Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
Apg 7 – Diarreia 1- Entender a diarreia aguda e crônica, bem como sua epidemiologia, etiologia, fisiopatologia, exames de diagnóstico e tratamento. 2- Compreender os mecanismos fisiopatológicos da diarreia osmótica, secretória, inflamatpria, disabsortiva e funcional. A definição comum de diarreia é eliminação excessivamente frequente de fezes moles ou malformadas. A queixa de diarreia é inespecífica e pode estar relacionada com alguns fatores fisiológicos e patológicos. A diarreia pode ser aguda ou crônica e tem como causa agentes infecciosos, intolerância alimentar, fármacos ou doença intestinal. As diarreias agudas com menos de 4 dias de duração são causadas principalmente por agentes infecciosos e têm evolução autolimitada. Diarreia aguda A diarreia que começa subitamente e persiste por menos de 2 semanas geralmente é causada por agentes infecciosos (enterocolite). As diarreias agudas frequentemente são subdivididas em não inflamatórias (volumes grandes) e inflamatórias (volumes pequenos) com base nas características das fezes diarreicas. Patógenos entéricos causam diarreia por vários mecanismos. Alguns não são invasivos e não provocam inflamação, mas secretam toxinas que estimulam a secreção de líquidos. Outros invadem e destroem as células epiteliais e, deste modo, alteram o transporte de líquidos, de modo que a atividade secretória continua, mas a atividade absortiva é interrompida. Diarreia não inflamatoria A diarreia não inflamatória está associada à eliminação de fezes líquidas volumosas, mas sem sangue; cólicas periumbilicais, distensão abdominal por gases; e náuseas ou vômitos. Em muitos casos, esse tipo de diarreia é causado por bactérias produtoras de toxinas (p. ex., S. aureus,115 E. coli enterotoxigênica, Cryptosporidium parvum, Vibrio cholerae) ou outros patógenos (p. ex., vírus, Giardia) que interrompem a absorção ou o processo secretório normal do intestino delgado. Vômitos abundantes sugerem enterite viral ou intoxicação alimentar por S. aureus. Embora geralmente seja branda, a diarreia (que se origina do intestino delgado) pode ser volumosa e causar desidratação com hipopotassemia e acidose metabólica (i. e., cólera). Como não há invasão dos tecidos, também não há leucócitos nas fezes. Diarreia inflamatória A diarreia inflamatória geralmente se caracteriza por febre e diarreia sanguinolenta (disenteria). Esse tipo de diarreia é causado pela invasão das células intestinais (p. ex., Shigella, Salmonella, Yersinia e Campylobacter) ou toxinas associadas às infecções descritas antes por C. difficile ou E. coli O157:H7. Como as infecções associadas a esses microrganismos afetam predominantemente o intestino grosso, a eliminação de fezes é frequente, as fezes têm volume pequeno e a defecação está associada a cólicas no quadrante inferior esquerdo do abdome, urgência para defecar e tenesmo. A disenteria infecciosa deve ser diferenciada da colite ulcerativa aguda, que pode causar diarreia sanguinolenta, febre e dor abdominal. Diarreia que persiste por 14 dias não pode ser atribuída a patógenos bacterianos (exceto C. difficile) e o paciente deve ser avaliado a procura de outra causa de diarreia crônica. Diarreia crônica A diarreia é considerada crônica quando os sintomas persistem por 4 semanas ou mais. A diarreia crônica está associada frequentemente aos distúrbios como DII, SCI, síndromes de má absorção, doenças endócrinas (hipertireoidismo, neuropatia autônoma diabética) ou colite pós-irradiação. Existem quatro grupos principais de diarreia crônica: conteúdo intraluminal hiperosmótico; aumento dos processos secretórios do intestino; doenças inflamatórias; e processos infecciosos. Diarreia hiperosmótica: Catarticos salinos Deficiencia de lactase Diarreia secretória: Diarreia infecciosa aguda Incapacidade de absorver sais biliares Má absorção de gorduras Abuso crônico de laxantes Síndrome carcinoide Síndrome de Zollinger-Ellison Impactação fecal Doença intestinal inflamatória: Doença de Crohn Colite ulcerativa Doença infeciosa: Shigelose Salmonelose Cóllon irritável A diarreia factícia é causada pelo uso indiscriminado de laxantes ou pela ingestão excessiva de alimentos laxativos. Diarreia osmótica Com a diarreia osmótica, a água é atraída para dentro do lúmen intestinal pela concentração hiperosmótica do seu conteúdo, a tal volume que o cólon não consegue reabsorver o excesso de líquido. Em pessoas com deficiencia de lactase, a intolerância à lactose se deve à ausência da enzima lactase no intestino delgado para degradar a lactose em glicose e galactose. A atividade inadequada de lactase possibilita que a lactose chegue ao intestino grosso. A flora no intestino grosso constitui uma via de resgaste para a digestão de lactose que é clivada em ácidos graxos de cadeia curta e gás, principalmente hidrogênio (H2), dióxido de carbono (CO2) e metano (CH4). A lactose não digerida pode provocar diarreia osmótica; os produtos de sua digestão bacteriana podem provocar diarreia secretória e distensão intestinal por gás, eventos que provavelmente provocam sintomas. A intolerância à lactose se caracteriza por sinais/sintomas abdominais (p. ex., náuseas, distensão abdominal e dor) após a ingestão de laticínios. Os sais de magnésio no leite de magnésia e em alguns antiácidos não são bem absorvidos e causam diarreia quando são ingeridos em quantidades expressivas. Outra causa de diarreia crônica é a redução do tempo de trânsito, que interfere na absorção. Em geral, a diarreia osmótica regride com a suspensão da ingestão alimentar. Diarreia secretória A diarreia secretória ocorre quando os processos secretórios do intestino estão exacerbados. Esse tipo de diarreia também ocorre quando ácidos biliares em excesso permanecem no conteúdo intestinal à medida que chegam ao cólon. Isso acontece frequentemente com as doenças do íleo, porque os sais biliares são absorvidos neste segmento intestinal. Também pode ocorrer quando há proliferação bacteriana excessiva no intestino delgado, interferindo na absorção da bile. Alguns tumores (p. ex., síndrome de Zollinger-Ellison e síndrome carcinoide) produzem hormônios, que aumentam a atividade secretória do intestino. Diarreia inflamatória A diarreia inflamatória está associada comumente à inflamação aguda ou crônica, ou a uma doença intrínseca do intestino grosso, inclusive colite ulcerativa ou doença de Crohn. Em geral, a diarreia inflamatória evidencia-se por aumento da frequência e urgência para defecar e dor abdominal em caráter em cólica. Em muitos casos, a defecação se acompanha de tenesmo (i. e., esforço doloroso para defecar), incontinência fecal e despertar durante a noite com desejo urgente de defecar. Infecções parasitárias persistentes podem causar diarreia crônica por alguns mecanismos. Os patógenos associados mais comumente à diarreia crônica incluem os protozoários Giardia, E. histolytica e Cyclospora. Pacientes imunossuprimidos são especialmente suscetíveis aos agentes infecciosos causadores de diarreias agudas e crônicas, inclusive Cryptosporidium, citomegalovírus (CMV) e complexo Mycobacterium avium-intracellulare. Causas esteatorreicas (Diarreia disabsortiva) A má absorção de lipídeos pode induzir diarreia com fezes gordurosas de odor fétido e difíceis de escoar, frequentemente associada a emagrecimento e deficiências nutricionais decorrentes da má absorção concomitante de aminoácidos e vitaminas. O aumento do débito fecal é causado pelos efeitos osmóticos dos ácidos graxos, especialmente depois da hidroxilação bacteriana e, em menor extensão, pela carga de lipídeos neutros. Em termos quantitativos, a esteatorreia é definida como nível de gordura fecal superiorà taxa normal de 7 g/dia; a diarreia de trânsito rápido pode resultar em gordura fecal de até 14 g/dia; a gordura fecal diária alcança em média 15 a 25 g nas doenças do intestino delgado e, em geral, é > 32 g na insuficiência pancreática exócrina. Má digestão intraluminal, má absorção da mucosa ou obstrução linfática pode causar esteatorreia. Diarreia associada a distúrbios da motilidade Um trânsito rápido pode acompanhar muitas diarreias como fenômeno secundário ou contribuinte, mas o distúrbio primário da motilidade intestinal é uma etiologia incomum de diarreia verdadeira. Com frequência, as anormalidades fecais sugerem diarreia secretora, mas a esteatorreia leve de até 14 g de lipídeos por dia pode ser induzida por má digestão secundária apenas de um trânsito rápido. Hipertireoidismo, síndrome carcinoide e certos fármacos (p. ex., prostaglandinas, agentes procinéticos) podem causar hipermotilidade com resultante diarreia. As neuromiopatias viscerais primárias ou a pseudo-obstrução intestinal adquirida idiopática pode ocasionar estase com proliferação bacteriana secundária, que causa diarreia. A diarreia diabética, frequentemente acompanhada de neuropatias autonômicas periféricas e generalizadas, pode ser parcialmente atribuída ao distúrbio da motilidade intestinal. A SII é extremamente comum (prevalência pontual de 10%, incidência de 1-2% ao ano) e caracteriza-se por anormalidades das respostas sensitivas e motoras dos intestinos delgado e grosso a diversos estímulos. Em geral, os sintomas associados ao aumento da frequência das evacuações geralmente desaparecem à noite, alternam com períodos de constipação, são acompanhados de dor abdominal aliviada com a defecação e raramente resultam em perda de peso. “Diarreia funcional: Nesse tipo de diarreia, a absorção e secreção estão normais, porém não há tempo suficiente para ocorrer a absorção desses nutrientes corretamente. Ocorre por hipermotilidade intestinal. Exemplos: síndrome do intestino irritável e diarreia diabética (neuropatia autonômica).” Diagnóstico e tratamento O diagnóstico da diarreia baseia-se nas queixas de defecação frequente e no relato de fatores associados, inclusive doenças coexistentes, uso de fármacos e exposição a possíveis patógenos intestinais. Os distúrbios como DII e doença celíaca devem ser considerados. Quando o início da diarreia está relacionado com uma viagem ao exterior, deve-se considerar a possibilidade de diarreia do viajante. Embora a maioria das diarreias agudas seja autolimitada e não requeira tratamento, a diarreia pode ser especialmente grave nos lactentes e nas crianças pequenas, nos pacientes com doenças coexistentes, nos idosos e nos indivíduos previamente saudáveis quando se estende por períodos longos. Desse modo, a reposição de líquidos e eletrólitos é incluída como um dos objetivos do tratamento da diarreia. Os fármacos usados para tratar diarreia incluem difenoxilato e loperamida, que são derivados opioides. Esses fármacos reduzem a motilidade GI e estimulam a absorção de água e eletrólitos. As preparações adsorventes como o caulim e a pectina adsorvem substâncias irritantes e toxinas do intestino. Esses ingredientes são incluídos em algumas preparações antidiarreicas de venda livre, porque adsorvem as toxinas responsáveis por alguns tipos de diarreia. O subsalicilato de bismuto pode ser usado para reduzir a frequência de eliminação de fezes malformadas e aumentar a consistência das fezes, principalmente nos casos de diarreia do viajante. Esse fármaco parece inibir a secreção intestinal causada por E. coli enterotoxigênica e pelas toxinas da cólera. Os fármacos antidiarreicos não devem ser usados por pacientes com diarreia sanguinolenta, febre alta ou sinais de toxemia em vista do risco de agravarem a doença. Os antibióticos devem ser reservados para pacientes com patógenos entéricos confirmados. Doença diarreica aguda em crianças. Apesar do sucesso global na redução da taxa de mortalidade por causa de diarreia nos últimos 30 anos, diarreia ainda é a segunda principal causa de morte por infecções em crianças com menos de 5 anos de idade em todo o planeta. Estima-se que diarreia tenha sido responsável por 9,9% das 6,9 milhões de mortes de crianças com menos de 5 anos de idade em 2011. Embora as doenças diarreicas sejam menos prevalentes nos EUA que em outros países, elas acarretam ônus significativo ao sistema de saúde do país. Diarreia também é a causa principal de desnutrição infantil e acomete mais comumente crianças com menos de 2 anos de idade. As causas da diarreia aguda em crianças variam com a localização geográfica, a época do ano e a população estudada. Uma constatação crescente é a de que tem ocorrido ampliação da gama de patógenos entéricos causadores de diarreia aguda na população pediátrica. Os vírus são os patógenos que mais comumente causam doença diarreica na infância. Os rotavírus e os norovírus são patógenos isolados frequentemente. Outros vírus detectados nas fezes das crianças são astrovírus e adenovírus entéricos. Alguns desses patógenos são transmitidos facilmente pelos alimentos e pela água, ou de um paciente para outro. Prevenção ainda é a medida mais fundamental para controlar as doenças diarreicas infantis. Entre as medidas importantes para evitar disseminação dos patógenos estão técnicas higiênicas adequadas para o processamento e a preparação dos alimentos; suprimentos de água tratada; higiene adequada das mãos; afastamento dos pacientes infectados das atividades de manuseio de alimentos ou cuidados de saúde; e impedimento de que pacientes com diarreia utilizem águas recreativas públicas (i. e., piscinas, lagos e lagoas). Os objetivos principais da abordagem a uma criança com diarreia aguda são avaliar a gravidade da desidratação, evitar disseminação da infecção, determinar o tipo de agente etiológico e, se necessário, fornecer tratamento específico. O estado de hidratação das crianças pode ser avaliado com base em sinais e sintomas facilmente observados. Perguntas sobre ingestão oral, frequência de defecação, volume das fezes, aspecto geral e nível de atividade da criança e frequência das micções fornecem informações essenciais quanto à hidratação. Sede, mucosas secas e turgor cutâneo reduzido são sinais e sintomas comuns de desidratação.Também é importante obter informações como frequência às creches, viagem recente a uma área endêmica de diarreia, uso de antimicrobianos, exposição à água contaminada ou a frutas ou vegetais não lavados, ou carnes malcozidas, porque isto pode indicar a causa da diarreia. Febre sugere um processo inflamatório, mas também está associada à desidratação. O tratamento da desidratação continua sendo a medida fundamental para estabilização das crianças com diarreia. Em especial, os lactentes são mais suscetíveis à desidratação em razão de sua superfície corporal mais ampla, taxa metabólica maior e incapacidade de concentrar eficazmente a urina. O tratamento de reposição oral (TRO) geralmente é a abordagem preferida para lactentes e crianças com diarreia sem complicações, que possam ser tratadas em casa. Adotado inicialmente para tratar diarreia nos países em desenvolvimento, o TRO pode ser entendido como um caso de tecnologia reversa, na qual protocolos adotados originalmente nesses países também alteraram as práticas de saúde dos países desenvolvidos.123 As soluções completas de TRO contêm carboidrato, sódio, potássio, cloreto e uma base para repor o que foi perdido com as fezes diarreicas.123 As bebidas consumidas comumente, inclusive suco de maçã e refrigerantes à base de cola – que têm osmolaridade alta por causa do alto teor de carboidratos e teor reduzido de eletrólitos– não são recomendadas. A eficácia do TRO depende do transporte combinado de sódio e glicose ou de outras moléculas orgânicas pequenas transportadas ativamente. Existem soluções de TRO comercializadas em frascos, mas estas podem ser dispendiosas, principalmente quando é necessário administrar volumes grandes de líquidos de reposição. O custo pode ser considerável para as famílias em condições socioeconômicas desprivilegiadas. Também existem pacotes pré- condicionados e receitas menos dispendiosas para preparação das soluções de reposição. O TRO para controlar diarreia dos lactentes e das crianças pequenas frequentemente é trabalhoso, requer alimentação frequente e, algumas vezes, precisa usar uma colher ou um tubo de alimentação nasogástrica. Um aspecto mais importante é que a diarreia não cessa imediatamente, uma vez iniciado o TRO; isso pode ser desestimulante para os pais e cuidadores, que desejam ver resultados imediatos com seus esforços. As crianças com desidratação grave e alterações dos sinais vitais ou do estado mental devem receber reposição intravenosa de líquidos em caráter de emergência. Depois do tratamento inicial com líquidos intravenosos, essas crianças podem começar a fazer TRO. Existem evidências sugestivas da necessidade de manter a alimentação durante as doenças diarreicas, principalmente nas crianças. Alguns estudos demonstraram que a dieta livre não agrava a evolução nem os sintomas da diarreia e pode reduzir o volume das fezes. Amidos e proteínas simples parecem fornecer moléculas cotransportadoras com pouca atividade osmótica, aumentando a captação de líquido e eletrólitos pelas células intestinais. O conteúdo intraluminal associado à realimentação precoce também é um fator favorável comprovado para a proliferação dos enterócitos, e ajuda a apressar a recuperação da lesão. É recomendável que as crianças recebam dieta apropriada à sua idade. Embora exista pouco consenso quanto aos melhores alimentos, é prudente evitar itens gordurosos e alimentos ricos em açúcares simples. Quase todos os lactentes com gastrenterite aguda toleram leite materno. No caso dos alimentados com fórmulas, a diluição da fórmula não oferece qualquer vantagem quando comparada à preparação habitual. Referência: Norris, Tommie L. Porth - Fisiopatologia. Disponível em: Minha Biblioteca, (10th edição). Grupo GEN, 2021. Jameson, J., L. et al. Medicina interna de Harrison - 2 volumes. Disponível em: Minha Biblioteca, (20th edição). Grupo A, 2019.
Compartilhar