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Ana Beatriz Figuerêdo Almeida - Medicina 2023.1 Página | 1 Dor oncológica SP 1.5 – CUIDADOS, O QUÊ? 1) ELUCIDAR A ESCADA ANALGÉSICA DA OMS; Em 1986, a OMS propôs um método para alívio das dores oncológicas: a ''escada analgésica''. Ela foi traduzida em 22 idiomas e impressa em mais de 500 mil cópias. Foi revisada em 1996 e persiste até os dias atuais, sendo indicada também para outras síndromes dolorosas. A OMS sugeriu a organização e padronização do tratamento analgésico baseado em uma escada de três degraus, de acordo com a intensidade de dor que o paciente apresenta: • o primeiro degrau recomenda o uso de medicamentos não opioides para dores fracas; • o segundo degrau sugere opioides fracos, que podem ser associados a analgésicos simples do primeiro degrau, para dores moderadas; • o terceiro degrau consta de opioides fortes, associados ou não aos não opioides, para dores fortes. Os adjuvantes podem ser usados nos três degraus da escada. A escada de três degraus indica classes de medicamentos, e não drogas específicas, proporcionando ao clínico flexibilidade e possibilidade de adaptação de acordo com as particularidades de seu país. A escada analgésica da OMS é um método simples, relativamente barato e eficaz em 70 a 90% das dores decorrentes de neoplasias malignas. Segundo Zech, 76% de 2.118 pacientes oncológicos avaliados apresentaram alívio do quadro álgico com o tratamento proposto pela OMS. De forma similar, Schug estima que apenas 11% são refratários a essa terapêutica. Um estudo de Grond6 mostrou que 75% dos pacientes oncológicos em estádio avançado tiveram controle álgico efetivo com o uso dos medicamentos preconizados pela escada analgésica da OMS. O tratamento inicia-se com uma explicação ao paciente sobre as causas das dores oncológicas. Muitas delas são tratadas com a combinação de medicamentos e métodos não medicamentosos. O tratamento antiblástico e o controle álgico devem ser aplicados simultaneamente. Os princípios da farmacoterapia propostos pela OMS podem ser resumidos em cinco tópicos: escada, via oral, intervalos fixos (pelo relógio), individualização e atenção aos detalhes. Escada O uso sequencial dos medicamentos está esquematizado na figura. Inicia-se pelo primeiro degrau, que consiste em medicamentos não opioides (analgésicos simples e anti-inflamatórios não esteroidais). Quando não ocorre alívio da dor, adiciona- se um opioide fraco para a dor de intensidade leve a moderada (segundo degrau). Quando essa combinação falha, deve-se substituir esse opioide fraco por um opioide forte, para dor de intensidade moderada a alta. Somente um medicamento de cada categoria deve ser usado por vez. Os medicamentos adjuvantes devem ser associados em todos os degraus da escada, de acordo com as indicações específicas (antidepressivos, anticonvulsivantes, neurolépticos, bifosfonados, corticosteroides, etc.). 2) DEFINIR E CARACTERIZAR A DOR ONCOLÓGICA; O termo "dor do câncer" não possui definição específica, inclusive porque o câncer não pode ser considerado como uma única doença, uma vez que existem mais de 100 diferentes tipos de neoplasias malignas. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), o número estimado de novos casos de câncer no mundo chegará a 15 milhões em 2020. Estima-se que em 2020 o câncer seja a principal causa de morte em todo o mundo, como consequência do crescimento e do envelhecimento da população, redução na Ana Beatriz Figuerêdo Almeida - Medicina 2023.1 Página | 2 mortalidade infantil e nas mortes por doenças infecciosas em países em desenvolvimento. Em 2020, até 70% dos 20 milhões de novos casos de câncer previstos por ano ocorrerão em países em desenvolvimento. Os pacientes com câncer representam um grupo muito peculiar que apresenta ao mesmo tempo os mais diversos tipos de dor, o que torna o controle da dor ainda mais desafiador neste contexto. A dor apresenta elevada prevalência no câncer, ocorrendo em aproximadamente um terço dos pacientes recebendo tratamento oncológico ativo e em aproximadamente dois terços daqueles. com doença avançada. A Associação Internacional para Estudo da Dor (in- ternacional Association for the Study of Pain, IASP) define dor como uma experiência sensitiva e emocional desagradável, associada à lesão real, em potencial ou descrita em tais termos. Por definição, a dor nociceptiva é a dor originária de dano real ou potencial ao tecido não neural, e ocorre por ativação de nociceptores. Este termo foi estabelecido para descrever a dor que ocorre com um sistema nervoso somatossensorial funcionando normalmente, em contraste com a função anormal observada na dor neuropática. A dor neuropática é a dor causada por uma lesão ou doença do sistema nervoso somatossensorial. A dor neuropática é uma descrição clínica (e não um diagnóstico) que requer uma lesão demonstrável ou uma doença que satisfaça os critérios diagnósticos neurológicos estabelecidos. A dor neuropática pode ocorrer em várias doenças que acometem tanto o sistema nervoso central e/ou periférico. A dor mista é, por definição, a coexistência de dor de mecanismos distintos na mesma área do corpo, causada pela mesma doença. A dor oncológica é um dos tipos mais comuns de dor mista. A dor relacionada ao câncer deve ser entendida como um fenômeno complexo, dinâmico e multidimensional, que envolve diversos mecanismos (inflamatórios, isquêmicos, neuropáticos e compressivos) em múltiplos locais, de forma heterogênea e flutuante, e que é modificado pelo humor, expectativas, aspectos históricos, genéticos e culturais - além de ser um dos sintomas mais comuns e temidos na doença avançada. O paciente oncológico com frequência apresenta mais de um tipo de dor ao mesmo tempo. Alguns tipos de dor podem ou não ter relação temporal direta com um evento desencadeante (por exemplo, uma cirurgia ou constipação intestinal), outros tipos surgem dias ou meses após um evento inicial e agravam-se com o passar do tempo (por exemplo, nas neuropatias induzidas por quimioterapias), outros podem ser constantes, intermitentes, ou relacionados a movimentos ou situações específicas, e até mesmo resultar de fatores fisiológicos específicos. Estas informações são importantes e devem constar na anamnese do paciente. Quando presentes, a dor psíquica e o sofrimento psíquico existencial não podem ser ignorados. O controle adequado da dor oncológica é um dos pontos cruciais do tratamento do câncer, contribuindo para a paliação de outros sintomas de ordem física ou psicológica. A dor não controlada torna-se incapacitante e interfere sobre os processos de enfrentamento, adaptação e qualidade de vida. A relação entre dor e bem-estar psicológico é complexa e recíproca, e deve ser valorizada no cuidado global ao paciente. O paciente oncológico pode apresentar dor originada de qualquer uma das seguintes condições: Avaliação da dor A avaliação inadequada é uma das causas do subtratamento da dor oncológica. Estudos sobre controle de dor oncológica em pacientes nos Estados Unidos da América e França mostram que a discrepância entre a avaliação dos médicos e pacientes quanto à gravidade da dor foi um preditor de alívio inadequado. A avaliação adequada da dor contribui para direcionar o tratamento. Avanços na compreensão da fisiopatologia da dor oncológica e o uso adequado de instrumentos validados para avaliação da dor contribuem para identificar e categorizar a grande variedade de sindromes dolorosas, permitindo a escolha de estratégias terapêuticas específicas. As síndromes de dor oncológica podem ser classificadas como aguda ou crônica baseado no início e duração. As síndromes de dor aguda têm início súbito e bem definido, causa identificável (por exemplo, cirurgia), e há expectativade melhora com o tratamento. Ao contrário, a dor crônica tem início menos definido, curso arrastado e flutuante, e é impulsionada pela sensibilização central e respostas neuroplásticas provenientes de lesões agudas. A dor relacionada ao câncer pode ser classificada de várias formas: duração (aguda ou crônica), intensidade (leve, moderada ou intensa), qualidade da dor (neuropática, nociceptiva ou mista) ou padrão temporal (contínua, exacerbação ou ambas). A Ana Beatriz Figuerêdo Almeida - Medicina 2023.1 Página | 3 avaliação do paciente exige história clínica, anamnese e exame físico adequados, incluindo histórico sobre eficácia e efeitos adversos de fármacos previamente usados. Informações complementares podem ser obtidas pela aplicação de instrumento(s) validado(s), considerando fatores como idade, tipo de dor e dificuldade de comunicação. Avaliação funcional, influência de componentes psicossociais e identificação de sinais e sintomas associados, tais como fadiga, constipação intestinal, transtorno do humor e distúrbios do sono, complementam a avaliação. 3) COMPREENDER A FISIOPATOLOGIA DA DOR ONCOLÓGICA; A dor oncológica segue o mesmo processo neurofisiológico da dor não oncológica. Este processo de nocicepção envolve a ativação dos aferentes sensoriais por estímulos nociceptivos persistentes, transdução, transmissão, modulação e percepção. Os estímulos causados pela lesão tecidual ativam os neurônios aferentes primários chamados nociceptores, encontrados na pele, músculos, articulações e alguns órgãos viscerais. Os nociceptores são receptores de alto limiar que permanecem silenciosos até serem significativamente estimulados. A maioria dos nociceptores é polimodal, e responde a estímulos térmicos, físicos e químicos. Os corpos das células neuronais estão localizados dentro das lâminas superficiais dos gânglios da raiz dorsal e dos gânglios trigeminais. Uma vez despolarizada, a transmissão ocorre proximalmente através das fibras mielinizadas A-δ (rápidas) ou pelas fibras C não mielinizadas (lentas). Interneurônios dentro das lâminas l e II do corno dorsal amplificam ou atenuam a neurotransmissão. Os axônios aferentes terminam na lâmina l ou ll e os neurônios aferentes de segunda ordem atravessam a linha média, e ascendem até o tronco encefálico e o tálamo no quadrante anterolateral da metade contralateral da medula espinhal. Juntamente com os axônios dos neurônios de segunda ordem da lâmina l, estas fibras formam o trato espinotalâmico, que é a principal via ascendente que permite obter informações sobre a dor e a temperatura. As fibras sensoriais associadas a respostas afetivas também ascendem na medula dorsolateral contralateral ao tálamo mediano ou tronco cerebral, e então, ao córtex cingulado e ao lobo límbico. Já a modulação descendente ocorre através da medula cinzenta periaquedutal e da medula ventral rostral com axônios que atravessam o funículo lateral dorsal. Estas estruturas modulam a dor diretamente por conexões dos neurônios aferentes secundários no corno dorsal ou através de conexões com interneurônios nas lâminas I ou II. A neuroquímica de todos estes processos envolve múltiplos neurotransmissores incluindo endorfinas, prostaglandinas, ácido y-aminobutírico (GABA), canabinoides e muitos outros, que são alvos para fármacos analgésicos. A complexidade dos processos neurofisiológicos e neuroquímicos envolvidos na dor oncológica exige que a anamnese, exame físico completo e exames subsidiários sejam usados para avaliar os mecanismos fisiopatológicos e etiológicos envolvidos. As fisiopatologias comumente inferidas na dor oncológica são a nociceptiva, a neuropática e a psicogênica. Os distúrbios que não podem ser categorizados são considerados idiopáticos. A dor nociceptiva é decorrente de lesão aguda ou persistente dos tecidos somáticos ou viscerais. Os pacientes costumam descrever a dor nociceptiva somática como "dolorida", em "punhalada" e "latejante". Este tipo de dor costuma envolver lesões em regiões dos ossos, articulações e músculos. Já a dor nociceptiva visceral resulta da lesão de vísceras, é pobremente localizada e é caracterizada como em cólicas ou como em "roendo" caso envolva uma víscera oca, como por exemplo, na obstrução intestinal. Este tipo de dor pode ser descrito também como dolorida, em punhalada ou "roendo" de forma semelhante à dor somática nociceptiva, caso envolva outras estruturas viscerais como órgãos capsulares e o miocárdio. A dor do tipo visceral é frequentemente referida para regiões somáticas, devido à convergência sobre aferências somáticas dentro dos gânglios da raiz dorsal e corno dorsal. As síndromes de dor neuropática são variadas e sugerem lesões ao sistema nervoso periférico ou central. Estas síndromes de dor neuropática são frequentemente associadas com dor referida (a dor é percebida em um local que não é a fonte da dor), alodínea (dor induzida por estímulo não doloroso), hiperpatia (resposta exagerada à dor causada por estímulo nociceptivo), ou disestesia (sensacão anormal desagradável em uma área de déficit neurológico). A dor segue a distribuição de nervos motores, sensoriais Ana Beatriz Figuerêdo Almeida - Medicina 2023.1 Página | 4 ou autonômicos, exceto quando a dor é funicular ou central, causando dor em queimação ou lancinante em uma área de sensibilidade reduzida ou ausente - como ocorre, por exemplo, em pacientes com lesões da medula espinhal. A dor psicogênica refere-se à dor predominantemente sustentada por fatores psicológicos, e, embora rara em pacientes oncológicos, sua investigação exige avaliação detalhada da saúde mental. As questões psicológicas e psiquiátricas contribuem na experiência da dor e podem agravar não apenas a dor, mas também ao sofrimento relacionado à dor. Síndromes de dor oncológica Várias condições podem estar relacionadas à dor oncológica: invasão tumoral ou compressão de outros tecidos pelo tumor; cirurgia e biópsias, lesão dos tecidos provocados pela radiação, neuropatias causadas por quimioterapia ou por outros tratamentos, isquemia, inflamação, bloqueio ou lesão de estruturas de órgãos (dor visceral), mobilidade reduzida e artropatias (dor musculoesquelética), fratura patológica, e até mesmo falência do tratamento e progressão doença. A dor óssea e a dor secundária à compressão de estruturas neurais são as duas causas mais comuns de dor crônica. As síndromes da dor oncológica são definidas pela associação de características particulares da dor e manifestações clínicas compatíveis com a doença subjacente e/ou de seu tratamento. Estas síndromes são associadas com etiologias e fisiopatologias distintas, com implicações prognósticas e terapêuticas. As síndromes dolorosas associadas ao câncer podem ser agudas ou crônicas. As síndromes de dor aguda são frequentemente iatrogênicas relacionadas a exames ou tratamentos, mas também podem estar relacionadas a complicações. As síndromes de dor crônica ocorrem principalmente em função dos efeitos diretos da neoplasia, mas algumas estão relacionadas aos tratamentos antineoplásicos. Dor causada pelo tumor → Infiltração óssea. A infiltração óssea tumoral é a causa mais com um de dor no câncer, podendo manifestar-se localmente ou à distância, pelo mecanismo de dor referida. As metástases ósseas mais com uns são as provenientes dos tumores de mama, próstata e pulmão. A dor óssea é com um nos pacientes com mieloma múltiplo. Ela ocorre por conta de estimulação nociva nos nociceptores no periósteo. O crescimento tumoral ou as fraturas secundárias podem ocasionar lesão, com pressão, tração ou laceração das estruturas nervosas, ocasionando dor isquêmica, dor neuropática periférica ou dor mielopática. A dor óssea se manifesta com sensação de dolorimentoconstante, profundo, às vezes contínuo, e surge com os movimentos (dor incidental). → Compressão ou infiltração de nervos periféricos. A infiltração ou com pressão de troncos, plexos e/ou raízes nervosas pelo tumor, linfonodos e/ou fraturas ósseas metastáticas pode determinar dor aguda de forte intensidade, resultando em plexopatia, radiculopatia ou neuropatia, ou seja, dor na distribuição da estrutura nervosa acometida, com apresentação de dor em queimação, contínua, hiperestesia, disestesia e perda progressiva da sensibilidade. As neoplasias de cabeça e pescoço ou as lesões metastáticas para os linfonodos cervicais podem comprimir os plexos cervicais, ocasionando dor local lancinante com disestesia, irradiada para a região da nuca ou retroauricular, ombro ou mandíbula. O comprometimento do plexo braquial ocorre em 2,5 a 4,5% dos pacientes com tumores de mama, ápice de pulmão e linfomas (metástases axilares e supraclaviculares), ocasiona dor no ombro e braço no dermátomo das raízes nervosas de C8-T1; o diagnóstico diferencial deve ser feito entre plexopatia induzida pelo tumor ou plexopatia induzida pela radiação. A síndrome de Horner pode surgir quando houver invasão ou irradiação da cadeia simpática cervical, com o no gânglio estrelado; a inervação simpática ascende do pescoço para a cabeça junto à carótida, ocorrendo o fenômeno de anidrose, enoftalmia, ptose palpebral e midríase no lado acometido. A plexopatia sacrolombar é comum em neoplasias de colo uterino e próstata, sarcoma da pelve e metástases de tumores distantes. Essa plexopatia produz dor caracterizada com o sensação de peso, pressão e queimação, inicialmente na região sacral, região posterior da coxa e região perineal, associada ou não a alterações da função esfincteriana anal e vesical, e, posteriormente, na panturrilha e calcanhar. Nesses casos, estão envolvidos mecanismos de dor por nocicepção, gerado por persistente estímulo nocivo (lesivo) mecânico de alta intensidade pela expansão tumoral e mecanismos de desaferentação pela lesão dos nervos e membranas nervosas. → Infiltração do neuroeixo (SNC). Pode ocorrer dor por invasão tumoral na medula espinal, no encéfalo e em suas meninges. A dor radicular surge por com pressão ou infiltração da medula espinal, com alteração motora, sensitiva e autonômica distais ao local da lesão. Podem os observar, além da dor radicular, a primeira manifestação do comprometimento Ana Beatriz Figuerêdo Almeida - Medicina 2023.1 Página | 5 raquimedular, a dor mielopática localizada e a dor fantasma. A compressão medular é uma urgência médica, necessitando de tratamento de radioterapia ou descompressão cirúrgica ao menor sinal de com pressão da medula, como fraqueza de membros inferiores, diminuição do tato e disfunção de esfíncteres; devendo ser diagnosticada por meio da identificação do local da com pressão e invasão do canal raquidiano pela tomografia computadorizada (TC), ressonância magnética (RM) ou perimielografia. A cefaléia insidiosa e progressiva surge com o manifestação das metástases encefálicas. Se há hemorragia pela lesão causai, a dor instala-se subitamente, agravando-se com o decúbito horizontal, tosse ou espirro; piora durante o sono, melhora com a postura ortostática e vem acompanhada de náuseas e vômitos. Com o progredir da lesão encefálica, podem ocorrer sonolência, confusão mental, convulsões e coma. A carcinomatose das meninges manifesta-se em 3 a 8% dos pacientes com neoplasias, especialmente de mama, pulmão e melanomas, sob fora de cefaléia e comprometimento das funções dos nervos cranianos e espinais, em 50 a 75% das vezes. É diagnosticada pelo exame do líquido cerebrospinal, que evidencia hiperproteinorraquia, hipoglicorraquia e/ou hipercitose, e também pela TC ou RM do encéfalo e do canal raquidiano. Tem prognóstico sombrio pela natureza agressiva do tumor e de suas metástases. → Infiltração e oclusão de vasos sanguíneos e linfáticos. As células tumorais podem infiltrar e/ou ocluir os vasos sanguíneos e linfáticos, ocasionando vasoespasmo, linfangite e possível irritação nos nervos aferentes perivasculares. O crescimento tumoral nas proximidades dos vasos sanguíneos leva à oclusão desses vasos parcial ou totalmente, produzindo estase venosa ou isquemia arterial, ou ambos. A isquemia causa dor e claudicação. A estase venosa produz edema nas estruturas supridas por esses vasos, determinando distensão dos compartimentos faciais e de outras estruturas nociceptivas. A oclusão arterial produz isquemia e hipoxia com destruição celular. Esses mecanismos causam dor normalmente difusa, cuja intensidade aumenta com a progressão do processo. → Infiltração de vísceras ocas ou invasão de sistemas ductais de vísceras sólidas. A oclusão de órgãos dos sistemas digestório, urinário e reprodutivo (estômago, intestinos, vias biliares, ureteres, bexiga e útero) produz obstrução do esvaziamento visceral e determina contratura da musculatura lisa, espasmo muscular e isquemia, produzindo dor visceral difusa (tipo cólica) constante, com sensação de peso ou pobremente localizada, referida nas áreas de inervação da víscera com prometida. Órgãos com o linfonodos, fígado, pâncreas e suprarrenais podem vir a apresentar dor devido à isquemia ou distensão de suas cápsulas. Essas vísceras sólidas também podem apresentar quadro álgico por obstrução de seus sistemas ductais. Nos tumores de fígado, baço, rim e ósseos, o edema e a venocongestão ocasionam distensão das estruturas de revestimento e estruturas nociceptivas. Nos tumores de cabeça e pescoço (boca, orofaringe, lábio e face), tumores do trato gastrintestinal e geniturinário, podem ocorrer ulceração das membranas mucosas, infecção e necrose, e ulceração determinando dor intensa. Dor causada pelo tratamento do câncer Cerca de 19% dos pacientes com câncer apresentam dor secundária ao tratamento. → Dor pós-cirúrgica. Determinadas intervenções cirúrgicas têm alta incidência para o desenvolvimento de dor aguda e crônica. Na fase aguda, a dor decorre do processo inflamatório traumático de cirurgias, como toracotomias, esternotomias, amputações e mastectomias. Na fase crônica, a dor ocorre devido ao câncer recidivado localmente. O trauma ocasionado em estruturas nervosas, durante o procedimento cirúrgico, resulta, comumente, em dor persistente além do normal, chamada neuralgia pós-cirúrgica; tem origem traumática na sua grande maioria e, em um menor número de casos, decorre de fibrose cicatricial ou com pressões. As dores incisionais e cicatriciais são frequentes após toracotomias, laparotomias, esvaziamento cervicais e amputações de membros, de reto e de mama. O tratamento intenso da d o r aguda pós-operatória, tanto no procedimento anestésico- cirúrgico, com o no pós operatório imediato, faz diferença para a dor crônica pós-cirúrgica. A dor fantasma ocorre geralmente após amputação de um membro ou em outra estrutura somática do corpo que foi amputada, surgindo em menos de 5% dos casos de amputação. E válido lembrar que também existe o fenômeno fantasma, que é uma sensação da existência da região, sem que, no entanto, o paciente sinta dor. → Dor pós-radioterapia. A dor pós-radioterapia apresenta-se com o exacerbação aguda de dor crônica relacionada ao posicionamento para a terapia, queimaduras cutâneas, neuropatia actínica, mielopatia actínica, sinal de Lhermitté (desmielinização transitória da medula cervical ou torácica), mucosite bucal, esofagite, produção de tumores primários de nervos periféricos secundários à radiação, obstrução intestinal parcial e infarto ou isquemia intestinal. Nos tumores Ana Beatriz Figuerêdo Almeida - Medicina 2023.1 Página | 6 localizados na região pélvica, é comum a neuropatia plexal lombossacral,e, nos tumores de mama e pulmão, a neuropatia plexular braquial; isso ocorre devido à neuropatia actínica. Após a radioterapia, pode ocorrer fibrose de forma lenta e progressiva, ocasionando lesão nas adjacências dos nervos, com dor em queimação e disfunção do sistema somatossensorial. A mielopatia actínica que acontece de forma temporária, ou progressiva e permanente, surge mais comumente na medula cervical e dorsal. → Dor pós-quimioterapia. A dor pode ocorrer por polineuropatias periféricas, causadas por drogas imunossupressoras (oxaliplatina, paclitaxel, docetaxel, vincristina, carboplatina, cisplatina, doxorrubicina e capecitabina), podendo ser de caráter transitório ou definitivo. Existem as mucosites (oral, faríngea, gastroduodenal e nasal) induzidas por leucopenia ou irradiação junto com a monilíase do sistema digestório e a esofagogastroduodenite. Também podem ocorrer espasmos vesicais e a necrose asséptica da cabeça do fêmur, causados por corticóides. O pseudo-reumatismo esteroidal surge após a retirada dos esteróides, sendo possível que alguns pacientes apresentem mialgias e artralgias difusas, sem sinais inflamatórios objetivos, que regridem com a reintrodução da terapia esteróide. A neuralgia herpética (fase aguda) com características da doença inflamatória, pode surgir pela imunossupressão, aumentando sua incidência em função da idade avançada e do sexo; essa situação tende a tornar-se crônica em 10% dos casos e a converter-se em neuralgia pós-herpética (fase crônica) com dor em queimação, alodinia, disestesia, parestesia, paroxismos de dor tipo choque e perda de sensibilidade na região. 4) ABORDAR A AÇÃO DOS OPIÓIDES NA DOR ONCOLÓGICA, CONTRAINDICAÇÕES, EFEITOS ADVERSOS E DEPENDÊNCIA; Opióides O tratamento analgésico com opióides constitui o sustentáculo da terapia da dor no câncer. Os opióides são classificados quanto à sua origem com o naturais (morfina, papaverina, codeína e tebaína), semi- sintéticos (heroína, hidromorfona, hidrocodona, buprenorfina e oxicodona) e sintéticos (levorvanol, butorfanol, metadona, pentazocina, mperidina, fentanil, sufentanil e alfentanil). Quanto à sua potência, são divididos em fracos (codeína, tramadol) e fortes (morfina, metadona, oxicodona, buprenorfina, fentanil). Devido à sua eficácia, disponibilidade em todo o mundo e baixo custo, a OMS considera a morfina com o droga-padrão para o tratamento da dor no câncer. Nós produzimos vários tipos de peptideos opioides endógenos, que são cadeias curtas de aminoácidos capazes de ativar os receptores opioides. Os peptídeos opioides endógenos mais conhecidos são as endorfinas (receptores μ), encefalinas (receptores δ), dinorfinas (receptores к). Casa peptídeo irá ativar um receptor específico. Os receptores opioides são proteínas de sete segmentos transmembranares, acoplados à uma proteína G. Quando os receptores são ativados, a proteína G se dissocia e são produzidos níveis menores de AMPc e níveis maiores de GMPc. Por sua vez é induzida a saída dos íons de potássio através dos canais iônicos, o que vai gerar uma perda de cargas positivas, deixando o potencial de membrana mais negativo (hiperpolarização) Dessa forma, é impedido o ingresso de cargas positivas (Ca2+) para a célula, com o bloqueio dos canais de cálcio o influxo intracelular é impedido. Quando sente-se a dor, as informações vem pelas vias nociceptivas que fazer sinapse no forno posterior da medula espinal e ascendem de forma que ativam as vias descendentes Os neurônios dos núcleos da rafe quando ativados (vias descendentes) liberam serotoninas e peptídeos opioides no CPME Os peptídeos opioides vão controlar de forma negativa a transmissão de impulsos nervosos, agindo na sinapse entre o 1º e 2º neurônio da via. Diminuição dos impulsos que ascenderão em direção ao córtex. Quando chega o impulso nervoso na extremidade do 1º neurônio é gerado o influxo de sódio pelos canais de sódio, seguido pela abertura dos canais de cálculo que permitem a entrada do íon ao citoplasma. O íon Ca2+ no citoplasma vai agir de forma essencial para a liberação de glutamato (neurotransmissor) na fenda sináptica. O glutamato ativará no segundo neurônio os receptores AMPA e NMDA, que permitirão a entrada dos íons de sódio e cálcio para propagação do impulso nervoso e sinapse entre o 2º e 3º neurônios. Como os íons de cálcio e sódio são positivos vai induzir um potencial de membrana menos negativo (despolarização), gerando um pontecial de ação. Ação sobre neurônio pré sináptico A ativação dos receptores mi no primeiro neurônio pela molécula opioide vai agir hiperpolarizando a membrana neuronal, tornando-a mais negativa com a abertura dos canais de K e saída do íon do meio intracelular. Essa situação de hiperpolarizacao da membrana vai impedir a abertura dos canais de cálcio, e como não Ana Beatriz Figuerêdo Almeida - Medicina 2023.1 Página | 7 entra cálcio, não há a liberação de glutamato. Menor entrada de Ca, menor liberação de glutamato. Ação sobre neurônio pós sináptico Quando se ativa os receptores mi, induz a saída do potássio (pelos canais iônicos de K+), causando hiperpolarização da membrana. Além do bloqueio dos canais de cálcio pela ação do receptor μ). Com a menor liberação de glutamato pelo 1º neurônio há uma menor ativação dos receptores AMPA e NMDA, e consequente menor influxo de sódio e cálcio para o meio intraneuronal, dessa forma, não haverá despolarização (nem geração de potencial de ação). Ação dos opioides: • diminuir a liberação de glutamato; • dificultar a geração de impulsos nervosos; • efeitos como depressores do SNC. Os opioides estimulam a liberação da dopamina e inibe a liberação da noradrenalina. Down regulation dos receptores = menos receptores/menor atuação ou resposta Maiores doses de opioides afetam cada vez mais a liberação de noradrenalina, o que impacta em funções básicas do corpo. O corpo compensa aumentando o número de receptores de noradrenalina para que possa detectar quantidades cada vez menores do neurotransmissor. Esse aumento de sensibilidade à noradrenalina permite que o corpo continue funcionando normalmente enquanto ele se torna dependente de opioide para manter o novo equilíbrio. Quando o uso contínuo do opioide é cessado, em um indivíduo fisicamente dependente de opioide, esse novo equilíbrio é interrompido e os níveis de noradrenalina podem aumento em um dia após cessar o uso. No entanto, o corpo precisa de mais tempo para se “livrar” dos receptores extras de noradrenalina que foram produzidos, gerando um período de tempo em q o corpo passa a ser hipersensível à noradrenalina, o que causará os sintomas de abstinência – ex: dores musculares, estomacais, febre e vômito. A abstinência de opioides pode ser debilitante e levar até a doenças graves. Os viciados mantêm o uso, não para busca do prazer, mas para evitar os sintomas de abstinência. Um indivíduo viciado após cessar o uso, caso retorne a utilizar pode estar mais propenso a uma overdose, já que o que antes era uma dose padrão enquanto a tolerância era alta agora pode ser fatal. O vício em opioides pode levar à busca pela heroína ou outros sintéticos ilegais que são mais baratos e de mais fácil acesso. A naloxona é uma droga antagonista dos opioides utilizada na overdose, agindo nos receptores sem ativa- los. É preciso de um período de abstinência para início do tratamento reabilitador, sendo que é um tratamento a ser realizado por um longo período de tempo. Há a possibilidade de tratamento com combinação medicamentosa e terapia comportamental, de modo que se evite os sintomas de abstinência com drogas que se unem aos receptores opioides mas que não produzam os efeitos psicoativas. Os principais fármacos para controle de abuso de opioides sãoa metadona e buprenorfina. → Codeína Considerado um opióide fraco, é um derivado natural do ópio, com fórmula semelhante à da morfina: fosfato de codeína (metilmorfina). Tem baixa biodisponibilidade oral de 40%, meia-vida plasmática de apenas 3 horas, necessitando de intervalos de até 4 em 4 horas. A codeína necessita de desmetilação para sua conversão em morfina e outros metabólitos ativos, levando a uma analgesia de leve a moderada. Algumas raças, como os caucasianos (até 10%), têm dificuldade na transformação da codeína, apresentando baixa ausência de resposta à droga. Dos seus efeitos adversos, os pacientes reclamam com maior frequência de constipação e náuseas. Seu efeito teto é de 360 mg/dia e tem apenas 1/10 da potência da morfina. É também utilizada com o antitussígeno e na melhora dos sintomas de dispnéia, mas outros opióides também contêm essa característica, como a morfina, a oxicodona e o fentanil. É encontrada na formulação de comprimidos de 30 e 60 mg e solução oral de 3 mg/mL, com o também associada ao paracetamol e ao diclofenaco, promovendo analgesia multimodal. → Tramadol É um opióide sintético de ação central atípico. Liga-se fracamente aos receptores opióides μ, k e δ. Encontra- se sob a forma racêmica; a isoforma R tem maior afinidade aos receptores μ, já a isoforma S tem maior efeito na inibição da recaptação da serotonina e noradrenalina. O tramadol também possui capacidade de ligação aos receptores -2-adrenérgicos. Produz analgesia por meio de mecanismos opióides e não- opióides. Cerca de 70% da droga está disponível após administração oral pela taxa de absorção e primeira passagem hepática; seu início de ação fica em torno de 30 minutos, e sua meia-vida plasmática, de 5 horas. Como opióide fraco, tem efeito teto; sua dose é de 400 mg/ dia, preferencialmente administrada a cada 6 horas. Tem metabolismo hepático e excreção renal; no caso de alterações nesses órgãos é necessário reduzir a Ana Beatriz Figuerêdo Almeida - Medicina 2023.1 Página | 8 dose nas alterações destes órgãos. A equipotência analgésica de 100 mg de tramadol corresponde a 10 mg de morfina oral. Produz pouca constipação e elevada incidência de êmese. A ocorrência de depressão respiratória, sedação excessiva, tolerância e dependência é pouco frequente. → Morfina A morfina é um opióide hidrofílico, uma exceção entre os opióides, que apresentam, em graus variáveis, alta lipossolubilidade. A presenta baixa biodisponibilidade por via oral; após administração oral, apenas 30% da dose é encontrada no plasma. Tem limitado volume de distribuição, baixa ligação plasmática, especialmente à albumina, e dificuldade na passagem através da barreira hematencefálica, porém é rápida a absorção após injeção IM ou SC. No metabolismo hepático, são formados dois metabólitos importantes: morfina-3-glicuronídeo (M-3-G) e morfina-6-glicuronídeo (M-6-G), ambos de excreção renal. A M -3-G é responsável p o r vários efeitos colaterais da morfina, com o disforia, hiperalgesia, constipação e possivelmente no fenômeno de tolerância, e não tem efeitos analgésicos. A M-6-G possui ação analgésica significante, porém meia-vida maior que a própria morfina. A glicuronização raramente é comprometida nos pacientes com insuficiência hepática, portanto a morfina é bem tolerada nos pacientes hepatopatas. A ação da morfina dura de 4 a 5 horas em pacientes hígidos. A excreção é feita principalmente por via renal. Nos pacientes com função renal comprometida, a morfina possui efeito mais intenso e duração prolongada devido ao acúmulo de metabólitos ativos (M-6-G). A morfina ainda continua sendo a droga protótipo para dor moderada a forte; ela é a droga de primeira escolha na maioria dos serviços de dor; também é a droga de referência para conversão entre opióides. Tem uma ampla variação de dosagem; diferentemente dos agonistas fracos, não tem efeito teto, e sua dose máxima depende da relação entre o nível analgésico ótimo e o aparecimento de efeitos colaterais intoleráveis. A dose inicial deve ser calculada com o intuito de promover alívio superior aos analgésicos que estavam sendo utilizados; pequenas doses com reajustes frequentes sempre que houver necessidade, pois, dessa forma, teremos menor incidência de efeitos colaterais. A dose habitual de morfina por via oral é de 10 a 60 mg/4-6 h, sendo 0,3 mg/kg para crianças. A morfina de liberação controlada (30 e 60 mg) só deve ser iniciada após controle da dor de 12/12 h. Comercialmente, a morfina é encontrada na fórmula de solução oral, comprimidos de liberação imediata e lenta, além de formulação injetável (ampolas de 2mg/2mL e 10mg/1mL). → Metadona A metadona é um opióide sintético, com ação em receptores μ e δ, bloqueio em receptores NMDA e algum a ação em receptores 5-HT (bloqueando a recaptação da serotonina); é altamente lipossolúvel, com grande volume de distribuição e depósito em gorduras. Apresenta um carbono quiral; é comercializado na forma racêmica; a isoforma S tem atividade agonista opióide e antagonismo não competitivo NMDA; já a isoforma R não tem atividade opióide, mas tem ação de bloqueio receptor NMDA e alguma atividade serotoninérgica. Tem boa disponibilidade oral, cerca de 90% da dose oral é repassada ao plasma, pelo que a relação entre dose oral e dose endovenosa fica em torno de 15:1 a 1:2. Essa droga possui um metabolismo diferenciado; praticam ente não apresenta metabólitos ativos; sua ação prolongada é explicada pelos mecanismos de redistribuição, provenientes de sítios inativos. Sua meia-vida plasmática varia de 8 a 80 horas, com grande variação interindividual, necessitando de monitoração frequente e acréscimo vagaroso de dose, permitindo intervalo entre doses de 12 a 24 horas, com níveis plasmáticos estabilizados após 7 a 14 dias de uso. Possui excreção renal (60%) e hepática (40%); em casos de disfunção renal, a eliminação poderá ser com pensada pelo fígado, e vice-versa. Por atuar em receptores opióide e NMDA, tem indicação na d o r som ática e também na dor neuropática. Há vários trabalhos mostrando benefícios da metadona na d o r não- oncológica. Ela deve ser utilizada com cuidado nos pacientes idosos e debilitados por apresentar riscos de acumulação. Alguns serviços de dor têm a metadona como droga de primeira escolha. Existem diversos protocolos de uso do fármaco. São várias as tabelas de doses equipotentes à morfina; alguns utilizam substituição gradual dos opióides (de morfina para metadona), outros utilizam esquema de primeira semana de titulação e segunda semana de manutenção. Observa- se a necessidade de avaliações frequentes dos pacientes em uso de metadona, também boa adaptação por parte dos pacientes, pouca ocorrência de constipação e baixa tolerância cruzada com outros opióides. A metadona pode ser indicada para o tratamento da dor crônica não-oncológica e para o tratamento de pacientes com narcodependência (pacientes adictos). Há, disponível no mercado farmacêutico, comprimidos de 5 e 10 mg, e ampolas de 10 mg/mL para uso injetável. Ana Beatriz Figuerêdo Almeida - Medicina 2023.1 Página | 9 → Oxicodona A oxicodona é um opióide sintético, derivado da tebaína, que apresenta propriedades agonistas nos receptores μ e k; como a morfina, tem rápido início de ação por via oral (10 a 15 min), sua duração fica entre 3 e 6 horas. Diferentemente da morfina, mostra menos efeitos colaterais como náuseas, vômitos e constipação. Em relação à sua potência analgésica, tem doses equipotentes, variando de 1:1,5 a 2, comparado a morfina (50 a 75% m ais forte que a morfina). Em paciente com insuficiência renal, pode haver acúmulo, necessitando um cuidado maior. Em alguns centros, essa droga é utilizada no segundo degrau da escada analgésica apesarde ser um opióide forte; parece ter menor incidência de tolerância e efeitos adversos; o nome da substância não está relacionado com a morfina. No Brasil, a oxicodona é comercializada em comprimidos especiais, que liberam a primeira carga da substância no meio ácido gástrico, já no tubo digestivo, ela é liberada aos poucos. Estes comprimidos não podem ser mastigados ou triturados. Podem ser utilizados no tratamento das dores crônicas benignas. São encontrados comprimidos de 10, 20 e 40 mg, administrados de 12 em 12 horas. O consumidor necessita de receita em duas vias, controlada, diferente dos outros opióides fortes. Não está disponível em comprimidos de liberação rápida ou formulação injetável; assim, é necessário utilizar morfina de liberação rápida para as doses de resgate. → Fentanil O fentanil N-(1-fenetil-4-piperinil) propionanilida foi sintetizado em 1960 por Paul Janssen. Surgiu de pesquisas que conduziram a um melhor entendimento da estrutura química e dos mecanismos de interação dos opióides e seus receptores. Esses estudos tinham a finalidade de alcançar a produção de substâncias mais potentes e com maior índice de segurança do que a morfina. O fentanil é um potente agonista μ, utilizado durante procedimentos anestésicos. É descrito como sendo 75 a 125 vezes mais potente que a morfina; apresenta rápido início de ação e duração de efeito curto; é empregado para analgesia prolongada em regime ambulatorial ou hospitalar, via bombas de infusão ou cateteres peridurais, ou como adesivos utilizados por via transdérmica. O fentanil transdérmico patch tornou-se extremamente popular no tratamento da dor oncológica. A droga encontra-se disponível em adesivos de 25, 50, 75 e 100 mcg/h. A pesar de alguns estudos utilizarem a droga no tratamento da dor aguda, seu uso é mais recomendado para o tratamento da dor crônica. Salienta-se que a elevada lipossolubilidade possibilita analgesia segmentar satisfatória devido ao fato de ligar-se aos lipídeos do compartimento epidural. O fentanil transdérmico promove analgesia de até 72 horas. É importante lembrar que, após instalar-se o patch, seu início de ação é lento (8 a 10 horas) e que, após retirado, seu efeito ainda persiste por 8 a 12 horas. O patch deve ser colocado na região do tronco ou membro superior que não tenha sido submetida à tricotomia, em região tegumentar não inflam ada, não irradiada e sem um idade. Em presença de febre, observa-se aumento da absorção do fentanil. Se a analgesia não for evidenciada após 48 horas de colocação do patch, deve-se reajustar a dose, com doses adicionais de 25 mcg/h. Em alguns pacientes, observa-se a necessidade de troca do patch a cada 48 horas. Recomenda-se iniciar a utilização de fentanil transdérmico após controle da dor com opióides de curta duração, por via oral ou parenteral, com a finalidade de verificar a eficácia e a tolerância aos opióides; para determinar a dose apropriada, busca-se a ajuda da tabela de conversão de opióides. Na nossa prática clínica diária, recomenda-se a utilização dessa via analgésica, principalmente para os pacientes com tumores de cabeça e pescoço, tumores da região abdominal superior, doença metastática óssea, pacientes impossibilitados da ingestão de analgésicos por via oral e pacientes com oclusão ou suboclusão intestinal. As crianças e pacientes com efeitos adversos à morfina também se beneficiam com a analgesia transdérmica. Efeitos colaterais dos opióides e sua abordagem terapêutica Quando se fala da terapia com opióides, é impossível não mencionar os seus efeitos adversos. Esses paraefeitos estão relacionados à ligação dos opióides nos diversos tipos de receptores, à formação de metabólitos tóxicos, à sobredosagem, além do fenômeno de tolerância. O paraefeito mais comum dos opióides é a constipação, que não melhora com o tempo, e é consequente à diminuição da motilidade do trato gastrintestinal e hipertonia dos esfincteres; assim que é instituído o tratam ento opióide (principalmente morfina), é necessário prevenir a constipação. Dessa maneira, dá-se preferência aos formadores de bolo fecal (alimentos ricos em fibras, substâncias não- absorvíveis) e aos emolientes fecais (óleo mineral, lactulona, glicerina). As náuseas e os vômitos podem ser contornados pela troca da via de administração do opióide, com auxílio dos analgésicos ad juvantes ou pela administração de Ana Beatriz Figuerêdo Almeida - Medicina 2023.1 Página | 10 antieméticos (antidopa, neurolépticos, anti-H1, corticóides, anti-5-HT3). Queixas centrais referenciadas, com o a hipertermia e a hiperidrose, as alterações comportamentais e as convulsões são explicadas por ligação a receptores (μ, k, δ) e metabólitos excitatórios. A tolerância é a necessidade de doses maiores de opióides para manter a analgesia inicial; existem pacientes que recebem a mesma dose de morfina por longos períodos; os opióides possuem tolerância cruzada incompleta, como a morfina e a metadona, por terem mecanismos de ação e afinidade de receptores diferentes. A sedação excessiva e a depressão respiratória são os efeitos colaterais mais temidos; o melhor analéptico e preventivo da depressão respiratória é a própria dor; a sedação excessiva é um sinal de aviso que antecede a depressão respiratória. Nos casos de urgência, é necessário proteger as vias aéreas, administrar oxigênio e ventilação e reverter a depressão com o antagonista opióide, a naloxona. 5) ESTUDAR CUIDADO PALIATIVO, QUANDO É INDICADO, E QUAIS OS CUIDADOS A SEREM OFERTADOS NESSA MODALIDADE; As doenças ameaçadoras da vida, sejam agudas ou crônicas, com ou sem possibilidade de reversão ou tratamentos curativos, trazem a necessidade de um olhar para o cuidado amplo e complexo em que haja interesse pela totalidade da vida do paciente com respeito ao seu sofrimento e de seus familiares. Este tipo de cuidado foi definido em 2002 pela Organização Mundial de Saúde (OMS) como Cuidados Paliativos. O cuidado paliativo é a abordagem que visa a promoção da qualidade de vida de pacientes e seus familiares, através da avaliação precoce e controle de sintomas físicos, sociais, emocionais, espirituais desagradáveis, no contexto de doenças que ameaçam a continuidade da vida. A assistência é realizada por uma equipe multiprofissional durante o período do diagnóstico, adoecimento, finitude e luto. Para uma adequada prática de cuidados paliativos são necessários conhecimento e compreensão dos seguintes princípios norteadores: • Iniciar o mais precocemente possível o acompanhamento em cuidados paliativos junto a tratamentos modificadores da doença. Incluir toda a investigação necessária para compreender qual o melhor tratamento e manejo dos sintomas apresentados. • Reafirmar a vida e sua importância. • Compreender a morte como processo natural sem antecipar nem postergá-la. • Promover avaliação, reavaliação e alívio impecável da dor e de outros sintomas geradores de desconforto. • Perceber o indivíduo em toda sua completude, incluindo aspectos psicossociais e espirituais no seu cuidado. Para isso é imprescindível uma equipe multidisciplinar. • Oferecer o melhor suporte ao paciente focando na melhora da qualidade de vida, influenciando positivamente no curso da doença quando houver possibilidade e auxiliando-o a viver tão ativamente quanto possível até a sua morte. • Compreender os familiares e entes queridos como parte importante do processo, oferecendo-lhes suporte e amparo durante o adoecimento do paciente e também no processo de luto após o óbito do paciente. O foco no cuidar inclui reconhecer e responder às necessidades do paciente e dos familiares através de uma visão ampla e transdisciplinar. Reconhecem-se as conquistas da moderna tecnologia médica,porém realiza-se uma transição gradual e equilibrada entre tentativas legítimas de manter a vida, quando se tem chances reais de recuperação, e a abordagem paliativa, através do controle de sintomas sem nunca desconsiderar a dimensão da finitude humana. O cuidado paliativo visa oferecer cuidados adequados e dignos aos pacientes com e sem possibilidade curativa. Na literatura internacional esse tipo de abordagem é associado de maneira consistente a uma série de benefícios e melhorias; dentre eles pode-se destacar: melhor planejamento prévio de cuidados, melhora da qualidade de vida, redução de sintomas desagradáveis, maior satisfação dos pacientes e do núcleo cuidador e menor utilização do sistema de saúde. Outro importante benefício relatado em trabalhos que avaliam o tratamento paliativo é o efeito desse tipo de abordagem nos familiares. Conversar sobre os Ana Beatriz Figuerêdo Almeida - Medicina 2023.1 Página | 11 cuidados de fim de vida e a percepção positiva dos familiares sobre a assistência nessa fase se mostrou um fator protetor para o desenvolvimento de depressão e luto complicado. Transtornos de saúde mental têm um impacto importante na vida das pessoas e na sociedade. Uma melhor assistência paliativa poderia reduzir potencialmente esse impacto em familiares enlutados. Estudos mostram que a maioria das pessoas ao redor do mundo preferiria falecer em casa. No entanto, metade falece em hospitais (com grandes variações regionais). Ao mesmo tempo, há indícios na literatura de uso excessivo de medidas agressivas no fim de vida e de um uso aquém do que seria ideal de cuidados paliativos nessa fase. Sugerindo, assim, que temos espaço para desenvolver esse tipo de abordagem com potencial de trazer benefícios tanto para os pacientes como para o sistema de saúde, otimizando os recursos e oferecendo uma assistência alinhada com as preferências de cuidados. Não existe um único local em que se pode realizar cuidados paliativos. O local mais indicado é onde o paciente que necessita deste tipo de cuidado estiver, ou seja, no domicílio, na instituição hospitalar, ambulatório, instituição de longa permanência ou hospice. A qualidade do cuidado e o local onde é realizado também se torna significativo para o processo de luto vivenciado durante o adoecimento e após o falecimento do paciente. Compreende-se então que não há tempo ou limite prognóstico para a prestação de cuidados paliativos. É amplamente defendido que estes devem ser prestados na necessidade, e não somente no diagnóstico ou prognóstico como pensado anteriormente. Todo e qualquer indivíduo doente merece ser assistido com qualidade, de acordo com suas necessidades, sendo amparados e tratados em seu sofrimento bem como dos seus familiares. A qualidade de vida e a dignidade humana estão sempre no foco dos profissionais que atuam em cuidados paliativos. Em 31 de outubro de 2018, o Ministério da Saúde publicou a resolução nº 41, que normatiza a oferta de cuidados paliativos como parte dos cuidados continuados integrados no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS) (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2018). A resolução propõe, que nas redes de atenção à saúde, sejam claramente identificadas e observadas as preferências da pessoa doente quanto ao tipo de cuidado e tratamento médico que receberá. A resolução define que os cuidados paliativos devam estar disponíveis em todo ponto da rede, na atenção básica, domiciliar, ambulatorial, hospitalar, urgência e emergência. A partir desta publicação será possível definir diretrizes de cuidado e aprimorar a oferta do cuidado. Existem escalas a serem aplicadas sobre pacientes aptos aos cuidados paliativos, visando a avaliação da capacidade funcional do indivíduo. O PPS tem muitas utilidades. Primeiro, é um excelente instrumento de comunicação que descreve rapidamente o estado funcional atual do paciente. Segundo, pode ser útil como critério de avaliação de capacidade de trabalho e outras medidas e comparações. Além disso, parece ter valor prognóstico. Ana Beatriz Figuerêdo Almeida - Medicina 2023.1 Página | 12 Avaliação a capacidade funcional segundo os índices propostos por Zubrod e Karnofsky: • Zubrod 0, Karnofsky 100%-90%: doente assintomático ou com sintomas mínimos. • Zubrod 1, Karnofsky 89%-70%: doente sintomático, mas com capacidade para comparecimento ambulatorial. • Zubrod 2, Karnofsky 69%-50%: doente que permanece no leito menos da metade do dia. • Zubrod 3, Karnofsky 49%-30%: doente que permanece no leito mais da metade do dia. • Zubrod 4, Karnofsky 29%-10%: doente acamado, necessitando de cuidados constantes. • Karnofsky < 9%: doente agônico.
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