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Geovana Sanches, TXXIV DOENÇAS INFLAMATÓRIAS INTESTINAIS DEFINIÇÃO As doenças inflamatórias intestinais (DII) são doenças crônicas, imuonomediadas e que podem acometer diferentes segmentos do trato gastrointestinal com variável espectro clínico. As principais representantes são a doença de Crohn (DC) e a Retocolite ulcerativa (RU) EPIDEMIOLOGIA • Aumento da incidência e prevalência no sentido Oeste e Norte o Oriente (-) à Ocidente (+) o Sul (-) à Norte (+) o Países orientais estão sofrendo uma ocidentalização da dieta, principalmente quanto à ingestão de ultraprocessados – aumento da prevalência nesses países • Cerca de 100.000 pacientes no Brasil o Tendência ao aumento no número de casos Faixa etária Pode ser diagnosticada em qualquer idade, inclusive em nenéns de 1 ano (raro). O mais comum, entretanto, é entre os 20 e 50 anos. FATORES DE RISCO Genéticos • Familiar de primeiro grau (> 10x) • Gêmeos monozigóticos (50% em DC) • Gene NOD2 o Relação bem estabelecida com a doença de Crohn o Para retocolite, inúmeros genes podem estar associados Ambientais • Tabagismo o Fator de risco para Doença de Crohn o Fator “protetor” para Retocolite: pacientes fumantes que deixam o hábito apresentam piora na doença • Uso de contraceptivos orais • Baixos níveis de vitamina D o Não significa que essa vitamina deve ser reposta para evitar a doença, mas sim que pacientes com predisposição e baixa ingesta tem maior risco de desenvolvê-la • Baixa ingesta de fibras • Elevada ingesta de alimentos processados e ultraprocessados o Dieta ocidentalizada o Explica em partes a maior incidência de casos no Ocidente e em países desenvolvidos • Higiene e poluição o Teoria da higiene relacionada com doenças imunomediadas – indivíduos que são expostos a antígenos (por poluição ou más condições de higiene) durante à infância “treinam” seu sistema imunológico, reagindo melhor à estímulos recebidos durante a vida adulta. Já aqueles que não são expostos, não desenvolvem essa tolerância e, na vida adulta, quando apresentados à antígenos (até mesmo endógenos) possuem maior propensão à resposta exacerbada do quadro inflamatório PATOGÊNESE Ocorre uma alteração na barreira, com passagem de antígenos (pode estar relacionada ao aumento da expressão do gene NOD2). Os antígenos, então, chegam na lâmina própria e são captados por células apresentadoras de antígenos, Geovana Sanches, TXXIV as quais liberam interleucinas para recrutamento de macrófagos. A partir disso, inicia-se o processo inflamatório com lesão tecidual, o que recruta ainda mais leucócitos, perpetuando o processo. QUADRO CLÍNICO O quadro clínico das doenças inflamatórias intestinais é variado, mas baseia-se na tríade: • Diarreia • Dor abdominal • Sangramento De forma geral, a doença de Crohn cursa mais com dor abdominal e diarreia, enquanto na retocolite ulcerativa há mais diarreia e sangramento. Principais diferenças Retocolite ulcerativa Doença de Crohn Déficit de crescimento + ++/+++ Tenesmo / Urgência ++ +/- Doença perianal - + Local acometido Do reto ao ceco Qualquer segmento Padrão da inflamação Contínuo Descontínuo Histologia Até submucosa Todas as camadas Lesões mais comuns Enantema e erosões Úlceras aftoides ou serpiginosas Complicações Neoplasia, megacólon tóxico Fístulas, estenoses, neoplasia • Local de acometimento e padrão da inflamação o Retocolite: inicia-se sempre pelo reto, podendo ascender até o ceco. Assim, pode-se ter lesão apenas no reto ou no retossigmoide ou em todas as áreas, desde que seja contínua. o Doença de Crohn: pode acometer qualquer local do TGI, desde a boca até o ânus. Na maioria das vezes, a inflamação é descontínua § Local mais comum é íleo- colônica • Déficit de crescimento o A doença de Crhon pode acometer o intestino delgado levando à má- absorção. Assim, o déficit de crescimento é maior nessa doença o Na retocolite, quando há déficit de crescimento este é secundário à inapetência ocasionada pela dor intensa e não por má-absorção de nutrientes como na DC • Sintomas de tenesmo e urgência o Como na retocolite ulcerativa o reto sempre está acometido, os sintomas retais (como o tenesmo e a urgência) são mais prevalentes nessa condição • Doença perianal o Está presente apenas na doença de Crohn, tendo em vista que na RU o acometimento ocorre apenas até a camada submucosa o Pode cursar com fístula reto- vaginal, reto-vesical, peri-anal e entero-cutânea • Lesões mais comuns o Na colonoscopia, as lesões mais comuns em pacientes com retocolite são os enantemas e as erosões (lesões mais superficiais). Já no Crhon, podemos identificar úlceras aftoides ou serpiginosas (lesões mais profundas) o A retocolite tem uma inflamação intensa, enquanto a DC pode ter caráter mais estenosante • Complicações o Neoplasias podem ser uma complicação de ambas as Geovana Sanches, TXXIV condições, principalmente neoplasias de cólon • Vale comentar que o paciente não necessariamente apresenta um IMC baixo, com estigmas de desnutrição. Em geral, este é normal, podendo ser, inclusive, aumentado Manifestações extra-intestinais Lesões oculares • Uveítes • Irites • Episclerites Articulares • Artrite • Sacroileíte • Espondilite • Artralgia importante Cutâneas • Eritema nodoso o Lesão avermelhada, sobressalente, geralmente dolorosa à palpação o Relação com a atividade da doença, respondendo ao tratamento da DII o Também pode estar presente em doenças imunomediadas, tais como o LES • Pioderma gangrenoso DIAGNÓSTICO Colonoscopia • Sempre deve visualizar o íleo terminal o Não é incomum que a doença de Crohn manifeste-se apenas com acometimento ileal o 90% dos acometimentos da DC estao entre o íleo e o reto § 50% dos casos são íleo- colônicos o Na ausência de alterações da colonoscopia, portanto, é possível excluir a doença • Realizar biópsia das lesões o Anátomo-patológico pode confirmar o diagnóstico da DII ou sugerir um diagnóstico diferencial • Pesquisa de displasias o Maior chance de neoplasia Imagens • Exame normal: haustrações presentes, mucosa brilhante, refletindo a luz do aparelho, sem lesões • Cólon tubulizado, no qual não visualizamos os vasos e a mucosa não reflete mais a luz do aparelho. Há perda das haustrações e grande quantidade de fibrina • Inflamação intensa da mucosa, com grande presença de fibrina • Úlceras profundas, com risco de perfuração. Diagnostica-se como doença de Crohn, tendo em vista que na RU o acometimento para na camada submucosa e essas lesões estão ao menos na camada muscular Geovana Sanches, TXXIV • Presença de mucosa quase normal, com pequenas úlceras aftoides. Diagnostica-se doença de Crohn, tendo em vista que na RU o acometimento é obrigatoriamente contínuo • Úlcera serpiginosa em meio a uma mucosa aparentemente íntegra. Diagnostica-se doença de Crohn, cujo acometimento pode ser descontínuo Biópsia e Anatomia-patológica • Distorção arquitetural (alteração nas vilosidades) • Criptites • Microabscessos de cripta • Granulomas o Presentes na Doença de Crohn o Na biópsia feita a partir da colonoscopia é muito difícil identificar os granulomas. Todavia, quando se faz uma ressecção cirúrgica, é mais provável sua identificação Exames de imagem Os exames de imagem são especialmente importantes para avaliação do intestino delgado, tendo em vista que ele não é bem avaliado com a colonoscopia. Além disso, permitem a avaliação do mesentério, o qual também pode estar inflamado. Trânsito intestinal • É um exame antigo, atualmente pouco disponível • O paciente ingere um contraste radiopaco e faz uma série de radiografias • É umexame de baixo custo, baixa radiação e permite ver alterações importantes, tais como: o Estenose: o contraste não preenche toda a estrutura o Fístula entre intestino delgado e sigmoide o Estenose com dilatação Geovana Sanches, TXXIV EnteroTC ou TC de abdome A tomografia é um bom exame para avaliar a presença de espessamentos na parede intestinal. No exame tradicional, o contraste no interior da alça se colore em branco. A enterotomografia, por sua vez, é um exame mais especializado, no qual o contraste marca as alças intestinais em preto quando normais. Na presença de mucosa inflamada, a imagem fica mais branca, facilitando a observação pelo examinador. Outra alteração que podemos identificar é o ingurgitamento de vasos, o qual é visto através do sinal do pente – indica inflamação do peritônio. EnteroRNM ou RNM de abdômen/pelve • Assemelha-se à tomografia • É o melhor exame para avaliação de fístula perianal, complicação comum na Doença de Crohn Cápsula endoscópica • Antes de sua realização, faz-se necessário descartar a presença de estenose o Caso façamos o exame e o paciente apresente estenose, a cápsula pode impactar e o paciente evoluirá com um abdome agudo obstrutivo • É interessante especialmente na doença de Crohn, pois avalia bem a porção alta do intestino delgado Ultrassonografia de abdômen • Para avaliação dessas doenças é necessário um protocolo específico de USG, o qual ainda é pouco difundido entre os radiologistas • Método interessante, tendo em vista que é um exame de baixo custo, não invasivo e sem radiação Marcadores sorológicos Os marcadores sorológicos apresentam baixa sensibilidade, sendo sua utilização restrita na prática clínica. É um bom instrumento nos casos em que temos dúvidas se o paciente possui doença de Crohn ou retocolite ulcerativa. Todavia, a conduta não se altera muito independe do diagnóstico específico. • Retocolite ulcerativa à pANCA • Doença de Crohn à ASCA TRATAMENTO Objetivos 1. Remissão da doença ativa 2. Manutenção da remissão 3. Cicatrização da mucosa • Prevenção de complicações (como estenose e fístulas) • Prevenção de recorrências pós- operatório • Manutenção do estado nutricional • Manter qualidade de vida Avaliação pré-tratamento O tratamento depende do grau de atividade da doença, o qual pode ser definido através de escalas: CDAI e Harvey and Bradshaw para doença de Crohn, e Truelove and Witts para retocolite ulcerativa. Na prática, entretanto, essas escalas não são muito utilizadas. Em geral, classificamos a doença em: • Leve: doença em atividade, mas que não está atrapalhando o dia a dia do paciente (consegue ir ao trabalho ou à faculdade por exemplo) • Moderado: doença em atividade e com impacto maior no dia a dia do paciente, afetando sua produtividade; presença de dor mais importante Geovana Sanches, TXXIV • Grave: paciente com dor intensa e distúrbios hidroeletrolíticos ou que necessita de internação Podemos avaliar, ainda, o fenótipo da doença de Crohn, classificando-o em inflamatório, fistulizante (penetrante) ou estenosante; e a extensão da doença através da colonoscopia e dos exames de imagem. É possível solicitar também provas de atividade inflamatória para avaliação desses pacientes, especialmente a calprotectina fecal (medida nas fezes) e a proteína-C retiva (colhida no sangue). CDAI • Necessário avaliação dos últimos 7 dias, não sendo muito prática Harvey-Bradshaw • Leva em consideração como o paciente se sente, dor abdominal, evaluações... Truelove and Witts Fase aguda Durante a fase aguda das doenças inflamatórias intestinais é de extrema importância a diferenciação com outras condições, tais como: intolerância à lactose; síndrome do intestino irritável; uso de AINES; e uso de laxantes. Corticoides • Primeira linha para fase aguda • NUNCA deve ser usado para manutenção o Efeitos colaterais intensos à longo prazo o É ineficaz para manter remissão • Drogas de escolha o Prednisona 40 – 60 mg/dia o Hidrocortisona 300 – 400 mg/dia • Tempo de tratamento o Curto período o Utilizamos a dose plena por cerca de 15 dias e iniciamos o desmame até retirada completa § Total: cerca de 45 dias Aminossalicilatos • Drogas utilizadas o Sulfassalazina o Mesalazina • Apresentações o Comprimido: melhor opção quando há colite mais extensa o Enema: utilizado geralmente nos quadros de retossigmoidite o Supositório: boa escolha quando há acometimento apenas no reto • APENAS para RCU leve ou moderada • Não é eficaz para manutenção e cicatrização na doença de Crohn Imunossupressores • Drogas utilizadas o Azatioprina § Maior evidência clínica para sintomas intestinais o Metotrexato § Boa opção para casos em que o paciente possui dor articular intensa ou não tolera a Azatioprina • Utilizado principalmente para Crohn ileal • Pode ser associado ou não a biológicos • Atua na prevenção de recidivas pós- operatória • Apenas para manutenção da remissão o Não é uma boa opção para indução da remissão, tendo em vista que o Geovana Sanches, TXXIV início do efeito é demorado (cerca de dois meses) o Uma conduta viável é introduzir a medicação junto com o corticoide, pois quando retirarmos este, o imunossupressor já terá iniciado seu efeito Anti-JAK • Droga: Tofacitinibe • APENAS para retocolite • Risco de infecções e trombose o Especialmente herpes zoster o Contraindicado para pacientes com episódios prévios de trombose Biológicos • Utilizados para casos moderados a grave • Anti-TNF α o Influximabe, Adalimumabe, Golimumabe, Certrolizumabe pegol o Disponíveis no SUS, exceto o Golimumabe (utilizado apenas na retocolite) o Certolizumabe é melhor opção para gestantes • Anti-integrinas o Vedolizumabe o Ação específica no cólon- impede a diapedese dos leucócitos o É muito seguro, mas eficaz apenas para manifestações intestinais – não é uma boa opção caso o paciente apresente muito sintoma extra-intestinal • Anti-interleucina 12/23 o Ustequinumabe o Também utilizado no tratamento da artrite psoriásica • Principais indicações dos biológicos o Doença severa a moderada o Pacientes córtico-dependentes § Ao retirarmos o corticoide, a doença volta à atividade o Pacientes córtico-refratários § Doença não entra em remissão mesmo com o uso de corticoide o Pacientes não responsivos ao imunossupressor o Presença de fístulas o Manifestações extra-intestinais severas o Doença de Crohn alta § Acometimento de jejuno ou íleo terminal o Pacientes jovens (< 20 anos) § Pior prognostico § Doença mais agressiva Tratamento cirúrgico O tratamento cirúrgico é restrito para pacientes que apresentam complicações, tais como estenoses, perfurações e fístulas. Quando isso ocorre, em geral faz-se ressecção parcial ou total do órgão. Uma exceção a isso são os pacientes com retocolite ulcerativa refratária, no qual pode-se realizar colectomia total. Com a retirada do reto e cólon (estruturas acometidas pela doença), é como se curássemos o paciente.
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