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Maria Luiza Sena – Med XIV FASA A definição comum de diarreia é a eliminação excessivamente frequente de fezes moles ou malformadas. A queixa da diarreia é inespecífica e pode estar relacionada com alguns fatores fisiológicos e patológicos. A diarreia pode ser aguda ou crônica e tem como causa agentes infecciosos, intolerância alimentar, fármacos ou doença intestinal. As diarreias agudas com menos de 4 dias de duração são causadas principalmente por agentes infecciosos e têm evolução autolimitada. Como manifestação clínica, a diarreia pode ser descrita como diminuição na consistência das fezes, fezes que causam urgência ou desconforto abdominal ou aumento na frequência de defecação. ❖ A diarreia é definida pelo peso ou volume das fezes determinados ao longo de 24-72hs -> o peso diário das fezes de crianças e adultos é inferior a 200g e pesos maiores das fezes são uma definição objetiva de diarreia. FISIOPATOLOGIA DA DIARREIA Quer seja uma refeição hipotônica ou uma refeição hipertônica, o volume da refeição é aumentado pelas secreções gástricas, pancreáticas, biliares e duodenais. Fisiologicamente, a absorção de nutrientes e líquidos excede essa secreção, e o ID tem predominância neste processo. ❖ ID recebe aproximadamente 10L de líquidos por dia, absorve cerca de 6L no jejuno e 2,5L no íleo. O cólon recebe do delgado em torno de 1,5L, e apenas 100mL são eliminados nas fezes. A capacidade absortiva total do cólon é de 4-5L/24hs e, quando essa quantidade é ultrapassada, surge a diarreia. O principal mecanismo pelo qual a água é absorvida e secretada se faz segundo o gradiente osmótico criado pelo transporte ativo do Na -> o Na é absorvido associado ao Cl ou a alguns nutrientes. A absorção de Na+/Cl- pelas vilosidades leva a água passivamente através da mucosa -> isso se dá pela menor concentração de Na no interior do enterócito em relação à luz intestinal. ❖ Essa via é inibida pelo cAMP e GMPc, que sofrem estimulação da adenilciclase e guanilciclase do enterócito -> essas enzimas podem ser ativadas pelas toxinas bacterianas. A absorção acoplada de Na+ com glicose, galactose e aminoácidos é ativa e não sofre influência dos agentes infecciosos, por isso é utilizado para restaurar as perdas nas diarreias infecciosas. A secreção entérica depende da secreção ativa de Cl-, que se acompanha da eliminação de Na+ e H2O para o lúmen intestinal pelas células das criptas. Assim, a água acompanha o movimento do Na+, e a absorção se faz pelas células do ápice das vilosidades, enquanto a secreção é realizada pelas células das criptas. Diversos agentes estimulam a secreção ou inibem a absorção, como as prostaglandinas, o peptídeo vasoativo intestinal (VIP) e o peptídeo calmodulina, enquanto as encefalinas atuam no sentido de estimular a absorção de água e eletrólitos. No cólon, há vários mecanismos de transporte de Na, através dos quais ocorre a absorção de água. A absorção e a secreção acontecem concomitantemente com predomínio do conteúdo absorvido -> a diminuição da absorção ou aumento da secreção, ou alteração de ambas, produzem diarreia. Muitos microrganismos alteram o equilíbrio de absorção e secreção no ID e são capazes de provocar diarreia -> alguns produzem enterotoxinas que ativam o mecanismo secretor e outros, por alterarem as vilosidades, prejudicam a absorção. No íleo distal e cólon, a diarreia é causada principalmente por invasão e destruição do epitélio, que resulta em ulceração, infiltrado da submucosa com eliminação de soro e sangue. Além disso, podem estimular resposta inflamatória local, que resulta na produção de vários secretagogos, como prostaglandinas e interleucinas. DIARREIA OSMÓTICA Ocorre por acúmulo de solutos osmoticamente ativos não absorvidos no lúmen intestinal. Assim, ocorre retenção de líquidos intraluminais e, consequentemente, diarreia. É a partir desse mesmo mecanismo que funcionam os laxativos. DIARREIA SECRETORA Resulta da hipersecreção de água e eletrólitos pelo enterócito, como ocorre pela ação das enteroxinas bacterianas. Pode também resultar da produção excessiva de hormônios e outros secretagogos, como no gastrinoma (gastrina), na síndrome carcinoide (serotonina, prostaglandinas e calcitonina), na cólera pancreática (VIPomas), no adenoma viloso, na insuficiência adrenal e no hipoparatireoidismo. Há um distúrbio no processo hidroeletrolítico pela mucosa intestinal, por meio do aumento de secreção de íons e água para o lúmen ou inibição da absorção por meio de drogas/toxinas. É o tipo de diarreia provocada por Escherichia coli enterotoxigênica, Vibrio cholerae e Salmonella sp. ! Diferente da osmótica, tem um gap osmolar baixo, não melhora com jejum e é responsável por um grande volume de fezes aquosas. DIARREIA INFLAMATÓRIA/EXSUDATIVA Decorre de enfermidades causadas por lesões da mucosa resultantes de processos inflamatórios ou infiltrativos, que podem levar a perdas de sangue, muco e pus, com aumento do volume e fluidez das fezes. APG 07 - DOENÇAS DIARREICAS Maria Luiza Sena – Med XIV FASA É encontrada nas DII, neoplasias, shigelose, colite pseudomembranosa e lifangiectasia intestinal. Pode ter alteração laboratorial da calprotectina ou lactoferrina fecal. DIARREIA FUNCIONAL Nesse tipo de diarreia, a absorção e secreção estão normais, porém não há tempo suficiente para ocorrer a absorção desses nutrientes corretamente. Ocorre por hipermotilidade intestinal. Resulta de alterações motoras com trânsito intestinal acelerado, como ocorre nas enterocolopatias funcionais ou doenças metabólicas e endócrinas (ex.: DM). Surge também por redução da área absortiva. DIARREIA DISABSORTIVA Resulta de deficiências digestivas e lesões parietais do ID que impedem a correta digestão/absorção. Pode causar diarreia com esteatorreia e resíduos alimentares. Acontece na DC, Crohn, doença de Whipple, giardíase, estrongiloidíase e linfoma intestinal. DIARREIA AGUDA Diarreias agudas persistem por menos de 2-3 semanas ou, raramente, de 6-8 semanas. A causa mais comum de diarreia aguda é infecção. É a diarreia que começa subitamente, geralmente causada por agentes infecciosos. As diarreias agudas são subdivididas em não inflamatórias (volumes grandes) e inflamatórias (volumes pequenos) com base nas características das fezes diarreias. Patógenos entéricos causam diarreia por vários mecanismos. ❖ Alguns desses patógenos não são invasivos e não provocam inflamação, já outros invadem e destroem células epiteliais, alterando o transporte de líquidos, o que faz com que a atividade secretória continua, mas a absortiva é interrompida. DIARREIA NÃO INFLAMATÓRIA Está associada a eliminação de fezes líquidas volumosas, mas sem sangue, com cólicas periumbilicais, distensão abdominal por gases, náuseas e vômitos. Em muitos casos, esse tipo de diarreia é causada por bactérias produtoras de toxinas ou outros patógenos que interrompem a absorção ou o processo secretório normal do ID. Vômitos abundantes surgem em enterite viral ou intoxicação alimentar por S. aureus. Embora geralmente seja branda, a diarreia pode ser volumosa e causar desidratação com hipopotassemia e acidose metabólica. Como não há invasão tecidual, não há leucócitos nas fezes. DIARREIA INFLAMATÓRIA Caracteriza-se por febre e diarreia sanguinolenta (disenteria). É causada pela invasão das células intestinais ou toxinas associadas às infecções por Clostridium difficile ou Escherichia coli. Como as infecções relacionadas a esses microrganismos afetam predominantemente o IG, a eliminação de fezes é frequente, as fezes têm volume pequeno e a defecação está associada a cólicas no QIE, urgência para defecar e tenesmo. ! A disenteria infecciosa deve ser diferenciada da colite ulcerativa aguda, que pode causar diarreia sanguinolenta, febree dor abdominal. Diarreia que persiste por 14 dias não pode ser atribuída a patógenos bacterianos (exceto C. difficile), e o paciente deve ser avaliado a procura de outra causa diarreica crônica. EPIDEMIOLOGIA A prevalência mundial dessa afecção é de 3-5 bilhões de casos/ano, associada a 5-10 milhões de morte/ano. Brasil -> entre os anos de 2007 e 2015, foram registrados cerca de 35.000 casos de diarreia aguda e, entre 2017-2018 foram notificados junto ao MS cerca de 10 milhões de casos, sendo que aproximadamente 2 milhões destes acometeram menores de 5 anos de idade em todo o país. Segundo a OMS, doenças diarreicas são a 2ª principal causa de morte em crianças < 5 anos, e a diarreia aguda é uma das principais causas de morbimortalidade infantil (< 1 ano). A doença diarreica ocorre com uma frequência básica em países com recursos limitados, sobreposta a casos epidêmicos de diarreia, seja disenteria ou diarreia aquosa. As epidemias são geralmente devidas a Shigella dysenteriae sorotipo I e Vibrio cholerae. ! Diarreia aguda está entre as principais causas de desnutrição em crianças menores que 5 anos. ETIOLOGIA E ETIOPATOG ENIA VIRAL Rotavírus Foi o primeiro agente identificado como importante causa de gastrenterite viral, principalmente em crianças entre 6 meses e 2 anos, mas os adultos também podem ser atingidos. É o agente viral mais comum como causa de gastrenterite endêmica. Maria Luiza Sena – Med XIV FASA Após a inoculação do vírus, há encurtamento de vilosidades da mucosa do duodeno e do jejuno, nas quais encontra-se grande infiltrado de linfócitos. Crianças -> reagem de modo variado. A febre (1-2 dias) geralmente é baixa e os vômitos (até o 3º dia) precedem a diarreia. O número de evacuações pode ser de 8 ou mais por dia. A duração média da gastrenterite é de 8 dias, mas pode haver crises mais prolongadas. ❖ A doença aguda é associada à diminuição dos níveis das enzimas da borda em escova da mucosa, como maltase, sacarase e lactase, com consequente má ́absorção e presença de substâncias redutoras nas fezes. Adultos -> rotavírus pode ser o agente causal da diarreia dos viajantes. Os sintomas são similares, com vômitos menos intensos. A infecção viral tem normalmente evolução autolimitada e deve ser tratada com medidas para o alívio dos sintomas e terapêutica de suporte -> reidratação VO/IV. ! No Brasil, a partir de 2006, a vacina contra rotavírus foi incluída no calendário vacinal da criança, a qual é administrada aos 2 e 4 meses de vida. BACTERIANA Staphylococcus aureus Resulta de alimentos submetidos à cocção inadequada ou mal refrigerados, que constituem fonte ideal para a proliferação de agentes infecciosos e de rápida produção de toxinas. Os pacientes podem apresentar náuseas, vômitos intensos, cólicas e diarreia aquosa. Podem evoluir para desidratação aguda e choque hipovolêmico. Em geral, a diarreia é autolimitada e cessa dentro de algumas horas. ❖ Tratamento -> reposição hidroeletrolítica VO e sintomáticos, mas casos graves exigem hidratação IV. Clostridium botulinum A toxina produzida por essa bactéria causa o botulismo e resulta da ingestão de enlatados, peixes crus, mel, que contenham toxina pré- formada, esporos ou a própria bactéria -> embora possa ser destruída por fervura durante 10min, a toxina botulínica é a mais potente toxina alimentar. A clínica depende da quantidade de toxina ingerida e da resistência do hospedeiro. Assim, os sintomas podem ser discretos ou intensos, e levar ao óbito em poucas horas. Período de incubação -> 12-72hs. ❖ Náuseas, vômitos e diarreia, que se associam com repercussões neurológicas e se assemelham ao efeito do curare. ❖ O tratamento específico é com antitoxina e medidas de suporte; o paciente pode necessitar de respiração assistida. Clostridium perfingens Essa bactéria produz enterotoxinas que causa diarreia aguda e autolimitada. Tem origem em diversos tipos de alimentos contaminados, em especial carnes de aves e de gado. Diferente da intoxicação por S. aureus, essa intoxicação predomina no inverno, mas o quadro clínico e os cuidados terapêuticos são semelhantes. Escherichia coli É uma das bactérias que interagem com a flora bacteriana do intestino, mas, quando alguma cepa sofre alterações genéticas, pode tornar-se patogênica -> TGI e vias urinárias são seus alvos preferidos. O tratamento de uma forma geral visa a estabilização clínica com reposição hidroeletrolítica e uso de sintomáticos. Em casos mais intensos, antibioticoterapia pode ser necessária. E. coli enterotoxigênica -> produz duas toxinas (termotábil e termoestável) que causam aumento na secreção de água e eletrólitos e inibição da absorção destes, com desencadeamento de diarreia aquosa. ❖ Sintomas: náuseas, diarreia aquosa e vômitos – o quadro pode durar cerca de 24h ou estender-se para 4-5 dias. E. coli enteropatogênica -> as bactérias aderem e destroem as microvilosidades, reduzindo, assim, a área absortiva. Está associada a casos esporádicos de diarreia, principalmente de RN. Os quadros mais graves apresentam vômitos e desidratação. E. coli êntero-hemorrágica -> em 90% dos casos, cursa com diarreia sanguinolenta, podendo iniciar com quadro mais branco e tornar- se hemorrágica. Os sintomas declinam com 5-10 dias. E. coli enteroinvasiva -> tem como característica a habilidade de invadir as células do epitélio intestinal, multiplicar dentro delas e atingir as adjacentes, produzindo pequenas ulcerações. A diarreia é pouco frequente. ❖ Pode apresentar apenas diarreia aquosa, mas pode evoluir com quadro febril, fezes sanguinolenta, cólicas e tenesmo. E. coli enteroagregativa -> sabe-se que ela produz inflamação intestinal e induz a liberação de IL-8 pelas células do epitélio intestinal. A diarreia é desencadeada pelas bactérias ao se agregarem ao epitélio intestinal. Diarreia dos viajantes É definida como diarreia infecciosa aguda que acomete indivíduos que viajam de área industrializada com boas condições de higiene para outras com piores condições sanitárias. ❖ No Brasil, com desigualdade social entre regiões, essa diarreia também pode acometer viajantes. Maria Luiza Sena – Med XIV FASA Inicia-se de modo abrupto, com 4-6 evacuações por dia, associadas a cólicas e náuseas. É autolimitada, mas pode ser progressiva, evoluindo para disenteria e, até mesmo, para diarreia crônica. Pode ser causada por bactérias em 80% dos casos, e Escherichia coli enterotoxigênica é a principal causa na América Latina. O tratamento deve seguir os mesmos parâmetros, reservando-se a prescrição de antibióticos para os casos graves e com diarreia prolongada. Shigella É a causa mais comum de diarreia bacteriana em todo o mundo. É uma bactéria resistente à ação do ácido clorídrico; por isso, mesmo em pequeno número, passa pelo estômago e tem acesso ao ID, onde se multiplicam e chegam ao cólon, onde exerce sua ação patogênica. É a causadora da disenteria clássica, que consiste em febre, cólicas, diarreia com muco e sangue. Vômitos são pouco frequentes. O quadro clínico característico inicia com febre, anorexia, mal-estar e diarreia aquosa e, depois, fezes com muco e sangue e tenesmo. O número de evacuações varia de 8-10 por dia, mas pode ser mais frequente e em volume pequeno. Há perda pouco expressiva de líquidos, o que é característica das infecções do cólon. Salmonella Salmonella é um bacilo gram-negativo que coloniza ou infecta o ser humano. A infecção por este bacilo pode causar: gastrenterite, febre entérica, bacteriemia e infecção endovascular, infecção focal ou estado de portador crônico assintomático. Clostridium difficile É uma bactéria gram-positiva, anaeróbia, considerada a principal responsável pela enterocolite pseudomembranosa. É responsável por 50-70% das diarreiasnosocomiais associadas ao uso de antibióticos e que ocorrem até 6 semanas após sua administração. O quadro clínico varia de portadores assintomáticos, formas discretas e autolimitadas até formas fulminantes. A apresentação característica é de diarreia aquosa, com 10-12 evacuações por dia, por vezes com raias de sangue. Pode haver distensão abdominal com descompressão dolorosa. PROTOZOÁRIA Cryptosporidium parvum É uma importante causa de doença diarreica aguda. O uso rotineiro de cloro na água de beber é ineficaz para matar os oocistos (forma infectante desse protozoário). Bezerros são fonte de infecção humana, por isso, o consumo de leite de vaca não pasteurizado pode causar infecção. No hospedeiro, a replicação do parasita ocorre principalmente na borda apical do enterócito, no jejuno baixo e íleo, podendo observar atrofia vilositária variável no ponto de aderência -> quando grande quantidade desse protozoário está presente no intestino, é possível reduzir a superfície intestinal disponível para absorção. A diarreia ocorre por conta da má absorção por atrofia das vilosidades, com consequente redução da área de absorção e da atividade das dissacarídases. Após período de incubação, o indivíduo começa a apresentar diarreia aquosa, de odor fétido, sem muco ou com sangue. Hymenolepis nana É uma helmintíase intestinal causada por cestoides. A transmissão se dá pela ingestão de ovos embrionados, os quais liberam larvas que aderem à parede do ID, onde maturam até o verme adulto. Clinicamente, o paciente apresenta diarreia, às vezes com muco, dor abdominal em cólica, meteorismo, anorexia, perda de peso e cefaleia. Trichuris trichiura Parasita comum em regiões quentes e úmidas. A transmissão ocorre a partir da ingestão de ovos embrionados. As larvas amadurecem no ID e migram para o cólon proximal. Nas infecções graves, os vermes podem ser encontrados do íleo terminal ao reto, tornando a mucosa edematosa, friável e com facilidade de sangramentos. Dependendo da carga de parasitas, a infecção pode ser assintomática ou associada com diarreia, em geral crônica, disenteria ou retardo de crescimento. Se a infecção é exclusivamente luminar, não há sintomas. Se a carga de parasitas é pequena, o indivíduo pode apresentar desconforto e distensão abdominal, náusea, flatulência e diarreia. A disenteria é comum e clássica nas crianças com intensa carga parasitária. A diarreia é profusa, sanguinolenta, com muco e pus, acompanhada por anorexia, perda de peso, dor epigástrica, cólicas, vômitos, flatulência, tenesmo, urgência e prolapso retal, característico dessa síndrome; as crianças são frequentemente de baixo peso, anêmicas e malnutridas. Ancylostoma duodenale e Necator americanus A infecção ocorre por via percutânea, durante o contato com solo. Maria Luiza Sena – Med XIV FASA Durante a fase intestinal da infecção, os parasitas adultos aderem à mucosa duodenal, onde causam danos mecânicos e químicos. Por causa das lesões mecânicas, surge diarreia, em geral leve, raramente com sangue, dores abdominais, às vezes no epigástrio, anorexia, náuseas e vômitos, anemia, com melena presente nos casos graves. Strongyloides stercoralis A infecção ocorre a partir da penetração de larvas filarioides através da pele; A transmissão por via oral, a partir da ingestão de larvas, é mais rara. Após o ciclo pulmonar, o verme chega ao duodeno e jejuno sob a forma adulta. Nos indivíduos imunocompetentes, a estrongiloidíase pura, não complicada é, em geral, uma infecção assintomática e não causa diarreia. No entanto, existe a possibilidade de hiperinfecção, que ocorre quando o indivíduo é infectado por um número excessivo de larvas filarioides. Quando a infecção é disseminada e ocorre dano em todo o trato gastrintestinal, a diarreia resultante terá componentes osmótico, exsudativo, motor e bacteriano. No intestino delgado, os parasitas adultos podem causar 3 tipos de lesões: enterite catarral (secreção mucoide abundante recobrindo a mucosa), enterite edematosa (espessamento da parede intestinal e achatamento das dobras mucosas devido à edema da submucosa) e enterite ulcerativa (rigidez da parede intestinal por edema e fibrose secundários à inflamação prolongada com a mucosa podendo apresentar atrofia, erosões e ulcerações). Podem ocorrer episódios curtos de diarreia intercalados com constipação intestinal. A diarreia usualmente consiste de fezes semiformadas, sem sangue. MANIFESTAÇÕES CLÍNI CAS As manifestações clínicas da diarreia aguda é bastante semelhante, independente do agente causador. Em alguns casos, podem ocorrer algumas diferenças. DIARREIA INFLAMATÓRIA Apresenta um espectro clínico mais grave. É causada por agentes que afetam preferencialmente o íleo e cólon, promovendo ruptura do revestimento mucoso e perda de soro, hemácias e leucócitos para o lúmen. Manifesta-se por diarreia, em geral de pequeno volume, com muco, pus/sangue, febre, dor abdominal predominante no QIE, tenesmo, dor retal. Algumas vezes, apresenta diarreia aquosa, que só́ mais tarde se converte em típica diarreia inflamatória, quando os microrganismos ou suas toxinas lesam a mucosa colônica. DIARREIA NÃO INFLAMATÓRIA É, em geral, moderada, mas pode provocar grandes perdas de volume. Causada habitualmente por vírus ou bactérias produtoras de enterotoxinas e afeta preferencialmente o ID. Os microrganismos aderem ao epitélio intestinal sem destruí-́lo, determinando diarreia secretora, com fezes aquosas, de grande volume e sem sangue; pode estar associada a náuseas e vômitos. As cólicas, quando presentes, são discretas, precedendo as exonerações intestinais. Relato de boca seca e sede, diurese concentrada, oligúria, associados a achados ao exame físico de pele e mucosas desidratadas e hipotensão postural com taquicardia, demonstram desidratação e sua gravidade. Sinais de alerta -> febre alta, taquipneia, vasodilatação periférica com hipotensão e pulsos rápidos e finos. DIAGNÓSTICO Na maioria dos casos, a avaliação clínica é suficiente para definição diagnóstica e para determinar a gravidade do quadro. O estado imunológico do hospedeiro também é importante na conduta diagnóstica e terapêutica. EXAMES LABORATORIAIS Hemograma -> nas formas mais graves da diarreia aguda, pode-se encontrar anemia e hemoconcentração. ❖ Diarreias virais -> linfocitose. ❖ Diarreias bacterianas -> leucocitose com neutrofilia e desvio à esquerda. Função renal e eletrólitos -> há elevação da creatinina por conta da desidratação que causa hipovolemia e altera a perfusão renal. Urina também eleva. ESTUDO DAS FEZES Leucócitos fecais -> identifica processos inflamatórios. A presença de polimorfonucleares por si só não caracteriza diarreia infecciosa, pois são encontrados em outras afecções do ID também. Coprocultura -> deve ser reservada para os casos suspeitos de diarreia infecciosa por bactérias invasivas, na presença de sangue oculto e leucócitos fecais. Pesquisa de toxinas e antígenos de patógenos -> as toxinas podem ser identificadas por ELISA, comprovando a presença de infecção pelo microrganismo. Na infecção por rotavírus, é a melhor forma de confirmar. ❖ Também pode ser usado PCR para a pesquisa de antígeno nas fezes -> alto custo. Maria Luiza Sena – Med XIV FASA EXAMES DE IMAGEM Rx simples do abdome -> nos casos mais graves, é útil para avaliar complicações, como íleo paralítico e megacólon tóxico. Endoscopia -> retossigmoidoscopia flexível deve ser feita nos pacientes com clínica de proctite e, também, se há suspeita de colite pseudomembranosa. Nesses casos, a biopsia é importante para excluir doença inflamatória intestinal. TRATAMENTO As metas para o tratamento da diarreia incluem reposição de líquido, agentes antidiarreicos, suporte nutricionale terapia antimicrobiana, quando indicada. Como a morte de pacientes com diarreia aguda é causada por desidratação, a primeira tarefa é avaliar o grau de desidratação e repor os déficits hidroeletrolíticos. REPOSIÇÃO HÍDRICA Pacientes muito desidratados devem ser tratados com lactato de Ringer ou solução salina IV, com potássio e bicarbonato adicionais conforme necessário. As soluções de reidratação oral, são efetivas porque contêm sódio, açúcares e, frequentemente, aminoácidos que usam transportadores de absorção de sódio dependentes de nutrientes. ! Em pacientes alertas com desidratação leve a moderada, a SRO é tão efetiva quanto a hidratação intravenosa para reparar as perdas de líquido e eletrólitos. ❖ Lactentes e crianças -> 50-100 mℓ/kg por 4-6hs. ❖ Adultos -> podem precisar beber 1.000 mℓ/h. As soluções glicosadas, embora sejam efetivas na reidratação do paciente, podem piorar a diarreia. Ao contrário das soluções glicosadas, as soluções poliméricas à base de arroz reduzem a diarreia em vítimas de cólera. ❖ Essas soluções podem não diminuir a produção de fezes na diarreia aguda, mas irão efetivamente reidratar o paciente apesar da continuação da diarreia. Após a reidratação ter sido realizada, as soluções de reidratação oral são administradas em taxas iguais à perda de fezes mais perdas insensíveis até que a diarreia cesse. REDUÇÃO DA DIARREIA O subsalicilato de bismuto (525 mg VO a cada 30 minutos a 1 hora por cinco doses, pode repetir no dia 2) é seguro e efetivo em diarreias infecciosas bacterianas. O opiáceo loperamida é seguro na diarreia aguda ou do viajante, desde que não seja administrado a pacientes com disenteria (febre alta, com sangue ou pus nas fezes), e especialmente quando administrado concomitantemente com antibióticos efetivos. Uma combinação de loperamida (2 mg VO, 4x/dia) mais simeticona (125 mg VO, 4x/dia) pode reduzir as cólicas abdominais e a duração da diarreia do viajante. Racecadotrila (100 mg VO, 3x/dia em adultos, 1,5 mg/kg VO, 3x/dia em crianças), um inibidor da encefalinase intestinal que é antissecretor, mas não paralisa a motilidade intestinal, é efetivo no tratamento da diarreia aguda em crianças e adultos. Alguns alimentos ou substâncias derivadas de alimentos (bananas verdes, pectinas, zinco) reduzem o volume ou a duração da diarreia em crianças. A suplementação de zinco (20 mg de zinco elementar VO, 1x/dia) é efetiva na prevenção de recorrências de diarreia em crianças desnutridas; a deficiência de cobre é uma complicação potencial da terapia prolongada com zinco. ANTIBIÓTICOS Fluoroquinolonas (ciprofloxacino, 500 mg VO, 2x/dia durante 1-3 dias, ou levofloxacino, 500 mg VO, por 1-3 dias) são os tratamentos de escolha quando os antibióticos são indicados. Sulfametoxazol-trimetoprima (800 mg SMX + 160 mg de TMP VO, 2x/dia durante 5 dias ou 2 comprimidos de 400 mg SMX + 80 mg de TMP VO, 2x/dia 5 dias) é a terapia de segunda linha. Se o complexo de sintomas sugerir infecção por Campylobacter, deve-se adicionar azitromicina (500 mg/dia VO, 3 dias). Determinadas diarreias infecciosas devem ser tratadas com antibióticos, incluindo aquelas associadas à shigelose, cólera, enterocolite pseudomembranosa, infestações parasitárias e IST. Diarreia do viajante -> ciprofloxacino (500 mg VO, 2x/dia 3 dias) é um tratamento efetivo. Azitromicina (500 mg VO no dia 1 e 250 mg/dia VO por 4 dias) pode ser uma opção efetiva para cepas resistentes de Shigella e Campylobacter. Se houver suspeita de C. difficile, metronidazol (250 mg VO, 4x/dia ou 500 mg VO, 3x/dia durante 10 dias) ou vancomicina oral (125 a 250 mg VO, 4x/dia durante 10 dias) devem ser prescritos. Maria Luiza Sena – Med XIV FASA A diarreia induzida por antibióticos causada por outros microrganismos que não C. difficile é geralmente leve e autolimitada, desaparecendo espontaneamente ou em resposta à terapia com colestiramina (4g VO, 4x/dia durante 2 semanas). DIARREIA CRÔNICA A diarreia é considerada crônica quando os sintomas persistem por 4 semanas ou mais. Está frequentemente associada aos distúrbios como DII, síndromes de má absorção, doenças endócrinas ou colite pós-irradiação. Existem 4 grupos principais de diarreia crônica: ❖ Conteúdo intraluminal hiperosmótico. ❖ Aumento dos processos secretórios do intestino. ❖ Doenças inflamatórias. ❖ Processos infecciosos. EPIDEMIOLOGIA Estima-se que 5% da população dos EUA sofra de diarreia crônica, e aproximadamente 40% desses indivíduos têm > 60 anos. Uma aproximação razoável, baseada apenas no aumento da frequência das fezes, é que a diarreia crônica afeta aproximadamente 3-5 % da população em algum momento da vida. ETIOLOGIA E ETIOPATOGENIA ESTEATORREIA A má absorção de lipídeos pode induzir diarreia com fezes gordurosas de odor fétido e difícil de escoar, frequentemente associada a emagrecimento e deficiências nutricionais decorrentes da má absorção concomitante de aminoácidos e vitaminas. O aumento do débito fecal é causado pelos efeitos osmóticos dos ácidos graxos, especialmente depois da hidroxilação bacteriana e, em menor extensão, pela carga de lipídeos neutros. A esteatorreia é definida como nível de gordura fecal superior à taxa normal de 7g/dia; a diarreia de trânsito rápido pode resultar em gordura fecal de até 14g/dia. Podem causar esteatorreia: Má digestão intraluminal -> distúrbio que resulta mais comumente da insuficiência pancreática exócrina, que ocorre quando > 90% da função secretora pancreática são perdidos. Outras causas são fibrose cística e obstrução do ducto pancreático. ❖ A proliferação bacteriana excessiva no ID pode desconjugar os ácidos biliares e alterar a formação dos micélios, dificultando a digestão das gorduras. Má absorção na mucosa -> pode ser atribuída a diversas enteropatias, mas ocorre com mais frequência por conta da DC. OUTRAS ETIOLOGIAS As principais causas de diarreia crônica são SII, DII, síndrome de má́ absorção e infecção crônica. ❖ Esta última, é mais relevante em regiões de condições sanitárias inadequadas, com possibilidade de infecções bacterianas, por protozoários ou helmintos. Portadores de imunodeficiências apresentam frequentemente diarreia associada a infecções oportunistas crônicas. O câncer colorretal pode apresentar-se com diarreia crônica, habitualmente com sinais de perda de sangue. Uso de medicamentos também deve ser investigado -> algumas drogas têm efeito secretório direto no ID e cólon. O uso excessivo de dissacarídeos não absorvíveis, como o sorbitol, em dietas com restrição de açúcar pode causar diarreia osmótica à semelhança de laxativos, como o manitol e o sulfato de magnésio. Tumores neuroendócrinos produtores de neurotransmissores com ação secretora, como o VIP (peptídio vasoativo intestinal) nos VIPomas e a serotonina na síndrome carcinoide, estão associados à diarreia crônica e intensa. Em países subdesenvolvidos, a diarreia crônica é frequentemente causada por infecções crônicas bacterianas, micobacterianas e parasitárias, embora distúrbios funcionais, má absorção e doença inflamatória intestinal também sejam comuns. ❖ Algumas infecções persistentes (C. difficile, Aeromonas, Plesiomonas, Campylobacter, Giardia, A meba, Cryptosporidium, doença de Whipple e Cyclospora) podem estar associadas à diarreia crônica. Microsporidium deve ser considerado em pacientes imunocomprometidos com diarreia persistente. MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS Pacientes com má absorção podem apresentar várias manifestações gastrintestinais ou extraintestinais. Má absorção significativa de gordura e carboidrato geralmente causa diarreia crônica, cólicas abdominais, flatulência, distensão abdominal e perda de peso. A esteatorreia (gordura nas fezes) manifesta-se como fezes oleosas e com odor desagradável, que são difíceisde dar descarga no vaso sanitário. As fezes podem ser grandes e volumosas (insuficiência pancreática) ou líquidas (crescimento excessivo de bactérias, doenças da mucosa). Indivíduos com má absorção também podem apresentar manifestações de deficiências de vitaminas e minerais. A dispneia pode ser causada por anemia ferropriva, cobre, folato ou vitamina B12. As manifestações de má absorção de cálcio, magnésio ou vitamina D incluem parestesias e tetania resultantes de hipocalcemia ou hipomagnesemia e dor óssea por osteomalácia ou fraturas relacionadas com a osteoporose. Maria Luiza Sena – Med XIV FASA Parestesias e ataxia são manifestações de deficiência de cobalamina e vitamina E. A neuropatia também pode ser consequente à desnutrição ou deficiência de cobre. As diarreias inflamatórias podem se manifestar com febre e dor abdominal ou com edema para sugerir perda crônica de proteínas. Os pacientes podem ter múltiplos episódios de eliminação de fezes com sangue, de baixo volume e tenesmo para sugerir proctite ou diarreia grave como resultado da doença do enxerto versus hospedeiro ou DC. DIAGNÓSTICO A anamnese e o exame físico detalhados levam ao diagnóstico em 25-50% dos pacientes com diarreias crônicas. O relato de 10-20 evacuações diárias que não respondem ao jejum sugere diarreia secretora. ❖ A avaliação da má absorção começa com uma investigação cuidadosa dos hábitos intestinais, descrição das fezes, perda de peso, viagens, tolerância alimentar ou ao leite, doenças gastrintestinais, pancreáticas ou hepáticas subjacentes, cirurgia abdominal, radioterapia ou quimioterapia, história familiar e uso de medicamentos e de álcool. EXAMES DE SANGUE A determinação dos níveis sanguíneos de ferro, folato e vitamina B12, do tempo de protrombina e dos níveis sanguíneos de outras vitaminas lipossolúveis ajuda a avaliar a má absorção. Pesquisa de anticorpos específicos deve ser solicitada quando houver suspeita de DC. Achados de sangue periférico de leucocitose, eosinofilia, velocidade de hemossedimentação ou PCR elevada, hipoalbuminemia ou proteína sérica total baixa sugerem diarreia inflamatória, cuja marca registrada é a presença de sangue, macroscópico ou oculto, e leucócitos ou calprotectina nas fezes. EXAMES DE IMAGEM A má absorção pode ser sugerida se uma radiografia simples do abdome mostrar calcificação pancreática. Algumas doenças podem ser mostradas por TC ou RM do abdome após a administração de contraste orais ou por SEED (seriografia esôfago-estômago- duodeno). A cintilografia com octreotida marcada com índio-111 pode ser útil na localização de gastrinomas, tumores endócrinos pancreáticos e tumores carcinoides. ENDOSCOPIA E BIÓPSIA A EDA com biopsias duodenais distais deve ser realizada se exames sorológicos para DC forem positivos ou se indícios diagnósticos sugerirem má absorção da mucosa do ID. Os pacientes com diarreia líquida grave ou de origem indeterminada devem fazer uma colonoscopia para investigar adenomas vilosos, colite microscópica, mastocitose ou doença inflamatória intestinal precoce. TRATAMENTO O tratamento depende da etiologia específica e pode ser curativo, supressor ou empírico. Em muitos distúrbios crônicos, a diarreia pode ser controlada por supressão do mecanismo subjacente. Exemplos são a eliminação da lactose alimentar para deficiência de lactase ou glúten para espru celíaco, uso de glicocorticoide ou outros anti-inflamatórios para DII idiopática, etc. Quando não se consegue diagnosticar a causa ou o mecanismo específico da diarreia crônica, o tratamento empírico pode ser eficaz. ❖ Os opiáceos fracos como o difenoxilato ou a loperamida são frequentemente valiosos na diarreia aquosa leve ou moderada. Para os pacientes com diarreia mais grave, a codeína ou a tintura de ópio pode ser benéfica. ! Esses agentes antimotilidade devem ser evitados na DII grave, porque poderiam precipitar megacólon tóxico. A clonidina pode permitir o controle da diarreia diabética. Os antagonistas do receptor 5-HT3 podem aliviar a diarreia e a urgência dos pacientes com diarreia associada à SII. Outros fármacos aprovados para o tratamento da diarreia associada à SII são rifaximina e eluxadolina. ❖ Eluxadolina pode provocar espasmo do esfíncter de Oddi e pancreatite aguda subsequente, geralmente nos pacientes submetidos à colecistectomia no passado. Em todos os pacientes com diarreia crônica, a reposição hidroeletrolítica é um componente importante do tratamento. A reposição de vitaminas lipossolúveis também pode ser necessária aos pacientes com esteatorreia crônica.