altas, subir escadas ou levantar-se da cadeira. ● Casos mais graves: envolvimento dos músculos respiratórios e orofaríngeos, com disfagia, dificuldade respiratória e pneumonias de aspiração. Em cerca de 21% dos casos pode ainda ser uma manifestação paraneoplásica de tumores. As paraneoplasias apresentam manifestação cutânea mais precoce, todavia as manifestações musculares são mais resistentes ao tratamento. 6. Listar os exames complementares que podem ser solicitados para o diagnóstico laboratorial, de imagem e gráficos da dermatomiosite, interpretando os resultados esperados. ● Exames laboratoriais: o Hemograma: anemia normocítica e normocrômica (doença crônica) o Enzimas musculares: Creatinofosfoquinase (CPK) sérica – diagnóstico e monitoramento do tratamento (seus níveis diminuem antes da melhora clínica e, na reativação da doença, seu aumento precede, na maioria das vezes, a fraqueza muscular). Pode atingir ↑ 50 vezes o limite superior da normalidade, todavia ↑ superiores a 100 vezes colocam o diagnóstico em questão, devendo-se fazer diagnóstico diferencial principalmente com rabdomiólise, hipotireoidismo e miopatia associada a estatinas. Aldolase: 1ª enzima a se alternar na DM; menos específica que a CPK, podendo estar elevada em doenças hepáticas e de outros órgãos. Desidrogenase láctica (DHL) Aspartato aminotransferase (AST) Alanina aminotransferase (ALT) musculares inflamatórias. o Autoanticorpos Anticorpos contra RNA-t: Anti-Jo-1 (anti-histidil-tRNA sintetase) Anticorpos contra moléculas que sintetizam proteínas do retículo endoplasmático: anticorpos anti-SRP (indicam doença grave) Anticorpos contra o complexo de proteínas nucleares (Mi-2): Anti-MI2 Anticorpos sem associação clara com doenças reumatológicas o Eletromiografia: direciona a região para realizar a biópsia muscular, além da diferenciação de processos de origem neural ou muscular. Em músculos comprometidos pela DM há formação de unidades motoras polifásicas de pequena amplitude, potenciais polifásicos de curta duração, descargas repetitivas e bizarras de alta frequência, ondas positivas pontiagudas e fibrilações musculares Ressonância magnética de músculos: guiar a biópsia muscular e para diagnosticar a doença nos casos em que as enzimas musculares são normais Biopsia muscular: exame mais importante para o diagnóstico de DM e para exclusão de outras miopatias inflamatórias. É realizado em músculos clinicamente afetados, geralmente na musculatura próxima como tríceps ou quadríceps (PADRÃO OURO) Biópsia cutânea: hiperqueratose, acantose e atrofia epidérmica, dermatite de interface, infiltrado perivascular de linfócitos, edema dérmico e depósito de mucina (histopatológico semelhantes ao do LE) Para diagnóstico diferencial: o Miopatias infecciosas: sorologia para toxoplasmose, HIV, vírus linfotrópico de células T humanas tipo 1 (HTLV-1) e hepatites B e C o Miopatias metabólicas: hormônio tireoestimulante(TSH), tiroxina livre (T4), paratormônio (PTH) intacto quando cálcio sérico anormal Rastreamento de neoplasias 7. Caracterizar os autoanticorpos relacionados à dermatomiosite. Específicos para miosite: autoanticorpos antiaminoacil-tRNA sintetases (anti-Jo-1), anti-PL-7, anti-PL-12, anti-EJ, anti-OJ, anti-SRP, anti-Mi-2, anti- MDA-5, NXP2, SAE, TIF1γ anti-HMGCoAR Associados à miosite: autoanticorpos anti-Ro/SSA, anti-Ku, anti PM/Scl. 8. Discutir a evolução e as complicações possíveis de ocorrer na dermatomiosite. Sintomas constitucionais (fadiga persistente, perda de peso, febre e mialgia): podem surgir em aproximadamente metade dos pacientes com dermatomiosite no início da doença. A queixa clínica predominante consiste em fraqueza muscular insidiosa (2 a 6 meses), progressiva, simétrica e proximal dos membros (superiores e/ou inferiores). o Forma clássica: hipotrofia ou atrofia do antebraço associada à fraqueza dos músculos extensores e/ou flexores dos dedos, além de hipotrofia ou atrofia do quadríceps femoral. o Disfagia costuma surgir mais tardiamente. o Dermatomiosite clinicamente amiopática: 15 a 20% dos pacientes podem mostrar ausência de ou discreto comprometimento muscular (alteração discreta ou simplesmente ausência do aumento de nível sérico de enzimas musculares; biópsia muscular e eletromiografia podem estar dentro da normalidade), cursando com alterações cutâneas típicas (heliótropo ou sinal de Gottron) Manifestações extraesqueléticas: o Artralgias e/ou artrites, porém de características não erosivas e/ou deformantes. o Trato gastrointestinal: úlceras e hemorragias o Cardíacas: disfunção cardíaca (distúrbio de condução a principal alteração encontrada) o Pulmonares: dispneia, tosse, dor torácica, diminuição da tolerância aos exercícios físicos até insuficiência respiratória; Imagens radiológicas podem revelar doença pulmonar intersticial, achados em “vidro fosco”, opacidades lineares, consolidações e/ou micronódulos pulmonares. Comprometimento cutâneo: o Heliótropo e as pápulas/sinal de Gottron as lesões típicas que o definem o Hiperqueratose e fissuras da região radial dos dedos e da palma das mãos, lembrando as “mãos de mecânico” o Rash em face, pescoço, tórax anterior (sinal do “V” de decote) ombros e dorso (sinal do “xale”) o Fotossensibilidade o Sinal de “holster” o Hipertrofia das cutículas e eritemas periungueais o Calcinose o Úlceras e vasculites cutâneas o Fenômeno de Raynaud Complicações: o Insuficiência respiratória (tosse, dispneia e estertores crepitantes) o Insuficiência cardíaca: assintomática, distúrbios do ritmo e pericardite) o Glomerulonefrite o Disfagia superior (dificuldade deglutir, regurgitação nasal e disfonia) o Úlceras e hemorragias o Vasculite 9. Apresentar o diagnóstico diferencial da Dermatomiosite. Doenças como erupção polimorfa à luz: o Lúpus eritematoso sistêmico (LES): o rash do LES é mais avermelhado em contraste com o violáceo da DM e atinge mais as áreas malares do que as periorbitais. As lesões no dorso dos dedos são interarticulares, ao contrário das pápulas de Gottron, que ocorrem justo acima das articulações, além de a miosite no LES não ser tão grave. o Líquen plano o Linfoma cutâneo o Dermatite de contato o Dermatite seborreica o Psoríase o Dermatite atópica o Rosácea o Triquinose o Infecção por HIV o Doença de Lyme Doenças semelhantes à DM: o Infecções e infestações: esquistossomose, tripanossomíase, toxoplasmose, estafilocócica o Alterações endócrinas: hipotireoidismo, hipertireoidismo e doença de Cushing o Doenças neurológicas: miastenia grave, esclerose lateral amiotrófica e síndrome de Guillain-Barré o Doenças metabólicas: hipocalemia, hipocalcemia e hipofosfatemia) o Miosite pós-infecção viral, pós-vacinação anti-rubéola, retículo- histiocitose multicêntrica, microêmbolo ateromatoso e embolização por carcinomas com necrose muscular. 10. Definir o tratamento e o prognóstico da Dermatomiosite. prednisona: 0,5 a 1,5 mg/Kg até normalização dos níveis de CK; ↓ 50% da dose inicial em 6 meses; término do tratamento em 2 a 3 meses o Pulsos de metilprednisona: em casos graves, 30 mg/Kg/dia por 3 a 5 dias consecutivos durante 3 meses em crianças que não respondem au uso de prednisona, pacientes com disfagia, doença muscular grave e em associação com doença pulmonar intersticial ou miocardite metotrexato: 1ª escolha como coadjuvante em DM resistente à corticoide; 7,5 a 10 mg/semana, ↑ 2,5 mg semanalmente até 25 a 50 mg azatioprina: 2 a 3 mg/Kg/dia – total de 100 a 200 mg/dia para adultos ciclofosfamida: pacientes com DM associada com doença intersticial pulmonar e DMJ; 1 a 3 mg/Kg/dia ou 2 a 4 mg/Kg/dia em pulsos (endovenosa) hidroxicloroquina (antimalárico): melhora do quadro cutâneo; 20 a 400 mg/dia em adultos e 2 a 5 mg/Kg/dia em crianças dapsona: melhora das manifestações cutâneas quando corticoide e antimalárico não derem bons resultados Imunoglobulina endovenosa: adultos ► 2g/Kg, infundidos em 2 dias consecutivos, uma vez por mês por 3 meses; em crianças ► 1 a 2 mg/Kg/dia, 2x/mês por 9 meses Tratamento de calcinose: warfarin, hidróxido de alumínio oral, Diltiazem, difosfonados, colchicina, probenecide, remoção cirúrgica de depósitos de cálcio e laser Não farmacológico: o Filtros solares de amplo espectro o Nutrição adequada: rica em proteínas, suplemento de creatina o Fisioterapia Referências Bibliográficas MARIAMPILLAI, Kubéraka et. al. Development of a New Classification System for Idiopathic Inflammatory Myopathies Based on Clinical Manifestations and Myositis- Specific Autoantibodies. JAMA Neurolology, v.75, n.2, p.1528-1537, dec., 2018. doi: 10.1001/jamaneurol.2018.2598. Acesso em 18 fev. 2023. Sun KY, Fan Y, Wang YX, Zhong YJ, Wang GF. Prevalence of interstitial lung disease in polymyositis and dermatomyositis: A meta-analysis from 2000 to 2020. Semin Arthritis Rheum. 2021 Feb;51(1):175-191. doi: 10.1016/j.semarthrit.2020.11.009. Epub 2020 Dec 29. PMID: 33383294. SOUZA, FHC et. al. Miopatias autoimunes sistêmicas: diagnóstico diferencial. Sociedade Brasileira de Reumatologia. Jul., 2018. CARVALHO, Marco Antonio P. Carvalho et. al. Reumatologia: diagnóstico e tratamento. 5.ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2019. Calvão, Joana, Alexandre Rafael Isidoro Azeiteiro, and Margarida Gonçalo. "A importância dos novos autoanticorpos específicos da dermatomiosite." Journal of the Portuguese Society of Dermatology and Venereology 77.1 (2019): 15-24.