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Intro à Psicolinguística e neurolinguística Quadrimestre 2023-1 Aula 1 i n t r o d u ç ã o Prof. Katerina Lukasova A aula de hoje é uma breve recapitulação de assuntos gerais da neurociência que serão necessários para o melhor entendimento da disciplina. Primeiro iremos estudar a anatomia e fisiologia do neurônio, depois as estruturas subcorticais (parte mais antiga do encéfalo) e, por fim, o córtex (região mais recente, responsável pelos processos de alta ordem, incluindo a linguagem). A imagem ao lado é clássica. Dos autores Santiago Ramón y Cajal, são células cerebrais, os neurônios, após serem marcados por uma técnica histológica desenvolvida por Camilo Golgi. Esses dois cientistas tinham visões opostas sobre a arquitetura neuronal. Golgi acreditava na hipótese de uma rede articulada, com células interconectadas por todo o nosso cérebro. Ramón y Cajal, por sua vez, acreditava que isso era equivocado e que os neurônios seriam unidades discretas; e inferiram 3 características (que estavam corretas) sobre os neurônios (1) que eles se conectam em pontos específicos do corpo celular, (2) que essas conexões não ocorrem ao acaso e (3) que os sinais elétricos transmitidos pelos neurônios, viajam pelo corpo neuronal em uma direção única. A confirmação de Ramon y Cajal ocorreu na década de 1950, com a invenção do microscópio eletrônico que permitiu visualizar a separação entre os neurônios. Apesar da inimizade entre os cientistas, ironicamente, ambos foram fundamentais para o desenvolvimento da neurociência. E em 1906 compartilharam o prêmio Nobel. Estrutura Na imagem temos uma representação de um neurônio. Ele é composto basicamente de 3 partes: a Dendritos que recebem os sinais vindo de outros neurônios; b Corpo celular que possui núcleo e organelas celular para o funcionamento da célula; c Axônios, que são projeções alongadas que partem do corpo celular e se estendem por uma distância que pode variar de milímetros a metros. É por ele que os sinais viajam até os botões sinápticos ou terminais axônicos (fim do axônio), onde, então, o neurônio fará uma conexão com outra célula. A sinapse é, portanto, o espaço que existe entre os terminais axônicos de uma célula e os dendritos de outras. Uma técnica evolutiva que ocorreu para aumentar a velocidade da transmissão do sinal pelo axônio, foi o surgimento da bainha de mielina, um invólucro adiposo que, como uma dita isolante em um fio elétrico, isola o axônio, facilitando a propagação de sinal. A bainha é descontínua, e os espaços entre uma bainha e outra é chamada de nódulo de Ranvier, local onde o sinal elétrico se renova (condução ativa – a ocorrência de potenciais de ação nos nódulos de Ranvier, permitindo que o sinal percorra todo o axônio sem dissipar). Como ocorre a transmissão de sinal? A palavra-chave é “eletricidade”. Na imagem, vemos que os dendritos dos neurônios recebem centenas ou milhares de terminais axônicos de outras células. Essa carga elétrica viaja de forma passiva até o corpo celular (fluxo passivo de correntes elétricas dos dendritos até o corpo celular), onde ocorre uma somação de todas essas descargas. Se o valor dessa soma ultrapassa um limiar, temos o disparo de um potencial de ação (mudança elétrica abrupta no neurônio, que passa a ter uma carga positiva dentro do axônio), dando início à uma fantástica cadeia de transformações químicas dentro desse neurônio. Há uma troca de íons (partículas elétricas presentes dentro e fora das células), por meio de diversos canais iônicos presentes na membrana celular, de tal forma que a voltagem intracelular passa rapidamente de negativa, para positiva, isto é, a célula despolariza. Em seguida, outros canais iônicos se abrem, permitindo a saída de íons positivos de dentro, para fora da célula, fazendo com que o potencial interno volte a ficar negativo; em um primeiro momento, negativo o até demais, fenômeno chamado de hiperpolarização, que impede que o neurônio despolarize novamente logo em seguida, fazendo, assim, com que o sinal elétrico viaje em direção ao terminal axonal, ao invés de retornar ao corpo celular. Após Relembrando... O neurônio Introdução todos esses processos, a célula volta ao seu ponto inicial, chamado de potencial de repouso. Quando o pulso elétrico chega ao terminal axonal, para que ele possa ser transmitido ao dendrito da célula seguinte, na maioria das vezes, o impulso induz o lançamento de neurotransmissores nas sinapses (substâncias químicas que “carregam o sinal” através das sinapses). Essas substâncias químicas se ligam a receptores específicos dos dendritos, como um mecanismos chave-fechadura, gerando uma pequena carga elétrica, que novamente, passa a viajar passivamente até o corpo celular deste novo neurônio, reiniciando o ciclo. Algumas das técnicas de neurociências são capazes de medir essas variações elétricas que ocorrem no cérebro, afim de dizer, de forma direta ou indireta, se o neurônio ou conjunto deles em determinada área estão “ativos”, ou seja, despolarizando e trocando informações com outros neurônios. Um parênteses importante é que nem todos neurônios e neurotransmissores são excitatórios (capazes de aumentar a probabilidade do próximo neurônio disparar), alguns são inibitórios, fazendo com que a substancia lançada na fenda sináptica seja um neurotransmissor inibitório, que irá se ligar aos receptores do próximo neurônio, tornando menos provável o disparo de um potencial de ação. Fonte de energia Essa atividade neuronal toda tem um custo energético alto. Apesar de ter um tamanho relativamente pequeno, representando de 2-3% do nosso peso corporal, o cérebro consome 20% do sangue oxigenado. As hemoglobinas carregadas de oxigênio chegam através das artérias (vasos que levam sangue oxigenado do coração ao resto do corpo, incluindo o cérebro), representadas em vermelho na imagem. Essas artérias se ramificam em arteríolas (artérias pequenas) e, depois em capilares, que são vasos sanguíneos extremamente finos (não muito mais largos que uma hemoglobina) de onde o oxigênio é extraído, e assim, conseguem chegar em partes mais escondidas do tecido cerebral. Depois de fornecer oxigênio, as hemoglobinas, agora desoxigenadas, voltam ao coração pelas veias, representado em preto na imagem. Outras técnicas em neurociência são capazes de monitorar o nível de hemoglobina oxigenadas e desoxigenadas e no informar, de forma indireta, se aquela região esta “ativa” ou não, a depender da quantidade de energia consumida em função do tempo. Tronco encefálico e tálamo Agora que vimos a unidade básica do SNC, veremos as principais estruturas encefálicas e suas principais funções. Por definição, o encéfalo se inicia ao final da medula espinal, com o conjunto de três estruturas verticais sequenciais, que formam o tronco encefálico: (1) bulbo ou medula oblongata (tem forma de um cone e é o ponto de conexão da medula espinal com o encéfalo); (2) ponte e (3) mesencéfalo. Juntas, essas três estruturas controlam as funções básicas vitais do nosso corpo, como a taxa cardíaca, pressão arterial, respiração, sono, deglutição etc. O tronco encefálico também é a porta de entrada dos nervos cranianos, com exceção dos nervos olfatórios e ópticos. Ele recebe informações sensoriais e envia comandos motores à cabeça e ao pescoço. Alguns desses nervos são essenciais para a percepção e para a produção da fala. Logo acima do tronco encefálico, temos o tálamo. Ele é conhecido como a porta de entrada dos sinais sensoriais ao córtex, a região desenvolvida mais recentemente no nosso cérebro. Toda a informação sensorial (visual, auditiva etc.), com a exceção da informação olfativa, chega nos núcleos do tálamo, antes de seguir parasua respectiva área cortical de processamento. Mas além de encaminhar esses sinais aos respectivos alvos corticais, o tálamo recebe informações/feedback de todo o córtex. Lembrando que a informação a que nos referimos são sinais elétricos, que chegam por meio dos potenciais de ação, portanto essa atividade elétrica recíproca, gera reverberações, os chamados potenciais de campo, que são capazes de sincronizar a atividade neural de áreas distintas e muitas vezes, afastadas umas das outras, facilitando o processo de atenção, memória de curto prazo e a coordenação dessas áreas distintas durante representações mentais multifacetadas. Hipocampo e amígdala Tanto o hipocampo como a amigdala são pares, ou seja, presentes em ambos os hemisférios. O hipocampo ganhou esse nome por lembrar o formato de um cavalo marinho. Junto com outras estruturas próximas como o fórnix e os corpos mamilares, ele é fundamental para a formação de memórias declarativas de longo prazo. Essas memórias se referem a informações que podem ser facilmente lembradas e verbalizadas, como fatos sobre o mundo, qual a maior cidade do Brasil, ou ainda informações sobre você mesmo (informações bibliográficas), como qual a cor dos seus olhos ou em qual universidade você estuda. Um conjunto enorme de informações de várias partes distintas do córtex é enviado ao hipocampo que faz uma classificação e organização espaço-tempo dessas informações inicialmente desconexas, formando nossos episódios de experiencias. Anatomia do cérebro Ele mantem estes padrões complexos e relacionais e, gradualmente, no período que pode chegar a anos, os envia de volta ao córtex, onde permanece de forma praticamente permanente representados por fortes conexões sinápticas em uma população neuronal. Esse processe é chamado de consolidação da memória. Essas descobertas foram feitas por neuropsicólogos que investigaram pacientes com lesões cerebrais nessas estruturas. O que observaram é que pacientes que tiveram lesões hipocampais, eram incapazes de formar novas memórias e não são capazes de recordar informações em um período próximo que antecedeu o acidente, portanto o processo de consolidação da memória é impedido sem o correto funcionamento do hipocampo. Já a amigdala (ou amigdalas, uma em cada hemisfério), é um conjunto de neurônios que formam uma estrutura que lembra uma amêndoa, e está diretamente envolvida no processamento emocional. Em particular, é importante para a avaliação rápida e constante da saliência e importância dos diversos estímulos que encontramos no dia- a-dia, nos dando indicações ágeis sobre o quão potencialmente nocivos cada um pode ser ao nosso bem-estar. Com relação à linguagem, há evidências de que a amigdala contribui para a nossa percepção de prosódia emocional. Núcleos da base e cerebelo Próximo ao tálamo e a amígdala, há uma série de estruturas que formam os núcleos da base. Elas incluem o núcleo caudado e putâmen, conhecidos coletivamente como estriado, além do globo pálido interno e externo, dentre outros. O estriado, em particular, recebe sinais da maior parte do córtex e realiza o reconhecimento de situações familiares através desses sinais, como por exemplo, se deparar com uma luz amarela no semáforo. Ele, então, envia as informações a outras estruturas do núcleo da base por duas vias paralelas, a via direta e indireta. A via direta, basicamente, facilita a realização de uma ação motora julgada apropriada para aquela situação, segundo a história de aprendizagem do organismo. Como por exemplo, frear ao se deparar com uma luz amarela do semáforo. A via indireta, por sua vez, inibe uma ação motora julgada como inapropriada para aquela situação, por exemplo, não acelerar na situação do farol amarelo. O resultado dessa operação, portanto, são recomendações do que fazer e do que não fazer, que são enviadas a áreas frontais do córtex, através do tálamo, para outras considerações. Assim, os núcleos da base são importantes para aquisição, seleção, inicio e término dos chamados comportamentos habituais e/ou habilidades de procedimento; que envolvem não somente comportamentos manifestos (over-behavior), mas também aqueles inobserváveis (cover-behavior), com os pensamentos participando tanto da produção quanto da compreensão da linguagem. Já o cerebelo ocupa um grande espaço atras do bulbo e ponte, contendo mais de 2/3 de todos os neurônios do cérebro, sendo que alguns tipos, como os neurônios de Purkinje, têm arvores dendríticas prodigiosas que recebem sinais de até 200 mil outras células. O cerebelo contribui com a regulação do tônus muscular para garantir que os movimentos sejam executados de forma fluida, no momento correto e coordenado com outros movimentos do corpo. Além de causar problemas de equilíbrio, lesões no cerebelo decorrentes de doenças degenerativas como o Parkinson, prejudicam o controle articulatório e pode levar à um quadro de disartria, que é a perda da capacidade de articular palavras de uma forma normal. Córtex Lobos Agora veremos o córtex, a parte mais evoluída do cérebro humano. Trata-se do revestimento exterior do cérebro, sendo todo dobrado para caber na caixa craniana. Com a espessura de aproximada de 2-4 mm. Há cerca de 30 bilhões de neurônios no córtex e cada um se conecta, ao menos, com outros mil neurônios do próprio córtex, criando uma grande rede de troca de informações que suporta os nossos processos mentais mais sofisticados, como o processamento da linguagem. O córtex é dividido em 4 principais lobos que são visíveis internamente (frontal, parietal, occipital e temporal) e um lobo escondido (ínsula ou córtex insular), abaixo da fissura Sylviana. Giros e sulcos Uma forma adicional de se referir a diferentes partes do córtex é por giros e sulcos, que são os picos e vales, respectivamente, da conformação cortical. a Giros: protuberâncias elevadas do córtex cerebral; b Sulcos: ranhuras profundas do córtex cerebral. Citoarquitetura Uma característica marcante do córtex é sua organização neuronal por camadas bem definidas. Há 6 camadas celulares, cada uma definida, não só pelo tipo de neurônio que a compõe, mas também de acordo com as conexões que esses neurônios fazem. por exemplo, neurônios nas camadas I, II e III, geralmente se projetam, ou seja, enviam axônios para outras áreas corticais. A camada IV, tipicamente recebe inputs do tálamo. A camada V faz projeções para estruturas motoras subcorticais. E neurônios da camada VI enviam sinais ao tálamo. Áreas de Brodmann Com base na localização e tipo de neurônio há uma série de propostas de divisões das subáreas do córtex. A proposta mais famosa e mais utilizada é de Brodmann. Nesse mapa há 47 áreas corticais distintas. Não há um consenso sobre quantas áreas distintas o córtex possui e onde estão localizadas, mas para propósitos dessa área introdutória, suficiente dizer que as áreas de Brodmann são ainda muito utilizadas para se referir a regiões especificas do cérebro e estabelecer paralelos com áreas corticais de espécies não humanas. Conexões As diferentes áreas corticais não funcionam isoladas, pelo contrário, são massivamente interconectadas. A maioria dos processos complexos mentais requer o trabalho em conjunto e orquestrado de regiões corticais distintas. Essa comunicação ocorre por feixes ou tratos (por onde axônios passam – lembrando que axônios são estruturas de matéria branca). A maior e mais densa é o corpo caloso, pelo qual passam mais de 100 milhões de axônios interconectando os dois hemisférios. Já os tratos que conectam diferentes áreas corticais do mesmo hemisfério são chamados de fascículos. A imagem abaixo mostra o fascículo arqueado, que conecta importante regiões envolvidas com a linguagem, como a área de Broca ea área de Wernick. Organização funcional Depois de rapidamente revisar alguns aspectos importantes sobre a estrutura básica do córtex, veremos agora sobre sua organização funcional. A informação que chega dos olhos, ou seja, a informação visual captada pela retina, viaja até o tálamo e de lá é retransmitida ao lobo occipital, para a região do córtex visual primário ou área de Brodmann 17. Já a informação que chega dos órgãos internos, é retransmitida pelo tálamo até o córtex somatossensorial primário, no lobo parietal. E assim que ocorrem aos diversos sinais que chegam até nós. Uma característica interessante de algumas áreas corticais, como a área visual primária motora e somatossensorial é a precisa organização sequencial da informação no tecido cortical. A figura abaixo mostra como áreas distintas do corpo são representados nos córtices motor (direita) e somatossensorial (esquerda). Note na esquerda que há uma área desproporcionalmente no córtex somatossensorial dedicado às partes mais sensíveis do corpo, como mãos, pés, lábios, língua e órgãos genitais. Um fato interessante é que as áreas somatossensoriais, principalmente o córtex motor, participam também da linguagem, principalmente com palavras relacionadas a movimento. Por exemplo, palavras como chutar ou andar ativam a região correspondente aos pés; o que mostra que o funcionamento neural é integrado em ambos circuitos, envolvendo diversas áreas. Agora veremos sobre algumas regiões importantes para a linguagem. No geral, o cérebro humano tem uma forte especialização do cérebro esquerdo para a linguagem, com duas regiões de destaque: A área de Broca, localizada aproximadamente nas áreas 44 e 45 de Brodmann; e a área de Wernick, no giro temporal e regiões adjacentes. O model clássico de entendimento dessas áreas dizia que a área de Broca representa imagens motoras das palavras e é essencial para a produção da fala. Já a área de Wernick representa imagens auditivas das palavras e é essencial para a percepção de fala. Ambas regiões se comunicam pelo fascículo arqueado. Hoje em dia, sabemos que o papel de cada área não é tão simples e delimitado assim. Ambas são consideradas epicentros multifuncionais que se comunicam com outras regiões frontais, temporais, parietais e occipitais no hemisfério esquerdo, assim como em várias regiões do hemisfério direito. assim, produzir e compreender sentenças envolve ter ações sinergéticas entre comunidades inteiras de áreas corticais. Abaixo temos o modelo proposto por uma neurocientista da linguagem, com base em uma extensa revisão de estudos da área, e nos dá uma ideia do tamanho e complexidade da rede neural envolvida na linguagem. Já o neurocirurgião Wilder Penfield, em 1930, testava a localização da linguagem em um grande número de pacientes por meio de pulsos elétricos aplicados no córtex do paciente acordado antes de cirurgias. Em tarefas de linguagem, uma grande região do córtex perisilviano (ou peri-sylviana), no hemisfério esquerdo, esteve envolvido na produção e na compreensão da linguagem, porem com o dado de 117 pacientes mostrou que há uma grande variabilidade nessa resposta. O número dentro dos círculos indica a porcentagem de pacientes que, em reposta à estimulação daquele local, mostraram interferências da linguagem. A cobertura desses números vai além da área de Broca e Wernick (marcados em roxo e azul). Criticas poderiam ser feitas porque estudos neurocirúrgicos lidam com pacientes com alterações neurológicas, sendo assim, estudo de imagem em sujeitos saudáveis poderiam trazer mais dados por meio de imagens neurais não invasiva. Atualmente, após quase 100 anos dos estudos de Penfield, podemos concluir que as técnicas de imagem nos permitiram avançar, mas pouco em relação ao refinamento funcional e citoarquitetônico relevante para a nossa compreensão detalhada do complexo processamento da linguagem. As dificuldades desses estudos se deve a: - Baixa resolução espacial das técnicas de imagem; - Variação anatômica entre as pessoas – enquanto as áreas primarias tem suas localizações bem definidas anatomicamente por sulcos e giros, as regiões associativas com variação citoarquitetônica maior não têm associações boas como marcadores anatômicos, sendo que microgiros variam muito entre pessoas; - Dificuldade na definição das fronteiras anatômicas e funcionais; - Falta de mapas 3D referente a localização e extensão das regiões relevantes (desconsideração das camadas citoarquitetônicas). Áreas corticais importantes para linguagem Área de Broca e Wernick Arquitetura neural da linguagem O atual consenso sobre a área de Wernick é que ela engloba diversas regiões de córtex temporal e parietal inferior. No córtex temporal encontra-se o giro temporal superior, com uma região restrita chamada de giro de Herschel, que é a área 41 de Brodmann, indicado pela seta azul na imagem abaixo. Essa é a região auditiva primária e continua na área 42 de Brodmann, sendo a região auditiva secundária, englobando também uma porção do giro temporal médio, que é a área 21 de Brodmann. Além disso, regiões do córtex parietal inferior, indicado pela seta vermelha, fazem parte da área de Wernick; especificamente o supramarginal (área 40 de Brodmann) e angular (área 39 de Brodmann); esse conjunto de regiões tem papel essencial no processamento de sons relacionados ou não com a linguagem e conectam-se ao córtex frontal inferior, com a região de Broca, e outras regiões de suporte, tais como o córtex parietal e áreas motoras. Lesões nessas regiões levam ao grave comprometimento de compreensão. ---- O que se sabe sobre a região do córtex frontal inferior, na Área de Broca? Como citado anteriormente, essa região é composta por duas demarcações de Brodmann, a 44 e 45, sendo que a citoarquitetura diferencia essas regiões vizinhas, pela presença de grandes células piramidais na camada III, que se projetam para outras regiões do mesmo hemisfério e para o hemisfério contralateral, formando circuitos robustos, o que é característico de sistemas similares responsáveis pela função tão complexas que é a linguagem. Analises histológicas da área 44 e 45 de Brodmann em humanos, mostrou diferenças na camada IV, que é bem definida na 45, mas indistinta na 44 – que é invadida pelas células piramidais da camada III e V. essa característica está presente também na região vizinha à área de Brodmann 6, que conecta a área de Broca com o córtex motor primário, o que sugere um forte envolvimento da área de Brodmann 44 na articulação da linguagem. ---- A localização anatômica da área 44 de Brodmann coincide com a parte opercular, indicado pela seta azul na imagem abaixo. E a área 45 com a parte triangular, indicado pela seta vermelho, no giro frontal inferior. Essa localização não é precisa e sabe-se que a variabilidade interpessoal nesse giro é alta, fazendo com que os marcadores anatômicos falhem, como o ramo ascendente da fissura lateral. Em resumo, a variação no tamanho, formato e porção citoarquitetônica da área 44 e 45 de Brodmann faz a localização anatômica ser apenas aproximada. Além disso, a figura anterior mostra que a região ainda pode ser subdividida quando se analisa que tipo de receptor predomina na região. ---- Em termos de conectividade, as áreas 44 e 45 se conectam com a área auditiva primaria, no giro de Herschel, no giro temporal superior, e outras áreas no giro temporal superior e médio, como a área vermelha (área de Wernick). Essa conexão direta possibilita um mapeamento sensório- motor com a informação fonológica, o que é essencial durante o desenvolvimento e aprendizagem da linguagem. A região 45 mostra assimetria funcional, já em criança acima de 5 anos; já a assimetria na 44 tem sidoidentificado somente aos 11 anos; essa diferença se deve a diferenças funcionais, uma vez que a área 45 está ligada aos processos semânticos precoces, enquanto a área 44 responde pela aprendizagem da gramatica universal e estrutura hierárquicas complexas, tais como os processos sintáticos. ---- A conexão do giro temporal com o córtex frontal se dá pela via dorsal da linguagem (feixes roxos), sendo em humanos, a principal conexão entre essas regiões; e pela via ventral, que são os feixes laranjas. A via dorsal dá o suporte na transformação de aspectos motores e sensoriais da linguagem e está parcialmente estabelecida após o nascimento, onde estudos mostram que é isso que dá suporte estrutural para bebês transformar o balbucio em uma espécie de comunicação precoce, direcionada ao ambiente linguístico presente. Outra parte dessa via se fortalece mais tarde, com processamento das formulações linguísticas cada vez mais complexas. Já a via ventral, que é o feixe laranja, conecta o córtex temporal com a área 45 de Brodmann e o córtex orbital. Estudos de conectividade mostram que essa via dá suporte para o processamento e aprendizagem em sequencias linguísticas mais simples, presentes na comunicação de outras espécies, dais como chipanzé ou macaco. Em resumo, a via ventral é mais antiga e pode ser encontrada em diversas espécies. O aumento na complexidade linguística da espécie coincide com a presença da via dorsal mais robusta. ----- Considerando os estudos funcionais, há consenso de que diversas regiões participam nas tarefas de linguagem. Apenas para listarmos essas complexidades nos padrões de ativação neural avaliada pelas técnicas de ressonância magnética funcional, apresentamos abaixo, resultados de um estudo com adultos saudáveis. Quando os participantes realizam tarefas que envolvem visualização passiva da palavra, a ativação envolvia principalmente a região de reconhecimento visual das palavras, na região occipito- temporal. Quando os participantes escutavam passivamente as palavras, a ativação se situou em uma grande parcela do córtex temporal e frontal inferior, como temos abaixo. Quando os participantes falavam as palavras, áreas motoras e sensoriais foram ativadas. Já quando os participantes faziam uma tarefa de associação de palavras, um diferente conjunto de ativação do giro temporal posterior e frontal inferior foi observado, como temos abaixo. Em resumo, a linguagem é uma função cognitiva extremamente complexa e como tal, além das tradicionais áreas de Broca e Wernick, as demais regiões corticais e subcorticais primarias e de associação participam na realização de tarefas de linguagem. Por fim, entendemos que a complexidade relacionada ao sistema da linguagem ao nível neural apenas reflete a variedade e riqueza da linguagem no nível comportamental. A linguagem e a língua são vivas, se transformando a curto e longo prazo.