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2015 Metodologia do ensino da História Prof.ª Graciela Márcia Fochi Copyright © UNIASSELVI 2015 Elaboração: Prof.ª Graciela Márcia Fochi Revisão, Diagramação e Produção: Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri UNIASSELVI – Indaial. Impresso por: 907 F652m Fochi, Graciela Márcia Metodologia do ensino de história/ Graciela Márcia Fochi. Indaial : UNIASSELVI, 2015. 184 p. : il. ISBN 978-85-7830-898-8 1. História – Estudo e Ensino. I. Centro Universitário Leonardo Da Vinci. III apresentação Caro(a) acadêmico(a)! Olá! Seja bem-vindo ao Caderno de Estudos de Metodologia do Ensino de História. Estudar, pensar e planejar os conteúdos, métodos, estratégias, materiais a serem utilizados na transposição do conhecimento representa um dos momentos primordiais no exercício profissional de um professor/ educador. É quando se dá a articulação entre o universo científico/acadêmico e o universo escolar/social/cotidiano e, em especial o fazer, constituir-se, tornar-se professor propriamente dito. No universo acadêmico, geralmente, as questões que dizem respeito à metodologia e à didática da história acabam sendo deixadas de lado ou numa posição secundária diante dos conteúdos históricos. Isso fica evidente pela dificuldade de se encontrar bibliografia dedicada para estes temas. Muitas vezes, os projetos e estudos acabam somente por fazer críticas aos modelos institucionais de ensino, ou às concepções e tendências pedagógicas e estratégias de ensino-aprendizagem. Porém, compreende-se que a didática e metodologia do ensino de História devem ocupar um espaço em equilíbrio e no mesmo patamar das pesquisas e dos temas históricos, bem como serem pensadas de forma significativa, relevante e estratégica também. Diante deste contexto, procura-se abordar e apresentar elementos que favoreçam pensar a história e a transposição do conhecimento do universo acadêmico ao escolar como quem se preocupa com a necessidade de que existam pressupostos teóricos cientificamente plausíveis, metodologicamente realizáveis, socialmente responsáveis/comprometidos, e que sirvam de fonte de reflexão, inspiração e aproximação entre o universo acadêmico e escolar no potencial que cada um comporta à produção de novos e outros conhecimentos históricos. Caro(a) acadêmico(a)! Trata-se de temas e questões complexas e que precisam ser aprofundadas e amplamente refletidas. Ao longo deste caderno, pretende-se abordá-las de forma introdutória, mas desde já esteja ciente de que este material não pretende ser definitivo e suficiente. Agora, observe como o Caderno de Estudos se encontra estruturado. A primeira unidade, denominada ASPECTOS INTRODUTÓRIOS AO ENSINO DA HISTÓRIA, inicialmente, apresenta as definições de conceitos e noções, específicas ao campo da metodologia e da didática da História, IV as principais correntes historiográficas e os principais modelos e tendências do ensino no contexto da modernidade e pós-modernidade e, por fim, um pouco da história do ensino de História no Brasil. Na segunda unidade, com o tema PLANEJAMENTO E AVALIAÇÃO NO ENSINO DE HISTÓRIA, procura-se discutir os planejamentos de aula tanto na sua dimensão prática como teórica, os recursos didáticos, alternativas em termos de metodologias, os diferentes momentos e formas avaliativas ao longo do processo de aprendizagem. Na terceira unidade, denominada METODOLOGIAS METODOLOGIAS DO ENSINO DA HISTÓRIA, enfatiza-se a importância dos conhecimentos prévios dos estudantes no processo de ensino- aprendizagem, a atuação do professor/educador como mediador cultural no interior das comunidades, o uso de diferentes fontes e linguagens, as possibilidades da história oral e da história local como estratégia pedagógica, os alcances de mapas conceituais e a aprendizagem significativa. Para complementar e aprofundar os estudos em Metodologia do Ensino da História, ao final do Caderno de Estudos, encontram-se diversas referências que poderão lhe ser úteis. É possível também retomar os temas e as questões que foram discutidas nas disciplinas de Introdução aos Estudos Históricos; Pensamento Pedagógico e Construção da Escola; Sociedade, Educação e Cultura; Filosofia Geral e da Educação; Psicologia da Educação e Aprendizagem. Desde já faço votos de que você tenha uma satisfatória jornada de estudos pela frente. Atenciosamente, Prof.ª Graciela Márcia Fochi V Você já me conhece das outras disciplinas? Não? É calouro? Enfim, tanto para você que está chegando agora à UNIASSELVI quanto para você que já é veterano, há novidades em nosso material. Na Educação a Distância, o livro impresso, entregue a todos os acadêmicos desde 2005, é o material base da disciplina. A partir de 2017, nossos livros estão de visual novo, com um formato mais prático, que cabe na bolsa e facilita a leitura. O conteúdo continua na íntegra, mas a estrutura interna foi aperfeiçoada com nova diagramação no texto, aproveitando ao máximo o espaço da página, o que também contribui para diminuir a extração de árvores para produção de folhas de papel, por exemplo. Assim, a UNIASSELVI, preocupando-se com o impacto de nossas ações sobre o ambiente, apresenta também este livro no formato digital. Assim, você, acadêmico, tem a possibilidade de estudá-lo com versatilidade nas telas do celular, tablet ou computador. Eu mesmo, UNI, ganhei um novo layout, você me verá frequentemente e surgirei para apresentar dicas de vídeos e outras fontes de conhecimento que complementam o assunto em questão. Todos esses ajustes foram pensados a partir de relatos que recebemos nas pesquisas institucionais sobre os materiais impressos, para que você, nossa maior prioridade, possa continuar seus estudos com um material de qualidade. Aproveito o momento para convidá-lo para um bate-papo sobre o Exame Nacional de Desempenho de Estudantes – ENADE. Bons estudos! NOTA Olá acadêmico! Para melhorar a qualidade dos materiais ofertados a você e dinamizar ainda mais os seus estudos, a Uniasselvi disponibiliza materiais que possuem o código QR Code, que é um código que permite que você acesse um conteúdo interativo relacionado ao tema que você está estudando. Para utilizar essa ferramenta, acesse as lojas de aplicativos e baixe um leitor de QR Code. Depois, é só aproveitar mais essa facilidade para aprimorar seus estudos! UNI VI VII UNIDADE 1 – ASPECTOS INTRODUTÓRIOS AO ENSINO DA HISTÓRIA ......................... 1 TÓPICO 1 – A HISTÓRIA E A DIDÁTICA DA HISTÓRIA: ASPECTOS INICIAIS ................ 3 1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 3 2 O QUE É HISTÓRIA? .......................................................................................................................... 4 2.1 A HISTÓRIA COMO DIDÁTICA E SABER/DISCIPLINA ESCOLAR .................................... 6 3 IMPARCIALIDADE, ENGAJAMENTO E DIÁLOGO NA DOCÊNCIA EM HISTÓRIA ..... 8 3.1 “QUEM ENSINA E QUEM APRENDE”? .................................................................................... 12 4 O QUE É TRANSPOSIÇÃO DIDÁTICA? ....................................................................................... 14 RESUMO DO TÓPICO 1........................................................................................................................ 19 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 20 TÓPICO 2 – ENSINO E APRENDIZAGEM EM HISTÓRIA .......................................................... 23 1 INTRODUÇÃO .....................................................................................................................................23 2 ELEMENTOS DO PROCESSO DE APRENDIZAGEM ................................................................ 23 3 A APRENDIZAGEM DE CONHECIMENTOS HISTÓRICOS ................................................... 25 3.1 ALGUNS CUIDADOS À ABORDAGEM DE CONCEITOS ...................................................... 25 4 NOÇÕES DE TEMPO E ESPAÇO NO FAZER DIDÁTICO-PEDAGÓGICO........................... 27 4.1 SOBRE O TEMPO ............................................................................................................................ 28 4.1.1 A periodização tradicional da história ................................................................................ 30 4.1.2 Outras possibilidades de abordar o passado ...................................................................... 33 4.1.3 Noção de gerações .................................................................................................................. 34 4.2 SOBRE O ESPAÇO ........................................................................................................................... 35 RESUMO DO TÓPICO 2........................................................................................................................ 37 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 38 TÓPICO 3 – O ENSINO DE HISTÓRIA NUMA PERSPECTIVA HISTÓRICA E HISTORIOGRÁFICA ...................................................................................................... 41 1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 41 2 NAS SOCIEDADES ÁGRAFAS ATÉ A IDADE MÉDIA .............................................................. 42 3 O MODELO ILUMINISTA E/OU MODERNO .............................................................................. 45 4 O MODELO PÓS-MODERNO .......................................................................................................... 46 4.1 IMPLICAÇÕES NO CAMPO DA HISTORIOGRAFIA .............................................................. 49 4.1.1 A Escola dos Annales ............................................................................................................. 50 4.1.2 A micro-história ...................................................................................................................... 50 5 O ENSINO DA HISTÓRIA NO BRASIL ......................................................................................... 51 6 O MOMENTO CONTEMPORÂNEO E AS NOVAS TENDÊNCIAS HISTORIOGRÁFICAS .....54 6.1 OS DESAFIOS DA INTER E DA TRANSDISCIPLINARIDADE .............................................. 55 6.2 A VIVÊNCIA NA HISTÓRIA E A HISTÓRIA DO TEMPO PRESENTE ................................. 55 6.3 AS POSSIBILIDADES DA NOVA HISTÓRIA ............................................................................. 57 RESUMO DO TÓPICO 3........................................................................................................................ 60 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 61 suMário VIII UNIDADE 2 – PLANEJAMENTO E AVALIAÇÃO NO ENSINO DE HISTÓRIA ..................... 63 TÓPICO 1 – ASPECTOS TEÓRICOS DOS PLANEJAMENTOS................................................... 65 1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 65 2 PLANEJAMENTOS: POR QUE E PARA QUE TÊ-LOS?............................................................... 65 3 QUAIS CONTEÚDOS/TEMAS SELECIONAR? ............................................................................ 67 3.1 O QUE DIZEM OS PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS PARA O ENSINO DA HISTÓRIA? ....................................................................................................................................... 69 4 NOÇÕES TEÓRICAS SOBRE COMPETÊNCIAS E HABILIDADES ........................................ 71 4.1 COMPETÊNCIAS ............................................................................................................................ 72 4.2 HABILIDADES ................................................................................................................................. 72 5 É POSSÍVEL CONTEMPLAR OS TEMAS LOCAIS/REGIONAIS E/OU DA REALIDADE DOS ESTUDANTES? ........................................................................................................................... 77 LEITURA COMPLEMENTAR ............................................................................................................... 79 RESUMO DO TÓPICO 1........................................................................................................................ 81 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 82 TÓPICO 2 – O PLANEJAMENTO DE ENSINO E O PLANO DE AULA ..................................... 83 1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 83 2 O QUE E PARA QUE ENSINAR? ...................................................................................................... 83 2.1 NO ENSINO FUNDAMENTAL .................................................................................................... 84 2.2 NO ENSINO MÉDIO ...................................................................................................................... 85 2.3 ORIENTAÇÕES DIDÁTICAS GERAIS AOS PROFESSORES ................................................... 86 3 PLANEJAMENTO DE ENSINO ........................................................................................................ 87 3.1 PLANO DE AULA ........................................................................................................................... 93 4 PARA QUE ENSINAR HISTÓRIA? .................................................................................................. 98 5 COMO ENSINAR? ALGUMAS POSSIBILIDADES A PARTIR DE DOCUMENTOS, FILMES/DOCUMENTÁRIOS E DO TEATRO ............................................................................... 98 5.1 A ANÁLISE SIGNIFICATIVA DE DOCUMENTOS ................................................................... 99 5.2 O USO DE FILMES E DOCUMENTÁRIOS ................................................................................. 99 5.3 SOBRE AS REPRESENTAÇÕES TEATRAIS ................................................................................ 101 LEITURA COMPLEMENTAR ............................................................................................................... 103 RESUMO DO TÓPICO 2........................................................................................................................ 105 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 107 TÓPICO 3 – AVALIAR: UM FAZER COMPLEXO ............................................................................ 109 1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 109 2 A AVALIAÇÃO E SEUS ALCANCES ............................................................................................... 109 3 A AVALIAÇÃO SIGNIFICATIVA ..................................................................................................... 110 4 A AUTOAVALIAÇÃO.......................................................................................................................... 112 LEITURA COMPLEMENTAR ...............................................................................................................114 RESUMO DO TÓPICO 3........................................................................................................................ 116 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 117 UNIDADE 3 – METODOLOGIAS DO ENSINO DA HISTÓRIA ................................................. 119 TÓPICO 1 – O UNIVERSO DOS ESTUDANTES ............................................................................. 121 1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 121 2 OS CONHECIMENTOS PRÉVIOS E REPRESENTAÇÕES SOCIAIS ...................................... 121 3 ALGUMAS DAS ABORDAGENS PRESENTES NOS MATERIAIS DIDÁTICOS ................ 123 4 O PAPEL DE PROFESSORES MEDIADORES E DOS AGENTES CULTURAIS .................... 124 5 O PAPEL DO AGENTE CULTURAL EM ATIVIDADES DE ENSINO ...................................... 126 IX 6 DINÂMICAS DE GRUPO NOS ESPAÇOS ESCOLARES ........................................................... 127 RESUMO DO TÓPICO 1........................................................................................................................ 133 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 134 TÓPICO 2 – ALTERNATIVAS METODOLÓGICAS ....................................................................... 135 1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 135 2 A PESQUISA NO ENSINO DA HISTÓRIA ................................................................................... 136 2.1 O USO DE DOCUMENTOS ........................................................................................................... 137 3 O ENSINO ATRAVÉS DE PROJETOS DE TRABALHO .............................................................. 139 4 MAPAS CONCEITUAIS EM HISTÓRIA ........................................................................................ 140 5 A HISTÓRIA PROBLEMA E O MÉTODO DIALÉTICO ............................................................. 142 5.1 A EXPERIÊNCIA DE JÚRI SIMULADO ...................................................................................... 143 6 O USO DE HISTÓRIA EM QUADRINHOS, CHARGES E CARTUNS ................................... 145 RESUMO DO TÓPICO 2........................................................................................................................ 152 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 153 TÓPICO 3 – AS POSSIBILIDADES DOS ESPAÇOS NÃO ESCOLARES ................................... 155 1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 155 2 SÍTIOS ARQUEOLÓGICOS .............................................................................................................. 156 3 CENTROS E SÍTIOS HISTÓRICOS ................................................................................................. 158 4 OS MUSEUS .......................................................................................................................................... 160 5 OBJETOS HISTÓRICOS E AS POSSIBILIDADES DE DESCOBERTAS ................................. 162 6 A HISTÓRIA LOCAL E A HISTÓRIA ORAL NOS PROCESSOS DE ENSINO- APRENDIZAGEM ................................................................................................................................ 164 6.1 ALGUNS CUIDADOS METODOLÓGICOS E ÉTICOS ............................................................. 167 7 DEBATES E TENDÊNCIAS EM TORNO DE HISTÓRIA, CULTURA E PATRIMÔNIO ..... 169 8 REPENSANDO A METODOLOGIA DE HISTÓRIA ................................................................... 169 LEITURA COMPLEMENTAR ............................................................................................................... 172 RESUMO DO TÓPICO 3........................................................................................................................ 175 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 176 REFERÊNCIAS ......................................................................................................................................... 177 X 1 UNIDADE 1 ASPECTOS INTRODUTÓRIOS AO ENSINO DA HISTÓRIA OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM PLANO DE ESTUDOS A partir desta unidade, você será capaz de: • reconhecer a importância do saber histórico à formação do indivíduo e en- quanto saber diante das demais disciplinas de conhecimento, levando em consideração os compromissos sociais e éticos que recaem ao fazer docente; • compreender o ensino da história para além do ofício competente e efi- ciente em termos de estratégias e metodologias de temas e conteúdos, que seja um fazer comprometido com a construção de um pensamento crítico- -reflexivo e que seja pautado no fortalecimento dos direitos humanos; • refletir sobre a necessidade de conferir teor científico aos conhecimentos históricos e os cuidados específicos que determinados conceitos e conteú- do requerem quando são transformados em momentos/processos de ensi- no e aprendizagem; • apresentar elementos que auxiliem na compreensão de como ocorrem os pro- cessos de ensino e aprendizagem das noções de tempo e espaço, consideradas como primordiais à percepção da historicidade na experiência humana; • identificar, numa perspectiva histórica, a trajetória de produção do conhe- cimento histórico, o processo de reconhecimento da História como uma disciplina do conhecimento, a experiência brasileira de instituição da His- tória nos currículos escolares e as tendências atuais que se apresentam tanto no campo do ensino como de pesquisa. Esta unidade está organizada em três tópicos. Em cada um deles você encontrará diversas atividades que o(a) ajudarão na compreensão das informações apresentadas. TÓPICO 1 – A HISTÓRIA E A DIDÁTICA DA HISTÓRIA: ASPECTOS INICIAIS TÓPICO 2 – O ENSINO E A APRENDIZAGEM EM HISTÓRIA TÓPICO 3 – A HISTÓRIA E O ENSINO DE HISTÓRIA NUMA PERSPECTIVA HISTORIOGRÁFICA 2 3 TÓPICO 1 UNIDADE 1 A HISTÓRIA E A DIDÁTICA DA HISTÓRIA: ASPECTOS INICIAIS 1 INTRODUÇÃO Estamos em pleno descortinar do século XXI e nos encontramos, no exercício de qualidade de humanidade, diante de um acúmulo de problemas sociais, políticos, econômicos e ambientais, que, por sua vez, nos deixam um tanto perplexos, desorientados e, em especial, desconfiados com o que nos aguarda caso não repensarmos e mudarmos nossos valores, hábitos e costumes enquanto indivíduos e sociedade. Supervalorizam-se as sociedades que apresentam alta urbanização, escrita, arsenal metalúrgico, industrial, científico, bélico, os regimes políticos com maior tempo experiência política de república e democracia, ou seja as sociedades/ nações que circundam o Mar Mediterrâneo e a costa norte do Oceano Atlântico, que por sua vez recebem o status de “nações civilizadas”. Por outro lado, desvalorizam-se os indivíduos e as sociedades/ comunidades tradicionais, as quais se encontram regidas por princípios milenares, que estão fixadas em regiões rurais, sustentadas em atividades agrícolas, artesanais e manufatureiras; que apresentam coesos sistemas morais e religiosos, que se localizam no Oriente Médio ou no interior dos continentes da Ásia e África e América, que acabam por ser interpretadas e traduzidas como ‘bárbaras e/ou incivilizadas”, retrógradas. A metodologia do ensino da História precisa ser pensada para além das funções enquanto disciplina, sua função, sua trajetória histórica, conceitos, categorias, abordagens,tendências, a relação que possui com as demais ciências humanas e sociais e, em especial, deve alcançar também as origens e as funções da consciência cotidiana e histórica, crítica e reflexiva sobre o exercício e papel no interior dos processos de ensino-aprendizagem e do agir socialmente comprometido e responsável (DIEHL; MACHADO, 2001). Uma vez que a metodologia do ensino da história se encontra na pauta, os estudiosos e pesquisadores não poderão somente atender a aspectos operacionais e estratégias que garantam a transposição competente e que mantenha o caráter científico dos conteúdos/conhecimentos históricos a serem ensinados. Deve estar atenta à dimensão do exercício crítico e reflexivo dos conteúdos, ao contexto histórico social que é transposto, dialogado e verificado e, em especial, aos impactos e às possibilidades de transformação da realidade que estes possuem. UNIDADE 1 | ASPECTOS INTRODUTÓRIOS AO ENSINO DA HISTÓRIA 4 É diante deste cenário que se propõe que os conteúdos históricos e a transposição didática destes conhecimentos sejam discutidos e refletidos no que diz respeito às funções e sentidos didático-pedagógicos que ambos comportam, no sentido de que possibilitem uma melhor compreensão dos tempos atuais, em especial que se intuam e vislumbrem alternativas e soluções que promovam justiça, tolerância, equidade, paz, dignidade, realização e felicidade humana. 2 O QUE É HISTÓRIA? “A história se encontra desfavorável às certezas”. (Marc Bloch) Uma questão de difícil definição e demonstração, por isso acaba por embaraçar muitos estudiosos, não somente historiadores, mas também filósofos e na tentativa de apresentar uma resposta imediata e eficiente a esta pergunta se corre o risco de cair em definições simplistas, mecânicas e reducionistas. Glenisson (1991) aponta que é de bom senso que procuremos responder a esta pergunta quando os estudos em nível superior estiverem concluídos e quando se atua na sala de aula ou realiza pesquisas propriamente ditas. Mesmo em meio a terreno incerto, é possível elencar algumas definições que são historicamente legitimadas e que podem nos orientar na tentativa de responder a esta indagação, que nos auxilie no momento da experiência profissional e quando estivermos procurando justificá-la enquanto conhecimento válido. Por muito tempo a História foi definida como como sendo um saber de natureza particular, que ocorre apenas uma vez, ou seja, o fato único, o acontecimento que não se repete, porém foi reelaborada e mais contemporaneamente se tornou consenso entre os historiadores assim como das demais ciências que trata da ciência/estudo do passado. Dosse (2003, p. 7) traz que a disciplina História constitui um conhecimento indireto, um saber que só chega, que é captado e compreendido por meio de vestígios, e que o que se faz nada mais é do que tentar preencher os vestígios em suas ausências. No passado, em um conceito que pertence à uma temporalidade, que se encontra de forma aleatória, desorganizado ou até sobreposto, e que por sua vez pode ser transformado e sistematizado em conhecimento através das perguntas/ problemas, das concepções teóricas e metodológicas que pesquisadores/ estudiosos lhe atribuem. O teórico revolucionário do movimento comunista Karl Marx (1818- 1883), em suas reflexões sobre teorias da história, descrevia que os homens são os responsáveis por fazer a sua própria história, mas devem estar atentos, pois existem condições herdadas do passado que influenciam e determinam seu agir. TÓPICO 1 | A HISTÓRIA E A DIDÁTICA DA HISTÓRIA: ASPECTOS INICIAIS 5 Júlio de Castilhos (1860-1903), político que se manteve atuante por muitos anos no estado do Rio Grande do Sul, defensor da vertente política positivista, gravou em sua lápide de seu jazigo no cemitério da Santa Casa da Misericórdia na cidade de Porto Alegre/RS a seguinte frase: “os vivos são sempre e cada vez mais governados pelos mortos”. Ambos, mesmo pertencendo ao mesmo momento histórico, porém de contextos políticos e ideológicos diferentes, e apresentando uma compreensão semelhante no que diz respeito à influência do passado no presente é muito semelhante, no sentido de reconhecer que a consciência dos vivos pode sofrer ou sofre da influência e determinação das gerações passadas. Mas Rodrigues (1966) nos chama atenção no sentido de que a afirmação expressa por Júlio de Castilhos possui pouco espírito crítico e comprometido com o presente; que pretende defender, restaurar o passado diante do presente, o que representa um equívoco que os historiadores não podem se dar ao luxo de cometer, pois o passado não volta, o historiador precisa estar comprometido com o seu tempo, o presente. No tempo presente existe um grande fardo de tarefas e expectativas, que são herdadas das gerações anteriores, bem como são frutos de nosso próprio tempo (equívocos, injustiças, desigualdades), o que faz com que muitos indivíduos prefiram, estrategicamente, refugiar-se em algum lugar do passado, quase sempre um passado romântico, idealizado, isento de conflitos ou situação a resolver. O peso das tarefas do presente, muitas vezes, recai mais sobre os jovens do que sobre os antigos, as gerações anteriores, as quais precisam transformar a realidade. Quando se dá a oportunidade de implementar algo no sentido de agir/transformar o presente, é comum se manifestar forte dicotomia nas opiniões dos indivíduos, na perspectiva de que alguns defendem que é necessário que se conserve tudo e outros, por sua vez, defendem que é preciso desfazer-se de tudo. Diante disto, Rodrigues (1966) aponta que se faz necessário que ambos dialoguem no sentido de estabelecer uma proximidade e equilíbrio entre o ritmo da vida e da história, entre passado e presente. Por fim, o autor defende que a História deve ser tanto mais viva quanto mais próxima da problemática da vida, assim teria condições de deixar de ser uma coleção de fatos mortos e infecundos. Rodrigues (1984, p. 39) afirma que: o objetivo da História é dar sentido ao passado; é conhecer e compreender não para contemplar um passado morto, mas para agir, para libertar consciências, para dar força às forças do progresso, para identificar e integrar o país com sua história e seu futuro, essa é toda a tarefa da História. UNIDADE 1 | ASPECTOS INTRODUTÓRIOS AO ENSINO DA HISTÓRIA 6 Nos escritos de Glenisson (1991), é possível encontrar algumas definições para a História e o profissional da História, tais como a de Henri Pirenne (1862- 1935), de que o historiador nada mais é além de um homem que se dá conta da mudança das coisas – a maioria das pessoas não toma consciência disto – e que procura a razão desta mudança; para André Piganiol (1883-1968), a história está para a humanidade assim como a memória está para o indivíduo; a história é a memória coletiva; para Gabriel Monod (1844-1912), trata-se do conjunto das manifestações da atividade e do pensamento humano, considerados em sua sucessão, seu desenvolvimento e suas relações de conexão ou dependência; Marc Bloch (1866-1944), o objeto da história é por natureza, o homem. A história ainda pode nos ajudar a conectar as estratégias que as pessoas dispunham em seu momento histórico para transcender a realidade e mobilizar forças espirituais e psíquicas, e estas podem nos conscientizar das chances de criatividade cultural e potencial de superação humana que contamos e dispomos no presente, e que apresentamos dificuldades em perceber e captar. 2.1 A HISTÓRIA COMO DIDÁTICA E SABER/DISCIPLINA ESCOLAR Conseguir dar conta da complexidade e amplitude do título não significa uma tarefa fácil, pois tanto a didática como o saber escolar da História encontram- se imbricados em meio a polêmicas conceituais, muitas vezes, restritas ao âmbito teórico e acadêmico, e poucas vezes chegam a alcançar a dimensão escolar, bem como a produção e a transmissão de saberes, o papel e a função do professor, dos estudantes e dos demaissujeitos envolvidos. Hoje, a História compõe-se junto a um conjunto de disciplinas que foram eleitas como fundamentais no processo de escolarização brasileira, e desde então tem passado por inúmeras mudanças em termos de conteúdos, métodos, objetivos, finalidades até ganhar a configuração que possui na contemporaneidade. As matérias, os conteúdos, as cargas horárias, o ano letivo, com os demais saberes escolares fazem parte do cotidiano de milhares de alunos e professores de tal forma se encontram tão imbricados e articulados que se tem a impressão de que se justificam puramente por necessidades educacionais e escolares, porém também comportam tendências ideológicas e interesses que envolvem os professores, os estudantes e demais indivíduos que fazem parte do universo escolar. O estudo da história encontra-se inserido nos currículos escolares dos mais diferentes níveis de ensino básico e dos exames de seleção ao vestibular desde o século XIX. Bittencourt (2008, p. 33) apresenta que “em 1837 ocorreu a fundação da primeira escola pública brasileira, e no século XX, a partir da década de 1930, se deu a instalação dos primeiros cursos em nível superior”. TÓPICO 1 | A HISTÓRIA E A DIDÁTICA DA HISTÓRIA: ASPECTOS INICIAIS 7 Segundo Chervel (1990), desde o fim do século XIX era discutida a necessidade de se manter um currículo humanístico que favorecia os estudos das línguas (latim, grego, língua e literatura nacional e internacional) e da oratória, o que por sua vez cumpria a função de disciplinar a mente com o uso das obras literárias, e o domínio oral e escrito da “cultura clássica”, e ainda atendia aos interesses fundamentais na formação das elites. Foi a época em que também ocorria a Revolução Industrial, o que por sua vez demandava mão de obra no interior das fábricas, e foi quando as disciplinas como Biologia, Química, Botânica, Física, Matemática passaram a ser relevantes naquela sociedade e, ao mesmo tempo, disputavam lugar com a área de conhecimento das “humanidades clássicas”. A História, bem como as demais disciplinas escolares, encontra-se articulada em um sistema educacional, porém cada qual apresenta especificidades no processo de constituição do conhecimento, bem como na transmissão deste conhecimento. Diante disto, os estudiosos perceberam a necessidade de estabelecer finalidades para cada disciplina, explicitar os conteúdos a serem ensinados, os métodos e as avaliações mais apropriados a cada uma. Neste contexto, cada disciplina procurou formular seus objetivos no intuito de contribuir para uma formação intelectual e cultural que desenvolvesse habilidades e competências diversas e, entre elas, as mais universais são a comparação, a dedução, a criatividade, a argumentação lógica e a aplicação de conhecimentos técnicas específicos. Bittencourt (2008) discute que os objetivos específicos de cada disciplina escolar, geralmente, encontram-se alinhados aos objetivos gerais da escola, os quais fazem sentido numa lógica de variáveis explícitas ou implícitas, como a socialização, os comportamentos individuais e coletivos, a “disciplina do corpo”, a obediência a normas, horários, padrões de higiene, entre outros. Diante disto encontra-se em André Chervel (1990) que a disciplina escolar deve ser estudada numa perspectiva histórica, bem como o papel exercido pela escola deve estar devidamente contextualizado em cada momento histórico. Em suas argumentações, o autor a favor da autonomia da disciplina escolar concebe a escola como uma instituição que, embora obedeça a uma lógica particular e específica da qual participam vários agentes (internos e externos), ela deve ser considerada como lugar de produção de um saber próprio. Goodson (1990) apresenta a disciplina escolar como uma forma de conhecimento oriunda e característica da tradição acadêmica e para o caso das escolas primárias e secundárias utiliza o termo matéria escolar. UNIDADE 1 | ASPECTOS INTRODUTÓRIOS AO ENSINO DA HISTÓRIA 8 No caso da História, ao acompanharmos a sua constituição, na escola e nas universidades, verifica-se que a partir do século XIX existem constantes aproximações e separações entre a história escolar e a dos historiadores no universo acadêmico. Uma das aproximações é a nomenclatura de História Antiga, Medieval, Moderna, Contemporânea, História da América e História do Brasil. IMPORTANT E Caro acadêmico! Diante da constatação apresentada no parágrafo anterior, nos salta aos olhos a seguinte indagação: Uma vez que se deseja mudar o currículo no ensino fundamental e médio, não se fará necessário também modificar o de nível superior? As transformações e mudanças que precisam ser feitas no campo da História, seja do universo acadêmico ou escolar, precisarão ser pensadas e refletidas em ambas as dimensões. No que diz respeito às separações e dicotomias entre o universo acadêmico e o escolar, muitas vezes, observam-se profissionais da história referindo-se ao universo escolar como sendo um âmbito inferior na hierarquia do conhecimento, aspecto que se questiona amplamente. Diehl e Machado (2001) defendem que a didática da história é uma disciplina que possui conteúdos específicos na transformação do saber científico em saber escolar. É compromisso e desafio dos profissionais da história assumirem esta tarefa de uma forma reflexiva, pois, ao se tratar especificamente da didática da história, delimita-se um objeto específico que é o processo de constituição do conhecimento histórico, os meios de apropriação desse conhecimento, as funções sociopolíticas e culturais no e do ensino da história. 3 IMPARCIALIDADE, ENGAJAMENTO E DIÁLOGO NA DOCÊNCIA EM HISTÓRIA Não é suficiente a um homem que se dedica à história ter amor pela busca da verdade, ele ainda deve ter sinceridade para dizê-la e escrevê-la. (Jean Mabillon) Rodrigues (1966) aponta que ao longo do século XIX supunha-se que a História poderia apresentar resultados e efeitos práticos a curto prazo, e que os usos e benefícios dos conhecimentos que estavam sendo produzidos poderiam ser imediatos. Ao longo do século XIX até os primeiros anos do século XX, os indivíduos depositavam enorme fé na História, bem como na ideia de progresso. As duas TÓPICO 1 | A HISTÓRIA E A DIDÁTICA DA HISTÓRIA: ASPECTOS INICIAIS 9 guerras mundiais e mais o aprofundamento dos problemas de desigualdades sociais registradas em todo o planeta foram cruciais no sentido de desmentir esta pretensão e as possibilidades de contribuição da História à realização da tão aclamada evolução da humanidade. O historiador tem responsabilidades e deve prestar contas. O historiador deve demonstrar consciência histórica e social em seu exercício profissional. O mau uso que pode ser feito do passado, bem como a ignorância, o não conhecimento dele não se limita a prejudicar a compreensão do presente; compromete e prejudica também a ação no presente. Tendo como referência a experiência contemporânea, na qual cada vez mais se acentua o dever com os vivos, com o meio em que vivemos e com a manutenção da vida; é possível reconstruir o passado, e que este pode representar uma ferramenta de libertação de qualquer forma de opressão e dominação que é praticada. Segundo Bloch (2001), os historiadores são obrigados a refletir sobre hesitações e arrependimentos que se encontram registrados na história de sociedades, civilizações e dos mais diversos indivíduos. Dosse (2003) reflete que a história constitui um campo de batalhas, um lugar de confrontos primordiais onde se joga não tanto o passado enquanto tal, mas as grandes escolhas do presente. Duby (2002) apresenta que na construção e na abordagem do conhecimento histórico é preciso revelar o homem em toda a sua diversidade, protagonizando papéis que o apresentam como dominador e/ou dominado, santo e/ou pecador, isso para as mais diferentes e variadas atividades humanas. O historiador reflete que se deve buscar a compreensão ampla e totalizante dassociedades e das expressões humanas, sem perder de vista que isto representa uma tarefa impossível de se alcançar. O professor deve estar atento e identificar os discursos parciais e os interesses que existem no interior da comunidade escolar e da sociedade como um todo. Entretanto, deve manter-se alerta, ponderar suas escolhas e ações, precavendo-se com critérios que estejam amparados na defesa dos direitos humanos, na liberdade de expressão, em experiências de paz, respeito, solidariedade, entre outros. UNIDADE 1 | ASPECTOS INTRODUTÓRIOS AO ENSINO DA HISTÓRIA 10 IMPORTANT E Caro(a) acadêmico(a)! É provável que esta imagem lhe seja familiar, mas ela foi pensada no sentido de explorá-la a fim identificar a mudança de cenário educacional, que passou de uma postura autoritária, demonstrada pelos educadores e afirmada pelos pais, para outra na qual os estudantes e seus familiares se encontram e “revertem o jogo”, agora intimidando os professores. FIGURA 1 - MUDANÇAS E PERMANÊNCIAS NA EDUCAÇÃO FONTE: Disponível em:<http://www.emdialogo.uff.br/node/3719> Acesso em: 23 fev. 2015. IMPORTANT E A problematização que se procura fazer é a de que, em ambos os momentos históricos, existe um contexto de permanência/repetição, que é caracterizado por violência e ausência de diálogo respeitoso. Temos grandes desafios pela frente se quisermos dar passos significativos no sentido de uma educação e sociedade humanamente dignas. A realidade possui infinitas possibilidades pelas quais podemos captar, compreender e explicar e, sempre que assim fazermos, estaremos nos movendo mediante nossos interesses, experiências de vida, concepções e vocações que construímos e comportamos. Você já deve ter ouvido falar da expressão “é tudo uma questão de ponto de vista”, ou “este é o seu ponto de vista”. TÓPICO 1 | A HISTÓRIA E A DIDÁTICA DA HISTÓRIA: ASPECTOS INICIAIS 11 O passado não é neutro, puro e único, e sim mutável e passível de influências/interesses, bem se percebe o presente; as causas não se encontram postuladas, costumam ser buscadas pelos pesquisadores e estudiosos. Diante disto encontra-se em Rodrigues (1966, p. 11) que existem variedades de posições na história, das quais se pode relacionar: “história partidária, história neutra e história combatente”. A história partidária encontra-se comprometida ideologicamente com um partido, uma facção ou um movimento; costuma se engajar em lutas e revoluções. Poucos historiadores e estudiosos se identificam como partidários. Os escritos e a militância de Karl Max (1818-1883) podem ser indicados intelectual e cotidianamente engajados com o movimento operário e o comunismo/socialismo do século XIX. Na história neutra, evita-se o combate e a luta declarada, mas não foge aos compromissos com algum grupo ou elite, no sentido de fornecer manutenção de um determinado status quo, do qual os historiadores são oriundos. Centra- se em apresentar e descrever fatos e acontecimentos por eles mesmos, sem desnaturalizá-los e julgá-los. A história combatente refere-se ao combate intelectual, não se engaja e não se compromete com os valores da sociedade dominante ou grupos políticos, antes pretende dar espaço às forças novas, aos derrotados, aos esquecidos, não somente os vitoriosos; de maneira geral, defendem o sistema democrático de sociedade. Nesta modalidade de história pode-se relacionar o estudioso Walter Benjamim (1892-1940), que por sua vez será apresentado na sequência de nossos estudos. Esta última forma tem ganho cada vez mais adeptos entre os historiadores e os profissionais da história. A história combatente tem como tarefa rever e reinterpretar o passado com os pés na realidade histórica, buscando conexões significativas do destino e dos feitos do mundo humano passado numa perspectiva contemporânea. Rodrigues (1966, p. 21) defende que “é uma ilusão acreditar que o historiador possa contar a história sem assumir a posição que o guiará na escolha do material. Quem quiser fazer história será obrigado a julgar”. A história deve ser e conter verdade, o historiador se sentir com o dever comprido quando é justo. O profissional da história não deve temer a parcialidade, ou seja, o fato de proceder julgamentos deve estar disposto a posicionar-se no sentido defender os direitos e a dignidade da vida dos humanos e dos animais, da preservação da natureza, em especial da vida no planeta Terra, que por sua vez representa valores universais. UNIDADE 1 | ASPECTOS INTRODUTÓRIOS AO ENSINO DA HISTÓRIA 12 3.1 “QUEM ENSINA E QUEM APRENDE”? Ninguém educa ninguém, ninguém educa a si mesmo, os homens se educam entre si, mediatizados pelo mundo. (Paulo Freire) É comum encontrarmos muitos profissionais da educação e da história saudosos do tempo em que o professor se encontrava numa condição de autoridade e superioridade inacessível para os estudantes. Pode ser que os professores de outrora não percebiam a necessidade e a importância de se aproximar e participar do processo de aprendizagem de seus estudantes. A partir das contribuições da psicologia social encontradas em Jean Piaget (1896-1980), Lev Vygotsky (1896-1934) e, mais recentemente, da educação popular, emancipatória e libertária de Paulo Freire (1921-1997) passou-se a compreender que são as estratégias e os processos de aprendizagem que levam em consideração a aprendizagem conceitual, as interferências sociais e culturais, bem como os conhecimentos prévios dos estudantes. Estes aspectos tornaram-se favoráveis uma relação e postura de diálogo e colaborativa nos momentos de ensino-aprendizagem no interior dos espaços escolares. É fundamental que não se percam de vista estes aspectos, docentes e mediadores educacionais precisam levar em consideração o cotidiano, o contexto socioeconômico, as experiências históricas de vida, as apreensões que eles possuem do momento presente, que por sua vez se encontram comunicadas pela mídia, pelo cinema, música, televisão, entre outros meios. Em nossa época, o público escolar é bastante variado e heterogêneo. É composto por crianças jovens, adultos, bem como suas origens étnicas e culturais. Para que o conhecimento histórico consiga sensibilizá-los, possa fazer sentido em suas trajetórias de vida e que seja reconhecido em toda a sua relevância, é necessário que se esteja também atento às problemáticas da sociedade contemporânea, do mundo do trabalho, das relações de convívio, das questões étnicas, sexuais, religiosas, entre outras. Bittencourt (2003) apresenta que o professor não pode se identificar e não pode ser identificado como um técnico específico ou um reprodutor de um saber isolado e externo. Dar aula é uma ação complexa que exige o domínio de vários outros saberes característicos e heterogêneos, tais como saberes da disciplina, curriculares, específicos da formação profissional e os saberes da experiência, do chão da sala de aula, que por sua vez compõem o chamado saber docente. A ideia de transposição didática não pode se resumir somente ao conjunto de estratégias que um professor vai lançar mão no sentido de melhor transpor conteúdos externos, simplificando de maneira mais adequada saberes eruditos ou acadêmicos para que sejam compreendidos e assimilados pelos estudantes. TÓPICO 1 | A HISTÓRIA E A DIDÁTICA DA HISTÓRIA: ASPECTOS INICIAIS 13 3.1 “QUEM ENSINA E QUEM APRENDE”? Com o passar dos anos, os professores gradualmente vão se profissionalizando, passando de leigos a letrados, a especialistas lacto ou strictu sensu. Os cursos de formação acabam por credenciá-los como profissionais no interior das instituições burocraticamente legitimadas, por meio de concursos, contratos e seletivos. Quando reunidos em equipes no interior dos espaços escolares, procuram formar grupos de especialistas por afinidades nas disciplinas, em associações representativas que direta ou indiretamente tendem a reforçar a identidade enquanto profissionais delas. As possibilidades de participaçãopodem ser em sindicatos, associações, grupos de estudos, os quais passam a decidir, interferir e influenciar na composição dos currículos e conteúdos que serão ministrados pelos demais profissionais. Por sua vez, o professor não pode centralizar esta tarefa somente em torno de si. Existem diversos indivíduos que compõem o universo escolar, mas seu papel merece destaque, em especial quando se trata de decidir e ministrar o chamado currículo real, ou seja, o que de fato é estudado e praticado nos espaços de sala de aula. É necessário captar e incluir as leituras de mundo, estabelecer diálogo com os conteúdos e conceitos latentes na sociedade e aos estudantes, no sentido de favorecer uma maior aproximação entre o conhecimento científico e o saber espontâneo do senso comum. O professor pode querer carregar este peso em seus ombros sozinho, ele pode tranquilamente dividir o palco com seus estudantes, atribuindo-lhe tarefas de estudos/pesquisas e até de condução das atividades propriamente ditas; convidar familiares dos estudantes, diferentes indivíduos da comunidade que contam com vivências ou conhecimentos relacionados aos conteúdos que estão sendo estudados; assim como pessoas que estejam retornando de alguma viagem cujo roteiro/percurso contemplou cidades históricas, ou ainda alguém que esteja visitando a cidade e a escola que seja oriundo de outras regiões e realidades, a fim de dar seu testemunho de vida. O professor é quem transforma o saber a ser ensinado em saber apreendido. Os conteúdos, os métodos e as avaliações constituem-se na realização desse cotidiano e nas relações construídas entre o professor, os demais professores, os estudantes e os demais indivíduos que compõem o universo escolar (coordenação, direção, secretários, auxiliares, merendeiras, zeladores, pais, avós, entre outros). O professor por ele mesmo não pode manter-se isolado na sala de aula com seus estudantes, quanto maior a participação coletiva for possível ao longo da atividade de aprendizagem, mais amplos e abrangentes poderão ser os resultados. UNIDADE 1 | ASPECTOS INTRODUTÓRIOS AO ENSINO DA HISTÓRIA 14 Diante das crises contemporâneas (terrorismo, guerrilhas, as crises econômicas, a fome, a miséria, o desequilíbrio climático) os profissionais da História não podem fugir da possibilidade de transformação e superação da realidade e do compromisso com a vida. Glenisson (1991) arrola que é necessário tomarmos consciência de nossa responsabilidade como historiadores, como professores de História, como indivíduos e cidadãos estas são reais, comprometem o homem na sua totalidade, que precisa de razão, justificativa e sentido. Rüsen (1997) descreve que existe um valor fundamental que pode ser introduzido na estratégia de interpretação da história e na transposição do conhecimento histórico. Trata-se de se levar em conta valores universais da multiplicidade e a diferença das perspectivas, do reconhecimento da diferença na vida humana, que quando internalizado nas estruturas cognitivas dos indivíduos pode produzir um novo acesso e um novo sentido da experiência histórica, que por sua vez liga a unidade da humanidade e da evolução no tempo com as diferenças e a multiplicidade das culturas. 4 O QUE É TRANSPOSIÇÃO DIDÁTICA? Como didática pode-se entender a arte ou a técnica de ensinar, fazer aprender, instruir. A expressão já fazia parte do repertório dos pedagogos da Grécia Antiga. Todavia, a didática como um campo de estudos específico surge somente no século XVII, a partir das teorizações de João Amós Comenius (1592- 1614), na obra ‘Didática Magna’, publicada em 1649, na qual se encontra a máxima que define a didática como a arte e o fazer de ensinar tudo a todos. IMPORTANT E Caro estudante! Reservando todo o respeito à obra e ao ímpeto de solidariedade expresso na frase de Comenius citada, ousamos fazer a seguinte indagação: é possível dar conta ou abarcar a tarefa/missão de ensinar tudo a todos? Libâneo (2008), teórico brasileiro e contemporâneo, explica que se trata de uma disciplina que estuda o processo de ensino no seu conjunto, no qual os objetivos, os conteúdos, os métodos e as formas organizativas da aula se relacionam entre si, de modo a criar as condições e os modos de garantir aos alunos uma aprendizagem significativa. Por transposição pode-se compreender como sendo as alternativas à adaptação do conhecimento oriundo do universo acadêmico e científico/erudito ao universo escolar/popular. Este exercício precisa ser feito com os devidos cuidados no momento da contextualização e/ou das generalizações. Neste TÓPICO 1 | A HISTÓRIA E A DIDÁTICA DA HISTÓRIA: ASPECTOS INICIAIS 15 processo é possível que o conhecimento em questão perca a plausibilidade científica, a coerência, a especificidade, bem como seja transposto de uma forma que não apresente significado ou não faça sentido à realidade dos estudantes. Os conhecimentos específicos de história, de teorias, de métodos, das formas de representação e comunicação compõem os meios pelos quais a didática da História e a História se constitui enquanto disciplina e saber; portanto, é necessário que se esteja consciente e seguro diante deles. Nesse sentido, conta-se com as contribuições do estudioso francês Yves Chevallard (1946), que foi responsável por apresentar o conceito de transposição didática. De maneira geral, o autor procura explicar como que a transposição didática condiz com o universo de transformações e adaptações que um conteúdo sofre até se tornar um objeto de ensino. O autor reconhece como os responsáveis por realizar a transposição do conhecimento todos os agentes sociais externos à sala de aula, tais como diretores, coordenadores, inspetores, autores dos livros didáticos, técnicos e administradores educacionais, os familiares, além dos professores. Para Chevallard (1991), a teoria da transposição didática consegue corrigir o tradicional equívoco que é cometido quando é atribuído valor inferior e/ou secundário aos saberes escolares, que apresentam o sistema didático em três polos: o saber, aquele que ensina, no caso, o professor, e aquele que aprende, o estudante. O autor argumenta que o enfoque psicológico dominou a análise no interior desse sistema, restringindo-se somente na relação professor-estudante. Procedendo neste esquema, o saber escolar não seria devidamente problematizado, o que contribuiria para sua naturalização e neutralização no entendimento dos responsáveis pelo processo de ensino-aprendizagem. A teoria da transposição didática pretende desestabilizar esse entendimento e propõe pensar o sistema didático com base numa abordagem epistemológica do saber ensinado. Diehl e Machado (2001) propõem que se pense a didática como sendo o componente central na constituição da História enquanto saber e conhecimento específico em meio aos demais saberes científicos. Que se supere a posição secundária, periférica e ornamental que na maioria das vezes lhe é atribuída. Para tanto, os autores sugerem que os procedimentos técnico-críticos sejam aprimorados e refletidos de forma consistente e dialogada ao ponto que possam conferir uma maior plausibilidade e relevância social ao conhecimento histórico e ao exercício profissional no universo escolar quando no acadêmico. O que por sua vez sistematizam na ideia de uma Matriz Disciplinar da História, apresentada a seguir. Observe atentamente: UNIDADE 1 | ASPECTOS INTRODUTÓRIOS AO ENSINO DA HISTÓRIA 16 FONTE: Adaptado de Diehl e Machado (2001, p. 22) FIGURA 2 - MATRIZ DISCIPLINAR DA HISTÓRIA A matriz foi proposta por Diehl e Machado (2001, p. 22) e foi elaborada tendo por referência os estudos do teórico alemão Jörn Rüsen (1938), que pesquisa os temas de teoria, metodologia e didática da história. Esta matriz pode representar um programa/roteiro mínimo de orientação à prática de pesquisa quanto da experiência docente com saber e conhecimento histórico. Como entender e compreender esta matriz?Bem, uma das principais intenções é a de que não se dissocie, pelo contrário, que cada vez mais se aproxime o universo acadêmico/científico do universo escolar/cotidiano. Observe que existe um círculo no qual estão dispostas diversas partes, onde se encontram duas dimensões: na parte inferior, a do cotidiano, a práxis social; na parte superior, o mundo acadêmico, o campo teórico/científico do conhecimento. Na lateral esquerda e na parte superior encontra-se o item 1 da matriz, denominado de os interesses pelo conhecimento histórico, que por sua vez se encontram na esfera do cotidiano (práxis social), na qual ocorrem de fato os problemas e as questões que necessitam de reflexão e orientação. Neste momento é provável que surjam as seguintes situações: quais devem ser os fatos, os fenômenos sociais ou problemas que devem ser contemplados e mediados pelo conhecimento histórico? Como não são poucos, se faz necessário decidir/escolher. Aqui o profissional da História deve estar atento às demandas do todo social e evitar favorecimentos e privilégios pessoais ou particulares de um determinado grupo somente. TÓPICO 1 | A HISTÓRIA E A DIDÁTICA DA HISTÓRIA: ASPECTOS INICIAIS 17 Uma vez que a decisão foi tomada, já é possível avançar ao universo acadêmico/científico, no qual se encontram as referências teóricas sistematizadas e que são denominadas como perspectivas orientadoras sobre o passado (2). Este é o momento de reunir as referências historiográficas para o fato ou problema que se encontra em pauta; identificar as principais ocorrências e manifestações que foram registradas, as abordagens, explicações e soluções que ele recebeu. Munidos do fato/problema e do que já foi produzido para ele, pode-se avançar no sentido de proceder um certo tratamento com métodos e técnicas (3) no sentido de identificar, classificar, normatizar, problematizar, criticar e refletir sobre o problema inicial. No momento seguinte, se faz necessário resolver as formas, como o conhecimento que foi gerado nos passos anteriores pode ser sistematizado e narrado/comunicado, que é denominado como forma de representação do conhecimento (4). Neste momento é que os historiadores optam pelas linguagens narrativas (texto, artigo, dissertação, tese, livro, história em quadrinhos, filme, entre outros). O último item (5) corresponde ao retorno ou à reintrodução do fato/ problema que foi retirado da práxis social, ponderado pelo saber/conhecimento científico e sistematizado em linguagem narrativa à realidade na qual ocorria, agora como a intenção de apresentar reflexões e até soluções para a situação anterior. É o momento em que o saber/conhecimento pode ganhar relevância em meio à comunidade, cumprir sua função de atuar em prol dela, no sentido de orientar/explicar e transformar a realidade de vida, que por sua vez, nada mais é do de que as funções didáticas da História. De maneira geral, a matriz disciplinar da história procura expressar que os temas/conteúdos a serem estudados/pesquisados/apreendidos devem partir do cotidiano imediato, ou seja, das problemáticas sociais que se apresentam no momento presente dos indivíduos, estas por sua vez podem ganhar tratamento e reflexão do conhecimento histórico e científico e, por fim, novamente retornar à práxis social a fim de fornecer perspectivas orientadoras diante da realidade que se encontra. Além de o mundo acadêmico/científico fortalecer e ampliar seus objetivos e missão junto à sociedade de sua época, percorrendo os cinco elementos da matriz disciplinar da História, é possível conferir maior plausibilidade científica ao saber/conhecimento. Como a História pode ampliar a sua importância de existência enquanto disciplina e saber no universo escolar (didática) e científico (pesquisa) diante dos demais saberes e disciplinas do conhecimento? Rüsen (1997) e Diehl e Machado (2001) apresentam-se como autores preocupados no que se refere ao teor da História enquanto ciência, didática e conhecimento histórico com funções racionais e reflexivas na sociedade atual, que UNIDADE 1 | ASPECTOS INTRODUTÓRIOS AO ENSINO DA HISTÓRIA 18 por sua vez se encontram em momentos de forte crise de expectativas, seja pela ausência de critérios orientadores ou de soluções e alternativas que realmente gerem mudanças e superações. Os autores ainda chamam a atenção para o fato de que em meio aos profissionais da história ocorre uma espécie de silêncio e indiferença para com as questões que dizem respeito à didática da História, o que por sua vez é nefasto e prejudicial a ela enquanto conhecimento e ciência, e em especial à sociedade, a qual demanda por orientações diante das problemáticas que a envolve. O debate/diálogo para com a didática dos conhecimentos deve ser realizado pelos mais diversos profissionais e sujeitos envolvidos nos processos de ensino e aprendizagem; e uma das questões que não pode ser negligenciada é a do sentido e finalidade, ou seja, o que será feito e/ou para que/quem servirá o saber/conhecimento que foi produzido. De maneira ampla, os autores estão propondo que a história enquanto conhecimento tenha plausibilidade científica e que a didática da história não seja compreendida somente como um mero ornamento externo do conhecimento científico, e, em especial, que o profissional da História se questione sobre a origem, a estrutura, as funções, as perspectivas orientadoras do conhecimento histórico. 19 RESUMO DO TÓPICO 1 • A didática e metodologia do ensino da História deve ser pensada não simplesmente como uma disciplina e conteúdo ornamental e/ou secundário no interior das grades curriculares, mas sim como um saber estratégico e primordial para se transpor o conhecimento o conhecimento oriundo do universo acadêmico ao escolar/social. • O profissional da História deve zelar em evitar reducionismos ou favorecimentos interpretativos, e abordar a experiência humana numa perspectiva que seja capaz de contemplar os mais diferentes indivíduos bem como a diversidade e a complexidade das relações e expressões de que estes lançaram mão. • A História constitui o estudo da trajetória do homem no tempo passado, requer tratamento e coerência teórico-metodológica, e um conhecimento que deve estar comprometido com as problemáticas do tempo presente e apresentar como fim último e maior a busca pela verdade. • O conhecimento histórico e o ofício do profissional da história deve favorecer o reconhecimento das diferenças, das experiências de diálogo, paz; zelar pela preservação do meio ambiente, dos direitos humanos pela dignidade da vida e fomentar solidariedade e a realização/felicidade humana. • Os conteúdos históricos quando transformado em saber escolar requer clareza em termos de critérios teórico-metodológicos, considerar o contexto dos estudantes estão inseridos e ponderação crítico-reflexiva, assim poderá comportar teor científico, capacidade de fornecer orientação e elementos transformadores aos contextos e realidades no qual será aplicado. 20 I- Que o processo de ensino-aprendizagem se constrói de uma forma que o indivíduo, por ele mesmo, precisa contar com professores muito bem conceituados, caso contrário, não conseguirá desenvolver as competências e habilidades necessárias à vida adulta. II- Que as estratégias didático-pedagógicas de um professor por si só não são suficientes de conferir a formação de um estudante e cidadão por completo. III- Que a educação e formação de um indivíduo ocorre de forma dinâmica e que as mais diversas experiências sociais colaboram para isto. IV- Que o processo educativo deve ser compreendido não somente como de única responsabilidade do professor e do estudante, mas que as relações em sociedade e com o mundo também devem ser contempladas. Agora assinale a alternativa correta: a) As sentenças II e III estão corretas. b) As sentenças II, III, IV estão corretas. c) As sentenças III e IV estão corretas. d) As sentenças I, II e IV estão corretas. (a) O momentoem que os conhecimentos advindos do campo religioso e da sabedoria popular são tomados como estudo por estudiosos do universo acadêmico. (b) Diz respeito ao conjunto de transformações que um dado conteúdo recebe até se transformar em um objeto/atividade de ensino. (c) Diz respeito ao momento em que os estudantes iniciam as atividades avaliativas em uma dada disciplina do conhecimento. (d) A transposição didática se dá quando uma tese é defendida por algum autor, depois de ter sido examinada e revisada por uma banca de pesquisadores de maior experiência. AUTOATIVIDADE 1 Paulo Freire é um estudioso brasileiro que foi responsável por inúmeras contribuições no sentido de realizar uma espécie de revolução no cenário da educação brasileira. Entre suas teses, encontra-se a seguinte definição: “Ninguém educa ninguém, ninguém educa a si mesmo, os homens se educam entre si, mediatizados pelo mundo”. (FREIRE, 1981, p. 79). O que esta definição sugere ao campo da educação e do ensino da História? Analise as sentenças a seguir: 2 Entre os conceitos que são utilizados no campo da metodologia do ensino, encontra-se o conceito proposto por Yves Chevallard (1946) que diz respeito a que atividades educacionais? Assinale a alternativa correta: 21 3 No exercício profissional de um professor ou pesquisador de História entre as perguntas que são mais recorrentes está: “O que é, qual é o objetivo e para que serve a História?” No sentido de que você possa se antecipar diante da possibilidade de ser indagado sobre o que vem a ser a História, no que lhe confere importância e que funções ela pode adquirir na sociedade contemporânea, construa um texto respondendo à pergunta apresentada acima. 22 23 TÓPICO 2 ENSINO E APRENDIZAGEM EM HISTÓRIA UNIDADE 1 1 INTRODUÇÃO Caro(a) acadêmico(a)! Ao longo deste tópico procura-se apresentar elementos que tratam de como ocorrem os processos de aprendizagem de conhecimentos, noções e conceitos que pertencem a níveis mais abstratos do saber tais como tempo, espaço, gerações, periodizações, passado, presente, no sentido de ilustrar algumas das abordagens que podem receber nos espaços escolares. Desde já antecipamos que você, futuro professor da História, deve se manter atento e sensível no sentido de captar os níveis intelectuais dos estudantes, por outro lado seja capaz de demonstrar capacidade de precisão e clareza e ao mesmo tempo estar atento às variações, exceções e especificidades que períodos, conceitos, princípios, leis comportam. 2 ELEMENTOS DO PROCESSO DE APRENDIZAGEM No que diz respeito aos processos de aprendizagem, o estudioso do desenvolvimento cognitivo Jean Piaget (1896-1980) pode favorecer o entendimento quando defende que as estruturas cognitivas dos indivíduos são adquiridas ao longo da vida em estágios delimitados pela maturidade biológica, mediadas pelo meio, associadas às estruturas internas orgânicas. Piaget explica que um indivíduo, ao entrar em contato com um objeto, o compreende, incorpora-o e lhe atribui sentido em condições já existentes, em determinados esquemas mentais e estruturas internas, fazendo com que se dê a ampliação da capacidade cognitiva (PIAGET & GRECO, 1974 Piaget apresenta ainda que o indivíduo quando se depara com desafios e desequilíbrios exteriores responde por meio de compensações ativas que tendem a restabelecer o reequilíbrio, o que por sua vez demanda de maturação física do sistema nervoso e interferência de fatores sociais. A partir das teses de Piaget, foi possível justificar os estágios de apropriação de saberes concretos e abstratos, e em especial precisar que estudantes em primeiros anos de escolarização eram incapazes de dominarem conceitos abstratos, como os de tempo históricos. Também ficou compreendido que os conhecimentos espontâneos, provenientes da experiência de vida e do senso comum, e os conhecimentos científicos encontravam-se numa relação de conflito; no sentido de que o primeiro desfavorecia o aprendizado do segundo, e por sua vez passou a ser combatido em favorecimento e substituição pelo segundo. UNIDADE 1 | ASPECTOS INTRODUTÓRIOS AO ENSINO DA HISTÓRIA 24 L. S. Vygotsky (1896-1934) defendeu teorias que se distanciavam das teorias de Piaget, no sentido de que as condições, não apenas a maturidade biológica, imperam na aquisição de conceitos, mas também as dimensões históricas e culturais que participaram do processo de formação e desenvolvimento do indivíduo. E reconhece na linguagem humana um sistema que possibilita a socialização, a mediação entre o sujeito e o objeto de conhecimento, e o intercâmbio social e a formação conceitual, que consegue abarcar as dimensões da abstração e da generalização. Diferente da posição de Piaget, o estudioso russo propõe que na relação entre conhecimento espontâneo e conhecimento científico existem modificações e interferências mútuas entre estes saberes, e que não há necessidade de desaparecimento do primeiro e para a consolidação do segundo. A compreensão profunda e segura diante dos processos de aprendizagem representa uma das noções que exigem maior maturidade, habilidade e competência por parte dos profissionais da educação. Nesse sentido, Bittencourt (2008) reflete que atividades que abordam noções de tempo passado, por exemplo, representam um dos desafios mais complexos de se realizar; estas podem ganhar alcançar melhores resultados quando se parte da experiência concreta dos estudantes e com uma abordagem atemporal e/ou contemporaneizada. Há de se tomar cuidado, porém, no sentido de que não se leve em consideração somente a dimensão do pensamento operatório piagetiano, que preocupada em obter resultados objetivos e imediatos acaba por promover uma história cujos maiores valores envolvidos são os morais e cívicos, por meio de heróis e nomes que foram responsáveis por grandes feitos na história, e que por sua vez se encontram destituídos de crítica e reflexão; assim como podem estar descontextualizados historicamente, o que acaba por revelar somente a dimensão vencedora e triunfante dos indivíduos, semelhante aos heróis de desenhos animados. As implicações das noções piagetianas são indicadas como responsáveis também por fazer com que a História, enquanto conhecimento e saber, fosse desprestigiada e entendida como um saber secundário diante dos demais saberes que possuem teor e especificidade mais prática e concreta. Nesta concepção, a História passa a ser uma espécie de invenção do mundo adulto, resultando de múltiplas interferências e por não compreender uma racionalidade que pode ser captada de forma objetiva, acaba não sendo assimilada como conhecimento verdadeiro. Assim, “a História seria apenas uma matéria escolar criadora de valores morais e cívicos que não exige por parte dos estudantes qualquer tipo de operação intelectual”. (BITTENCOURT, 2008, p. 198). TÓPICO 2 | ENSINO E APRENDIZAGEM EM HISTÓRIA 25 Caro(a) acadêmico(a)! É prudente que levemos em consideração ambas as teorias, tanto a de Piaget como a de Vygotsky, ou seja, a que considera tanto o desenvolvimento cognitivo, o amadurecimento intelectual, bem como as condições socioculturais como aspectos que compõem e estruturam os indivíduos com os quais estarão sendo realizadas experiências de aprendizagem. 3 A APRENDIZAGEM DE CONHECIMENTOS HISTÓRICOS O conhecimento histórico não se limita a apresentar o fato no tempo e no espaço acompanhado de uma série de documentos que comprovam sua existência e relevância à história geral da humanidade. Bittencourt (2008) defende que é preciso ligar o fato a temas e aos sujeitos que o produziram para buscar uma explicação e compreensão crítica. E neste processo de explicar e interpretar os fatos se faz necessário levar em conta determinados princípios, critérios, procedimentos, conceitos e noções, que por sua vez atendem à necessidade de organização e inteligibilidade dos fatos. Neste contexto, a reflexão e abstração teórica podem, muitas vezes,tornar os conhecimentos e conceitos áridos e de difícil apreensão por parte dos estudantes. Diante deste contexto, Bittencourt (2008) indaga para as seguintes condições: como apreendem os indivíduos das mais diferentes idades? Como ocorre a aprendizagem de conceitos? Quais devem ser os conceitos históricos fundamentais e serem abordados em cada fase de escolarização? Caro(a) acadêmico(a)! Estas questões são complexas e merecem nossa atenção. Acredita-se que, se nos aproximarmos um pouco a que elas demandam, pode ser que o ofício de professor de história se torne mais satisfatório, ou seja, os diversos indivíduos envolvidos, bem como os objetivos enquanto professores mediando experiências de ensino-aprendizagem e que sejam alcançados com maior facilidade. 3.1 ALGUNS CUIDADOS À ABORDAGEM DE CONCEITOS A História possui um conteúdo escolar que necessita estar articulado, desde o início da escolarização, com os fundamentos teóricos e critérios metodológicos, a fim de evitar abordagens e conotações de juízo de valor, cargas morais ou perpassadas por tendências dogmáticas e estigmatizadas. À análise e à interpretação dos acontecimentos, fatos e eventos históricos, se fazem necessários conceitos e categorias, o que sugere que os professores selecionem conceitos-chaves, os contextualizem e sistematizem coerentemente de forma precisa com os dados empíricos que estão diante deles. UNIDADE 1 | ASPECTOS INTRODUTÓRIOS AO ENSINO DA HISTÓRIA 26 No exercício de docência com estudantes de diferentes faixas etárias e condições socioculturais, se faz necessário introduzir e encaminhar tarefas que promovam atividades de ensino-aprendizagem norteadas por critérios e saber específico, pois as palavras geralmente circulam confusamente no vocabulário, e assim também podem compor o repertório e a compreensão de sentido e significado de mundo. É importante que estejam o máximo possível integradas nas categorias conceituais e estas, por sua vez, articuladas umas às outras. A aprendizagem e a apropriação dos conceitos espontâneos e os conceitos científicos podem ocorrer de forma muito diferente. Bittencourt (2008) apresenta que a mente se defronta com problemas diferentes quando assimila conceitos na escola e quando se encontra em outros ambientes de sociabilidade. No espaço da escola, os conceitos são transmitidos de forma teórica e sistemática, que os estudantes, por sua vez, não podem vivenciar e apreender diretamente. Diante da constatação deste processo é possível tomar alguns cuidados na tentativa de aproximar as duas dimensões e relacionar o máximo possível os conceitos às mais diversas realidades possíveis. Para estudantes de nível básico e fundamental, é preciso que o conceito espontâneo/cotidiano esteja apreendido para que conceitos históricos possam ser introduzidos, por exemplo, quando as noções “no passado e agora”, “aqui e em outros lugares” são acompanhadas de forma simples e direta. Com estudantes de nível médio, os conceitos/termos podem ganhar abordagem e utilização mais interdisciplinares, é possível lançar mão de conceitos como sociedade, capitalismo, liberalismo, globalização, imperialismo, cidadania, entre outros. Estes apresentam uma maior facilidade de serem apreendidos e as possibilidades de verificação, veiculando-as ao mundo contemporâneo. Existem, entretanto, conceitos singulares, como absolutismo, iluminismo, renascimento, feudalismo, coronelismo, escravidão, pão e circo, clero, os quais são específicos do campo da História, e precisam receber tratamento e exercício de contextualização temporal e espacial mais preciso, para que não sejam compreendidos, utilizados e empregados de forma incoerente e equivocada. Os conceitos precisam de descrições precisas, aprofundamentos e delimitações para se tornarem inteligíveis e apreensíveis. Muitas vezes, eles ocupam capítulos de livros inteiros, em especial, os conceitos/termos do universo acadêmico; outros são provenientes do conhecimento espontâneo e senso comum, que são introduzidos pelos meios de comunicação ou que são provenientes dos modos de viver e compreender o mundo no interior de comunidades. Os conceitos carregam variações e especificidades dos contextos (políticos, econômicos e sociais), variações em termos de esferas locais e regionais, o campo de forças, assim como comportam relações e tensões diversas. TÓPICO 2 | ENSINO E APRENDIZAGEM EM HISTÓRIA 27 As peculiaridades, as distâncias e as diferenças que existem entre a experiência de democracia de Atenas na Grécia antiga; a democracia dos primeiros anos de república no Brasil; a democracia nos Estados Unidos da América, e a democracia no Brasil atual; o caráter do processo de colonização no Brasil colonial, a colonização dos Estados Unidos da América e na região Sul do Brasil no século XIX; as festas juninas que ocorrem em Portugal, no Nordeste e no Sul do Brasil, podem revelar tais problemáticas. Existem conceitos e termos que possuem uma temporalidade e vigência variáveis entre curta, média e longa duração, como a escravidão, a cidadania e o imperialismo podem ser identificados como de longa ocorrência, utilização, ou seja, longa duração; moral e costumes, a reforma e contrarreforma, inquisição, podem ser indicados como que de média duração e vigência; atos políticos, república do café com leite, nazismo, fascismo, revoluções e levantes sociais por sua vez se configuram de curta duração e especificidades em termos de local de ocorrência. 4 NOÇÕES DE TEMPO E ESPAÇO NO FAZER DIDÁTICO- PEDAGÓGICO Os tempos contemporâneos são paradoxais, são marcados pela globalização econômica e comercial, circulação e troca de bens culturais, tecnologias e informações científicas, da percepção da passagem do tempo e da diminuição das distâncias, pela aproximação das fronteiras, maior expressão/manifestação das identidades e das diferenças e, ao mesmo tempo, pelo distanciamento e esfriamento das relações entre os indivíduos. O tempo e o espaço constituem elementos primordiais no fazer pedagógico dos historiadores, bem como no processo de produção do conhecimento histórico, a experiência humana circunscreve-se tanto na dimensão temporal e espacial. Muito diferente da Geografia, das Ciências Biológicas, da Física ou da Antropologia, que compreendem e apresentam as noções de tempo e espaço. A História possui sua especificidade, mas que pode se aproximar destas áreas para elaborar suas definições, e neste percurso é possível que se utilizem noções destas áreas para proceder à sua própria definição. Bloch (2001) definiu a História foi definida como a ciência dos homens no tempo” e o espaço como “a dimensão da realização e construção social e histórica. No ensino de História, o domínio das noções e conceitos de tempo e espaço é imprescindível, pois todo e qualquer objeto, fato ou fenômeno histórico possui delimitações e circunstâncias que os fixam tanto no tempo como no espaço. UNIDADE 1 | ASPECTOS INTRODUTÓRIOS AO ENSINO DA HISTÓRIA 28 4.1 SOBRE O TEMPO O tempo é o meio e a matéria concreta da história. (Marc Bloch) Os fatos humanos são, por essência, fenômenos muito delicados e que podem escapar a qualquer medida matemática. O tempo verdadeiro é por natureza uma espécie de continuum e ao mesmo tempo uma perpétua mudança (BLOCH, 2001). A preocupação com o tempo é um dos atributos específicos e particulares da História. Independente de qual for a concepção de história que adotamos, o tempo impõe-se aos profissionais dela. Segundo Glenisson (1991), jamais espaçaremos a necessidade de datar ou fixar cronologias e, mais especificamente, seremos impelidos a determinar a duração dos fatos e ventos históricos. Historiadores como Henri Pirenne (1862-1935) e Marc Bloch defendem que o profissional da História é aquele que percebe a mudança das coisas, percepção que se dá somente quando se analisam os eventos e acontecimentos através de uma dada organização cronológica. Existem inúmeras noções
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