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Aula 4 – Distúrbios Ácido-Base Regulação Ácido-Base A regulação de íons H+ é parecida com a dos outros íons, uma vez que o equilíbrio se dá pela equivalência da produção e da eliminação destes. Porém, o equilíbrio vai muito mais além do que a eliminações dos íons pelos rins, envolvendo mecanismos de tamponamento ácido-base envolvendo o sangue, células e os pulmões. Um conceito importante é o de ácido, o qual libera o íon H+ e o de base que é quem recebe esses íons. Este, por sua vez, pode ser representada por proteínas no corpo as quais possuem aminoácidos com cargas negativas que aceitam os íons H+, como, por exemplo, a hemoglobina. Outro conceito é o de álcali que é uma molécula formada pela combinação de um ou mais metais alcalinos com um íon hidroxila (OH-). Este íon é capaz de reagir com o íon H+ o removendo da solução formando H2O. Os ácidos e bases mais importantes para o organismo são o ácido carbônico (H2CO3) e a base HCO3-. Estes íons são importantes no controle do pH sanguíneo que é de aproximadamente 7.4 no sangue arterial e de 7.35 no sangue venoso e líquidos intersticiais, os quais possuem essa diferença se dá pela quantidade extra de CO2 (7.38 a 7.42 são outras faixas também consideradas dentro da normalidade). O sangue do ser humano deve ficar dentro dessa faixa de pH ou muito próximo disso, sendo que mudanças drásticas são consideradas patológicas, uma vez que é possível viver, por algumas horas, em um limite mínimo em torno de 6.8 (acidose) e um limite superior de 8.0 (alcalose). Para realizar a defesa contra a mudança drástica de pH, existem alguns mecanismos que regulam a concentra- ção de H+ nos líquidos corporais. Um deles são os sistemas tampões que se ligam imediatamente com os ácidos e bases para evitar o descontrole do pH. Outro é o centro respiratório que regula a remoção de CO2 (e portando de H2CO3) do líquido extracelular. E, por último, os rins que podem excretar urina ácida ou básica reajustando a concentração de H+. Os dos primeiros sistemas são os que evitam que a concentração de H+ se altere muito até que os rins consigam eliminar o excesso de ácido ou base. Sistema Tampão Bicarbonato Um dos sistemas tampões mais importantes do corpo é o sistema tampão de bicarbonato. Ele consiste em uma solução aquosa contendo dois ingredientes: um ácido fraco (H2CO3 – Ácido Carbônico) e um sal bicar- bonato (NaHCO3). O ácido é formado nesse sistema pela reação do CO2 com o H2O: 𝑪𝑶𝟐 + 𝑯𝟐𝑶 ⇋ 𝑯𝟐𝑪𝑶𝟑 É uma reação lenta onde pequenas quantidades do ácido são formadas caso não seja catalisada pela enzima anidrase carbônica, a qual é muito encontrada nas paredes dos alvéolos pulmonares, onde o CO2 é liberado. O H2CO3 se ioniza fracamente formando pequenas quantidades de H+ e HCO3-: 𝑯𝟐𝑪𝑶𝟑 ⇋ 𝑯 + + 𝑯𝑪𝑶𝟑 − Enquanto isso, o outro componente desse sistema é o sal bicarbonato que se ioniza completamente formando HCO3- e Na+: 𝑵𝒂𝑯𝑪𝑶𝟑 ⇋ 𝑵𝒂 + + 𝑯𝑪𝑶𝟑 − Pelo acoplamento de todo o sistema, teremos: Dessa forma, quando se acrescenta um ácido à solução tampão de bicarbonato, há o tamponamento desse ácido pelo HCO3-. Como resultado, mais H2CO3 é formado, causando o aumento da produção de CO2 e H2O, que estimula a respiração e a eliminação do CO2 do líquido extracelular. Porém, do contrário, quando se adiciona-se uma base, há a combinação dessa molécula com o H2CO3 formando HCO3-. Esta, por sua vez, é convertida em ácido bicarbonato, de forma que a base em questão se transformou em uma base fraca ao mesmo tempo que há redução do ácido carbônico, fazendo com que mais dióxido de carbono se combine com o oxigênio formando para repor a redução desse ácido. Isso provoca a redução da frequência respiratória, dimi- nuindo a expiração de CO2 levando ao equilíbrio do pH sanguíneo ao longo do tempo. Metabolismo → H+ → Junção com HCO3- → H2CO3 → CO2 + H2O → Ventilação Regulação Respiratória do Equilíbrio Ácido-Base A ventilação também ajuda na regulação do equilíbrio ácido-base, uma vez que a maior quantidade de venti- lação provoca eliminação de CO2 do líquido extracelular, reduzindo a concentração de H+. Em contrapar- tida, com a ventilação reduzida aumenta a concentração CO2, portanto, elevando a concentração de H+ no meio extracelular. Dessa forma, no comprometimento da função pulmonar, como no enfisema grave, di- minui a capacidade dos pulmões de eliminar CO2, provocando um acúmulo dessa molécula e uma tendência à acidose metabólica. Além disso, a capacidade de responder à acidose metabólica pela disfunção na elimi- nação de CO2 fica comprometida, sendo assim, os rins se tornam o melhor mecanismo regulatório do pH. Sistema Tampão Fosfato O sistema tampão fosfato é importante no tamponamento do líquido tubular renal e do líquido tubular renal e dos líquidos intracelulares. Os principais componentes desse sistema são o H2PO4-1 e HPO4-2. Nesse sis- tema, ao se adicionar um ácido forte, o H+ deste é aceito pelo HPO4-2 e convertido em H2PO4-1, de forma que o ácido é transformado em um ácido mais fraco, minimizando a redução do pH. Por outro lado, quando é adicionado uma base forte, o OH- desta é tamponado pelo H2PO4-1 formando HPO4-2 que é uma base mais fraca e H2O, de forma a minimizar o aumento do pH. É válido salientar que esse tamponamento equivale a apenas 1% do percentual total dos mecanismos de tamponamento. Controle Renal O controle renal do equilíbrio ácido-base funciona ao excretar urina ácida ou básica. O mecanismo de con- trole é feito pela filtração de grande quantidade de HCO3 - que são filtradas continuamente para os túbulos e, se forem excretadas na urina, removem a base do sangue. Além disso, grandes quantidades de H+ são secre- tadas no lúmen tubular pelas células epiteliais tubulares, removendo assim o ácido do sangue. O desequilíbrio entre as excreções desses íons fornece a perda de ácido ou base reais do líquido extracelular, ou seja, se há maior excreção de H+ do que HCO3- está ocorrendo perda de ácido e vice-versa. Os rins precisam ainda evitar a perda de bicarbonato na urina. Quando há redução de H+ no líquido extracelular (alcalose), os rins excretam menos H+ e não conseguem reabsorver todo o HCO3 - filtrado, aumentando assim, a excreção de bicarbonato. Portanto, o controle ácido-base dos rins é feito pela secreção de íons H+, reabsorção dos íons HCO3 - filtrados e produção de novos íons HCO3 -. A secreção de H+ é feita pelo trocador apical Na-H (NHE) o qual realiza um transporte ativo levando o Na+ intracelularmente e excretando, em troca, um H+ para o lúmen do túbulo e também pela H+-K+-ATPase trans- fere que transfere o H+ em troca de reabsorção de K+. Dessa forma, o H+ se une ao HCO3 na luz do túbulo, gerando CO2 e H2O os quais são reabsorvidos pelas células renais. Dentro delas, há formação novamente de H+ e HCO3, sendo que o primeiro pode ser novamente excretado e o segundo lançado para o líquido intersticial pelo simporte basolateral Na+-HCO3- e pelo simporte HCO3-Na+. Além disso, o néfron distal também auxilia nesse controle pelas células intercaladas (células I), tanto pela reabsorção de HCO3 -, mas também pela excreção desse íon, em caso de alcalose metabólica, pelo trocador HCO3—Cl-. Outro fator diferencial é a excreção de H+ pela H+-K+-ATPase que reabsorve o H+ e excreta K+ de forma que, muitas vezes, a acidose metabólica é acompanhada de hipocalemia, enquanto na alcalose, é possível que ocorra o mecanismo contrá- rio, causando hipercalemia. Proteínas como Tampões Intracelular As proteínas também podem funcionar como tampões intracelulares, principalmente em função da grande concentração intracelular. O pH das células é ligeiramente mais baixo que o do líquido extracelular, variando aproximadamente de acordo com este. Há pouca difusão de H+ e HCO3 - através de membrana, de forma que um equilíbrio levaria muitas horas, com exceção das hemácias. Dessa forma, o sistema tampãodo interior é importante para prevenir as alterações no pH extracelular. Nas hemácias, a hemoglobina (Hb) é um tampão importante, evitando que ocorra a lentidão da passagem dos íons H+ e HCO3 - que retarda muitas vezes a qua- lidade de tamponamento das proteínas. Cada íon H+ tamponado pela hemoglobina deixa um íon bicarbonato no interior do eritrócito, o qual pode deixar a célula em troca de um íon Cl- plasmático. Desequilíbrios Acidobásicos Os valores normais dos parâmetros que analisam o equilíbrio ácido-base do organismo são: Dessa forma, é possível que ocorram variações nesses valores, sendo que, caso seja no pH o desequilíbrio é chamado de acidose ou alcalose, além de ser classificado pela sua causa, a qual pode ser metabólica ou respiratória. Em caso de desequilíbrio causado por ácidos ou bases não relacionados com o CO2, é chamado pH = 7,35 a 7,45 HCO3 = 22 a 26 pCO2 = 35 a 45 mmHg BE = -3 a +3 também de metabólico. Esses desequilíbrios ocorrem quando os sistemas de tamponamento não conseguem dar conta da demanda, restando ao corpo duas opções: compensação respiratória ou compensação renal. Acidose Respiratória e Metabólica Na acidose respiratória ocorre quando a hipoventilação alveolar resulta no acúmulo de CO2 e elevação da PCO2 plasmática. Situações em que isso ocorre são, por exemplo, a depressão respiratória causada pelo con- sumo de drogas, aumento da resistência das vias aéreas, como na asma, distúrbios na troca gasosa (DPOC) etc. A acidose metabólica há o acúmulo de H+ e HCO3 -, caracterizando um abaixamento do pH sanguíneo (<7.38). Para compensar esse problema, o sistema renal é quem entra em ação, excretando maior quantidade de H+ e reabsorvendo HCO3 -. Por outro lado, na acidose metabólica ocorre pelo ganho de H+ pela dieta ou metabolismo, superando as taxas basais de excreção. Nas causas metabólicas, é possível citar a acidose lática (causada pelo metabolismo anaeróbico) e a cetoacidose (quebra excessiva de gorduras e certos aminoácidos). Esta, por sua vez, está associada ao diabetes tipo 1 e a dieta cetogênica, além disso, a ingestão de substâncias como ácido acetilsali- cílico, metanol e etilenoglicol (anticoagulante) também podem desencadear esse efeito. Outro fator que causa acidose metabólica é a perda de HCO3-, sendo a causa mais comum disso a diarreia. Para compensar esse mecanismo de acidose, o aumento da ventilação é quem entra em ação, reduzindo a PCO2 que poderia aumentar. Esse aumento ocorre pela detecção do aumento da concentração de H+ junto do aumento da PCO2. Dessa forma, a acidose metabólica descompensada é raramente vista clinicamente, a não ser por problemas no centro de controle respiratório ou por dificuldade da excreção de CO2 a nível pulmonar. O mecanismo renal para o controle desse desequilíbrio leva dias para alcançar a eficácia plena, estando, por- tanto, mais comumente em distúrbios crônicos. Alcalose Respiratória e Metabólica Ao contrário dos desequilíbrios acidificantes, as alcaloses são muito menos comuns. A alcalose respiratória ocorre pela hiperventilação, excretando maiores quantidades de CO2 sem a devida produção metabólica dessa molécula, consequentemente, a PCO2 cai. A causa clínica mais comum desse desequilíbrio é a ventilação artificial excessiva, a qual pode ser corrigida facilmente pela alteração no ventilador, enquanto a causa fisi- ológica mais comum é a hiperventilação histérica causada por ansiedade. Nesta, por sua vez, pode ser re- vertida facilmente pedindo para que o paciente respire em um saco de papel, de forma que ele vai aspirar quantidades crescentes de CO2, aumentando a PCO2 e corrigindo o problema. Nesse desequilíbrio, a única forma de compensação que o corpo possui é a renal. Dessa forma, o bicarbonato filtrado não é mais reabsorvido, sendo secretado no néfron distal, juntamente com a reabsorção de H+ vão auxiliar para corrigir o problema. Portanto, nesse caso, há a redução da concentração de HCO3 -. Na alcalose metabólica, há duas causas para tal desequilíbrio: excesso de vômito com conteúdo ácido esto- macal e ingestão excessiva de bicarbonato contido em antiácidos. Em ambos os casos, há a redução da concentração de H+. Nesse desequilíbrio, ocorre a redução de CO2 e o aumento de HCO3-, onde é detectado pelo centro respiratório, juntamente com o aumento do pH, o que faz a compensação respiratória inibindo a ventilação, a qual causa a retenção de CO2, aumentando a PCO2 e a produção de H + e HCO3 -. Na resposta renal, ocorre a excreção de HCO3- e a reabsorção de H+. Ânion Gap O plasma sanguíneo segue o princípio da neutralidade eletroquímica, onde ele é eletricamente neutro (cátions = ânions). Porém, nem todos os cátions e ânions do intravascular são mensuráveis, sendo que existem mais cátions mensuráveis que ânions. Essa diferença entre os cátions mensuráveis e ânions mensuráveis é o ânion gap, e pode ser representado pela fórmula: O valor normal é de cerca de 10 ± 2. Ele auxilia no diagnóstico de acidoses metabólicas. Para tal, é possível dividir as acidoses metabólicas em com ânion Gap (AG) aumentado ou normal (acidose hiperclorêmica). Dentre as causas de AG elevado estão: acidose lática, cetoacidose, ingestão de toxinas e insuficiência renal. Manejo O primeiro passo para o manejo é a realização da anamnese e o exame físico, pois doenças específicas cursam com alterações esperadas. Após, se visto que se trata de um distúrbio ácido-base, solicita-se gasometria e eletrólitos para checar se valores estão na faixa de normalidade e poder identificar o distúrbio primário. Dessa forma, é possível calcular a compensação esperada pelas fórmulas: Por fim, é feito o cálculo dos gaps pela fórmula do ânion gap. Tratamento Já no tratamento, cada distúrbio é tratado de um modo. Na acidose, deve-se tratar a causa da acidose, inde- pendentemente se for metabólica ou respiratória. A administração de bicarbonato pode levar à diversos problemas no paciente com acidose, devendo estar indicado em algumas situações: intoxicação por etileno- glicol ou metanol, acidose metabólica com uremia, acidose com risco de vida (pH < 6,9) ou acidose metabólica Ânion Gap = Na − (Cl + HCO3) Acidose Metabólica 𝑃𝑎𝐶𝑂2 𝑒𝑠𝑝𝑒𝑟𝑎𝑑𝑎 = (1,5 × 𝐻𝐶𝑂3) + 8 Alcalose Metabólica 𝑃𝑎𝐶𝑂2 𝑒𝑠𝑝𝑒𝑟𝑎𝑑𝑎 = 𝐻𝐶𝑂3 + 15 Acidose Respiratória 𝐻𝐶𝑂3 𝑎𝑢𝑚𝑒𝑛𝑡𝑎 0,4 𝑚𝑚𝑜𝑙 𝑝𝑎𝑟𝑎 𝑐𝑎𝑑𝑎 1 𝑚𝑚𝐻𝑔𝑑𝑒 𝑎𝑢𝑚𝑒𝑛𝑡𝑜 𝑑𝑎 𝑃𝑎𝐶𝑜2 Alcalose Respiratória 𝐻𝐶𝑂3 𝑑𝑖𝑚𝑖𝑛𝑢𝑖 0,4 𝑚𝑚𝑜𝑙 𝑝𝑎𝑟𝑎 𝑐𝑎𝑑𝑎 1 𝑚𝑚𝐻𝑔𝑑𝑒 𝑟𝑒𝑑𝑢çã𝑜 𝑑𝑎 𝑃𝑎𝐶𝑜2 hiperclorêmica com pH < 7,2. Para tal, utiliza-se 50 ml de bicarbonato de sódio a 8,4% + 950 ml de soro glicosado a 5% por infusão lenta (100 a 200 ml por hora) por 30 a 45 minutos e repete-se a gasometria. O objetivo desse tratamento é deixar o HCO3 maior que 10 mEq/L e o pH próximo de 7,2. Já na alcalose, quando for metabólica, o tratamento também será com base na causa (vômitos, uso de diurético, etc.), corrigindo as perdas de volume com soro fisiológico a 0,9% e potássio. Em casos mais graves, também é possível admi- nistrar acetazolamida (inibidor da anidrase carbônica) que vai induzir a excreção renal de HCO3, em dose única de 500 mg, podendo ser repetida em 24 horas. Já quando for respiratória, a causa mais comum é a ansiedade, não precisando nem chegar a coletar a gasometria caso detectado com antecedência, mas deve ser pensado em intoxicação por salicilato ou TEP, com seus respectivos tratamentos.
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