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O Curr ícu lo e a Educação Espec ia l O C u rr íc u lo e a E d u c a ç ã o E s p e c ia l O Curr ícu lo e a Educação Espec ia l Maria de Fátima Minetto Calderari Ida Regina Moro Milléo de Mendonça Marcos Antonio Cordiolli Maria Letizia Marchese Irene Carmen Piconi Prestes Vilmara Sabim Dechandt Vilmarise Sabim Pessoa 35916_CAPA_O curriculo e a Educacao Especial.indd 1 18/02/2014 14:46:31 Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br Maria de Fátima Minetto Calderari Ida Regina Moro Milléo de Mendonça Irene Carmen Piconi Prestes Marcos Antonio Cordiolli Maria Letizia Marchese Vilmara Sabim Dechandt Vilmarise Sabim Pessoa O Currículo e a Educação Especial IESDE BRASIL S/A Curitiba 2014 35916_MIOLO_O curriculo e a Educacao Especial.indb 1 19/02/2014 10:02:58 Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br © 2006 – IESDE BRASIL S/A. É proibida a reprodução, mesmo parcial, por qualquer processo, sem autorização por escrito dos autores e do detentor dos direitos autorais. Capa: IESDE BRASIL S/A Imagem da capa: Shutterstock IESDE BRASIL S/A Al. Dr. Carlos de Carvalho, 1.482. CEP: 80730-200 Batel – Curitiba – PR 0800 708 88 88 – www.iesde.com.br Todos os direitos reservados. CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTE SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ __________________________________________________________________________________ C986 O currículo e a educação especial / Maria de Fátima Minetto Calderari... [et al.]. - 1. ed. - Curitiba,PR : IESDE Brasil, 2014. 84 p. : il. ; 28 cm. ISBN 978-85-387-3971-5 1. Educação especial. 2. Currículo. I. Calderari, Maria de Fátima Minetto. 1962-. 14-09181 CDD: 371.9 CDU: 376.1 __________________________________________________________________________________ 31/01/2014 05/02/2014 35916_MIOLO_O curriculo e a Educacao Especial.indb 2 19/02/2014 10:03:02 Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br Sumário A função social da escola .......................................................................................................5 O processo de ensino e as teorias de aprendizagem nas práticas educativas ....................... 11 A educação centrada na pessoa – uma contribuição de Carl Rogers .......................................................11 Teoria da instrução e por descoberta (Bruner) .........................................................................................12 Aprendizagem significativa (Ausubel) ................................................................................................ 14 Aprendizagem escolar – a reconstrução da cultura na sala de aula .......................................19 Escola, lugar de transmissão da cultura ...................................................................................................19 O novo paradigma escolar: a lógica da inclusão .........................................................................................20 Os fundamentos do currículo – desenvolvimento, cultura, escolarização e educação ..........27 Humanização, cultura e desenvolvimento – a humanidade como seres com necessidades .....................27 A educação e a formação ..............................................................................................................................29 A escolarização ..............................................................................................................................................30 As heranças da cultura pedagógica brasileira ..............................................................................................30 Conceito de currículo e considerações gerais .........................................................................33 O que é currículo? ....................................................................................................................................33 A função dos conteúdos do ensino no currículo .....................................................................41 A diversidade e o currículo – da exclusão à inclusão .............................................................47 Há um sujeito entre as pessoas, há um sujeito na sala de aula ...................................................................47 Algumas sugestões para a diversidade e currículo na educação inclusiva ................................................49 As contribuições dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) na educação inclusiva .... 53 A função e a formação do professor na escola inclusiva ........................................................57 Atividades independentes – uma estratégia de ação comunitária na escola inclusiva ...........63 Uma experiência significativa ..................................................................................................................63 Estratégias para a aprendizagem comunitária ..........................................................................................64 O planejamento da aprendizagem comunitária ........................................................................................65 Em síntese ................................................................................................................................................65 Avaliação diferenciada .........................................................................................................71 A avaliação diferenciada ..........................................................................................................................71 Avaliação e a promoção de um aluno com necessidades educativas especiaisde uma série para a outra ...........................................................73 Pais, professores e alunos – parceiros no processo inclusivo ........................................................77 Referências ...........................................................................................................................83 35916_MIOLO_O curriculo e a Educacao Especial.indb 3 19/02/2014 10:03:02 Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br 35916_MIOLO_O curriculo e a Educacao Especial.indb 4 19/02/2014 10:03:02 Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br 5 A função social da escola Ida Regina Moro Milléo de Mendonça O professor pensa ensinar o que sabe, o que recolheu dos livros e da vida. Mas o aluno aprende do professor não necessariamente o que o outro quer ensinar, mas aquilo que quer aprender. Assim, o aluno pode aprender o avesso ou o diferente do que o professor quer ensinar. Ou aquilo que o mestre nem sabe que ensinou, mas o aluno reteve. O professor, por isso, ensina também o que não quer, algo de que não se dá conta e passa silenciosamente pelas paredes da sala. Afonso Romano de Sant’Anna Nossa intenção, neste capítulo, é promover uma reflexão crítica sobre a função social da escola, à luz das ideias e das concepções desenvolvidas e discutidas ao longo do texto que apresentare-mos. Analisar e discutir a função e o papel que a escola ocupa na sociedade contemporânea não é tarefa muito fácil, mas, aviso de antemão, é fascinante. É comum alunos saírem das universidades e, ao iniciar suas atividades de docência, perceber o grande distanciamento entre as expectativas da sociedadee a função da escola que nela está inserida. Proponho que deixemos de lado preconceitos ou conceitos cristalizados para, juntos, chegar- mos ao final deste capítulo com uma concepção mais clara e coerente da função social da escola como instituição específica de educação. De acordo com Gomes (2000), a educação nas sociedades primitivas acontecia, de modo geral, por meio da socialização em atividades cotidianas, entre os membros das gerações mais novas e os próprios adultos da comunidade. Todavia com as mudanças ocorridas na sociedade, seguidas de uma diversificação de funções e tarefas, essa forma de educação torna-se ineficiente. Isso significa que as demandas de interesses e necessidades de uma sociedade mais povoada e complexa não comportavam uma educação direta das novas gerações nas células primárias de convivên- cia: a família, o grupo de iguais, os centros ou grupos de trabalho e produção. (GOMES, 2000, p. 13) Surgem então novas formas de se efetivar o processo educacional de crianças e de jovens, por exemplo: a tutoria, o preceptor, as academias etc. Essas maneiras de educar as novas gerações ante- cedem o contexto da sociedade contemporânea, na qual a forma predominante de educação tem sido a escolar. No entanto, alerta-nos Delval (2001) que, apesar das significativas mudanças ocorridas ao longo da história da humanidade – a vida social, a organização política, o trabalho – a prática no contexto escolar continua reproduzindo um modelo de educação semelhante ao de tempos remotos. Então, nos tempos atuais, qual é a função social da escola? Segundo Dürkheim (1972), “quando se estuda historicamente a maneira de se formarem e de- senvolverem os sistemas de educação, percebe-se que eles dependem da religião, da organização política, do grau de desenvolvimento das ciências, do Estado, das indústrias etc. Separados de todos essas causas históricas, tornam-se incompreensíveis”. 35916_MIOLO_O curriculo e a Educacao Especial.indb 5 19/02/2014 10:03:02 Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br A função social da escola 6 Na visão de Gomes (2000), a função social da escola é desenvolver o pro- cesso de socialização do aluno e, nessa perspectiva, são dois os objetivos priori- tários desse processo: incorporação do aluno no mundo do trabalho; a formação do cidadão para intervenção na vida pública. Segundo o referido autor, “a função da escola concebida como instituição especificamente configurada para desenvolver o processo de socialização das novas gerações, aparece puramente conservadora; garantir a reprodução social e cultural como requisito para a sobrevivência mesma da sociedade” (GOMES, 2000, p. 14). Desse modo, é por meio do currículo, da organização pedagógica, bem como dos próprios conteúdos, que a escola gradativamente repassa as ideias, os conhecimentos, os valores e as formas de conduta que a sociedade exige. Assim, sendo a escola concebida pela sociedade contemporânea como uma das instituições sociais responsáveis pela educação das novas gerações, encontra- -se no meio de conflitos e contradições de ideias, valores e atitudes conservadoras e de mudança. Vale ressaltar que esses conflitos estão imbuídos na própria dinâ- mica de manutenção da nossa sociedade. Muitas vezes, ouvimos de professores, bem como de pessoas relacionadas a outros segmentos da sociedade, que a escola está despreparada para atender às exigências das demandas sociais. Embora essa premissa seja real, podemos visualizar que, nos últimos anos, há um movimento de mudança no sentido de transformação das funções e do papel da escola. A reflexão crítica sobre as práticas educativas tem sido fórum permanente de debates, dentro do contexto escolar, em congressos, seminários e encontros de semana pedagógica. De acordo com Gomes (2000), retomando os objetivos fundamentais do processo de socialização dos alunos na escola, temos que a sociedade contempo- rânea e, de certo modo industrial, exige que a escola tenha como meta primordial a preparação do aluno para o mercado de trabalho. Ou seja, o desenvolvimento das novas gerações referente a ideias, conhecimentos, habilidades e comportamentos precisa estar em consonância com as exigências da coletividade, das empresas, dos negócios e dos serviços. Quanto à socialização voltada para o desenvolvimento da cidadania e a pre- paração para a vida pública, a escola também vivencia dilemas marcados pela demanda social. Ao mesmo tempo que todas as pessoas têm os mesmos direitos como cidadãos, no campo econômico esse princípio não se mantém. Considera- -se a propriedade e não o indivíduo como cidadão de direitos. Contrariando concepções conservadoras impostas pela sociedade, de que forma a escola pode assumir seu compromisso fundamental de socialização dos alunos? A escola, como espaço privilegiado de educação, deve assumir seu papel garantindo o desenvolvimento de ideias, de atitudes e de conhecimentos que 35916_MIOLO_O curriculo e a Educacao Especial.indb 6 19/02/2014 10:03:02 Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br A função social da escola 7 proporcionem ao aluno, “sua incorporação eficaz no mundo civil, no âmbito da li- berdade de consumo, da liberdade de escolha e participação política, da liberdade e responsabilidade na esfera da vida familiar e pública” (GOMES, 2000, p. 15). Nesse caminho, o colombiano Bernardo Toro (2002, p. 25) elaborou os códi- gos da modernidade que são, ao todo, sete competências para a escola desenvolver no processo educacional dos alunos. São elas: 1) domínio da leitura e da escrita; 2) capacidade de fazer cálculos e resolver problemas; 3) capacidade de analisar, sintetizar e interpretar dados, fatos e situações; 4) capacidade de compreender e atuar em seu entorno social; 5) receber criticamente os meios de comunicação; 6) capacidade de localizar, acessar e usar melhor a informação acumulada; 7) capacidade de planejar, trabalhar e decidir em grupo. Sem a pretensão de supervalorizar as funções da escola, temos que a ação educativa dela deve estar direcionada à promoção da consciência da realidade humana. Nesse sentido, entendemos que educação pode ser definida como uma forma de compreender, de interpretar e de transformar o mundo. A educação tem variado infinitamente com o tempo e com o meio. Nas cidades gregas e latinas a educação conduzia o indivíduo a subordinar-se cegamente à coletividade [...]. Hoje esforça-se em fazer dele uma personalidade autônoma. Em Atenas, procurava-se for- mar espíritos delicados, prudentes, sutis [...], capazes de gozar o belo e os prazeres da pura especulação; em Roma, desejava-se especialmente que as crianças se tornassem homens de ação, apaixonados pela glória militar, [...]; na Idade Média a educação era cristã, antes de tudo; na Renascença toma caráter mais leigo, mais literário; nos dias de hoje, a ciência tende a ocupar o lugar que a arte outrora preenchia. Na verdade, [...] cada sociedade con- siderada em momento histórico determinado do seu desenvolvimento, possui um sistema de educação que se impõe aos indivíduos [...]. (DURKHEIM, 1972, p. 35-36) É preciso considerar que vivemos hoje em uma sociedade em mudança, pluralista, portanto não podemos estabelecer um conceito unívoco de educação. Podemos, sim, buscar compreendê-la como processo de vida social e individual. Em síntese, a ação educativa da escola, ao promover uma consciência da realidade humana e social, proporciona ao aluno uma visão mais reflexiva e crítica da sociedade. É papel da escola, como instrumento de educação formal, refletir sobre as demandas da sociedade marcadas pelo momento histórico e sua fun- ção nesse contexto.Não cabe à escola uma ação educativa que reproduza os valores econô- micos e sociais dominantes. É função social da escola preparar os alunos para que, na convivência com tais valores, possa percebê-los, refletir e redimensioná-los de acordo com suas reais proporções e repercussões. 35916_MIOLO_O curriculo e a Educacao Especial.indb 7 19/02/2014 10:03:02 Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br A função social da escola 8 É de fundamental importância que a escola em sua atividade cotidiana observe, ouça, perceba e identifique as ideias, os conhecimentos, as ati- tudes, os valores e a cultura de sua população. Pois é dessa maneira que ela poderá proporcionar a seus alunos, pais e comunidade conduzir seu próprio processo educativo. Outra concepção também interessante sobre as funções sociais da escola é a de Delval (2001). Para ele, as funções sociais da escola são quatro. Veja o quadro a seguir: Funções da escola Aquisições Cuidado das crianças Manter as crianças ocupadas, enquanto seus pais estão em suas atividades. Solicitação Colocá-las em contato com outras crianças. Ensinar normas básicas de conduta social. Prepará-las para o mundo do trabalho. Aquisição de conhecimento Adquirir habilidades básicas instrumentais: ler, escrever, expressar-se, lidar com a aritmética. Adquirir o conhecimento científico. Ritos de iniciação Submetê-las a provas que servem de seleção para a vida social. Estabelecer discriminação entre elas. Entendemos que a escola possui outras funções distintas das que citamos neste capítulo. Uma delas é o currículo oculto, ou seja, tudo aquilo que não está explicitado de forma intencional no desenvolvimento da proposta educativa reali- zada pela escola. Todavia, é vivenciado pelo aluno na dinâmica das relações inter- pessoais (professor-aluno e aluno-aluno), bem como no desempenho do trabalho pedagógico realizado diariamente no contexto escolar. É na vivência coletiva travada dentro do espaço escolar que o aluno poderá perceber e tomar consciência a respeito de si mesmo,dos seus parceiros, das afini- dades e amizades que podem ser construídas e, sobretudo, da necessária disciplina em termos de horários, hábitos de estudo e realização de tarefas. Enfim, é no convívio diário da escola que o aluno poderá gradativamente conhecer a si mesmo, o outro, e construir sua autoimagem e identidade de sujeito social. 1. Leia novamente e discuta com seus colegas as sete competências da escola, elaboradas por Toro. Entre elas, escolha e analise três competências que você considera que sejam mais importantes para a concretização do processo educacional na escola. 35916_MIOLO_O curriculo e a Educacao Especial.indb 8 19/02/2014 10:03:02 Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br A função social da escola 9 2. Qual é sua concepção de educação? Qual é a função social da escola em nossa sociedade? 3. Assista ao filme Meu adorável professor com seus colegas. Analise e discuta as transformações do processo educativo da escola, apresentadas no referido filme. Em seguida, realize uma entre- vista com um professor de uma escola de seu município para que ele possa lhe contar sobre de que maneira, em diferentes momentos, sua escola tem desempenhado seu papel na sociedade. 35916_MIOLO_O curriculo e a Educacao Especial.indb 9 19/02/2014 10:03:03 Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br A função social da escola 10 35916_MIOLO_O curriculo e a Educacao Especial.indb 10 19/02/2014 10:03:03 Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br 11 O processo de ensino e as teorias de aprendizagem nas práticas educativas Ida Regina Moro Milléo de Mendonça Há de se cuidar do broto para que a vida nos dê flores e frutos. Milton Nascimento N este capítulo, pretendemos discutir as teorias de aprendizagem de Rogers, Bruner e Ausubel. Nossa escolha por essas três abordagens está relacionada às valiosas contribuições dessas teorias para ensino e aprendizagem escolar. Outro motivo que reforça nossa escolha é o de que essas teorias têm sido, de modo geral, pouco conhecidas entre os professores. A educação centrada na pessoa – uma contribuição de Carl Rogers A abordagem rogeriana em educação surgiu originalmente do campo da psicoterapia e aconse- lhamento. Dessa maneira, o ensino centrado na pessoa constitui o domínio particular desta aborda- gem. Isso significa que o aspecto interacional em situação de aprendizagem visa as relações interpes- soais e intergrupais dos alunos ou dos grupos envolvidos. A teoria de aprendizagem de Rogers é uma teoria da pessoa em situação de aprendizagem, ou seja, da personalidade do aluno, pois ela enfatiza os aspectos afetivos em detrimento dos aspectos cognitivos. Desse modo, podemos considerar que, como teoria de aprendizagem única é insuficiente, porém é uma teoria que oferece possibilidades de integração com outras abordagens cognitivistas. La Puente explicita que “Rogers propõe como objetivo da educação uma aprendizagem significa- tiva, uma aprendizagem que abranja conceitos e experiências, o homem total, a partir de um processo de aprendizagem pessoal, em que o interesse e os motivos de aprender sejam os do aluno” (PENTEA- DO, 1980, p. 104). Esse autor ainda relata que Rogers se utiliza de um velho adágio para explicar seu objetivo: “poderás levar o cavalo até a água, mas não poderás fazê-lo beber”. Transferindo essa ideia para a educação, podemos entender que uma pessoa não pode ensinar outra, mas pode facilitar-lhe o proces- so de aprender. Nessa perspectiva, podemos considerar que é o aluno que aprende, porém ele pode ter dificul- dades em efetivar sua aprendizagem e o professor poderá oferecer-lhe tal ajuda. Placo (2002, p. 88-89) menciona que Rogers, em seu livro Liberdade para Aprender, expõe alguns princípios básicos da aprendizagem significativa. São eles: 35916_MIOLO_O curriculo e a Educacao Especial.indb 11 19/02/2014 10:03:03 Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br O processo de ensino e as teorias de aprendizagem nas práticas educativas 12 Os seres humanos têm natural potencial para aprender [...]; A aprendizagem significativa verifica-se quando o estudante percebe que as matérias a estudar se relacionam com seus próprios objetivos [...]; A aprendizagem que envolve mudança na organização de cada um na percepção de si mesmo – é ameaçadora e tende a suscitar reações [...]; As aprendizagens que ameaçam o próprio ser são mais facilmente percebidas e assimi- ladas quando as ameaças externas se reduzem a um mínimo [...]; Quando é fraca a ameaça ao eu, podemos perceber a experiência sob formas diversas e aprendizagens ser levada a efeito [...]; É por meio de atos que se adquire a aprendizagem mais significativa [...]; A aprendizagem é facilitada quando o aluno participa, responsavelmente, do seu pro- cesso; A aprendizagem autoiniciada, que envolve toda a pessoa do aprendiz, seus sentimentos tanto quanto sua inteligência, é a mais durável e impregnante; A independência, a criatividade e a autoconfiança são facilitadas. Quando a autocon- fiança é facilitada, quando a autocrítica e a autoapreciação são básicas, a avaliação feita por outros tem importância secundária; A aprendizagem mais socialmente útil, no mundo moderno, é a do próprio processo de aprendizagem, uma contínua abertura à experiência e à incorporação, dentro de si mesmo, do processo de mudança [...]. Ainda, com relação ao processoensino-aprendizagem na teoria rogeriana, po- demos compreender que a aprendizagem autodirigida ou autoapropriada é vista como a única que pode transformar, de modo significativo, o comportamento do aluno. Nes- sa perspectiva, o processo sistematizado de ensino fica em segundo plano, pois perde sua importância. Aprender significa interagir com outros pontos de vista. Desse modo, a não diretividade é outra ideia de significativo valor. Não diretividade implica um conjunto de técnicos que implementa a atitude básica de confiança no aluno. Assim, o professor se abstém de intervir diretamente no campo cognitivo e afetivo do aluno, limita-se a facilitar a comunicação do estudante con- sigo mesmo, para que ele possa reorganizar o seu campo experimental. Explicando de outro modo, significa dirigir sem dirigir – uma ação facili- tadora que consiste em dirigir o aluno às suas próprias experiências para que a partir dessas, ele possa se autodirigir e desempenhe seu autocontrole. Teoria da instrução e por descoberta (Bruner) Jerome Bruner é considerado o principal representante norte-americano do movimento da Psicologia Cognitivista. Suas pesquisas buscavam descobrir como os sujeitos podiam tirar vantagens de aprendizagens anteriores ao tentarem lidar e resolver problemas novos que lhes eram apresentados. Observou as crianças em sala de aula e as experiências dessa investigação são reveladoras. Lança então, em 1966, sua teoria de ensino cujo título é Uma nova teoria de aprendizagem. Para Bruner, as teorias de desenvolvimento e de aprendizagem são descritivas, pois elas esclarecem o que acontece. A teoria da instrução é prescritiva, ou seja, 35916_MIOLO_O curriculo e a Educacao Especial.indb 12 19/02/2014 10:03:03 Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br O processo de ensino e as teorias de aprendizagem nas práticas educativas 13 sugere metas e meios para a efetiva ação do professor. Conforme Giacaglía, “a ma- neira de ensinar irá depender não apenas do que se souber sobre como se aprende, também dos conhecimentos relativos ao estádio de desenvolvimento cognitivo em que o aluno se encontra; [...]” (1980, p. 47). O referido autor expressa que um dos pontos fundamentais da teoria de instru- ção é a concepção de Bruner sobre o desenvolvimento cognitivo do ser humano. Explica que existem três níveis de representação cognitiva. São eles: Enativo – a representação do mundo é demonstrada pela criança por meio da sua ação. Neste nível, a criança não é capaz de explicar verbalmente um caminho que lhe é conhecido. No entanto, no campo da ação, é capaz de reproduzi-lo. Icônico – mesmo sem manipular os objetos, a criança é capaz de repre- sentá-los mentalmente. Simbólico – sem fazer uso da ação ou da representação de imagens, a criança pode representar o mundo abstratamente por meio de símbolos. Nesse processo evolutivo dos níveis de representação cognitiva, a linguagem tem um papel preponderante na teoria de Bruner. É por meio da linguagem que a criança consegue evoluir hierarquicamente de níveis inferiores para o nível de repre- sentação simbólica – o pensamento evolui pela linguagem, portanto, dela depende. Segundo Giacaglía, “a linguagem é, pois, uma das principais maneiras de que o homem dispõe para lidar inteligentemente com o ambiente [...] é a ferramenta que amplia a capacidade humana” (1980, p. 48). Os três tópicos principais que sustentam a teoria de Bruner são: estrutura das matérias de ensino e sua sequenciação; a motivação intrínseca – predisposição do aluno para aprender; reforço. Por motivação intrínseca entende-se o interesse e a necessidade do próprio aluno pelo conteúdo a ser aprendido, ou seja, pelo conhecimento a ser conquistado, pela realização do desejo de conhecer. Jerome Bruner não inventou o método da aprendizagem por descoberta. Todavia, deu-lhe fundamentação teórica e o divulgou para que esse método fos- se um desafio à atividade e à curiosidade da criança, afastando o aluno das es- tratégias motivacionais extrínsecas, isto é, de prêmios e elogios, pois promove experiên cias e desperta o gosto pelo estudo. O professor apresenta o conteúdo ou o assunto a ser tratado em forma de questão a ser resolvida. Pode, ainda, auxiliar o aluno a resolvê-lo discutindo dife- rentes alternativas de solução. De acordo com Giacaglía (1980), a maior dificuldade atribuída a esse méto- do é a sua execução, pois exige condutas adequadas do professor, tais como: o conhecimento dos conteúdos a serem trabalhados; 35916_MIOLO_O curriculo e a Educacao Especial.indb 13 19/02/2014 10:03:03 Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br O processo de ensino e as teorias de aprendizagem nas práticas educativas 14 a previsão de problemas periféricos ao assunto tratado; paciência, para esperar que os alunos cheguem às descobertas; percepção de quando a resolução de uma proposta está muito demorada e coloca em risco a aprendizagem; a manutenção do bom relacionamento com os alunos, para que estes aceitem seu papel como condutor das descobertas e mantenedor do se- gredo da solução do problema; disposição física e mental para manter o nível de entusiasmo na aula. Aprendizagem significativa (Ausubel) Os conceitos de estrutura cognitiva e aprendizagem significativa consti- tuem-se como a base das proposições de Ausubel. Estrutura cognitiva é entendida como o conjunto de ideias e noções presen- tes no sujeito. Assim, de acordo com Ronca “se a estrutura cognitiva de um aluno for clara e organizada adequadamente, a aprendizagem e a retenção de um assunto novo é sensivelmente facilitada. Se ela é instável, ambígua, desorganizada, a aprendizagem fica prejudicada” (1980, p. 59). Conforme Ausubel (apud RONCA, 1980, p. 59), saber o que o aluno já sabe é o fator mais importante no processo de aprendizagem. Investigue-se isso e o ensino será consequente, isto é, ocorrerá de forma coerente. A aprendizagem significativa ocorre quando existe relação entre o que se sabe e o que se quer aprender. Quando as ideias são significativas para o aluno, o conhecimento se fixa por mais tempo e aumenta a capacidade de o aluno relacio- nar os diferentes tipos de assuntos que foram aprendidos. Porém, para que ocorra aprendizagem significativa, é necessário que o aluno manifeste uma predisposição positiva diante da aprendizagem. Pilares do conhecimento Considerações sobre os sustentáculos da educação para o terceiro milênio (PILARES, 2002, p. 47-48) Convidamos você, leitor, a fazer uma reflexão. Principalmente você, professor. Por quantas mudanças e transformações o mundo já passou? Desde a descoberta do fogo, grande trunfo da raça humana, até o computador, braço direito – talvez também o esquerdo –, quase já podemos promovê-lo a melhor amigo do homem, nos dias atuais. Vejamos alguns exemplos. Bicicletas têm 18, 20 ou até mais marchas, cada qual com sua utilidade plenamente justificada. Nossos carros: a 35916_MIOLO_O curriculo e a Educacao Especial.indb 14 19/02/2014 10:03:03 Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br O processo de ensino e as teorias de aprendizagem nas práticas educativas 15 cada dia, aparece um novo modelo, um novo motor, mais resistente, mais potente, mais econômico ou mais qualquer outra coisa. Para as donas de casa, muitas novidades ao longo da evolução hu- mana. Para citar algumas: máquina de lavar roupas, ferro elétrico, forno de micro-ondas e tantas outras facilidades. A esta altura, o leitor deve estar perguntando o que isso tudo tem a ver com a educação. Veja bem: se, ao longo da evolução da espécie humana,o homem foi capaz de produzir para si tantas facilidades, por que na área da educação tudo continua tão complexo? Sabemos que antigamente existiam sociedades sem escolas, e ainda hoje existem, nas quais a educação se dava e se dá pela vivência diária na comunidade, pela interação dos mais novos com os mais velhos. Nessa interação, o jovem apreendia valores e comportamentos e o meio em que se situava era um contexto permanente de formação. Um bom exemplo desse tipo de educação é a sociedade africana pré-colonial, na qual não havia professores e aprendia-se fazendo. É este aprender fazendo que tornava importante o aprendizado, já que o que se aprendia tinha um signi- ficado útil para aquela comunidade: era uma necessidade. E hoje? Bem. Hoje, há quem diga que se a escola não se renovar, não se esmerar para proporcionar aos alunos uma razão para sua existência, um aprendizado de qualidade e que venha ao encontro de sua realidade, irá fracassar. Vivemos a era do conhecimento, mas só a mera transmissão de conhecimento não garante a educação plena. Pelas ondas da internet, pelas páginas de um livro ou de um jornal, comparti- lhando experiências com as pessoas com as quais convivemos são algumas das várias formas de se adquirir conhecimento. E é certo que a educação do novo milênio precisa estar cada vez mais atenta aos movimentos e avanços mundiais. Informação e conhecimento continuaram a ser como que molas propulsoras para o crescimento e desenvolvimento do planeta. O que cabe à educação nesse contexto? Proporcionar meios eficazes para que saibamos selecionar tudo o que chega até nós, de ma- neira que se tire proveito do que realmente é relevante, não só para nós como também para as pessoas que nos rodeiam e, portanto, fazem parte da nossa realidade. Pois bem, se a educação não deve mais se deter apenas em transmitir conhecimentos a que ela deve ater-se, então? Para responder a essa questão, em 1996, a Comissão Internacional sobre Educação pra o Século XXI produziu um relatório para a Unesco, delineando o que podemos dizer que são os objetivos da educação do novo milênio recém-nascido. É Jacques Delors quem nos diz “para poder dar resposta ao conjunto das suas missões a educação deve organizar-se em torno de quatro aprendizagens fundamentais que, ao longo de toda a vida, serão de algum modo para cada individuo os pilares do conhecimento: aprender a conhecer, [...], aprender a fazer, [...], aprender a viver juntos, [...] e, finalmente aprender a ser”. Delors ainda complementa dizendo que esses quatro pilares constituem-se em um só, devido à forte ligação existente entre eles. Passemos, então, à análise do tema. Aprender a conhecer A educação brasileira, talvez a mundial, preocupou-se durante muito tempo em atender seus educandos no sentido de que eles adquirissem apenas o referencial suficiente para que, ao saírem da escola, encontrassem algo que lhes garantisse o sustento, ainda que esse algo não lhes ofereces- se tudo o que de fato desejavam para suas vidas. Educou-se, e ainda se educa infelizmente, para 35916_MIOLO_O curriculo e a Educacao Especial.indb 15 19/02/2014 10:03:03 Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br O processo de ensino e as teorias de aprendizagem nas práticas educativas 16 conformidade, para subserviência. Educou-se um ser humano que se contentava com pouca esco- lha que lhe ofereciam, porque convenceram-no de que ele não dava para o estudo. É esse tipo de educação que tem que ser urgentemente transformada, não só porque a escola corre o risco de se perder, mas porque nós próprios corremos o risco de perder nossa identidade humana se continuar- mos a agir dessa maneira. Perdemos a oportunidade de auxiliar os nossos alunos a desenvolverem o aprender a conhecer, um dos quatro pilares propostos pela comissão, que vem com significado de oportunizar a descoberta do mundo como espaço de crescimento e de aprendizagens constante. É claro que antes devemos exercitar o aprender a aprender. Segundo a comissão, esse apren- der a aprender dá-se pelo exercício de atenção, da memória e do pensamento. Atenção para propor às crianças algo que venha, verdadeiramente, ao encontro de suas necessidades e enriqueça suas ex- periências. E a memória? Facilmente pensamos que memória é coisa de educação tradicional. Não é. O que seria da humanidade sem memória? Certamente não teríamos tido conhecimento de muitos acontecimentos, anteriores à escrita, por exemplo, se não fosse pela memória de nossos antepassa- dos. Quanto ao pensamento, compete ao professor oportunizar ao aluno situações para que ele possa desenvolvê-lo adequadamente, sem repressões, pois é justamente por saber pensar que o humano chegou aonde está, por saber pensar e repensar suas práticas, aprimorando-as para o seu próprio benefício. Aprender a conhecer, por fim, significa não conceber o conhecimento como algo imutável, mas sim como algo que se constrói ao longo de toda a existência, onde quer que estejamos. Aprender a fazer A educação não poderá limitar-se a formar pessoas para realizarem uma atividade única. O mundo evoluiu a passos largos, e o que é moderno, hoje, muito em breve estará obsoleto. Então, nossos educandos devem estar preparados para enfrentar situações novas que exijam deles mais do que executar uma tarefa já interiorizada e mecânica. Aprender a fazer quer dizer fazer de diferentes formas, de maneira que não se fique preso a um único meio de chegar aos resultados desejados. Significa não apenas desenvolver uma qualificação profissional, mais sim um leque de competências que o levam a uma qualificação cada vez melhor. Inclui, também, saber trabalhar conjunta e harmoniosamente em busca de objetivos comuns. Em outras palavras, apropriar-se do sentido implícito em uma frase já nossa velha conhecida: A união faz a força. Aprender a viver juntos Isso implica colocar-se no lugar do outro, muitas vezes, para sentir suas frustrações, angús- tias e desejos. Dessa forma se poderá levar o aluno a compreender que as diferenças não são a causa da violência entre os povos e, sim, que a causa da violência esta na maneira como encaramos essas diferenças. Se nem irmãos, ditos gêmeos idênticos, são iguais, por que esperar que a huma- nidade, reunida pela diversidade, porte-se de maneira igual. Deve-se levar o aluno a compreender e valorizar as diferenças, privilegiando o desenvolvimento da cultura, da paz e da colaboração. Aprender a ser Segundo a comissão, e isto já é consenso entre nós, educadores, a educação deve preocupar- -se com o desenvolvimento pleno de seus educandos. Isto inclui tornar possível a sua formação cognitiva, afetiva, psicomotora etc. É necessário conhecer-se a si mesmo para que se possa conhe- cer o outro e aceitá-lo. Como aceitar o outro sem aceitar a si próprio primeiro? Nisso consiste o 35916_MIOLO_O curriculo e a Educacao Especial.indb 16 19/02/2014 10:03:04 Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br O processo de ensino e as teorias de aprendizagem nas práticas educativas 17 quarto pilar da educação do novo milênio que propõe conhecer-se a si mesmo, aprendendo a ser cada vez melhor. Enxergando a si mesmo como sujeito de capacidades múltiplas e como sujeito de relações, o educando tem condições de desenvolver-se de maneira mais significativa. Máquinas podem ser muito úteis, mas jamais substituirão o prazer do contato pessoal entre os seres. Somos seres humanos e, só por isso, já não nos é possível viver isoladamente. E não é exagero dizer que não se aprende a ser sozinho, pois é no contato com o outro que nos revelamos. O outro nos mostra quem somos, ainda que muitas vezes nos neguemos a enxergar quem somos. Enfim, para concluir, a educaçãodesse novo milênio, que em breve já não será mais tão novo assim, nos reserva novos desafios, com certeza, novas conquistas. Sabemos que não é tarefa fácil essa de educar. Nunca foi e jamais será. Também temos consciência, enquanto educadores de nossa importante missão. Para ajudar nossos alunos a desenvolverem esses quatro pilares – aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a viver juntos e aprender a ser –, é preciso tê-los assimilados em nossa vivência, em nossa pratica diária. Não podemos esquecer que também educamos pelo exemplo. Se falamos uma coisa e fazemos outra, nossa atitude incoerente continuará a provocar insucessos. Ao contrário, se acreditarmos no que falamos, não teremos dificuldades em comunicá-lo aos nos- sos alunos. Então, grande parte de nossos objetivos terá sido alcançada. Ao educador cabe não desanimar. Se a escola sobreviveu a tantas turbulências e já praticou tantos erros, que hoje já conseguimos detectar, é sinal de que ela é necessária e de que está no caminho certo. Sejamos fortes e estejamos unidos, nunca esquecendo que nosso maior objetivo é sempre o aluno, este ser que chega até nós e é dada a oportunidade de indicar o caminho que o transformará em humano. Ou não. 1. Escolha três princípios básicos da aprendizagem significativa de Rogers e discuta com seus colegas os aspectos relevantes (positivos e negativos) de cada um deles. 2. Qual é o seu ponto de vista sobre a aprendizagem dos alunos em escolas públicas e privadas no Brasil? 35916_MIOLO_O curriculo e a Educacao Especial.indb 17 19/02/2014 10:03:04 Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br O processo de ensino e as teorias de aprendizagem nas práticas educativas 18 3. A partir da leitura do texto complementar, explique, do seu modo, os quatro pilares do conheci- mento e, se possível, explicite de que forma eles vêm sendo abordados no contexto escolar. 35916_MIOLO_O curriculo e a Educacao Especial.indb 18 19/02/2014 10:03:04 Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br 19 Aprendizagem escolar – a reconstrução da cultura na sala de aula Irene Carmen Piconi Prestes [...] é difícil dizer se o que exerceu mais influência sobre nós e teve importância maior foi a nossa preocupação pelas ciências que nos eram ensinadas, ou pela personalidade de nossos mestres. Sigmund Freud Escola, lugar de transmissão da cultura A educação escolar é feita dentro da sala de aula, na qual se reúnem um professor e uma turma de alunos. Professores e alunos com características próprias e histórias diferentes, formam um grupo social. Neste espaço relacional do cotidiano escolar, aprende-se a conviver democrática e socialmente, exercitando valores, como respeito ao outro, justiça, diálogo e solidariedade. De acordo com os Parâmetros Curriculares Nacionais de 1997, a escola deve dar lugar no seu cotidiano às questões sociais, à ética, aos valores implícitos e explícitos que regulam as ações dos agentes escolares e que são determinantes do processo de ensinar e aprender, no qual professor e aluno se encontram, interferindo, portanto, na formação pessoal de cada aluno. O contexto escolar pode ser visto por nós como um ambiente que acolhe e coloca o sujeito na esfera das relações sociais. Faz-nos pensar que as experiências vividas na escola serão significativas para o modo de se colocar no mundo a nas relações com o “outro”. A escola, segundo Carvalho (2000, p. 180), é um espaço plural, extremamente complexo, impregnado de regras, de valores (nem sempre consensuais) e de muitos sentimentos contraditórios quanto às funções políticas e sociais da escola. Inúmeras e diversas são as expectativas da sociedade, das famílias, dos alunos, de toda a comunidade escolar, interferindo direta ou indiretamente no dia a dia das escolas. Conforme o proposto pela Lei de Diretrizes e Bases de 1996, exige-se, hoje, que para ser consi- derada inclusiva a escola esteja voltada à construção de uma estrutura que corresponda às mudanças curriculares, à reorganização do espaço educacional, à constante formação dos profissionais da edu- cação, a fim de que as situações de aprendizagem promovam o aluno e que ele seja o autor de suas ideias. Isso é fundamental em uma escola realmente inclusiva. É por meio da mediação das situações de conflito, com a prática do ensino de valores, da ética e de uma educação voltada para a construção da cultura da paz, de relações de convivência, que será possível um ensino cuja lógica seja inclusiva. Este ensino deve tornar os alunos conhecedores das suas potencialidades e capacidades, res- peitosos e atentos às diferenças, pois é na diferença que se criam novas práticas, novos olhares sobre a vida. 35916_MIOLO_O curriculo e a Educacao Especial.indb 19 19/02/2014 10:03:04 Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br Aprendizagem escolar – a reconstrução da cultura na sala de aula 20 Como todas as outras instituições sociais, a escola é um sistema que tem uma pauta de desempenho socialmente definida e historicamente situada. O de- sempenho adequado e competente dessa tarefa é que estabelece e constitui sua importância e sua função social. Tem compromisso com as relações interpessoais e sociais escolares e com as questões que envolvem os valores experimentados na vivência que a escola propicia aos alunos e o contato intelectual com tais valores. Os alunos podem ser protagonistas de mudanças quando é fortalecida a prá- tica de dar retorno aos professores, o que pode ser um elemento decisivo na altera- ção da prática do professor. As mudanças não podem ser feitas sem a participação dos alunos. Vasconcelos (2001, p. 13) alerta que “quando a escola deixa o aluno de fora e muda, a leitura que o aluno faz é ‘liberou geral, a escola afrouxou’. E não é isso. A escola deixou de ter uma exigência autoritária, formal, mas ela passa a ter uma exigência muito maior que é o compromisso, a construção do conhecimento, a responsabilidade. E é importante que o aluno entenda isso”. Considerando os aspectos citados, o contexto escolar representa um lugar de trocas interativas entre pessoas, destacando aí o lugar subjetivo do sujeito. Preservando a subjetividade de cada um no processo de ensinar e de aprender é que poderemos ter pessoas motivadas, implicadas e responsáveis por aquilo que realizam na escola. Destacamos, dessa maneira, que nesse projeto educativo, a educação é planejada, sob a perspectiva do ser humano, nos seus aspectos físico, social, cognitivo e psíquico. O novo paradigma escolar: a lógica da inclusão É preciso, hoje, que a escola trabalhe na promoção da mudança de paradig- ma, ou melhor, que deixe de excluir de suas salas de aula, visto que ao longo da sua história suas relações são com uma estrutura social discriminatória e seletiva, como grande aliada na homogeneização dos sujeitos por um padrão e excludente dos que não se enquadram. Não é comum que se destaque na escola para o repro- cessar das ideias e sua ressignificação por parte dos agentes escolares. Há dificul- dades de pôr em movimento propostas e significá-las no dia a dia escolar. Apontaremos como a escola poderá contribuir para a reconstrução da cultu- ra na sala de aula. Vamos mostrar, em primeiro lugar, que isso ocorre valorizando o aluno enquanto ser único, estimulando a autoestima, o autoconhecimento por meio de atividades como contos e histórias da arte. Partindo-se do pressuposto que, para viver em paz e com qualidade é necessário estar em equilíbrio consigo mesmo, aceitando os seus defeitos, capacidades, potencialidades e limitações. É responsabilidade da escola construir esse novo paradigmaque considere a identidade, a subjetividade, as diferenças e as necessidades de cada pessoa, pois o individualismo vem marcando constantemente as relações humanas, tanto dentro quanto fora da escola, fato que acaba por gerar situações de conflito. Sendo assim, é da competência da escola ser promotora de atitudes e situações que possibilitem o repensar da vida em sociedade e finalmente, que os agentes escolares (professor, diretor, pedagogo, funcionários) busquem atitudes para harmonizar-se no contex- to escolar e na sociedade, respeitando tudo que existe ao seu redor. 35916_MIOLO_O curriculo e a Educacao Especial.indb 20 19/02/2014 10:03:04 Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br Aprendizagem escolar – a reconstrução da cultura na sala de aula 21 A partir desse apontamento, o professor torna-se capaz de trabalhar com qualquer aluno, capacitando-o a conviver em harmonia com as diferenças, uma vez que a proposição de uma educação inclusiva aceita e valoriza a diferença, pois é a partir dela que crescemos, nos afirmamos e nos constituímos como sujeitos. Sob esta ótica, o projeto educativo inclusivo valoriza o trabalho em equipe e rejeita a competição, respeitando os diferentes modos de aprender, ritmos, interes- ses, desejos e concepções de mundo e mostrando ao aluno que o uso dos valores e de uma postura de paz são bases essenciais para a construção de uma cidadania digna, consciente e cooperativa. Segundo Silva (1999, p. 139), [...] tal como a educação, as outras instâncias também são pedagógicas, também têm uma pedagogia, também ensinam alguma coisa. Tanto a educação quanto a cultura, em geral, es- tão envolvidas em processos de transformação da identidade e da subjetividade [...] É dessa perspectiva que os processos escolares se tornam comparáveis aos processos de sistemas culturais extraescolares, como os programas de televisão ou as exposições de museus. Isso quer dizer que tanto do ponto de vista pedagógico como cultural, não se trata apenas de informar, mas trata-se de formas de conhecimento que influen- ciarão o comportamento das pessoas de maneiras cruciais e até vitais. A turma como espaço relacional (ESTRELA, 1994, p. 48-50) O grupo-classe Uma turma é um grupo formal que obedece a características especiais: o grupo não se constituiu de forma voluntária; os fins que unem seus membros são igualmente impostos; o grupo tem um líder formal oficialmente designado. No entanto, no seio desse grupo formal geram-se grupos informais determinados por razões de vizinhança ou por afinidades várias, e dentro desses grupos, verificam- -se os fenômenos relacionais próprios dos pequenos grupos, como luta pela liderança, emergência de líderes informais, pressão para a conformidade, procura de fins comuns que assegurem a coesão e a moral do grupo, existência de bodes expiatórios sobre os quais se descarrega a frustração e a agres- sividade do grupo, rivalidade entre os grupos [...] Entre os membros do grupo há partilha de papéis, o que gera expectativas. Instituem-se redes de comunicação, criam-se normas. Na vida de uma turma há, portanto, um fervilhar de fenômenos relacionais que poderão explicar a disciplina ou a indisciplina na aula. Se a moral e a produtividade do grupo dependem do interesse suscitado pela prossecução dos fins estipulados, a inadequação dos fins propostos, ou a falta de moti- vação dos alunos para atingi-los, pode originar situações de frustração e de descontentamento que se expressam por meio da agressividade, da fuga ao trabalho ou da apatia. Esse mal-estar pode voltar-se contra os colegas ou contra o professor. E se o grupo ganhar coesão nos seus sentimentos negativos pode tirar o máximo efeito da lei do número (Festinger e Newcombe) sem que haja necessidade de um instigador para desencadear a descarga dos sentimentos negativos. Daí a importância da ade- 35916_MIOLO_O curriculo e a Educacao Especial.indb 21 19/02/2014 10:03:04 Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br Aprendizagem escolar – a reconstrução da cultura na sala de aula 22 quação do currículo às necessidades e interesses dos alunos, da planificação cuidada, da variação de estímulos e de projetos motivadores capazes de suscitar entusiasmo e de canalizar a energia do grupo para a produção de trabalho e para a realização de níveis elevados de aspiração. A emergência de normas de conduta é um aspecto importante da vida dos grupos, pois, ao criarem as condições de funcionamento harmonioso do grupo, submetem a vontade particular à vontade geral e criam sentimentos de solidariedade e de pertença. Quando as regras são impostas por vontade do líder sem consulta ou negociação com os membros do grupo, elas podem gerar conflito, contestação e originar o aparecimento de outras regras informais. O aparecimento des- sas regras informais é particularmente relevante em grupos de adolescentes, contribuindo para a constituição de um espírito de grupo ou de gang que, por vezes, constitui uma mística. Talcott Parsons (1974) põe em relevo a cisão que se opera numa turma entre os alunos que se identificam com o líder formal, que é o professor, e aqueles que se identificam com os seus colegas, o que pre- nuncia o futuro escolar dos alunos. Os alunos que se identificam com os colegas tenderão a unir-se e a criar as suas próprias regras, que se opõem claramente àquelas estabelecidas pelo professor, originando obstruções sistemáticas no plano das comunicações da aula (por exemplo, por meio de interrupções despropositadas, de perguntas constantes e fora do contexto) e obstrução do trabalho (por exemplo, recusa do trabalho de casa). A vida do grupo depende ainda do estilo de liderança. São bem conhecidos os trabalhos de Lippitt e White (1967) sobre os efeitos provocados num grupo de crianças em situação extra- escolar, pelo que nos limitamos a lembrar que sob um estilo de laissez-faire as crianças brincavam e conversavam, produzindo pouco; um líder autocrático originava apatia e dependência ou um má- ximo de hostilidade em relação ao líder e aos bodes expiatórios, enquanto que o líder democrático gerava maior interesse pelo trabalho e estimulava a cooperação. Kahn e Katz (1967) sugerem que a capacidade do supervisor de exercer um papel diferenciado, o grau de delegação de poderes, o grau de orientação para o empregado e a coesão do grupo são as quatro variáveis que, nas organi- zações, estão em relação com a produtividade e a moral do grupo. French e Raven (1967), definindo o poder como influência, e a influência como força capaz de induzir transformações, consideram que a influência que se pode exercer sobre alguém pode ter as seguintes bases: poder de recompensa, poder coercivo, poder legítimo, poder de referência, poder de perito. Cada tipo de poder pode gerar efeitos diferentes. Assim, por exemplo, a coerção origina a diminuição da atração em relação ao detentor do poder, enquanto que o poder legítimo diminui a resistência ao poder. Se quisermos transpor estes princípios para o campo da “turma”, verificamos que o poder do professor pode assentar em todas estas bases. Mas, em função do que foi dito anteriormente sobre a natureza do ato pedagógico, parece-me que o seu poder baseia-se essencialmente no poder legítimo, porque ele é de fato a autoridade por delegação social e no po- der de perito, dada a sua função de transmissão cultural. E o poder de perito, pela sua competência científica e pedagógica, será tanto mais importante quanto mais elevado é o grau de ensino. Estas bases do poder que decorrem da natureza do ato pedagógico vão aliás ao encontro das representações dos alunos sobre o professor, de que falaremos adiante. É claro que o poder de referência, suscitando a identificaçãodos alunos à sua pessoa, e o poder de recompensa poderão facilitar e fortalecer o exercício do seu poder, enquanto que o poder coercivo só será necessário quando falham as outras bases do poder. A análise da vida da turma por intermédio da dinâmica de grupos tem dado origem a várias obras. Entre elas, e pela sua utilidade para o professor, destaco a de Vayer e Roncin (1981) e a de Barry e Johnson (1970), que faz a síntese dos elementos da investigação neste campo que podem 35916_MIOLO_O curriculo e a Educacao Especial.indb 22 19/02/2014 10:03:04 Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br Aprendizagem escolar – a reconstrução da cultura na sala de aula 23 ser úteis para o diagnóstico dos problemas de indisciplina e para o qual remetemos o leitor. Em- bora não seja uma obra recente, continua a ser uma das que explora de um modo mais sistemático a possível aplicação dos princípios da dinâmica de grupos à sala de aula. Note-se, porém, que essa aplicação é dedutiva e que carecemos de trabalhos experimentais dentro da sala de aula que demonstrem que a especificidade das situações pedagógicas não produz alterações em princípios que foram verificados em situações diferentes das situações de ensino. Por isso, nas páginas que se seguem, faremos uma análise de alguns aspectos da vida das turmas que têm sido nelas estudadas e que atendem às características específicas dos fenômenos pedagógicos, começando por analisar o sistema de comunicações na aula. A turma e a comunicação instrumental do saber Todo ato pedagógico é essencialmente um ato de comunicação visando induzir a aprendiza- gem de um saber. Está, portanto, ao serviço de uma produção social de caráter muito particular, com as suas finalidades e objetivos determinados, a curto e a longo prazo, revestindo-se assim de um caráter instrumental. O lugar central ocupado por esta produção como cerne do processo pedagógico implica a criação de condições favoráveis e, portanto, a manipulação das variáveis ambientais (tempos, espaços, materiais e recursos de toda a ordem) que possam tornar mais eficaz todo o processo. Daí o artificialismo das situações pedagógicas, criadas e modificadas constan- temente de acordo com os objetivos específicos do momento, artificialismo que é bem visível no plano das comunicações da sala de aula. Efetivamente, a criação de condições favoráveis à transmissão/recepção do saber explica o caráter arbitrário e convencional do quadro normativo que regula a comunicação na aula, assim como explica o artificialismo de algumas formas e códigos de comunicação que subvertem aque- les que são usualmente aceites na vida comum. Pensa-se, como exemplo mais típico, na situação criada pela utilização do chamado método expositivo/interrogativo. Ao contrário do que acontece na vida comum, é aquele que detém a informação e não aquele que a procura, que sobre ela faz perguntas a quem supostamente não a detém e que pode, inclusive, não estar interessado em adquiri-la. Algo de semelhante se passa com alguns códigos utilizados na sala de aula. Se os códigos têm sempre um caráter convencional, esses códigos são convenções de valor muito restrito, pois não ultrapassam as suas paredes e não funcionam fora dela. Se eles podem contribuir para a criação daquilo que Bernstein designa como cultura expressiva da escola, podem também criar condições de marginalidade àqueles que a eles não aderem. Com efeito, esses códigos pressupõem não só acordos expressos como tácitos, que dificultam a adaptação do aluno à escola, pela dificuldade em compreendê-los, aceitá-los e interrogá-los. E quanto mais desfavorecido for o meio sociocultural de origem, maior dificuldade o aluno terá em captar a sutileza dos códigos tácitos da aula. Cria-se assim mais uma dificuldade a juntar àquela que provém da utilização pelo professor de códigos elaborados que o aluno não compreende, gerando-se, portanto, situações de incomunicabilidade fomentadoras do desinteresse e da indisciplina do aluno. A dificuldade que o aluno oriundo de meios desfavorecidos tem em se situar em relação aos códigos verbais revela-se também em relação aos códigos paraverbais e não verbais, havendo alunos que têm dificuldade em interpretar as diferentes significações do tom de voz, do olhar, do contato físico e do silêncio do professor em função de diferentes contextos. A partir da observação de aulas de vários graus de ensino, tenho notado que há alunos que não reagem às intervenções disciplinares do professor quando elas se exprimem de forma não verbal, o que muitas vezes é 35916_MIOLO_O curriculo e a Educacao Especial.indb 23 19/02/2014 10:03:05 Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br Aprendizagem escolar – a reconstrução da cultura na sala de aula 24 interpretado por este como um sinal de insolência. Por outro lado, tenho recolhido registros de in- cidentes disciplinares provocados pela interpretação ofensiva que o professor faz de certos gestos dos alunos, gestos que têm significado diferente em função do meio social de pertença. As regras pedagógicas impostas ou negociadas pelo professor enquanto agente norma- tivo (por inerência da delegação social que recebeu para exercer a sua função educativa) de- terminam e circunscrevem as condições gerais e específicas em que deve decorrer o processo pedagógico e especificam algumas características da produção que se transformam em crité- rios da sua avaliação (por exemplo, uma composição sem erros, bem estruturada logicamente e com boa apresentação gráfica). 1. Qual é a interferência do meio cultural sobre o desenvolvimento da cada aluno? 2. Qual é o papel do educador para criar um ambiente relacional propício para o processo de ensi- nar e de aprender? 35916_MIOLO_O curriculo e a Educacao Especial.indb 24 19/02/2014 10:03:05 Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br Aprendizagem escolar – a reconstrução da cultura na sala de aula 25 3. Apresente uma reflexão sobre os textos complementares e a música proposta para a conclusão deste capítulo. A Paz (DONATO; GIL, 2004) A paz invadiu meu coração, De repente me encheu de paz, Como se o vento de um tufão Arrancasse meus pés do chão Onde eu já não me enterro mais. A paz fez um mar da revolução Invadir meu destino, a paz Como aquela grande explosão, Uma bomba sobre o Japão Fez nascer um Japão na paz. Eu pensei em mim, eu pensei em ti, Eu chorei por nós, Que contradição, só a guerra faz Nosso amor em paz. Eu vim, vim parar na beira do cais Onde a estrada chegou ao fim, Onde o fim da tarde é lilás, Onde o mar arrebenta em mim O lamento de tantos ais... 35916_MIOLO_O curriculo e a Educacao Especial.indb 25 19/02/2014 10:03:05 Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br Aprendizagem escolar – a reconstrução da cultura na sala de aula 26 35916_MIOLO_O curriculo e a Educacao Especial.indb 26 19/02/2014 10:03:05 Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br 27 Os fundamentos do currículo – desenvolvimento, cultura, escolarização e educação Marcos Antonio Cordiolli Humanização, cultura e desenvolvimento – a humanidade como seres com necessidades O s seres humanos por não serem autossuficientes, estabelecem relações entre si e com a na-tureza para satisfazerem as suas necessidades.[...] para viver, é preciso antes de tudo comer, beber, ter habitação, vestir-se e alguma coisa mais. O primeiro ato histórico é, portanto, a produção dos meios que permitam a satisfação dessasnecessidades, a produção da própria vida material; e de fato este é um ato histórico, uma condição fundamental de toda a história, que ainda hoje, como há milhares de anos, deve ser cumprido todos os dias e todas as horas, simplesmente para manter os homens vivos. (MARX & ENGELS, 1989, p. 39) As ações materiais e culturais para satisfação das necessidades dos seres humanos provo- cam o surgimento de novas necessidades, pois “[...] satisfeita esta primeira necessidade, a ação de satisfazê-la e o instrumento de satisfação já adquirido conduzem a novas necessidades” (MARX & ENGELS, 1989, p. 40). Os seres humanos possuem a distinta faculdade de criar, recriar e desenvolver necessidades, enquanto que, para os demais animais, as necessidades estão determinadas, de maneira geral, por fatores genéticos e biológicos. Mas, os seres humanos podem constituir diferentes necessidades em função de determinações sociais, de classe, de cultura, de tempo e de espaço, como o de uma bebida requintada, um automóvel, um aparelho eletrônico ou uma peça de vestuário. Teleologia e objetivação – as diferentes atividades humanas (físicas e mentais) possuem sentido/finalidade, intenção preconcebida, que se organiza com objetivo/alvo determinado, ou seja, com teleologia, com finalidades e intenções preconcebidas, e dessa maneira, são objetivações. As ações humanas expressam-se em modificações – a produção implica em modificação (de algo) e não apenas “a criação de algo do nada” – e quem trabalha também se modifica em contato com o que deseja, planeja, pensa e aprende com o outro. Tudo que é produzido/objetivado implica em teleologia e sempre modifica o ser humano. Subjetivação – os seres humanos, em suas atividades, são levados a dispor de seu cérebro, mentalizando as suas ações (planejando-as, organizando-as, avaliando-as) desenvolvendo a capacidade de compreender e explicar a realidade. Ao agir sobre a natureza os seres humanos desenvolveram (e desenvolvem) as suas capacidades mentais que permitem am- pliar a capacidade de intervenção sobre a natureza. Os seres humanos preconcebem a imagem mental de tudo que planejam executar, e toda atividade humana é um processo de mentalização e, portanto, de subjetivação. Assim, amplia-se a capacidade de pensamento e criação, que permite as diferentes manifestações da cultura e do real e as possibilidades de criar, recriar e desmontar o real e o simbólico. 35916_MIOLO_O curriculo e a Educacao Especial.indb 27 19/02/2014 10:03:05 Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br Os fundamentos do currículo – desenvolvimento, cultura, escolarização e educação 28 Linguagens e signos – as ações humanas e suas relações, mesmo as mais simples, contam com a experiência acumulada e são dotadas de signifi- cado. O mundo humano é carregado de significados e todas as objetiva- ções demandam um sistema simbólico específico – conjuntos de signos e linguagens articuladas que operam com repertórios finitos/limitados de recursos fonéticos e simbólicos, possibilitando infinitas combinações fônicas e semânticas. Tecnologia – as ações humanas, para satisfazer as suas necessidades, implicam na produção de tecnologia constituindo tanto os instrumentos como os saberes e técnicas. O trabalho humano, nesse sentido, é uma ob- jetivação privilegiada, pois quando essa é material, produz instrumentos e, quando simbólica, produz conhecimentos. Ação coletiva – os seres humanos, para satisfazer as suas necessidades, consti tuem novas mediações com a natureza e nas relações entre si, pois requerem a associação de indivíduos para uma ação coletiva, como o plantio, a pesca, a pecuária etc. A humanização do ser humano vai além da mediação de sua relação com a natureza por meio dos saberes, téc- nicas e instrumentos e expressa-se na ampliação da vida cultural pela ação coletiva, socialização e interação, gerando os padrões de família e parentesco e de comunidade, sociedade e civilização. Socialização dos saberes e experiências – a vida em sociedade cons- titui também processos formativos, pois os seres humanos elaboram a sua humanização espelhando-se uns nos outros, adotando, portanto, os parâmetros culturais daqueles com os quais mantêm relações. A vida em sociedade possibilita a socialização dos saberes e das experiências acu- muladas com aqueles que não sabem ou sabem de outra maneira (ou para os que não são experientes ou que possuem experiências distintas). A socialização da cultura humana ocorre por processo de interação em ambientes culturais – manifesta em ações educativas explícitas ou implí- citas – formando as novas gerações da espécie, em toda a sua dimensão – valores; padrões de conduta e regras morais; linguagens e códigos; padrões cognitivos; tecnologias e saberes; padrões estéticos; hábitos e crenças – constituindo identidades, ou seja, formas determinadas de ver e sentir o mundo. Cultura – as relações sociais criam e recriam ambientes culturais nos quais os seres humanos relacionam-se e, portanto, produzem e reprodu- zem novas relações sociais. É em sociedade que os seres humanos de- senvolvem as atividades e exercem a sua criatividade e suas capacidades de imaginar/fantasiar o mundo. Mesmo que não produzam bens mate- riais, as suas ideias, projetos, manifestações e relações, sendo formas culturais diversas, produzem cultura. Este ambiente de produção cultural é o espaço, que permite as condições potenciais para novas criações ou recriações, mas que impõe limites à práxis humana. 35916_MIOLO_O curriculo e a Educacao Especial.indb 28 19/02/2014 10:03:05 Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br Os fundamentos do currículo – desenvolvimento, cultura, escolarização e educação 29 Desenvolvimento humano – para Vygotsky (1989), as ações humanas, dotadas de teleologia, representam a supremacia da cultura no processo em que os elementos da inteligência prática vão se revestindo de sig- nos, isto é, de cultura. A “[…] atividade simbólica [constitui-se em] uma função organizadora específica que invade o processo do uso de instru- mentos e produz formas fundamentalmente novas de comportamento” (VYGOTSKY, 1989, p. 27). Isso implica a ligação da filogênese com a ontogênese humana, pois o controle da natureza estabelece-se dialetica- mente com o controle do comportamento, sendo que a intervenção do ser humano na natureza altera a sua própria natureza. Assim, o processo de internalização da real implica num processo interpessoal que se converte em processo intrapessoal ocorrendo numa longa série de eventos no pró- prio processo de desenvolvimento. Nesse sentido, o comportamento, na sua forma cultural, implica na “reconstrução da atividade psicológica tendo como base as operações com signo” (VYGOTSKY, 1989, p. 65). A educação e a formação A formação humana é caracterizada pelos processos de socialização e inte- ração que promovem a constituição da identidade dos seres humanos, a forma de ver e sentir o mundo, em sintonia com o seu ambiente cultural. Portanto, constitui os alicerces básicos para todas as atividades da vida humana, dotando os indiví- duos de características fundamentais que constituem o seu caráter, mentalidade e cultura. A formação relaciona-se aos processos de constituição, reelaboração e ressignificação de valores e padrões de conduta, que ocorre fundamentalmente pela e na interação entre os seres humanos em suas vidas cotidianas. A educação, por outro lado, é também característica cultural de nossa espé- cie, com pelo menos duas funções básicas: de inserção das novas gerações na cultura da comunidade a que pertencem; de socialização dos novos elementos culturais. A cultura humana expressa valores, padrõesde conduta e regras morais, linguagens e códigos, padrões cognitivos, tecnologias e saberes, padrões esté- ticos, hábitos e crenças. As constituições dos elementos culturais ocorrem pela interação nos grupos de convívio e pelas influências de instituições de formação humana com as quais os seres humanos convivem por toda a vida, como a família, a igreja, a escola, os grupos de convívio, associações várias, as mídias etc. Os processos de ensino-aprendizagem constituem uma das dimensões da educação, incluindo-se entre os processos de socialização nos quais alguém que sabe mais se relaciona com outro que sabe menos ou sabe de forma diferente. Aquele – o que ensina – passa a ser o promotor do processo de aprendizagem ao orientar/organizar situações de reprodução, reflexão, transmissão ou produção de saberes. Os processos de ensino-aprendizagem, portanto, não ocorrem apenas em 35916_MIOLO_O curriculo e a Educacao Especial.indb 29 19/02/2014 10:03:05 Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br Os fundamentos do currículo – desenvolvimento, cultura, escolarização e educação 30 instituições escolares, mas em todos os espaços sociais, no quais os seres huma- nos interagem com a troca de saberes, tecnologias, habilidades, mitos etc. A escolarização A escolarização forma processo restrito entre as atividades culturais huma- nas, sendo que só recentemente, há menos de um século, passou a ser frequentada por parcelas significativas da população. A instituição escolar é também um espaço de relação cultural entre diversas gerações, particularmente entre experientes e/ou com pouca experiência ou inex- perientes, possibilitando os processos nos quais os seres humanos educam e são educados, incorporando e transformando a cultura de suas comunidades. A escola é fundamentalmente um processo institucionalizado, portanto com objetivação, e sistêmico, com espaços, tempos, regras e processos definidos. Como instituição social, caracteriza-se por efetivar processos organizados e dirigidos para o ensino-aprendizagem. A instituição escolar possui uma cultura própria que não se desvincula da sociedade na qual está inserida, mas que possui autonomia para promover mudanças dentro das possibi lidades e limites que dispõe. A escola, em suas particularidades, parece viver sempre na tensão que opõe: as possibilidades e desejos de se renovar e refazer, e o peso da tradição que também é sempre presente com intensa força em seu interior. As heranças da cultura pedagógica brasileira A cultura escolar brasileira é muito ampla e diversificada, tem importantes experiências e ampla variedade de modelos de práticas didáticas, mas padece de heranças pedagógicas tradicionais, que produziram o modelo de educação mas- sificador e rotinizado. Este modelo que serviu para atender grande número de alunos e alunas utilizando-se dos mesmos instrumentos pedagógicos, ajudou a conceber as bases culturais conservadoras para a educação fundadamentada em: concepções conservadoras de educação, oriunda dos sistemas europeus feudais e renascentistas, nos quais a educação escolar decorreria do do- mínio de saberes enciclopedistas com base de suposta erudição; concepções instrumentais de escolarização, pois seriam supostamente essas habilidades mais imediatas requeridas pela organização social do trabalho capitalista, sendo que, no momento atual de reestruturação pro- dutiva, incorpora algumas habilidades comportamentais, também de ca- ráter procedimental; concepções segmentadas de aprendizagem, acreditando que os proces- sos e situações de aprendizagem e formação seriam individualizados e especificados. 35916_MIOLO_O curriculo e a Educacao Especial.indb 30 19/02/2014 10:03:05 Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br Os fundamentos do currículo – desenvolvimento, cultura, escolarização e educação 31 As propostas curriculares brasileiras, como resultado dessas concepções conservadoras, são extremamente homogêneas e tradicionais, com poucas ou raras variações, caracterizadas pela seriação, diretivismo, meritocracia, individualismo e massificação. Resistem a mudanças, encontrando apoio para a sua sobrevida em pensadores educacionais importantes, em grande parte dos professores e também nos pais dos estudantes, refletindo que a cultura pedagógica conservadora ainda está profundamente enraizada na população brasileira. As experiências significativas fora do modelo hegemônico, embora restri- tas, ocorreram na educação popular (a partir da década de 1950), nas pequenas escolas autodenominadas “alternativas” (a partir da década de 1980) e em redes públicas de educação (a partir dos anos 1990). A cultura escolar brasileira ainda continua influenciada pelo modelo da “escola-funil”, forjado a partir da década de 1950, quando efetivamente as insti- tuições escolares se abriram de forma gradativa para receber parcelas cada vez maiores das classes populares. No entanto, dados oficiais, do início da década de 80, apontavam que apenas um aluno a cada 100 que ingressam na escola, conse- guia atingir 11 anos de escolarização e concluir o antigo 2.º Grau. Os alunos eram gradativamente excluídos da escola ao longo dos 11 anos dos antigos 1.º e 2.º Graus, pelo modelo de escolarização, que priorizou o tipo de aulas e práticas pedagógicas padronizadas, em que o professor ministrava a mes- ma aula para diversas turmas (e todas elas com grande número de alunos). Os pro- cessos pedagógicos eram todos diretivistas, cabendo à escola definir o que e como ensinar e estabelecendo também os padrões de avaliação: o aluno que progredia era aquele que melhor se adaptasse aos processos escolares e não necessariamente aquele que aprendesse mais ou que fosse mais crítico. Dessa maneira, cabia ao aluno adaptar-se ao modelo escolar. O resultado deste modelo ainda presente expõe a situação de várias gera- ções de alunos que concluíram a Educação Básica com sérias dificuldades de leitura, argumentação e produção de texto; de organização do pensamento; e de capacidade de compreender a realidade na qual está inserido. Os motivos deste problema seguramente podem incluir, entre outros, o fato de que as instituições escolares priorizaram sempre as atividades individualistas, que representavam mais um “mérito” do aluno, do que o compromisso coletivo com a aprendizagem. Aos alunos transferiu-se a responsabilidade de obter êxito na aprendizagem e de adaptação ao modelo escolar, enquanto as instituições escolares estavam se des- responsabilizando com seus objetivos e pelos seus frequentadores. O desafio da geração atual de educadores é o de desmontar a “escola-funil”, que é excludente com seus padrões de normalidade. Possuem, também o desafio de construir uma nova escola, para que os alunos não mais precisem se preparar para ela, mas que ela se prepare para os alunos. 35916_MIOLO_O curriculo e a Educacao Especial.indb 31 19/02/2014 10:03:05 Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br Os fundamentos do currículo – desenvolvimento, cultura, escolarização e educação 32 1. Após a leitura do texto, escolha pontos que você considerou importantes em cada subitem. De- pois reúnam-se em trios para debater: a) Humanização, cultura e desenvolvimento. b) A educação e a formação. c) A escolarização. d) As heranças da cultura pedagógica brasileira. 2. Compare essa parte retirada do texto com os fundamentos do currículo da sua escola. Os processos de ensino-aprendizagem constituem uma das dimensões da educação, incluindo-se entre os pro- cessos de socialização, nos quais alguém que sabe mais se relaciona com outro que sabe menos
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