Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
U N O P A R E N SIN O D E M A T E M Á T IC A N A E D U C A Ç Ã O IN FA N T IL Ensino de matemática na educação infantil Alessandra Negrini Dalla Barba Diego Fogaça Carvalho Ensino de matemática na educação infantil Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Barba, Alessandra Negrini Dalla ISBN 978-85-522-0312-4 1. Matemática – estudo e ensino (elementar). 2. Prática de ensino. I. Carvalho, Diego Fogaça. II. Título. CDD 370.152 Negrini Dalla Barba, Diego Fogaça Carvalho. – Londrina: Editora e Distribuidora Educacional S.A., 2018. 176 p. B228e Ensino de matemática na educação infantil / Alessandra © 2018 por Editora e Distribuidora Educacional S.A. Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida ou transmitida de qualquer modo ou por qualquer outro meio, eletrônico ou mecânico, incluindo fotocópia, gravação ou qualquer outro tipo de sistema de armazenamento e transmissão de informação, sem prévia autorização, por escrito, da Editora e Distribuidora Educacional S.A. Presidente Rodrigo Galindo Vice-Presidente Acadêmico de Graduação Mário Ghio Júnior Conselho Acadêmico Alberto S. Santana Ana Lucia Jankovic Barduchi Camila Cardoso Rotella Danielly Nunes Andrade Noé Grasiele Aparecida Lourenço Isabel Cristina Chagas Barbin Lidiane Cristina Vivaldini Olo Thatiane Cristina dos Santos de Carvalho Ribeiro Revisora Técnica Keila Tatiana Boni Editoração Adilson Braga Fontes André Augusto de Andrade Ramos Leticia Bento Pieroni Lidiane Cristina Vivaldini Olo 2018 Editora e Distribuidora Educacional S.A. Avenida Paris, 675 – Parque Residencial João Piza CEP: 86041-100 — Londrina — PR e-mail: editora.educacional@kroton.com.br Homepage: http://www.kroton.com.br/ Unidade 1 | Tendências pedagógicas e teorias do desenvolvimento_______ Seção 1 - Tendências pedagógicas_________________________________ 1.1 | A organização do trabalho docente para a educação infantil_____________ 1.2 | Algumas tendências pedagógicas____________________________________ 1.2.1 | Escola tradicional ou tendência formalista clássica_________________________ 1.2.2 | Escola Nova ou tendência empírico ativista_____________________________ 1.2.3 | Movimento da matemática moderna________________________________ 1.2.4 | Tendência construtivista_________________________________________ 1.2.5 | Tendência sociointeracionista______________________________________ Seção 2 - Teorias de aprendizagem_________________________________ 2.1 | Introdução às teorias de aprendizagem_____________________________’ 2.2 | Jean Piaget__________________________________________________ 2.2.1 | Acomodação e assimilação na busca pelo equilíbrio__________________ 2.2.2 | Períodos de desenvolvimento mental_____________________________ 2.2.3 | Epistemologia genética e a aprendizagem_________________________ 2.3 | Lev S. Vygotsky_______________________________________________ 2.4 | Henri Wallon_________________________________________________ Unidade 2 | Como as crianças constroem o conceito de número?_________ Seção 1 - A construção do conceito de número realizada pela criança______ 1.1 | Os números no nosso cotidiano___________________________________ 1.2 | Processos mentais básicos______________________________________ 1.3 | A formação do conceito de número_______________________________ Seção 2 - Atividades sobre o conceito de número______________________ 2.1 | Atividades envolvendo a correspondência um a um___________________ 2.2 | Comparação________________________________________________ 2.3 | Classificação_________________________________________________ 2.4 | Sequenciação_______________________________________________ 2.5 | Seriação____________________________________________________ 2.6 | Inclusão____________________________________________________ 2.7 | Conservação________________________________________________ Unidade 3 | Que matemática deve ser abordada na educação infantil?_____ Seção 1 - Organização dos conteúdos matemáticos na educação infantil___ 1.1 | Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil (RCNEI)________________ 1.2 | A criança e a Matemática__________________________________________ 1.3 | Objetivos para a Matemática na educação infantil__________________________ 1.4 | Conteúdos matemáticos para a educação infantil__________________________ 1.4.1 | Crianças de 0 a 3 anos___________________________________________ 1.4.2 | Crianças de 4 a 6 anos__________________________________________ Seção 2 - Organização do tempo e avaliação na educação infantil 115_____ 2.1 | Organização do tempo__________________________________________ 2.2 | Avaliação da aprendizagem_______________________________________ Sumário 7 10 10 11 12 13 14 15 18 51 54 54 56 63 21 21 22 24 27 31 34 38 71 71 74 75 77 78 79 80 91 94 94 97 99 102 104 106 115 115 121 Unidade 4 | Que metodologias podem ser adotadas na educação infantil? Seção 1 - Resolução de problemas, contação de histórias, jogos e atividades lúdicas_______________________________________________ 1. | A Resolução de problemas como metodologia de ensino e aprendizagem de matemática na educação infantil______________________________________ 1.2 | A contação de histórias e o uso da literatura para o ensino de matemática na educação infantil_________________________________________________ 1.3 | A utilização de jogos e brincadeiras para a aprendizagem da matemática no âmbito da educação infantil__________________________________________ 1.4 | Finalizando a seção_____________________________________________ Seção 2 - Etnomatemática e modelagem matemática__________________ 2.1 | Etnomatemática 153____________________________________________ 2.2 | Modelagem matemática na educação matemática_____________________ 131 135 135 142 147 150 153 153 159 Apresentação Este livro que você tem em mãos é fruto de reflexões e estudos de pelo menos três anos que estamos ministrando a disciplina Ensino da Matemática na Educação Infantil no curso de Pedagogia da Universidade Pitágoras Unopar. Procuramos, além de apresentar os conceitos teóricos que sustentam cada uma das unidades, abordar relatos de aplicação e atividades, que têm por objetivo te inspirar, principalmente na realização dos estágios e, em um futuro próximo, quando ocupar a vaga de professor da educação infantil, sua prática docente. Esse livro foi dividido em quatro unidades em que foram abordados os seguintes conteúdos: Na primeira unidade, você estudará a respeito de algumas das tendências pedagógicas, construídas ao longo da história, e que estão diretamente relacionadas ao trabalho pedagógico, além das teorias de desenvolvimento propostas pelos autores Jean Piaget, Lev Vygotsky e Henri Wallon, associando-as com a educação infantil e com a aprendizagem. Na segunda unidade, você conhecerá a forma como a criança constrói o conceito de número, bem como os processos mentais básicos que devem ser mobilizados para essa construção. Na sequência, apresentamos uma série de atividades que podem ser aplicadas e adaptadas para a educação infantil. Na terceira unidade, você conhecerá o Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil e as principais orientações desse documento a respeito do ensino de Matemática na educação infantil, refletindo sobre a organização dos conteúdos, a estruturação das atividades e a avaliação da aprendizagem na etapa de ensino em questão. Por fim, na Unidade 4, você conhecerá algumas tendências da área de educação matemática que poderão ser utilizadas pelo professor da educação infantil em sua prática docente. Trata-se da resolução de problemas, a contação de histórias, uso de jogos e atividades lúdicas, etnomatemática e modelagem matemática. Em todas as tendências, procuramos abordar os conceitos teóricos fundamentais, seguido por exemplos de atividades e relatos de como essas atividadesforam aplicadas, com intuito de que você possa incorporá-las em sua futura prática. É importante ressaltar que ao longo das unidades foram elaboradas questões para a reflexão e atividades de aprendizagem com o intuito que você aplique e reflita sobre o conteúdo abordado. Não esqueça, também, de acessar os links da seção Para saber mais, em que são apresentados artigos e vídeos com o objetivo de que você aprofunde os conhecimentos abordados nas unidades. Antes de nos despedirmos, gostaríamos de agradecer a professora Ma. Keila Tatiana Boni que contribuiu com valiosas críticas para a finalização desse material. Bons estudos! Professora Ma. Alessandra Negrini Dalla Barba Professor Dr. Diego Fogaça Carvalho U1 - Tendências pedagógicas e teorias do desenvolvimento 7 Unidade 1 Tendências pedagógicas e teorias do desenvolvimento Nesta unidade, o objetivo é discutir a respeito de teorias que fundamentam o trabalho pedagógico em sala de aula, relacionadas às principais tendências pedagógicas que foram desenvolvidas ao longo da história, além de algumas das teorias que contribuíram para os estudos acerca do desenvolvimento humano e suas relações com a aprendizagem. Espera-se que, ao final da unidade, você seja capaz de construir um referencial teórico capaz de auxiliá-lo na organização do trabalho relacionado, principalmente, com a Matemática na educação infantil. Nesse referencial, é importante que você compreenda as tendências pedagógicas apresentadas, refletindo sobre suas implicações para a educação infantil, além de compreender as teorias de desenvolvimento proposta pelos autores Jean Piaget, Lev Vygotsky e Henri Wallon, relacionando-as com a aprendizagem. Bons estudos! Objetivos de aprendizagem Nesta seção, serão apresentadas algumas tendências pedagógicas, observando suas implicações pedagógicas e influências na organização do trabalho pedagógico. Entre as diversas tendências, serão destacas as seguintes: Formalista Clássica, Empírico-Ativista, movimento da Matemática Moderna, Construtivista e Sociointeracionista, observando, para algumas delas, os principais teóricos associados. Seção 1 | Tendências pedagógicas Nesta seção, serão discutidas algumas teorias de aprendizagem, entre as quais a epistemologia genética, proposta por Piaget, além das teorias propostas por Vygotsky e Wallon. Em relação à teoria de Piaget, serão apresentados os principais Seção 2 | Teorias de aprendizagem Alessandra Negrini Dalla Barba U1 - Tendências pedagógicas e teorias do desenvolvimento8 conceitos-chave, os períodos de desenvolvimento mental, além de relações que podem ser estabelecidas entre essa teoria e a aprendizagem. A respeito das teorias de Vygotsky e Wallon, serão apresentados os elementos principais, proporcionando reflexões a respeito das implicações pedagógicas destas teorias para a educação infantil. U1 - Tendências pedagógicas e teorias do desenvolvimento 9 Introdução à unidade A organização do trabalho pedagógico vai além da seleção dos conteúdos a serem explorados, pois é necessário também observar o nível de desenvolvimento dos alunos, seus conhecimentos prévios, os objetivos previstos, a estrutura das aulas, os recursos disponíveis, entre outros. Por isso, é fundamental que o professor reflita sobre os vários aspectos que permeiam a organização de seu trabalho para que possa estabelecer objetivos adequados e cumpri-los, proporcionando um ensino de qualidade a seus alunos. Desta forma, na educação infantil, também é necessário avaliar todos esses elementos. Por isso, nest a primeira unidade, temos por objetivo a construção de um referencial teórico que possa auxiliar o professor em seu trabalho, proporcionando reflexões sobre o que é o ensino de Matemática de qualidade na educação infantil, favorecendo os estudos nas unidades subsequentes. Na primeira seção, discutiremos a respeito de algumas tendências pedagógicas desenvolvidas historicamente e que podem influenciar o trabalho não apenas na educação infantil, mas também nas demais etapas de ensino, possibilitando reflexões sobre as contribuições dessas tendências para a estruturação das aulas na educação infantil. Na segunda seção, aprenderemos sobre algumas teorias de aprendizagem importantes e que, em conjunto com as tendências tratadas na primeira seção, podem auxiliar na construção do referencial teórico desejado. Conheceremos as teorias propostas por Jean Piaget, Lev Vygotsky e Henri Wallon, observando as particularidades dos pressupostos teóricos adotados por cada autor. Tenha um bom estudo e procure aproveitar ao máximo o conteúdo proposto, relacionando com os conceitos que você já possui sobre o tema e aprofundando os estudos a partir dos materiais indicados ao longo da unidade e das atividades propostas. U1 - Tendências pedagógicas e teorias do desenvolvimento10 Seção 1 Tendências pedagógicas Introdução à seção Nesta seção, discutiremos a respeito de algumas tendências pedagógicas que foram desenvolvidas historicamente de modo a auxiliar na organização do trabalho pedagógico nas escolas, buscando atender às necessidades sociais de cada momento histórico. Entre as diversas tendências desenvolvidas, serão destacadas a tendência Formalista Clássica, a tendência Empírico-Ativista, o movimento da Matemática Moderna, a tendência Construtivista e a tendência Sociointeracionista, com suas principais características, tendo em vista contribuir com reflexões a respeito do ensino de Matemática de qualidade na educação infantil, considerando as particularidades dessa etapa de ensino. 1.1 A organização do trabalho docente para a educação infantil De acordo com o Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil (BRASIL, 1998), diversos debates vêm sendo realizados nas últimas décadas a respeito do papel das instituições de educação infantil na formação das crianças, destacando que é preciso considerar não apenas o ato de cuidar, mas também o educar, tratando-os de forma integrada, já que não existe a possibilidade de dissociar ambas as ações. Assim, na educação infantil, deve ser oferecida uma educação de qualidade às crianças, buscando favorecer as aprendizagens por meio de situações pedagógicas organizadas e orientadas pelos educadores. Além disso, é importante considerar os contextos sociais e culturais nos quais estão inseridas, sem desvalorizar o cuidado, que corresponde a uma ação fundamental para as crianças que integram essa etapa de ensino (BRASIL, 1998). Por isso, a organização do trabalho docente na educação infantil deve ser realizada considerando formas de desenvolver as capacidades infantis, favorecendo o desenvolvimento integral das crianças. Para U1 - Tendências pedagógicas e teorias do desenvolvimento 11 isso, a construção de um referencial teórico faz-se necessário de modo a auxiliar na organização do trabalho em função dos objetivos estabelecidos. Para a construção desse referencial serão discutidas, no próximo tópico, algumas tendências pedagógicas importantes, as quais podem influenciar diretamente o ponto de vista do educador e sua forma de conduzir o trabalho na educação infantil. Questão para reflexão Com base em seus conhecimentos, quais são as principais características das crianças que estão frequentando a educação infantil? De que forma essas características podem influenciar no trabalho com conceitos matemáticos nessa etapa de ensino? Para saber mais Para contribuir com as reflexões a respeito da importância da Matemática para a formação integral das crianças na educação infantil, estude o artigo Os desafios de ensinar matemática na educação infantil, disponível em <http://educere.bruc.com.br/arquivo/pdf2015/22259_11088. pdf>. Acesso em: 16 ago. 2017. A partir desse estudo, reflita sobre a importância das noções matemáticas para o desenvolvimento infantil. 1.2 Algumas tendências pedagógicas O estudo das tendências pedagógicas é fundamental para a educação, porpossibilitar aos docentes a reflexão sobre as formas de condução do trabalho pedagógico a partir dos objetivos estabelecidos. Por meio do conhecimento das principais tendências desenvolvidas ao longo da história da humanidade podemos avaliar quais foram os avanços e retrocessos observados e de que formas influenciaram os trabalhos nas diversas etapas de ensino. As tendências pedagógicas foram desenvolvidas historicamente com o objetivo de atender às necessidades da sociedade em cada época, o que influenciou diretamente as principais características de cada uma. Além disso, algumas não foram desenvolvidas de forma direcionada à educação infantil. Devido a esses fatores, é importante refletir sobre as características destas tendências que podem auxiliar no desenvolvimento infantil, observando quais estão mais adequadas para U1 - Tendências pedagógicas e teorias do desenvolvimento12 essa etapa de ensino devido às suas particularidades e às características das crianças que a frequentam, observando também o momento histórico no qual estamos inseridos para que também sejam atendidos os anseios sociais, mas, principalmente, para que seja possível proporcionar uma formação integral às crianças da educação infantil. Na sequência serão apresentadas algumas tendências pedagógicas com suas principais características e, em algumas, serão destacados os principais teóricos associados. 1.2.1 Escola Tradicional ou Tendência Formalista Clássica A Escola Tradicional, também chamada de tendência Formalista Clássica ou tendência Liberal Tradicional, surgiu no século XIX, sofrendo influência das ideias da Revolução Francesa. O principal objetivo da escola tradicional era formar indivíduos para assumirem papéis na sociedade, sendo direcionada ao atendimento à burguesia. A escola era responsável pela manutenção do modelo vigente, possibilitando a ascensão da classe burguesa. Assim, o professor possuía um papel autoritário, sendo responsável pela formação de profissionais para a sociedade, como médicos, advogados e engenheiros, por exemplo, além da reprodução das configurações sociais envolvendo a manutenção da elite e da classe dos operários e trabalhadores. Na escola tradicional eram adotados currículos rígidos, bem como exigências com relação à disciplina. Nesse modelo, não existia uma preocupação com a formação de sujeitos críticos, pois os alunos deveriam memorizar as informações transmitidas a eles pelos professores, assumindo papéis passivos, sem direito a questionar a respeito do que lhes era transmitido. O processo avaliativo, em geral, assumia um caráter punitivo, sendo o comportamento um aspecto que poderia influenciar diretamente nesse processo (ARAMAN, 2009). Ainda hoje observamos uma presença significativa desse modelo nas escolas da educação básica e do ensino superior, possivelmente devido à formação dos professores que atuam nessas instituições. U1 - Tendências pedagógicas e teorias do desenvolvimento 13 Questão para reflexão A Tendência Formalista Clássica é adequada para o trabalho com as crianças da educação infantil? Por quê? 1.2.2 Escola Nova ou Tendência Empírico-Ativista O movimento da Escola Nova, também chamado de Escola Progressiva ou tendência Empírico-Ativista, surgiu no final do século XIX, sendo responsável por grandes impactos na modificação dos métodos de ensino, quando comparada ao ensino tradicional. O surgimento dessa tendência se deu como uma crítica à estrutura tradicional das escolas, ocasionando reformas nos sistemas educacionais de vários países. Diferente do ensino tradicional, na Escola Nova os métodos e técnicas estão direcionados ao aluno, considerado o centro da aprendizagem, buscando o desenvolvimento de projetos com foco em áreas de interesse de cada aluno, além da realização de atividades em grupos. Entre os teóricos que integraram esse movimento podemos destacar John Dewey (1859-1952), Maria Montessori (1870-1952), Ovide Decroly (1872-1932), Célestin Freinet (1896-1966), entre outros. Dewey foi um filósofo americano defensor da democracia. Ele considerava que não seria possível dissociar teoria e prática, além de considerar que o ensino não deveria ser imposto, mas estabelecer relações com a realidade dos alunos, devendo estes serem incentivados a desenvolverem suas capacidades de pensar e questionar. Conforme Racy (2012, p. 35): Na escola de Dewey, a educação é um processo de reconstrução e reconstituição da experiência e visa promover o crescimento físico, intelectual e emocional dos jovens, preparando-os para o trabalho e para a atividade prática. O filósofo americano acreditava que, quando os alunos percebem ligações entre as tarefas a serem executadas e o conteúdo prévio existente e quando são estimulados a encontrar soluções e a refletir sobre a realidade e os problemas apresentados, eles têm maior capacidade de se desenvolver. U1 - Tendências pedagógicas e teorias do desenvolvimento14 Esse filósofo também defendia o trabalho em grupos, com o compartilhamento de experiências, pois afirmava que essas atividades podem contribuir com a formação integral dos sujeitos. Maria Montessori formou-se em Medicina na Itália e trabalhou na área de psiquiatria com crianças portadoras de deficiências mentais. A partir desses estudos, Montessori considerou que a aprendizagem ocorre com base no estágio de desenvolvimento no qual a criança se encontra. Em seus trabalhos, essa autora propõe que a escola deveria ter maior preocupação com o desenvolvimento cognitivo dos alunos do que com os conteúdos, defendendo a formação de indivíduos independentes e responsáveis (RACY, 2012). Ovide Decroly é considerado um dos primeiros a abordar os métodos ativos, sendo estes característicos da Escola Nova, além de ser o precursor da interdisciplinaridade. Segundo esse autor, a escola deveria ter como foco o aluno, estimulando a formação de grupos construídos com base em suas faixas etárias e respectivos estágios de desenvolvimento (COELHO, 2014). Assim, analisando as propostas apresentadas, é possível observar que, em geral, a Escola Nova surgiu como uma tendência na qual o aluno deve ser considerado o centro do processo de aprendizagem, sendo necessário que assuma um papel ativo em seu desenvolvimento, enquanto o professor deve ser um facilitador das aprendizagens. A importância do currículo é reduzida em detrimento de uma valorização da preocupação com o desenvolvimento dos alunos, respeitando o ritmo de aprendizagem individual e o nível no qual cada sujeito se enquadra. Questão para reflexão Quais são as contribuições da Escola Nova para o ensino da Matemática na educação infantil? Quais as desvantagens no emprego dessa tendência nas creches e pré-escolas? 1.2.3 Movimento da Matemática Moderna O movimento da Matemática Moderna foi difundido por volta das décadas de 1960 e 1970, ocasionando mudanças significativas no ensino, influenciando inclusive os conteúdos tradicionais da Matemática trabalhados nas escolas, em âmbito internacional. Com esse movimento, houve uma valorização dos aspectos formais U1 - Tendências pedagógicas e teorias do desenvolvimento 15 da Matemática, dando prioridade ao trabalho com a axiomatização, as estruturas algébricas, a lógica e a teoria de conjuntos. A partir dessa proposta, houve a necessidade também de modificar os materiais instrucionais, de forma que os livros didáticos passaram a envolver atividades que exigiam o conhecimento e o domínio da nova simbologia ao invés de exigir aos alunos o raciocínio. Piaget (1984, p. 16-17 apud PINTO, 2005, p. 11) afirmou na década de 1950 que a experiência com esse novo modelo poderia ser prejudicada, pois: Embora seja ‘moderno’ o conteúdo a ser ensinado, a maneira de o apresentar permanece às vezes arcaica do ponto de vista psicológico, enquanto fundamentada na simples transmissão de conhecimentos, mesmo que se tente adotar (e bastante precocemente, do ponto de vista da maneira de raciocinardos alunos) uma forma axiomática [...]. Uma coisa porém é inventar na ação e assim aplicar praticamente certas operações; outra é tomar consciência das mesmas para delas extrair um conhecimento reflexivo e sobretudo teórico, de tal forma que nem os alunos nem os professores cheguem a suspeitar de que o conteúdo do ensino ministrado se pudesse apoiar em qualquer tipo de estruturas naturais. Mantendo uma estratégia muito semelhante ao ensino tradicional, ao longo da história foi possível perceber o alcance desse movimento nos tipos de conceitos abordados nos livros didáticos de Matemática e na organização das aulas da disciplina, o que influenciou diretamente a formação e o trabalho dos professores. Considerando esse panorama histórico, contrário aos pressupostos do ensino tradicional, o qual também é seguido indiretamente pelo movimento da Matemática Moderna, foi desenvolvido o Construtivismo, o qual é tratado no tópico a seguir. 1.2.4 Tendência Construtivista O Construtivismo é considerado como uma postura frente à aquisição do conhecimento, não sendo caracterizado como um método ou técnica. U1 - Tendências pedagógicas e teorias do desenvolvimento16 Construtivismo significa isto: a ideia de que nada, a rigor, está pronto, acabado, e de que, especificamente, o conhecimento não é dado, em nenhuma instância, como algo terminado. Ele se constitui pela interação do indivíduo com o meio físico e social, com o simbolismo humano, com o mundo das relações sociais; e se constitui por força de sua ação e não por qualquer dotação prévia, na bagagem hereditária ou no meio, de tal modo que podemos afirmar que antes da ação não há psiquismo nem consciência e, muito menos, pensamento (BECKER, 1993, p. 88) 1. O conhecimento é ativamente construído pelo sujeito por meio de suas interações e não passivamente recebido do ambiente. 2. O vir a conhecer é um processo adaptativo que organiza o mundo experiencial de uma pessoa, isto é, que não descobre um mundo preexistente e independente da mente do conhecedor. Assim, o Construtivismo é caracterizado pelo fato de que o indivíduo constrói seu conhecimento de forma gradativa a partir de sua interação com o meio físico e com os demais sujeitos, sendo responsável por assumir uma postura ativa frente ao seu desenvolvimento. Apesar de não terem desenvolvido técnicas específicas sob a nomenclatura construtivista, os principais representantes da ideia de que o conhecimento é construído pelos indivíduos a partir de suas experiências, considerando seus níveis de desenvolvimento, são Jean Piaget (1896-1980) – o qual será discutido mais especificamente na próxima seção – e Emilia Ferreiro (1936). O termo “construtivismo” passou a ser empregado por estudiosos em livros e manuais que buscavam discutir a respeito da temática, além do desenvolvimento de abordagens e sistemas que adotavam os princípios construtivistas (COELHO, 2014). Conforme Fiorentini (1995 apud ARAMAN, 2009, p. 7), alguns pressupostos associados à tendência alicerçada no construtivismo podem ser descritos como: U1 - Tendências pedagógicas e teorias do desenvolvimento 17 Considerando os princípios que fundamentam o construtivismo, Lakomy (2003) com base em Fosnot (1998), buscou comparar a estrutura de aulas que adotam a tendência tradicional e o construtivismo, propondo um quadro semelhante ao que segue: Fonte: Adaptado de: Lakomy (2003, p. 36-37). Quadro 1.1 | Diferenças entre as tendências Formalista Clássica e Construtivista Sala de aula baseada na educação tradicional Sala de aula baseada na educação construtivista O currículo obedece de forma rigorosa às regras estabelecidas, sendo elaborado da parte para o todo, valorizando as aptidões básicas. O currículo é flexível, podendo se adaptar às necessidades, sendo construído do todo para as partes e valorizando os conceitos relevantes. Os alunos são vistos como tábulas rasas, sendo o professor o responsável por auxiliar os alunos na memorização das informações. Os alunos possuem papel ativo, sendo pensadores de teorias relacionadas ao mundo. Os conteúdos devem ser transmitidos pelos professores aos alunos. O professor é um mediador entre o aluno e o meio, agindo de forma interativa e de modo a valorizar os questionamentos e as dúvidas dos alunos. No processo avaliativo, o professor tem como foco as respostas corretas, observando se os alunos são capazes de manifestá-las. No processo avaliativo, o professor busca o ponto de vista do aluno, buscando compreender suas concepções atuais. Os alunos, em geral, trabalham de maneira individual. Os alunos, em geral, desenvolvem seus trabalhos e atividades em grupos. Ao analisar o quadro apresentado, podemos observar muitas diferenças em relação aos aspectos do ensino e aprendizagem que são valorizados segundo cada tendência. Diferente do tradicional, na tendência construtivista há maior valorização no trabalho do aluno, nos seus pontos de vista, além de um processo avaliativo que busca investigar o desenvolvimento do aluno e não apenas sua possibilidade de apresentar as respostas esperadas para os problemas propostos. U1 - Tendências pedagógicas e teorias do desenvolvimento18 Para saber mais Para maiores informações a respeito da Escola Tradicional e do Construtivismo, estude o artigo Paradigmas contemporâneos de educação: escola tradicional e escola construtivista, disponível no link: <http://www.scielo.br/pdf/cp/n107/n107a08.pdf>. Acesso em: 16 ago. 2017. A partir dos conceitos estudados por meio do artigo e das informações dessa seção, compare as duas tendências, destacando as principais semelhanças e diferenças observadas, além das contribuições de cada uma para o ensino. Questão para reflexão Quais são as contribuições do Construtivismo para o ensino da Matemática na educação infantil? Quais características dessa tendência podem auxiliar as crianças da educação infantil no processo de construção de conhecimentos matemáticos? 1.2.5 Tendência Sociointeracionista Na perspectiva sociointeracionista, o processo de ensino- aprendizagem é fundamental por ser constituído de conteúdos organizados e que podem ser repassados por meio de interações sociais, visando ao desenvolvimento cognitivo dos sujeitos e possibilitando a integração dos sujeitos no meio social. De acordo com Vygotsky (1988), importante teórico dessa tendência e que será discutido mais especificamente na próxima seção, a aprendizagem ocorre por meio da interação dos indivíduos com o meio, sendo esta influenciada diretamente pelo contexto no qual está inserido – considerando os aspectos sociais, históricos e culturais associados – e possibilitada pela mediação realizada por instrumentos e signos. A aprendizagem e o desenvolvimento cognitivo são processos indissociáveis, por estarem inter-relacionados, de forma articulada (MOREIRA, 2011). Assim, de acordo com esse teórico, para que haja o desenvolvimento cognitivo, é importante valorizar as interações sociais, incentivando o uso da linguagem, por ser este um dos principais sistemas simbólicos que podem mediar o processo de aprendizagem. Além disso, é necessário considerar também o nível de desenvolvimento de cada indivíduo, partindo desta análise prévia para que possa selecionar a melhor forma de abordar cada conteúdo em sala de aula (STOLTZ, 2012). U1 - Tendências pedagógicas e teorias do desenvolvimento 19 Questão para reflexão Quais são as contribuições das tendências apresentadas para o trabalho pedagógico nas creches e pré-escolas? Considerando as tendências apresentadas, e observando as diferenças presentes em seus pressupostos teóricos, podemos observar que o professor, ao organizar seu trabalho, pode adotar diferentes estratégias, de acordo também com seu ponto de vista a respeito de como proporcionar um ensino de qualidade a seus alunos. Por isso, para que seja desenvolvido um trabalho que esteja voltado à educação infantil, proporcionando não apenaso cuidado, mas também incentivando o desenvolvimento integral das crianças, é fundamental que o professor conheça diferentes teorias e reflita sobre como elas podem contribuir com o trabalho pedagógico, buscando selecionar aquelas que se adequem aos seus objetivos e possam favorecer a aprendizagem significativa dos educandos. Atividades de aprendizagem 1. Considerando as características das principais tendências pedagógicas construídas ao longo da história e que ainda hoje orientam a organização do trabalho pedagógico, analise as afirmações apresentadas a seguir: I. De acordo com a tendência Empírico-Ativista, o professor é considerado o detentor do conhecimento e deve assumir a posição de responsável por transmiti-lo aos alunos, adotando a concepção de que a inteligência é inata. II. Para a tendência Formalista Clássica, os alunos possuem autonomia para o desenvolvimento de suas próprias estratégias de estudo, de modo que o professor é considerado apenas um facilitador da aprendizagem. III. Conforme a tendência Construtivista, o conhecimento não é adquirido de algo já existente nos objetos, mas construído a partir da interação do sujeito com o objeto e com o meio. A partir das afirmações apresentadas, assinale a alternativa correta: a) Apenas a afirmação II está correta. b) Apenas a afirmação III está correta. c) Apenas as afirmações I e II estão corretas. d) Apenas as afirmações I e III estão corretas. e) Apenas as afirmações II e III estão corretas. U1 - Tendências pedagógicas e teorias do desenvolvimento20 2. Conforme apresentado por Araman (2009, p. 2-3), “na educação matemática existem tendências pedagógicas que historicamente têm respondido aos anseios sociais de cada época”, ou seja, as tendências foram sendo desenvolvidas ao longo da história, considerando as necessidades da sociedade em cada período. Com base no assunto apresentado, descreva as principais características da tendência Formalista Clássica e da tendência Construtivista. U1 - Tendências pedagógicas e teorias do desenvolvimento 21 Seção 2 Teorias de aprendizagem Introdução à seção Nesta seção, discutiremos a respeito das teorias de aprendizagem e sua relação com a educação infantil. Entre as principais teorias, analisaremos as características da epistemologia genética proposta por Piaget, buscando uma compreensão a respeito de alguns dos conceitos-chave de sua teoria e os períodos de desenvolvimento mental propostos por ele para analisar, principalmente, como se dá o desenvolvimento dos indivíduos em seus primeiros anos de vida. Também avaliaremos as teorias propostas por Lev S. Vygotsky e Henri Wallon, observando suas principais características e suas implicações pedagógicas para o ensino da Matemática na educação infantil. 2.1 Introdução às teorias de aprendizagem Uma teoria de aprendizagem pode ser vista como uma construção humana com o objetivo de interpretar de forma sistemática a área da aprendizagem. Por meio dessas teorias, os autores/pesquisadores podem expor seus pontos de vista a respeito da aprendizagem, indicando as variáveis envolvidas, tendo como objetivo explicar o que é a aprendizagem e seu funcionamento (MOREIRA, 2011). Existem diversos autores que discutem a respeito de teorias relacionadas ao desenvolvimento humano. Apesar do fato de nem todas terem sido desenvolvidas com fi ns educacionais, como é o caso da teoria proposta por Jean Piaget, muitas são tratadas como teorias da aprendizagem pela possibilidade de associação entre o desenvolvimento cognitivo e a aprendizagem. Para saber mais Além das teorias propostas por Piaget, Vygotsky e Wallon – as quais serão discutidas nas próximas seções –, outros autores discutem a respeito de teorias da aprendizagem, partindo de diferentes pressupostos. Para mais informações a respeito de outras teorias sobre o tema, estude o U1 - Tendências pedagógicas e teorias do desenvolvimento22 artigo Teorias de aprendizagem e o ensino/aprendizagem das ciências: da instrução à aprendizagem, acessando o link: <http://pepsic.bvsalud. org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-85572003000100002>. Acesso em: 12 ago. 2017. A compreensão a respeito do desenvolvimento dos sujeitos pode contribuir com a elaboração de propostas pedagógicas de qualidade na educação infantil, no entanto, esse tipo de conhecimento não é suficiente para a promoção de um ensino de qualidade nas creches e pré-escolas. De acordo com Oliveira (2011, p. 128): O educador deve conhecer não só teorias sobre como cada criança reage e modifica sua forma de pensar, falar e construir coisas, mas também o potencial de aprendizagem presente em cada atividade realizada na instituição de educação infantil. Deve também refletir sobre o valor dessa experiência enquanto recurso necessário para o domínio de competências consideradas básicas para todas as crianças terem sucesso em sua inserção em uma sociedade concreta. Logo, é importante que o professor reflita sobre todos os aspectos necessários para que as crianças se desenvolvam por completo, buscando incentivá-las da melhor forma possível e propondo atividades que sejam significativas e contribuam de forma efetiva para seu aprendizado, respeitando as fases de desenvolvimento dos indivíduos. De modo a possibilitar melhor compreensão a respeito do desenvolvimento infantil, principalmente em relação à Matemática, umas das teorias mais importantes é a proposta por Jean Piaget, e será discutida a seguir. 2.2 Jean Piaget Jean Piaget (1896-1980) nasceu na Suíça, na cidade de Neuchâtel, demonstrando desde cedo um interesse pelas ciências e pela natureza. Biólogo de formação, dedicou parte de suas pesquisas à Psicologia, buscando estudar a respeito do desenvolvimento cognitivo infantil, de modo que suas propostas configuram uma teoria construtivista para U1 - Tendências pedagógicas e teorias do desenvolvimento 23 o desenvolvimento mental de tal forma que, atualmente, chega-se a confundir o construtivismo com a teoria proposta por ele, denominada epistemologia genética. Assim como apresentado por Moreira (2011, p. 95): A posição filosófica de que o conhecimento humano é uma construção do próprio homem, tanto coletiva como individual, é bastante antiga. Mas neste século [XX], Piaget é, sem dúvida, o pioneiro do enfoque construtivista à cognição humana. Suas propostas configuram uma teoria construtivista do desenvolvimento cognitivo humano. O objetivo de Piaget, com o desenvolvimento de sua teoria, não era explicar o processo de aprendizagem pelo qual os indivíduos passam ao longo de toda a sua vida, mas sim analisar o desenvolvimento cognitivo a partir do ponto de vista biológico, fato este relacionado à sua formação. No entanto, devido às características apresentadas em sua teoria, é possível estabelecer relações com a aprendizagem, principalmente quando consideramos os tipos de conhecimentos apresentados por ele, os conceitos-chave de sua teoria e os períodos de desenvolvimento mental, temas que serão tratados nesta seção. A partir da teoria de Piaget, o professor da educação infantil pode organizar seu trabalho de modo a respeitar a fase de desenvolvimento de seus alunos e propor atividades que possam auxiliá-los na superação das dificuldades características de cada fase. Questão para reflexão Qual a importância do estudo da epistemologia genética, proposta por Piaget, para a estruturação das atividades relacionadas à Matemática na educação infantil? Segundo Piaget (1967), o desenvolvimento psíquico está orientado para a estabilidade, e não para a imobilidade, ou seja, ao longo de seu desenvolvimento, o indivíduo busca um equilíbrio em sua estrutura cognitiva. Assim, em seu processo de desenvolvimento, o ser humano parte de um estado em que existe um menor equilíbrio para outro estágio de maior equilíbrio com base no conhecimento (PILETTI; ROSSATO, 2012). Além disso, de acordo com Piaget, a inteligência não U1 - Tendências pedagógicas e teoriasdo desenvolvimento24 é inata, mas construída por meio da interação com o meio físico e social (STOLTZ, 2012). Assim, para esclarecer, em sua teoria, a importância do equilíbrio para o desenvolvimento dos indivíduos e a construção do conhecimento, esse autor considerou alguns conceitos-chave, estabelecendo relações entre eles na busca por uma justificativa a respeito do processo de desenvolvimento. Entre estes conceitos podemos destacar a assimilação e a acomodação, descritos a seguir. 2.2.1 Acomodação e assimilação na busca pelo equilíbrio Conforme Stoltz (2012), para Piaget, o desenvolvimento – o processo de equilibração – corresponde à busca por um equilíbrio, sendo um processo no qual podem surgir novas formas de conhecimento. Durante o desenvolvimento, desde a infância até a fase adulta, são modificadas as formas como os indivíduos compreendem o mundo, como organizam a atividade mental, apesar das funções permanecerem as mesmas. Assim, o processo de adaptação, no qual o homem busca solucionar um problema e/ou satisfazer alguma necessidade, é a função constante do desenvolvimento. Considerando os estudos realizados por Piaget, envolvendo inclusive a observação das ações de crianças, o desenvolvimento cognitivo desses sujeitos, relacionado ao processo de adaptação, ocorre a partir dos processos de assimilação e acomodação, influenciando diretamente os esquemas. A adaptação é um processo dinâmico e contínuo, no qual a estrutura do organismo interage com o meio externo para se reconstituir e criar uma nova significação para o sujeito. O que é adaptado é, depois, organizado em sistemas coerentes na mente deste (STOLTZ, 2012, p. 18). Os esquemas são as estruturas mentais ou cognitivas a partir das quais os indivíduos organizam o meio e se adaptam a ele. Essas estruturas podem se modificar em função do desenvolvimento cognitivo, tornando-se cada vez mais refinadas. Os esquemas não são objetos, mas conceitos ou categorias empregados no processamento e identificação dos estímulos a que os sujeitos são expostos, tendendo a incorporar os elementos que lhes são exteriores e compatíveis com sua natureza (ARAMAN, 2009). É a partir dos processos de assimilação e acomodação que ocorre o crescimento cognitivo da criança, o qual influencia significativamente nos esquemas que o indivíduo já possui. U1 - Tendências pedagógicas e teorias do desenvolvimento 25 Fonte: adaptado de Piaget (1967). Figura 1.1 | Processo de equilibração segundo Piaget Equilibração Acomodação AssimilaçãoAdaptação Questão para reflexão Os esquemas presentes nas estruturas cognitivas das crianças e dos adultos são iguais? Por quê? No processo de assimilação, o sujeito busca incorporar novos objetos aos esquemas que já possui, que foram organizados previamente em sua estrutura cognitiva. Por exemplo, quando propomos a uma criança a medição do comprimento de um objeto, esta usa o esquema de “medir” para assimilar esta situação, de modo que, neste caso, não existem modificações cognitivas, devido ao conhecimento que se tem da realidade não ter sido alterado (MOREIRA, 2011). Logo, por meio da assimilação, o indivíduo pode adquirir uma primeira compreensão da realidade, o que não significa que, necessariamente, essa compreensão seja completa, sendo um fato dependente dos esquemas que já possui. No caso do exemplo da medição, dependendo do nível de desenvolvimento, pode ser que a criança obtenha uma informação incorreta devido à ausência, em sua estrutura cognitiva, de esquemas adequados para o trabalho com a medição. Se apenas a assimilação fosse responsável pela interpretação do conhecimento, não seria possível compreender a ocorrência de avanços. Por esse fato, a assimilação é constantemente associada ao processo de acomodação (STOLTZ, 2012). A acomodação pode ser caracterizada como o processo de ajuste do sujeito ao novo objeto. Quando um sujeito não consegue assimilar determinada situação, sua mente desiste ou se modifica, sendo este segundo caso a situação em que o sujeito passa por acomodação, pois U1 - Tendências pedagógicas e teorias do desenvolvimento26 existe modificação nos esquemas que já estão presentes na estrutura cognitiva do sujeito ou criação de novos esquemas para a integração desse novo estímulo. De acordo com Moreira (2011, p. 100), é “por meio das acomodações (que, por sua vez, levam à construção de novos esquemas de assimilação) que se dá o desenvolvimento cognitivo”. Considerando o exemplo da medição, por meio de intervenções do professor ou de outros colegas, ou ainda de materiais de apoio, a criança pode aprender a trabalhar com os instrumentos de medidas e obter o comprimento correto do objeto em estudo. Questão para reflexão Considerando as características dos processos de assimilação e acomodação, por que os indivíduos não podem apenas acomodar sem assimilar? De acordo com Stoltz (2012), se os indivíduos apenas acomodassem os estímulos seria possível apenas imitar, dificultando o emprego desse conhecimento em outras situações. Por isso, não existe acomodação sem assimilação, estes processos são indissociáveis entre si, sendo que o equilíbrio entre eles resulta na adaptação do indivíduo às novas situações. No caso da Matemática, por exemplo, considere que um estudante precisa resolver um problema, se a forma de resolução é conhecida por ele, então poderá resolvê-lo facilmente e assimilá-lo, porém, se não conhece a forma, será necessário estudar e adquirir novos conhecimentos de modo a possibilitar uma acomodação, implicando uma mudança em sua compreensão e no conhecimento da forma de resolução para o problema. Assim, conforme Moreira (2011, p. 101): Os esquemas de assimilação representam, portanto, a forma de agir do organismo (mente) frente à realidade [...]. Em um alto nível de desenvolvimento cognitivo, um esquema de assimilação pode ser, por exemplo, uma teoria, mas para chegar até lá um longo caminho deve, sem dúvida, ser percorrido, passando pelos esquemas de assimilação característicos dos períodos de desenvolvimento mental. O desenvolvimento da criança é uma “construção” por reequilibrações e reestruturações sucessivas. U1 - Tendências pedagógicas e teorias do desenvolvimento 27 Sendo assim, conforme Piaget, a criança se desenvolve por meio da ampliação e do refinamento dos esquemas que compõem sua estrutura cognitiva, mas desde que sejam respeitados os períodos de desenvolvimento mental nos quais se encontram. 2.2.2 Períodos de desenvolvimento mental Outro aspecto importante da epistemologia genética, proposta por Piaget, são os períodos de desenvolvimento mental, também chamados de fases de transição. Em cada período, as crianças desenvolvem determinadas estruturas cognitivas, confirmadas pelo seu comportamento. Fonte: adaptado de Piaget (1967). Figura 1.2 | Períodos de desenvolvimento mental segundo Piaget Período sensório-motor (0 a 2 anos) Período pré- operatório (2 a 7 anos) Período das operações concretas (7 a 12 anos Período das operações formais (a partir dos 12 anos) O primeiro período é chamado de sensório-motor, iniciando com o nascimento até por volta dos dois anos de idade. Nessa fase a criança está descobrindo o mundo ao seu redor, reagindo por meio de suas sensações. Logo após o nascimento, observa-se o predomínio de ações do tipo reflexo que, com o amadurecimento do sistema nervoso da criança e sua interação com o meio, modificam-se de modo a aperfeiçoar os esquemas presentes deste seu nascimento. “A criança, nesse estágio, não diferencia o seu eu do meio que a rodeia: ela é o centro e os objetos existem em função dela. Suas ações não são coordenadas, cada uma delas é ainda algo isolado e a única referência comum e constante é o próprio corpo” (MOREIRA, 2011, p. 97). Segundo Piaget (1967), os reflexos são gradativamente substituídos, nessa fase, pelas primeiras construções sensório-motoras, como é o caso dos esquemas de sucção, preensão, entreoutras, construídas a partir da interação do bebê com objetos e pessoas. De acordo com Stoltz (2012), nessa fase, é fundamental estimular a criança para a interação com objetos de texturas, cores e sons diferentes, possibilitando o reconhecimento de seu espaço com seus movimentos. U1 - Tendências pedagógicas e teorias do desenvolvimento28 Na fase seguinte, denominada pré-operatória, a qual costuma se prolongar dos dois aos sete anos de idade, é possível verificar o início da representação simbólica, principalmente com o desenvolvimento da linguagem, da imagem mental, dos desenhos e imitações. Nesse período, observa-se a presença do egocentrismo psíquico, o qual dificulta a percepção, pela criança, de que suas necessidades, desejos e interesses podem ser diferentes dos demais indivíduos e que pessoas diferentes podem possuir pensamentos distintos, o que permite à criança imaginar-se como o centro do universo. Dentre as manifestações do egocentrismo (STOLTZ, 2012), podemos citar: • Animismo: a criança acredita que os objetos e os demais seres vivos também possuem características semelhantes ao ser humano; • Artificialismo: a criança acredita que o ser humano criou os fenômenos naturais; • Realismo: a criança crê que as palavras, retratos, sonhos e/ou sentimentos existem de forma objetiva. Também é possível observar nessa fase a presença dos “porquês”, ou seja, as crianças questionam sobre tudo o que as cerca. Questão para reflexão Grande parte das crianças da educação infantil encontram-se na fase pré-operatória. Sendo assim, como o professor da educação infantil pode organizar seu trabalho considerando as características das crianças que se encontram nessa fase? Apesar da evolução em comparação com o estágio anterior, na fase pré-operatória as crianças não apresentam a reversibilidade mental e a lógica da conservação. A reversibilidade mental permite a compreensão através do conhecimento do processo que levou dado objeto, fato ou fenômeno a ser o que é [...]. Quando a criança consegue retornar mentalmente ao ponto de partida, apreendendo o processo de transformação que levou a dado resultado, ela compreende o processo (STOLTZ, 2012, p. 31-32). U1 - Tendências pedagógicas e teorias do desenvolvimento 29 Em relação à conservação, as crianças apresentam incapacidade de compreender que a mudança na aparência ou aspecto pode não interferir nas quantidades, pois sua atenção, em geral, volta-se apenas para um aspecto por vez. Por exemplo, suponha que seja apresentado à criança dois copos de mesmo formato, ambos com as mesmas quantidades de água. Ao transferir todo o conteúdo de um dos copos para outro, mais alto e fi no, conforme destacado na Figura 1.3, a criança pode apresentar difi culdade em observar que, apesar de apresentarem formatos diferentes, ambos os recipientes armazenam as mesmas quantidades de líquido. Essa difi culdade está associada à reversibilidade, pois se a criança fosse capaz de coordenar os momentos anteriores, estaria apta a apresentar uma resposta correta. Fonte: elaborada pelo autor. Figura 1.3 | Conservação Questão para reflexão De que forma o professor da educação infantil pode incentivar o desenvolvimento da reversibilidade e da conservação pelas crianças? O período das operações concretas, que corresponde ao terceiro estágio, é observado, em geral, por volta dos sete aos doze anos, coincidindo parcialmente com o período do ensino fundamental. Devido a uma progressiva descentração em relação ao egocentrismo, a criança torna-se capaz de concentrar-se, desenvolver trabalhos individuais e em grupos, além do seu pensamento estar mais regulado por regras do que pela percepção, estando apta a descobrir a lógica presente nas relações e nas ações. A criança, nesse período, já manifesta um pensamento reversível, percebendo que cada operação está associada a uma operação inversa, relação presente, por exemplo, entre U1 - Tendências pedagógicas e teorias do desenvolvimento30 as operações de adição e subtração na Matemática. De acordo com suas pesquisas, Piaget concluiu que nesse estágio a criança está apta a consolidar as noções de conservação de número, de quantidade, de volume e de peso, analisando o mundo de forma lógica ou operatória, porém, ainda possui uma necessidade direta do mundo concreto para lidar com abstrações de modo que as operações realizadas por elas incidem diretamente sobre objetos reais, possuindo dificuldades para operar com hipóteses (PILETTI; ROSSATO, 2012). Com o período seguinte, das operações formais, que tem início por volta dos 12 anos e se estende até a vida adulta, tem início um grupo de estruturas que possibilita a reorganização dos conhecimentos construídos no estágio anterior. Conforme Stoltz (2012, p. 39): As estruturas operatório-formais avançam em relação às operatório-concretas porque as possibilidades, já iniciadas neste último período, estendem-se ao infinito. Não há mais limitação do real conhecido e vivido. É possível propor teorias a partir do que nunca se viveu ou experimentou no mundo real, simplesmente pela capacidade ampliada de dedução. Assim, uma característica importante nesse período é o raciocínio proposicional, marcado pela possibilidade de deduzir informações com base na linguagem e em experiências anteriores, sem necessidade de recorrer diretamente aos objetos concretos, atingindo o modo adulto de pensar. Além disso, é possível observar também a formação da personalidade de cada indivíduo e sua inserção no mundo adulto. De acordo com Piaget (1967), a sequência dos períodos de desenvolvimento é sempre a mesma para todos os indivíduos, ou seja, todas as crianças devem passar pelos períodos citados na ordem que foram apresentados na epistemologia genética. Porém, é possível ocorrer variações em relação ao ritmo de desenvolvimento e às faixas etárias nas quais os indivíduos manifestam as características dominantes de cada período. U1 - Tendências pedagógicas e teorias do desenvolvimento 31 Questão para reflexão Quais as implicações pedagógicas da teoria de Piaget para o ensino da Matemática na educação infantil? 2.2.3 Epistemologia genética e a aprendizagem Piaget (1967), em sua teoria, também propõe caracterizações para o conhecimento construído pelo indivíduo ao longo de seu desenvolvimento cognitivo, categorizado como: conhecimento físico, conhecimento lógico-matemático e conhecimento social. O conhecimento físico está relacionado às propriedades físicas dos objetos. Este tipo de conhecimento é construído pelo indivíduo a partir da manipulação dos objetos, por meio de observações e de outras ações executadas por ele, construindo, entre outras, as noções de tamanho, espessura, textura, descoberta das diferentes cores. Assim, este conhecimento é obtido diretamente da interação com os objetos por meio de abstração empírica (ARAMAN, 2009). Por outro lado, o conhecimento lógico-matemático está relacionado com a possibilidade de estabelecer relações mentais, muitas vezes, a partir dos conhecimentos físicos. Este tipo de conhecimento é construído por meio de abstração reflexiva, de modo que as relações estabelecidas não estão presentes diretamente nos objetos, mas na forma como o sujeito os analisa. Associado à esta categoria, temos o desenvolvimento das noções de número, massa, volume, área, velocidade, tempo, entre outros (ARANÃO, 2007). Apesar de defender a construção do conhecimento pelo indivíduo, Piaget não descarta a necessidade da interação do indivíduo com a sociedade. O conhecimento social, como é o caso da linguagem, é obtido por meio das ações do sujeito e das interações sociais, por isso existe a necessidade das experiências com outros para que ocorra o desenvolvimento cognitivo. No caso da Matemática, por exemplo, apesar da construção do conceito de número estar diretamente associada ao conhecimento lógico-matemático, o conhecimento da sequência numérica e as nomenclaturas são construídoshistoricamente e convencionados socialmente, sendo transmitidos por meio das interações sociais (ARAMAN, 2009). Considerando a epistemologia genética, podemos observar que U1 - Tendências pedagógicas e teorias do desenvolvimento32 as crianças se desenvolvem cognitivamente por meio da ampliação e refinamento de seus esquemas – processos decorrentes da assimilação e da acomodação – na busca por um estado de equilíbrio. Assim, para que ocorra a aprendizagem, ou seja, o aumento do conhecimento, é necessário que o esquema de assimilação sofra acomodação (MOREIRA, 2011). Devido a esse fato, nas instituições de ensino é necessário a organização do trabalho pedagógico voltado à proposição de tarefas significativas e que contribuam para a ocorrência desses processos. Colocar o indivíduo diante de fontes de desequilíbrio, proporcionando meios e instrumentos para que possam superar suas dificuldades, é uma estratégia importante para que os alunos possam crescer cognitivamente de modo a atingir um estado de equilíbrio no qual existam esquemas cada vez mais refinados e capazes de auxiliá-lo no trabalho com as mais diversas situações. Além disso, ao analisarmos os períodos de desenvolvimento mental, podemos verificar que o pensamento dos indivíduos deve, ao longo de seu desenvolvimento, atingir diferentes estágios, de tal forma a se estruturar para que o sujeito possa lidar, dentre outros, com a abstração e com a reflexão a partir de hipóteses, sem a necessidade de recorrer diretamente ao concreto, adquirindo uma certa flexibilidade em seu pensamento. No entanto, assim como é apresentado por Piaget (1967), existem dificuldades inerentes a cada estágio e que são próprias do processo de desenvolvimento cognitivo. Por isso, na estruturação das atividades a serem propostas na escola, com base na epistemologia genética, é necessário considerar os estágios em que os alunos se encontram para que as atividades sejam significativas, proporcionando desafios pelos quais os alunos consigam se desenvolver e ampliar sua estrutura cognitiva. Em síntese, para Piaget (1967), a construção do conhecimento em sala de aula deve ser realizada de forma gradativa e sem que haja a pura e simples transmissão do conhecimento pelo professor. O aluno deve ser incentivado a assumir uma postura ativa, sendo colocado diante de situações que provoquem um desequilíbrio em sua estrutura cognitiva de modo que, a partir da percepção, da observação e da experimentação, possa superar suas dificuldades, desenvolvendo novos esquemas ou refinando os que já possui, mas desde que seja respeitado o período de desenvolvimento no qual se encontra. U1 - Tendências pedagógicas e teorias do desenvolvimento 33 Logo, considerando a teoria de Piaget, é importante que o professor reflita a respeito dos pressupostos teóricos, e que esteja apto a analisar os níveis de desenvolvimento dos alunos pelos quais está responsável, de modo a organizar seu trabalho favorecendo o seu desenvolvimento, de acordo com suas habilidades e seus conhecimentos. Para saber mais Para aprofundar os estudos a respeito da epistemologia genética, proposta por Piaget, estude o artigo Fundamentos da Teoria Piagetiana: esboço de um modelo, disponível no link <http://www.rchunitau.com. br/index.php/rch/article/viewFile/192/99>. Acesso em: 13 ago. 2017 Atividades de aprendizagem 1. De acordo com Jean Piaget, em sua epistemologia genética, o desenvolvimento cognitivo é descrito por períodos, os quais são caracterizados pelo surgimento de novas estruturas que os distinguem dos demais, além de favorecerem a compreensão do processo da construção do conhecimento pelo ser humano. Associe os períodos de desenvolvimento (representados por I, II e III) com suas respectivas características (indicadas por A, B e C): Assinale a alternativa que indica as associações corretas: a) I – A; II – B; III – C. b) I – A; II – C; III – B. c) I – B; II – A; III – C. d) I – B; II – C; III – A. e) I – C; II – B; III – A. I. Pré-operatório. II. Operatório concreto. III. Operatório formal. A. A criança apresenta o desenvolvimento da linguagem e de outras formas de representação. Seu raciocínio nesse estágio é pré-lógico. B. As estruturas cognitivas da criança a possibilitam aplicar o raciocínio lógico a qualquer classe de problemas. C. A criança começa a apresentar a capacidade de aplicar o pensamento lógico em problemas concretos. U1 - Tendências pedagógicas e teorias do desenvolvimento34 2. Piaget estudou a respeito das construções psicológicas associadas às operações matemáticas nas crianças, defendendo o fato de que o desenvolvimento da inteligência matemática nas crianças pode ocorrer, primeiramente, quando elas aprendem conceitos matemáticos sem perceber que se trata de Matemática, resolvendo-os em função de suas inteligências, em que “todo aluno normal é capaz de um bom raciocínio matemático desde que se apele para a sua atividade e se consiga assim remover as inibições afetivas que lhe conferem com bastante frequência um sentimento de inferioridade nas aulas que versam sobre essa matéria” (PIAGET, 2005, p. 57). A partir de seus estudos, Piaget apresentou a caracterização de três tipos de conhecimento: físico, social e lógico-matemático, fundamentais para a construção do conceito de número pela criança. Descreva cada um desses tipos de conhecimento sistematizados por Jean Piaget. 2.3 Lev S. Vygotsky Lev Semionovitch Vygotsky (1896-1934) é considerado o principal representante da Psicologia Histórico-Cultural. Em contraposição a Piaget, Vygotsky defende que o desenvolvimento cognitivo não pode ocorrer sem que haja referência direta aos contextos social, histórico e cultural (MOREIRA, 2011). Assim, ele valoriza tanto o aspecto biológico quanto o social para compreender o desenvolvimento cognitivo dos indivíduos. Em sua teoria, Vygotsky valoriza algumas funções que possibilitam diferenciar os homens dos animais, denominadas por ele como funções psicológicas superiores e que podem ser caracterizadas como as ações que são controladas de forma consciente, como a memorização ativa, a atenção voluntária, o pensamento abstrato e o comportamento intencional (STOLTZ, 2012). Conforme Coelho (2014, p. 81), “o desenvolvimento mental se inicia quando a criança passa a inibir suas funções primitivas e começa a desenvolver formas complexas de adaptação, ou suas funções psicológicas superiores”. Assim, essas funções têm origem social e seu desenvolvimento em um processo histórico, surgindo inicialmente nas relações sociais, nas interações com outros sujeitos, para que, posteriormente, possam ser reguladas e controladas pelo próprio indivíduo, ou seja, aos poucos o mundo externo passa a ser internalizado pelo sujeito. U1 - Tendências pedagógicas e teorias do desenvolvimento 35 Questão para reflexão Como as relações sociais podem ser convertidas em funções psicológicas? Para Vygotsky (1988), a conversão de relações sociais em funções psicológicas só pode ser realizada por meio de um processo de mediação, não sendo direta. Nesse processo, é imprescindível o emprego de instrumentos e signos. Esse autor “compreende que o nosso desenvolvimento está vinculado à natureza e à qualidade das mediações que realizamos ou das quais participamos, bem como ao quanto aprendemos a fazer uso de instrumentos da cultura” (PILLETI; ROSSATO, 2012, p. 84). Os instrumentos são ferramentas que possibilitam a transformação do ambiente, podendo ser utilizados para realizar algo. Por outro lado, os signos são sistemas simbólicos utilizados na representação de algo, entre os quais podemos citar os números, que são signos matemáticos, e os signos linguísticos. Os instrumentos e os sistemas simbólicos são criados e modificados historicamente pelas sociedades, influenciando seu desenvolvimento social e cultural (MOREIRA, 2011). Entre os diversos sistemas simbólicos existentes, para Vygotsky (1987), a linguagem é o mais importante parao desenvolvimento cognitivo dos indivíduos, por permitir que se afastem cada vez mais dos contextos concretos, auxiliando na flexibilização do pensamento conceitual e proposicional. Desta forma, “a fala é extremamente importante no desenvolvimento da linguagem. Portanto, o desenvolvimento da fala deve ser, na perspectiva de Vygotsky, um marco fundamental no desenvolvimento cognitivo da criança” (MOREIRA, 2011, p. 112). Por meio da linguagem, os indivíduos podem reestruturar seus pensamentos, pois para transmitir verbalmente uma informação é preciso, previamente, reorganizar seus conhecimentos para que possam ser transmitidos de forma clara aos demais indivíduos. De acordo com Stoltz (2012, p. 57): U1 - Tendências pedagógicas e teorias do desenvolvimento36 Para Vygotsky (1994) [...], pensamento e linguagem se unem graças ao trabalho humano. Com o trabalho, refinou-se o uso de instrumentos [e signos] e surgiu a necessidade de planejamento para uma ação coletiva, o que levou ao aprimoramento da comunicação social. Desenvolveu-se, assim, durante o trabalho, a necessidade de intercâmbio dos indivíduos, o que determinou um salto no desenvolvimento humano. O pensamento verbal é o mais presente na ação psicológica especificamente humana. Questão para reflexão Considerando a perspectiva de Vygotsky, de que forma a linguagem pode favorecer a construção de conhecimentos matemáticos pelas crianças na educação infantil? Outro conceito fundamental da teoria proposta por Vygotsky é a zona de desenvolvimento proximal (ZDP), criada para auxiliar na compreensão do processo de internalização, fundamental para o desenvolvimento cognitivo dos sujeitos. De acordo com o autor, a zona de desenvolvimento proximal é caracterizada pela distância entre o nível de desenvolvimento atual ou real do indivíduo – ou seja, a capacidade que possui para resolver problemas de forma independente, considerando as funções que já foram desenvolvidas por ele – e seu nível de desenvolvimento potencial – isto é, a capacidade de responder sob orientações externas a ele, como na associação com sujeitos mais capazes, por exemplo (OLIVEIRA, 2011). A zona de desenvolvimento proximal pode ser interpretada como uma medida do potencial de aprendizagem dos indivíduos, correspondendo à região na qual ocorre o desenvolvimento cognitivo. Desta forma, para que a aprendizagem ocorra, as interações sociais devem ser realizadas na zona de desenvolvimento proximal, que por sua vez é dinâmica, modificando-se em função do desenvolvimento dos indivíduos. Cada indivíduo pode possuir diversas ZDPs, pois, por exemplo, o nível de desenvolvimento real de um indivíduo em relação à Matemática pode ser completamente diferente de seu nível real em relação à área de História. Por isso, é importante que o professor, na organização de U1 - Tendências pedagógicas e teorias do desenvolvimento 37 seu trabalho, busque investigar o nível de desenvolvimento real de seus alunos para que possa, por meio da proposição de atividades e das interações sociais, favorecer o seu desenvolvimento, Fonte: adaptado de Vygotsky (1988). Figura 1.4 | Zona de desenvolvimento proximal segundo Vygotsky Zona de Desenvolvimento Proximal Nível de desenvolvimento real Nível de desenvolvimento potencial Segundo Stoltz (2012), os jogos e as brincadeiras podem propiciar a criação de ZDPs pelas crianças, pois nessas atividades podem assumir papéis que estão além de seu desenvolvimento, refletindo sobre os conhecimentos que aprenderam através do meio social e cultural no qual estão inseridas. Conforme Pilleti e Rossato (2012, p. 84), considerando a teoria de Vygotsky: Reforça-se, desse modo, a importância e a necessidade de que as mediações proporcionadas às crianças, desde muito cedo, sejam ricas em oportunidades de aprendizagem e possam mediar a apropriação das significações socialmente produzidas, pois ao dar sentido aos objetos, normas, valores, papéis sociais, experiências, por exemplo, individualiza-se e constrói um modo próprio de ser no mundo, pleno de significações. U1 - Tendências pedagógicas e teorias do desenvolvimento38 Desta forma, com base na teoria proposta por Vygotsky, o professor deve assumir o papel de mediador entre os conteúdos, os alunos e a cultura. O professor deve organizar seu trabalho de forma a proporcionar aos alunos condições para desenvolverem suas funções psicológicas superiores, como o pensamento, a linguagem, a atenção voluntária e a imaginação, sempre considerando que os aspectos sociais, históricos e culturais são fundamentais para que as crianças possam construir seus conhecimentos, valorizando as interações sociais como fundamentais para que esse processo ocorra. Questão para reflexão Como a teoria de Vygotsky pode contribuir com a organização do trabalho com a Matemática nas salas de aula da educação infantil? Para saber mais O estudo das teorias de aprendizagem pode contribuir para a organização do trabalho pedagógico voltado à construção de conhecimentos matemáticos. Para maiores informações a respeito das contribuições de Piaget e Vygotsky para o ensino da Matemática, estude o artigo O ensino da matemática: contributos pedagógicos de Piaget e Vygotsky, que pode ser acessado no link <http://www.psicologia.pt/ artigos/textos/A0258.pdf>. Acesso em: 12 ago. 2017. 2.4 Henri Wallon Henri Paul Hyacinthe Wallon (1879-1962) nasceu na França, fez graduação em Medicina, Filosofia e Psicologia, além de ter atuado também na política por influência de seu avô. Devido à essa influência, buscou estudar uma Pedagogia politicamente comprometida (PILETTI; ROSSATO, 2012). Diferindo das teorias propostas até então, Wallon defendia que as escolas deveriam proporcionar uma formação integral aos alunos, não apenas intelectual, mas também afetiva e social. Um aspecto que diferencia sua teoria das demais é a consideração das emoções dos indivíduos como aspecto importante em seu desenvolvimento, U1 - Tendências pedagógicas e teorias do desenvolvimento 39 sendo um elemento que muitas vezes é desconsiderado no processo educacional. Segundo esse autor, o afeto é uma condição indispensável para a cognição. Além disso, para ele, “a atividade da criança só é possível graças aos recursos oferecidos tanto pelo instrumental material quanto pela linguagem utilizada a seu redor” (OLIVEIRA, 2011, p. 134), de tal forma que a mediação realizada por outras pessoas é fundamental na construção do pensamento a da consciência de si. Wallon fundamentou suas ideias em quatro elementos básicos que estão inter-relacionados, a saber: a afetividade, o movimento, a inteligência e a formação do eu como pessoa. O desenvolvimento infantil é dialético e repleto de crises e conflitos. As mudanças na vida da criança ocorrem aos saltos e provocam reestruturações no seu comportamento, mediadas por fatores biológicos (maturação do organismo) e sociais (situações novas, descobertas de possibilidades, novos estímulos etc.). Para Wallon, a individualidade é estabelecida pela interação com o meio ambiente. (COELHO, 2014, p. 74) Contrário a Piaget, Wallon defende que a inteligência surge após a afetividade, a partir dela e conflitando com ela. Por isso, para estimular a inteligência seria necessário, previamente, estimular a afetividade, o que pode justificar, por exemplo, o fato de que algumas crianças aprendem mais rapidamente quando “gostam” do professor. Assim, não é possível separar as dimensões afetivas e cognitivas, estando ambas presentes nas mais diversas atividades realizadas pelos sujeitos. Além disso, não é possível impor um limite para a inteligência humana. Questão para reflexão Como os aspectos afetivos podem influenciar na aprendizagem de conceitos da Matemática na educação infantil? U1 - Tendências pedagógicas e teorias do desenvolvimento40 Apesar das diferenças existentes entre as teorias propostas por Piaget e Wallon, o segundo também defendeu que o desenvolvimentoocorre a partir de etapas sucessivas, ainda que não ocorra de forma linear, além da possibilidade de diferenciações entre os sujeitos no que se refere às faixas etárias e às durações de cada estágio. Wallon (1972) propõe que o desenvolvimento cognitivo infantil pode ser subdividido em quatro estágios: impulsivo-emocional, sensório- motor e projetivo, personalismo e categorial. Período impulsivo- emocional (0 a 1 anos Período sensório- motor e projetivo (1 a 3 anos) Período do personalismo (3 a 6 anos) Período categorial (7 a 12 ou 14 anos) Figura 1.5 | Estágios de desenvolvimento segundo Wallon Fonte: adaptada de Wallon (1971). No primeiro estágio, o impulsivo-emocional, o qual inicia com seu nascimento e vai até por volta de um ano de idade, observa-se um predomínio inicial de movimentos involuntários e impulsivos que, gradativamente, são substituídos por respostas afetivas das crianças aos indivíduos ao seu redor, sendo estes mediadores entre o bebê e a realidade externa. É por meio da afetividade que os primeiros vínculos são formados entre as crianças e os demais sujeitos, sendo que a mediação possibilita a passagem para um estado cognitivo. Esse estágio ainda é caracterizado por uma dependência total do outro em sua fase inicial, evoluindo para a individualização, por volta de um ano de idade (COELHO, 2014). O estágio seguinte, denominado sensório-motor e projetivo, observado entre um e três anos de idade aproximadamente, é caracterizado pelo desenvolvimento de movimentos de preensão e marcha, possibilitando maior autonomia à criança. Com o surgimento da linguagem, o ato motor reduz-se para dar espaço às ações mentais, sendo o pensamento impulsionado pela fala (PILETTI; ROSSATO, 2012). No estágio do personalismo, observado predominantemente dos três aos seis anos de idade, tem início a formação da personalidade, além da existência de conflito associado à busca pela autonomia e U1 - Tendências pedagógicas e teorias do desenvolvimento 41 ao fortalecimento dos vínculos familiares. Com a inserção da criança no ambiente escolar ocorre um estímulo ao desenvolvimento da autonomia, devido à necessidade de realizar escolhas, como a seleção das brincadeiras, dos amigos, de livros etc. A afetividade manifesta- se de forma mais simbólica, por meio de palavras e ideias (PILETTI; ROSSATO, 2012). O estágio categorial, que vai de sete a doze ou quatorze anos, está relacionado ao avanço da inteligência, empregada de forma mais frequente pelas crianças no interesse pela exploração, pelo conhecimento e em suas relações com o meio, buscando definir seu ponto de vista em comparação com os demais. Nessa etapa, observa- se também o início da adolescência, com a busca por uma redefinição da personalidade do indivíduo, mas ainda com a afetividade cada vez mais racionalizada, com a elaboração de teorias a respeito de sua identidade e suas relações afetivas (COELHO, 2014). Questão para reflexão Quais são as semelhanças e diferenças que podem ser identificadas entre os períodos de desenvolvimento mental, propostos por Piaget, e os estágios apresentados por Wallon em sua teoria? De acordo com Coelho (2014, p. 78): Como o indivíduo se constitui pelas interações com o meio, é importante que o professor estude o comportamento dos alunos e conheça as dificuldades que encontram. Wallon [...] defende que o professor conheça o histórico e as condições de seus alunos, mas reconhece a dificuldade disso quando a escola exclui o meio social e cultural de onde vieram esses alunos. Assim, de acordo com Wallon (1971), para que a criança se desenvolva como um indivíduo adulto, é fundamental ter como foco todos os fatores que o constituem como ser humano, considerando que não é possível que a criança se desenvolva integralmente sem que haja preocupação com suas emoções, os aspectos motores, cognitivos e sua identidade, observando as inter-relações existentes entre estes campos e suas influências para o desenvolvimento cognitivo. U1 - Tendências pedagógicas e teorias do desenvolvimento42 Para saber mais Para aprofundar os estudos a respeito da teoria proposta por Henri Wallon e suas implicações para a educação infantil, estude o artigo A psicogenética de Wallon e a educação infantil, que pode ser acessado no link <https://periodicos.ufsc.br/index.php/perspectiva/article/ viewFile/10629/10163>. Acesso em: 12 ago. 2017. Atividades de aprendizagem 1. Com base nas principais características das teorias de desenvolvimento cognitivo propostas por Vygotsky e Wallon, analise as afirmações apresentadas a seguir: I. Um conceito fundamental para a teoria desenvolvida por Vygotsky é a zona de desenvolvimento proximal, caracterizada pela distância entre o nível de desenvolvimento real e o nível de desenvolvimento potencial dos sujeitos, região na qual o professor deve intervir para favorecer a aprendizagem. II. De acordo com a teoria proposta por Wallon, as emoções são consideradas como as primeiras manifestações da afetividade, fator que motiva o movimento, o qual também contribui para o desenvolvimento, possuindo caráter pedagógico no que se refere ao estímulo para o desenvolvimento da linguagem. III. Vygotsky defende que o desenvolvimento cognitivo ocorre por meio de etapas sucessivas, identificadas por meio de suas características comuns, permitindo a organização pedagógica, tendo em vista o desenvolvimento individual de cada sujeito, desconsiderando os aspectos sociais e culturais. A partir das afirmações apresentadas, assinale a alternativa correta: a) Apenas a afirmação II está correta. b) Apenas a afirmação III está correta. c) Apenas as afirmações I e II estão corretas. d) Apenas as afirmações I e III estão corretas. e) Apenas as afirmações II e III estão corretas. U1 - Tendências pedagógicas e teorias do desenvolvimento 43 2. Dois grandes teóricos que divergem em alguns pontos em relação a Piaget são: o psicólogo Vygotsky (1896-1934) e o filósofo, médico, psicólogo e político Wallon (1879-1962). Os dois teóricos abordam de formas distintas o desenvolvimento cognitivo, mas ambos valorizam papel ativo do aluno neste processo. Considerando estas informações, explique as principais características das teorias de aprendizagem propostas por Vygotsky e Wallon. Fique ligado Nesta unidade, você aprendeu sobre: • A importância do estudo das principais tendências pedagógicas para a organização do trabalho pedagógico. • As principais características da tendência Formalista Clássica, também chamada de Escola Tradicional. • As características da tendência Empírico-Ativista ou Escola Nova. • A origem e as principais características do movimento da Matemática Moderna. • As principais características do Construtivismo e alguns dos principais teóricos associados. • A tendência Sociointeracionista e os pressupostos teóricos adotados por um de seus principais representantes, Lev S. Vygotsky. • O que são teorias de aprendizagem e suas implicações pedagógicas. • Os principais conceitos presentes na epistemologia genética, teoria de desenvolvimento elaborada por Jean Piaget. • A importância dos contextos social, histórico e cultural para o desenvolvimento, presentes na teoria de aprendizagem proposta por Lev S. Vygotsky. • A formação integral do sujeito com base na teoria de aprendizagem proposta por Henri Wallon. U1 - Tendências pedagógicas e teorias do desenvolvimento44 Para concluir o estudo da unidade Nesta unidade, estudamos a respeito de algumas das tendências pedagógicas e das teorias de aprendizagem que podem orientar a organização do trabalho pedagógico na educação infantil. Nosso objetivo era conhecer estas teorias de forma a compor um referencial teórico que poderá nos auxiliar em estudos posteriores a respeito de como trabalhar com a Matemática na educação infantil. Espero que os conceitos apresentados possam auxiliá-lo na compreensão a respeito das teorias citadas, principalmente em relação às tendências pedagógicas
Compartilhar