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Como citar este material: BORTOLIN, Adriana. Liderança e gestão de equipes. Rio de Janeiro: FGV, 2022. Todos os direitos reservados. Textos, vídeos, sons, imagens, gráficos e demais componentes deste material são protegidos por direitos autorais e outros direitos de propriedade intelectual, de forma que é proibida a reprodução no todo ou em parte, sem a devida autorização. INTRODUÇÃO A disciplina Liderança e gestão de equipes é um convite para reflexão, análise, discussão e entendimento do fenômeno da liderança de equipes em um contexto de transformação e constantes mudanças. É também uma oportunidade de preparação e de aprimoramento das competências relacionadas à liderança de equipes. Liderar é uma competência cada vez mais valorizada em diversos ambientes sociais, institucionais e organizacionais tanto formais quanto informais. Independentemente da posição assumida, gerenciar sempre se faz necessário; a diferença está nas competências requeridas. A forma como a liderança está posta, considerando os cuidados com o ambiente e as pessoas, tem impacto direto na motivação das equipes e, consequentemente, nos resultados que esperamos alcançar. Precisamos, portanto, construir um ambiente que engrandeça, positiva e poderosamente, pessoas e equipes. Com base nessa perspectiva, veremos vários autores, teorias, modelos, práticas e ferramentas que contribuem para a gestão e a liderança de equipes. Além disso, discutiremos a importância do autoconhecimento e do autodesenvolvimento para o aprimoramento de aspectos emocionais e subjetivos envolvidos no processo de liderança e gestão de equipes. SUMÁRIO MÓDULO I – LIDERANÇA EM TEMPOS DE MUDANÇA ........................................................................ 7 DESAFIOS DA LIDERANÇA EM TEMPOS DE MUDANÇA CONSTANTE .......................................... 7 Gerenciamento e liderança ...................................................................................................... 8 NOVOS PAPÉIS E COMPETÊNCIAS PARA A LIDERANÇA FRENTE À TRANSFORMAÇÃO DIGITAL ............................................................................................................................................................ 11 Papéis da liderança .................................................................................................................. 13 Competências para a liderança ............................................................................................. 16 FATORES QUE INFLUENCIAM AS MUDANÇAS NAS EQUIPES E NAS ORGANIZAÇÕES ............ 20 MÓDULO II – TEORIAS E ABORDAGENS PARA A LIDERANÇA .......................................................... 27 EVOLUÇÃO DO PAPEL DA LIDERANÇA .......................................................................................... 27 REVISITANDO TEORIAS SOBRE LIDERANÇA .................................................................................. 30 Teoria dos traços ..................................................................................................................... 30 Teorias comportamentais ....................................................................................................... 31 Teoria dos estilos de liderança .............................................................................................. 32 Teorias situacionais ................................................................................................................. 34 Teorias contemporâneas ........................................................................................................ 39 INTELIGÊNCIA EMOCIONAL E O EXERCÍCIO DA LIDERANÇA ...................................................... 45 FEEDBACK PARA O DESENVOLVIMENTO DE EQUIPES .................................................................. 48 MÓDULO III – LIDERANÇA E DESENVOLVIMENTO DE EQUIPES ...................................................... 53 CARACTERÍSTICAS E TIPOS DE EQUIPES ........................................................................................ 53 Papéis orientados para a ação ......................................................................................... 56 Papéis orientados para as pessoas .................................................................................. 57 Papéis orientados para o intelecto .................................................................................. 57 UMA EQUIPE COM MENTE, CORAÇÃO E AÇÃO. ........................................................................... 58 FASES DO DESENVOLVIMENTO DE EQUIPES ................................................................................ 58 Grupo de trabalho ................................................................................................................... 60 Suposto básico ......................................................................................................................... 60 Suposto básico de dependência....................................................................................... 61 Suposto básico de luta e fuga ........................................................................................... 61 Suposto básico de pareamento ........................................................................................ 61 Contribuições de cada fase de transformação .................................................................... 62 Disfunções das equipes .......................................................................................................... 62 Falta de confiança ............................................................................................................... 63 Medo do conflito ................................................................................................................. 63 Falta de comprometimento .............................................................................................. 64 Fuga da responsabilidade ................................................................................................. 65 Desatenção aos resultados ............................................................................................... 65 IMPACTOS DA DIVERSIDADE NO DESEMPENHO DAS EQUIPES ................................................. 66 MÓDULO IV – LIDERANÇA E MOTIVAÇÃO ......................................................................................... 73 CONCEITOS E TEORIAS MOTIVACIONAIS E SUA APLICAÇÃO NA LIDERANÇA DE EQUIPES .... 73 CONTRIBUIÇÃO DA ESCOLA DE RELAÇÕES HUMANAS .............................................................. 73 Práticas ...................................................................................................................................... 75 Teoria da hierarquia das necessidades ................................................................................ 77 Teoria dos dois fatores............................................................................................................ 79 Teoria da equidade .................................................................................................................. 80 Teoria da expectativa .............................................................................................................. 82 RELAÇÃO ENTRE SATISFAÇÃO, MOTIVAÇÃO, ENGAJAMENTO E DESEMPENHO DAS EQUIPES ............................................................................................................................................................ 83 DELEGAÇÃO, AUTONOMIA E EMPOWERMENT NAS EQUIPES ...................................................... 85 Delegação e autonomia .......................................................................................................... 85 Empowerment ............................................................................................................................ 89 BIBLIOGRAFIA ......................................................................................................................................92 PROFESSORA-AUTORA ........................................................................................................................ 98 ADRIANA BORTOLIN ........................................................................................................................ 98 Formação acadêmica .............................................................................................................. 98 Experiências profissionais ...................................................................................................... 98 Desafios da liderança em tempos de mudança constante Já não é mais novidade o fato de que a mudança, tecnológica ou não, faz parte do ambiente organizacional e precisa de adaptação constante tanto da organização quanto das pessoas. A depender dessa adaptação, como reconhecem Silva et al. (2018), essas transformações podem levar empreendimentos bem-sucedidos à bancarrota ou empresas de pouca representatividade ao sucesso inesperado. Não podemos negar também que as mudanças, especialmente as tecnológicas, “modificam as relações entre pessoas e organizações” (Silva et al., 2018, p. 49). Nesse contexto, gerenciar e liderar são duas competências essenciais à organização. Mas será que liderar é mais importante que gerenciar? Ou será o contrário? Vejamos, a seguir, a relevante provocação de David K. Hurst (apud MINTZBERG; AHLSTRAND; LAMPEL, 2011, p. 116) sobre liderança e gerenciamento, especialmente em tempos de mudança: Os altos gestores não cozinheiros, são ingredientes [...] em mudanças que afetam fundamentalmente as organizações, é preciso comportamento para mudar o comportamento: a mudança não pode ser gerenciada: só pode ser liderada. Logo, os gestores da mudança não são apenas cozinheiros que preparam a refeição seguindo uma receita: são os ingredientes principais dessa receita. Altos gestores são modelos de inspiração poderosíssimos, e sua maior contribuição para o processo de mudança é liderá-lo, modelando os novos comportamentos que esperam de seu pessoal. Com efeito, só lhes é possível planejar e orquestrar os arranjos até certo ponto. A partir daí, precisam misturar-se aos demais e confiar em que seu comportamento será copiado por outros [...]. MÓDULO I – LIDERANÇA EM TEMPOS DE MUDANÇA 8 Kotter (apud TOLFO, 2003, p. 291) também nos faz pensar sobre essa questão. Vejamos o que o autor nos diz sobre a proporção de tempo investida no ato de liderar: Anos atrás, os executivos utilizavam em torno de 40% do seu tempo com funções de liderança, e atualmente podem dedicar até 80% da sua jornada de trabalho. Por outro lado, até mesmo as chefias que se encontram mais próximas à base da pirâmide organizacional estariam sendo exigidas a dedicar de 20% (ou mais) do seu tempo no exercício da liderança. (Tolfo, 2003, p. 291). Gerenciamento e liderança Liderar e gerenciar são competências exigidas aos gestores atuais, independentemente da posição que ocupam na organização. O desafio é saber quanto, como e quando cada posição e cada situação exigem de cada competência. É certo que nem todas as organizações exigirão da mesma forma. Nesse sentido, quanto mais estrutura, mais liderança se faz necessário; quanto menos estrutura, mais gerenciamento cabe. Para tanto, é importante conhecer as diferenças entre uma e outra. Warren Bennis (2001) é referência no estudo das diferenças entre liderar e gerenciar. A primeira diferença se estabelece na forma como se lida com o ambiente instável, turbulento e ambíguo que se apresenta nas organizações. Líderes lidam de forma a não permitir que esse contexto os sufoque, já os gerentes se submetem a ele. Como? Conforme tradução livre de Bennis (2001): gerente administra, líder inova; gerente é uma cópia, líder é original; gerente mantém, líder desenvolve; gerente confia no controle, líder inspira confiança; gerente tem visão de curto prazo, líder tem perspectiva de longo prazo; gerente pergunta como e quando, líder pergunta o que e por que; gerente tem foco no resultado financeiro, líder tem foco no horizonte; gerente é um soldado clássico, líder é a sua própria pessoa, e gerente faz as coisas corretas, líder faz o que é preciso. Há várias abordagens sobre gerenciar e liderar. Para esclarecer, recorremos à diferenciação feita por Griffin e Moorhead (2006), conforme o quadro a seguir: 9 Quadro 1 – Distinções entre gestão e liderança atividade gestão liderança elaboração de agendas planejamento e aplicação de recursos – estabelecer passos detalhados e datas para atingir resultados; alocar recursos necessários para fazer com que esses resultados sejam alcançados. estabelecimento de diretrizes – estabelecer objetivos para o futuro (com frequência para o futuro distante) e desenvolver estratégias para a produção das mudanças necessárias à conquista desses objetivos. desenvolvim ento de uma rede humana para cumprir a agenda organização e alocação de recursos humanos – montar uma estrutura para executar os planos, designar pessoas para isso, delegar responsabilidades e autoridade, providenciar políticas e procedimentos para ajudar as pessoas, e criar métodos ou sistemas para monitorar a implementação dessas políticas e procedimentos. participação das pessoas – comunicar as diretrizes, por escrito e verbalmente, a todos aqueles cuja cooperação é necessária para influenciar a criação de equipes e coligações, a fim de tornar claras as estratégias e de levar as pessoas a aceitarem a sua validade. execução dos planos controle e execução de problemas – monitorar resultados versus planejar em algum detalhe, identificar desvios, e planejar e organizar para resolver esses problemas. motivação e entusiasmo – estimular as pessoas a superar os maiores obstáculos políticos, burocráticos e financeiros por meio da satisfação das suas necessidades mais básicas e, normalmente, não atendidas. resultados previsibilidade e ordenamento, e potencial para a conquista dos principais resultados esperados pelos acionistas (por exemplo, pontualidade para com clientes, manutenção do orçamento). produção de mudanças, muitas vezes, cruciais e potencial de realizar alterações extremamente úteis (por exemplo, novos produtos desejados por clientes, novas abordagens de relações de trabalho que ajudam a empresa a ser mais competitiva). 10 É possível perceber que essas distinções estão relacionadas, mas podem estar desconectadas uma da outra. Uma pessoa pode ocupar um cargo de gestão formal, aquele com reconhecimento no crachá, e não ter postura e atitude nem de liderança, nem de gestão, ou poderá ter em ambas as atitudes, ou somente em uma delas. Da mesma forma, uma pessoa pode ser reconhecida informalmente pelo grupo, pela sua competência em liderar e fazer a gestão, devido aos seus conhecimentos, às suas atitudes e habilidades. Tanto liderar quanto gerenciar é crucial para a organização, assim como o quanto cada uma dessas funções deve ser adequada ao contexto, à realidade e as necessidades da organização. No entanto, cabe dizer que é preciso se tornar cada vez melhor. Como? Vejamos como Covey (2002) é motivador quanto à mudança de paradigma: Sobre mudar paradigma gerencial (...) se você quiser melhorar de forma lenta e gradual, mude sua atitude e o seu comportamento. Mas, se você quiser melhorar grandiosamente – quero dizer, de maneira drástica, revolucionária e transformadora – se quiser se aperfeiçoar de maneira gigantesca, seja como indivíduo ou como empresa, mude os seus referenciais. Mude a maneira pela qual você vê o mundo, sua maneira de pensar sobre as pessoas, como você vê o gerenciamento e a liderança. Mude seu paradigma e a sua forma de compreender e explicar determinados aspectos da realidade. Os grandes progressos consistem em romper as velhas maneiras de pensar. À medida que um paradigmamuda, abre-se toda uma nova era de estímulo, conhecimento e compreensão que resulta em uma gigantesca diferença de desempenho. (p. 165-166). Tendo em conta o conceito de gerenciamento e liderança, será que é possível transformar gestão em liderança? O ser humano não nasce pronto para a liderança. Ele poderá ser favorecido pela genética ou pelo ambiente familiar, social ou história pessoal, com características comportamentais da liderança. No entanto, mesmo sendo favorecido pela genética ou pelo ambiente, terá que refinar e desenvolver as competências que fazem um indivíduo ser reconhecido como líder. E aquele que não é favorecido pela genética ou ambiente? Esse terá de ter um esforço maior e buscar o desenvolvimento pessoal por meio das várias possibilidades que as experiências de vida e o mercado profissional propiciam. 11 Novos papéis e competências para a liderança frente à transformação digital O contexto da transformação digital possibilita às empresas oferecerem produtos e serviços jamais imaginados em outras épocas e, ao mesmo tempo, impõe o constante desafio de continuarem crescendo no mercado. Para termos uma ideia mais concreta do que isso representa, vejamos alguns dados publicados no site TI Inside (FUSÕES [...], 2022): As operações de fusões e aquisições no Brasil encerraram 2021 com desempenho recorde, registrando 1963 transações nos últimos doze meses. Essa marca supera em 59% o total verificado ao longo de 2019 que era, até então, o melhor ano da série histórica, concluído com 1231 negociações. [...] ‘Estes resultados consolidam a tendência de investimento em transformação digital e inovação protagonizados pelas companhias brasileiras e multinacionais, que têm feito aportes estratégicos em diversos segmentos de negócios. Isso indica ainda que a confiança em negócios relacionados com inovação permanece em uma rota crescente junto a investidores estratégicos e financeiros desde o início da pandemia, em 2020’, ressalta o sócio-líder de do M&A Proprietário da KPMG no Brasil, Luis Motta. Na tabela a seguir, podemos observar essa tendência de crescimento de forma bastante clara. 12 Tabela 1 – Fusões e aquisições no Brasil Fusões e aquisições Ano Acumulado 2021 1963 2020 1117 2019 1231 2018 967 2017 830 2016 740 2015 773 2014 818 2013 796 2012 816 2011 817 2010 726 2009 454 2008 663 2007 699 2006 473 2005 363 2004 299 2003 229 Fonte: adaptado de TI Inside (FUSÕES [...], 2022). Reflitamos, agora, com base na seguinte afirmação de David L. Rogers (2017, p. 8): “A transformação digital não tem a ver com tecnologia – tem a ver com estratégia e novas maneiras de pensar.” Essa afirmação nos mostra que a transformação digital requer um mindset diferenciado a todos profissionais e, é claro, à liderança. 13 Papéis da liderança Vamos abordar os oito papéis de atuação da liderança proposto por Robert Quinn e outros autores. No entanto, antes é importante citar Genelot (2001), pois para esse autor gerenciar na complexidade é mais um dos desafios da liderança. Desafio de buscar novos padrões de pensamentos que possibilitem compreender e lidar com os diversos fenômenos da complexidade, como a incerteza, as contradições, a imprevisibilidade, a ingovernabilidade e os efeitos perversos que ela produz. Para dar conta desse desafio, Quinn et al. (2015) apresentam um conjunto de valores concorrentes e diversificados que, muitas vezes, parecem ser contraditórios entre si e que a liderança deve atender. Vejamos: Figura 1 – Abordagem de valores concorrentes de gestão Fonte: Quinn et al. (2015). Com o objetivo de promover a efetividade organizacional, esse quadro integra as quatro perspectivas sobre as organizações. Em cada modelo, há competências a serem desenvolvidas pelo líder, e contempla também um cardápio de possibilidades de escolhas, entre oito papéis, para atuação da liderança no ambiente organizacional. Para Cavalcanti et al. (2009), a liderança deve estar preparada para atuar em cada um desses papéis, conforme a situação específica. 14 Figura 2 – Papéis da liderança Fonte: Quinn et al. (2003) citado em Cavalcanti et al. (2009). Vejamos os modelos e competências de Quinn et al. (2015) e a descrição dos oito papéis feito por Cavalcanti et al. (2009), citando (Quinn et al., 2003): Modelo das relações humanas – com o objetivo de criar e sustentar o compromisso e a coesão. Compreende: Papel do mentor: é a atuação da liderança em ajudar as pessoas nos seus planos de desenvolvimento individual, prevendo necessidades de treinamentos e desenvolvimento de competências. Para isso, a escuta, a empatia, a solicitude, o apoio as reais necessidades e o reconhecimento se fazem presentes. Papel do facilitador: é facilitar e criar, coletivamente, esforços, coesão e moral, bem como administrar os conflitos interpessoais. Competências: entender a si mesmo e aos outros, comunicar com honestidade e efetividade, orientar e desenvolver pessoas, gerenciar grupo e liderar equipes, e gerenciar e estimular o conflito construtivo. 15 Modelo de processo aberto – com o objetivo de estabelecer e manter a estabilidade e continuidade. Compreende: Papel do monitor: é a atuação da liderança no controle interno, na gestão de processos, na consolidação e criação de continuidade, no fluxo das informações. Papel do coordenador: o coordenador atua no fluxo de trabalho. Providenciar os recursos necessário às pessoas para cumprirem a sua missão no trabalho e cuidar que estejam nas funções certas. Competências: organizar fluxos de informações, trabalhar e gerenciar entre funções, planejar e coordenar projetos, medir e monitorar o desempenho e a qualidade, e estimular e possibilitar a conformidade. Modelo de meta racional – busca melhorar a produtividade e aumentar a lucratividade. Compreende: Papel do diretor: nesse papel, conforme a autora, concentra-se a essência da liderança, em promover a razão de ser da organização, definir metas e objetivos, e o planejamento para o seu alcance. Papel do produtor: o líder deve construir um ambiente que promova o comprometimento, a produtividade, a motivação e a autonomia, tanto do líder quanto da equipe. Competências: desenvolver e comunicar uma visão, estabelecer metas e objetivos, motivar a si mesmo e os outros, projetar e organizar, e gerenciar a execução e buscar resultados. Modelo de sistema aberto – objetiva promover a mudança e estimular a adaptabilidade. Compreende: Papel do negociador: é a atuação do líder no processo de negociação de forma a propor alternativas para uma negociação efetiva. Papel do inovador: inovação requer uso da criatividade e gestão das transformações e transições organizacionais. Competências: usar o poder e a influência com ética e efetividade, patrocinar e vender novas ideias, estimular e promover inovação, negociar acordos e compromissos, e implementar e sustentar a mudança. Ainda referente à estrutura de valores de Robert Quinn, Cavalcanti et al. (2009) mostram como os papéis, em cada quadrante, complementam-se apesar de alguns estarem opostos aos outros. Os papéis dos quadrantes superiores (mentor, facilitador, negociador e inovador) da figura 2, irão exigir maior flexibilidade, já que estão relacionados a pessoas e mudanças. Já os papéis dos quadrantes inferiores (monitor, coordenador, diretor e produtor) exigem mais controle, pois estão relacionados a processos, metas e produtividade. 16 Os papéis do quadrante esquerdo (mentor, facilitador, monitor e coordenador) referem-se à ambiência interna, uma vez que trabalham com pessoas e processos internos. Contrariamente, o quadrante esquerdo (negociador, inovador, diretor e produtor) faz referência ao ambiente externo, já que lida com mudanças e produtividade. Cada papel tem o seu valor, no entanto,quando usado exageradamente e sem o equilíbrio com os papéis opostos, podem ser prejudiciais. Por exemplo, o líder deverá ter foco em pessoas (papel do mentor e facilitador) e ter foco também em produtividade (papel do produtor e diretor), bem como o papel de negociador e inovador se complementa com o papel de monitor e coordenador. Desse modo, para integrar todos esses papéis, propõe-se ao líder assumir diferentes pontos de vista, que significa saber enxergar da perspectiva do outro, aceitar e aprender com as críticas que recebe, estar aberto as diferenças entre os diversos estilos. Competências para a liderança Já em sentido mais amplo, a competência aborda os conceitos de conhecimentos, habilidades e atitudes, de forma que iremos utilizar essa abrangência na construção desse tópico. Ser competente é conseguir fazer. É a atitude de pôr em prática conhecimentos adquiridos e habilidades aprendidas. Para Fleury e Fleury (2001), a competência não se limita a um acúmulo de conhecimentos ou a um conhecimento específico, nem se encontra isolado na tarefa nem se reduz a uma experiência específica. Competência é um saber agir responsável e reconhecido, que implica mobilizar, integrar, transferir conhecimentos, recursos e habilidades que agreguem valor econômico à organização e valor social ao indivíduo. Mais amplo se torna ao referenciar os três eixos de Le Boterf na composição das competências: 1. pessoa (na sua biografia e socialização); 2. formação educacional e 3. experiência profissional. Para um entendimento melhor desse conceito, no quadro 2, Fleury e Fleury (2001) ampliam o que significa ser competente na prática: 17 Quadro 2 – Competências para o profissional saber agir saber o que e por que faz saber julgar, escolher, decidir saber mobilizar recursos criar sinergia e mobilizar recursos e competências saber comunicar compreender, trabalhar, transmitir informações e conhecimentos saber aprender trabalhar o conhecimento e a experiência, rever modelos mentais e saber se desenvolver saber engajar-se e comprometer-se saber empreender, assumi riscos e se comprometer saber assumir responsabilidades ser responsável, assumindo os riscos e as consequências das suas ações, sendo reconhecido por isso ter visão estratégica conhecer e entender o negócio da organização, o seu ambiente, identificando oportunidades e alternativas No contexto organizacional, o reconhecimento do profissional é feito a partir dessas competências, por meio da avaliação constante do seu desempenho. Dessa forma, os autores identificam as competências organizacionais propostas por Zarifian (1999): competências sobre processos – conhecimentos do processo de trabalho; competências técnicas – conhecimentos específicos sobre o trabalho que deve ser realizado; competências sobre a organização – saber organizar os fluxos de trabalho; competências de serviço – aliar à competência técnica ao impacto que esse produto ou serviço terá sobre o consumidor final e competências sociais – saber ser, incluindo atitudes que sustentam os comportamentos das pessoas – autonomia, responsabilização e comunicação. No desdobramento de competências a nível organizacional, cabe a gestão orquestrar, com maestria, os conhecimentos, as habilidades e as atitudes suscitadas pela estratégia da organização. A seguir, iremos apresentar estudos e pesquisas de alguns autores, propondo competências para a efetividade da liderança. 18 Vamos iniciar com Warren Bennis (2001), que faz o reconhecimento de critérios, ditos como clássicos, que a maioria das organizações usa para promover a sua gestão. Vejamos: competência técnica e experiência profissional; conhecimento especializado; habilidades interpessoais; capacidade para descobrir e motivar as pessoas; habilidades conceituais e capacidade de síntese; resultados; capacidade para selecionar pessoas competentes; juízo como a habilidade para tomar decisões sabias em meio às incertezas e caráter e integridade para sustentar uma posição. Ainda com Bennis (2001), ao pesquisar 90 líderes de sucesso, observou quatro habilidades em comum: atrair a atenção – capacidade em atrair as pessoas por meio da habilidade em comunicar um conjunto de intenções, dando clareza sobre onde se quer chegar; criar significado – capacidade de tornar tangível e real as ideias, como a visão e as metas, de forma a criar significado e fazer as pessoas sonharem; confiança – confiabilidade transmitida por meio da constância e coerência, mesmo quando o seu ponto de vista não coincide com o das pessoas, e controle de si mesmo – conhecimento de si mesmo, das suas forças, e a capacidade de aprender com as suas experiências, em especial com os seus fracassos. Observe que as três primeiras habilidades – atrair atenção, criar significado e confiança – estão voltadas para as outras pessoas, na forma como a liderança se posiciona e se relaciona com a equipe, especialmente pela habilidade da comunicação. Já a última habilidade, controle de si mesmo, tem foco no autoconhecimento e autodesenvolvimento, o que não deixará de refletir no seu relacionamento e na forma de se comunicar com a equipe. Ou seja, o autor aborda as competências da liderança como um processo social. Em outro estudo, Robert Quinn (2015) levantou mais de 250 competências gerenciais e, nessa lista, reconhece a habilidade de pensar de maneira crítica como a principal competência para a efetividade da liderança. Tendo como premissa o pensar como uma habilidade passível de aprendizado, pensar de maneira crítica é a competência que pode ser posta em prática imediatamente. Pensar de forma crítica significa olhar para a complexidade que existe nos problemas, que se apresentam no dia a dia e que, por algumas vezes, parecem ser simples. Tomar decisões sem negligenciar essa complexidade exige aprender uma nova forma de pensar, um desprendimento de ideias antigas com evidências que são fracas ou inexistentes. A efetividade dessa competência se apresenta na capacidade em formar os seus próprios argumentos e em reagir aos argumentos dos outros em uma sequência de raciocínio, e não uma discussão ou discordância com outra pessoa. 19 Stephen H. Rhinesmith (1993) sugere, aos gestores, as seis competências gerenciais para a efetividade frente a um mercado global: gestão da competitividade – capacidade de coletar informações em uma base global e saber utilizá-las em benefício da organização; gestão da complexidade – capacidade de reconhecer, compreender e lidar com as contradições, os paradoxos e os conflitos de interesses; gestão da adaptabilidade – capacidade de dar respostas flexíveis, rápidas, melhores e mais coordenadas ao lidar com as mudanças ambientais; gestão das equipes multiculturais – sensibilidade, valorização e capacidade em gerir a diversidade das habilidades funcionais, das experiências e das origens culturais; gestão da incerteza – capacidade de lidar com as mudanças e incertezas constantes, e garantir um adequado fluxo e controle, ou seja, saber quais as fases da mudança precisam de intervenção e quais deve seguir o seu desenvolvimento natural, e gestão do aprendizado – capacidade de buscar e promover o aprendizado pessoal e organizacional constantemente. A competência para liderar equipes frente à transformação digital vem sendo demandada há muito tempo. Podemos dizer que Walt Disney foi referência no uso dessa competência. Vejamos este exemplo: Branca de Neve e a liderança na Disney A produção do filme Branca de Neve pelos estúdios Disney exigiu uma demanda grande e diferenciada de trabalho. A empresa precisou lançar mão de novas tecnologias, como a invenção de uma câmara filmadora que alcançasse diversos planos e possibilitasse criar efeitos mais naturais, e o pioneirismo no uso do technicolor. A execução do projeto implicou25 mil ilustrações e o envolvimento coordenado de mais de 700 artistas e milhares de técnicos, o que foi um grande desafio. Walt Disney foi a liderança visionária que desejava fazer um bom longa-metragem com animação. Fez um discurso no lançamento do projeto salientando a necessidade de coesão das equipes e chamando a atenção para o grande desafio de criarem uma forma diferenciada de arte. A primeira ação foi o recrutamento do pessoal que comporia o grande grupo. Esse recrutamento ocorreu em todo o país e tornou possível selecionar artistas muito competentes para que os estúdios produzissem animações como jamais havia sido visto. O cineasta acreditava que o fato de ser um sonho não significava utopia, mas motivação para a realização de algo totalmente novo. A fim de transformar o sonho em realidade, procurava qualificar e equipar as pessoas. 20 Alguns conhecimentos, habilidades e atitudes faziam com que Disney fosse um líder competente. Entre eles, destacam-se: capacidade de selecionar pessoas competentes nas suas áreas e atribuir-lhes funções conforme as suas habilidades, facilidade para conceder autonomia, observação crítica para melhorar o trabalho dos artistas, inspiração, habilidade de comunicação e perspicácia na tomada de decisão. O resultado do trabalho inovador e visionário desse líder e a sua grande equipe foi o recorde de bilheteria que o filme Branca de Neve alcançou no ano de 1938. Há de se salientar, dessa experiência, a cooperação bem-sucedida, de tal modo que todos os envolvidos foram capazes de produzir em comum, mostrando como o talento pode ser conciliado e gerenciado para grandes resultados. Fonte: BENNIS, Warren; BIEDERMAN, Patrícia Ward (1998), conforme citado por TOLFO, Suzana da Rosa (2003, p. 296). Fatores que influenciam as mudanças nas equipes e nas organizações “Dinâmica de grupo”, uma expressão comumente utilizada por diversos profissionais para fazer referência a uma atividade prática aplicada a determinado grupo, como um processo seletivo ou de desenvolvimento. Essa expressão surgiu, contudo, a partir dos estudos de Kurt Lewin (1965, apud PASQUALINI; MARTINS; EUZÉBIOS FILHO, 2021), autor que, com base na Psicologia Social, demonstrou que cada grupo possui uma dinâmica de funcionamento própria. Assim como cada indivíduo possui uma personalidade, cada grupo tem um jeito de ser, por isso não é possível afirmar que todos os grupos se comportam da mesma maneira. A Teoria de Campo proposta por Kurt Lewin nos ajuda a entender essa dinâmica de funcionamento dos grupos. Lewin identificou um espaço de vida do grupo, o campo psicológico, cuja estrutura dinâmica envolve todos os elementos psicológicos e sociais relacionados ao indivíduo, ao grupo e ao meio ambiente. Esses elementos podem ser desde pessoas, situações, eventos e tarefas até relações sociais ou com o próprio trabalho, tudo o que acontece e está presente no espaço de vida do grupo e do indivíduo. Esses elementos devem ser sempre avaliados, pois o comportamento do grupo será consequência da sua dinamicidade. Nessa dinamicidade, haverá forças impulsoras ou restritivas que poderão levar o indivíduo para dentro ou para fora do grupo, assim como influenciarão o próprio movimento do grupo em relação aos seus objetivos, impulsionando ou restringindo ações que visem ao seu alcance. Michelly (2016) nos oferece bons exemplos de elementos que podem ser considerados forças impulsoras ou restritivas. Vejamos: 21 Quadro 3 – Forças impulsoras e restritivas FORÇAS IMPULSORAS FORÇAS RESTRITIVAS AMBIENTAIS recursos suficientes pressões normais externas equipamentos adequados horário rígido/pressão instalações confortáveis interferências/interrupções tempo disponível tamanho do grupo isolamento/privacidade equipamento falho GRUPAIS (os outros) motivação defensividade cordialidade liderança tóxica aceitação das diferenças individuais hostilidade liderança normas ambíguas confiança recíproca silêncio espontaneidade desorganização/excesso de agitação INDIVIDUAIS (o eu) empatia objetivos conflitantes competência de líder dominação/manipulação suporte emocional rigidez/intransigência inovação timidez/ansiedade/estresse ouvir o outro disputa pelo poder Fonte: Michelly (2016). Como afirma Lewin (apud Pasqualini, Martins e Euzébios Filho, 2021, p. 165), “se um grupo não for atraente o bastante para um número suficiente de indivíduos, ele desaparecerá.” Nesse caso, o papel da liderança envolve olhar para a floresta, e não para as árvores. Mas o que isso significa de fato? A metáfora da floresta é utilizada para entendermos de que modo o grupo está funcionando como um todo. Se nos perguntarem a cor de uma floresta, poderemos responder com base no todo ou nas partes dessa floresta. Se olharmos para as partes, teremos de lidar com as características individuais de cada uma das árvores dessa floresta. Em um grupo, isso significa lidar com as vivências, as experiências, os talentos, as dificuldades e os comportamentos de cada integrante do grupo. Já se olharmos para o todo, tenderemos a escolher a cor predominante para caracterizar a floresta. Por exemplo, se o verde-escuro predomina, mesmo que haja outras cores, diremos que a floresta é verde- escura. Em um grupo, isso significa olhar para o modo como a maioria das pessoas se comporta. 22 Liderar equipes requer, portanto, que ampliemos o nosso olhar, ou seja, devemos sair de uma visão restrita para uma visão sistêmica, entender as relações de causa e efeito bem como compreender a conexão entre os elementos e as ações do grupo. Os indivíduos formam as equipes, e não podemos negar que a liderança também é um elemento constituinte do campo psicológico desse grupo. A liderança tem influência e pode intervir de forma a ser uma força: impulsora – aquela que leva as pessoas a quererem fazer parte do grupo, a irem em direção aos objetivos em comum ou restritiva – aquela que restringe a proximidade das pessoas ou o crescimento do grupo. Se você está à frente de uma equipe como liderança ou mesmo como integrante, reflita: Que tipo de força você representa, impulsora ou restritiva? O grupo também tem poder e pode impelir pessoas para fora da equipe de forma não declarada. Por exemplo, suponha que uma equipe tenha conhecimento de que um dos seus integrantes esteja se apropriando, indevidamente, de dinheiro alheio (tanto dos colegas quanto da própria empresa). Essa equipe pode denunciar esse integrante ao gestor ou lidar com a situação de forma não declarada, utilizando a força psicológica e o poder que o grupo tem para impeli-lo a pedir sua saída. O entendimento do campo psicológico, dos elementos e das forças de atração e repulsão propostas por Kurt Lewin contribui para ampliar a visão sistêmica da liderança frente ao processo de mudança por meio da intervenção em equipes. Afinal, as diversas equipes de uma organização formam o todo dessa organização. Ao mudarmos as equipes, consequentemente, mudamos a organização. Mas por que devemos focar a mudança das equipes, e não a dos indivíduos? Mais uma vez Kurt Lewin (apud PASQUALINI; MARTINS; EUZÉBIOS FILHO, 2021, p. 166) contribui afirmando que “é mais fácil mudar indivíduos num grupo do que mudar cada um separadamente.” Para o autor, mais que a afinidade, o que caracteriza os membros de um grupo é a sua interdependência. Isso significa que, para mudar o status do grupo, é necessário mudar um dos elementos presentes no campo psicológico, especialmente as suas forças, intensificando-as ou enfraquecendo-as, o que alterará a dinâmica de funcionamento do grupo. De acordo com Pasqualini, Martins e Euzébios Filho (2021, p. 166), “forças de igual intensidade e direções opostas produzem, como resultante, uma situação de constância, um equilíbrio quase estacionário, estado social de relativa estabilidade com flutuação ao redor de um nível médio de tensão.” Dessaforma, se há forças igualmente impulsoras e restritivas atuando em determinado grupo, tal grupo não demonstrará avanços em seu status atual ou aparentará alguns avanços, mas também demonstrará regressão no seu desenvolvimento. 23 Figura 3: Forças iguais atuando em direções opostas Por outro lado, se as forças impulsoras estiverem mais presentes e forem mais intensas que as forças restritivas, isso significa que o grupo está seguindo na mesma direção, o que gerará crescimento. Figura 4: Forças iguais atuando na mesma direção Mudança versus transição Há tempos já se sabe que a habilidade de gerenciar mudanças é uma competência essencial e demandada a todos gestores e lideranças. No entanto, com a chegada da pandemia de Covid-19 em 2019, ela foi amplamente testada em todas as organizações do mundo, considerando o gerenciamento não só do cotidiano mas também das mudanças desordenadas, volumosas e imprevistas. O processo de mudança ocorre em todos os níveis dentro da organização. Aos níveis mais altos cabe a gestão estratégica da mudança, e aos níveis intermediários cabe ajudar as pessoas a realizarem a transição do seu status atual para o desejado, o que envolve várias etapas. Agora, vamos ver como a liderança pode ajudar o grupo a passar por essas etapas e virar a chave. Para isso, buscamos William Bridges (2006), autor que, reconhecendo o lado sombrio da mudança, reconhece uma sutil diferença entre mudança e transição. Segundo Bridges: mudança – acontece para as pessoas, quer queiram ou não, e ocorre rapidamente; transição – acontece dentro das pessoas, à medida que elas passam por uma mudança, e ocorre em ritmo mais lento. 24 Vejamos este comentário do autor (BRIDGES, 2006, on-line) sobre um executivo que só considerou o conceito de mudança e esqueceu a importância de focar a transição das pessoas: O problema do executivo não era que ele deveria ter feito mais, mas que ele cometeu um erro básico que se tornou cada vez mais caro no ambiente em constante mudança de hoje: ele planejou cuidadosamente as mudanças da organização e esqueceu de lidar com as transições das pessoas. Quando eu disse isso, ele se opôs: “Mas temos uma equipe de transição”. Como a maioria dos líderes, ele confundiu “transição” com “mudança” – supondo que a transição significasse apenas uma mudança gradual, estendida ou inacabada. A transição é o “processo de reorientação psicológica de três fases pelo qual as pessoas passam quando estão chegando a um acordo com a mudança” (BRIDGES, 2006, on-line), é começar pelo final, é abandonar a velha realidade, a velha identidade. Se não formos capazes de construir um final real, não conseguiremos construir um começo bem-sucedido. Isso nos faz pensar que, se as pessoas não forem capazes de ver a possibilidade de um final real, elas terão mais resistências ao processo de mudança. Inteligentemente, Bridges denomina a transição como o foco dado às pessoas no processo de gestão da mudança. Vejamos as três fases da transição reconhecidas pelo autor: a) Encerramento, perda e desapego: Quando têm o primeiro contato com a mudança, as pessoas demonstram resistência e revolta emocional, pois estão sendo forçadas a desapegar de algo que as mantinha confortáveis. Nessa fase, podem aparecer emoções como medo, negação, raiva, tristeza, desorientação, frustração, incerteza e sensação de perda. Se essas emoções não forem reconhecidas, provavelmente, haverá resistência durante todo o processo de mudança. Sendo assim, antes de fazer com que as pessoas aceitem a nova ideia, é preciso fazer com que aceitem o fato de que alguma coisa está sendo encerrada. Para tanto, é importante que a liderança incentive a realização de perguntas, a curiosidade e o “querer saber”, de modo a compreender como as pessoas estão se sentido e, com escuta empática, considerar mesmo reclamações e críticas. Além disso, a liderança não deve abafar os posicionamentos de resistência, mas sim oferecer segurança psicológica. Quanto maiores forem a abertura e a consideração desses sentimentos, mais rápido as pessoas passarão para a próxima fase. 25 b) Zona neutra: Nessa fase, geralmente, as pessoas afetadas pela mudança estão confusas, impacientes e com dúvidas. Elas podem estar sobrecarregadas pelo trabalho, pois, apesar de tentarem se adaptar ao novo, ainda estão apegadas ao antigo. Isso pode levar a ressentimentos e ao ceticismo em relação à iniciativa de mudança bem como à queda do moral, à baixa produtividade e à ansiedade quanto ao papel, ao status ou à identidade das pessoas. Para aumentar a motivação e dar a todos uma percepção positiva do esforço direcionado à mudança, a liderança deve: oferecer um forte senso de direção, estabelecendo metas de curto prazo para que as pessoas sintam que estão alcançando resultados; ter encontros frequentes para dar feedback, especialmente quanto a aspectos relacionados à mudança; abrir espaço para o diálogo. Se necessário, a liderança também deve ajudar as pessoas a gerenciarem a sua carga de trabalho, seja retirando a prioridade de certos tipos de tarefa, seja alocando recursos adicionais. Apesar de ser desafiante, essa fase também é responsável por gerar grande criatividade, inovação e renovação, caracterizando-se como um momento oportuno para encorajar as pessoas a experimentarem novas formas de pensar ou trabalhar. c) Novo começo: Essa fase se caracteriza pela aceitação e por uma atitude enérgica que deixa claro que as pessoas já começaram a abraçar a mudança. Elas estão construindo as suas habilidades para trabalhar com o novo e estão começando a ver os resultados do seu esforço. Podem sentir um nível elevado de energia, abertura ao aprendizado e comprometimento renovado em relação ao grupo ou ao seu papel. Nesse momento, a liderança deve dar sustentação ao novo modelo de comportamento das pessoas. Para tanto, deve: usar técnicas administrativas para fazer o link entre as metas pessoais e os objetivos de longo prazo da empresa, destacando, com regularidade, histórias de sucesso criadas pela mudança; reservar um tempo para celebrar e recompensar a equipe pelo trabalho duro; lembrar que nem todos chegarão a essa fase ao mesmo tempo e que alguns poderão regredir a fases anteriores se acharem que a mudança não está funcionando – nesse caso, é importante que a liderança não se torne complacente demais. 26 Podemos fazer uma analogia entre essas fases e uma ponte que leva do antigo para o novo, como demonstrado na figura a seguir. Figura 5 – Representação das fases de transição Fonte: elaborado pela autora Durante o processo de mudança, portanto, a liderança deve: saber de onde está partindo; saber aonde quer chegar; entender que a transição é necessária; conviver com o velho e o novo; envolver as pessoas e acompanha os resultados; saber que toda situação final será, um dia, uma situação atual e que tudo começará de novo. Evolução do papel da liderança As alterações ocorridas nos modos de produção ao longo do tempo produziram mudanças no comportamento social e transformações nas organizações, nas formas de fazer e gerir os negócios e trouxe, consequentemente, mudanças na tarefa dos ocupantes de posições gerenciais e no papel da liderança, exigindo novas competências. Inicialmente, é importante alinharmos os conceitos de gestão e liderança considerando o seguinte: Gestão é a posição ou cargo a quem se atribui autoridade e poder “instituído” para gerenciar ou administrar um negócio ou uma área específica. Líder é alguém que influencia, motiva e engaja as pessoas a fazerem o que tem de ser feito, independentemente da posição ou do cargo que ocupa. Liderança é entendida como um papel ou conjunto de comportamentos. Desse modo, a liderança é uma competência indispensável ao ocupantede um cargo de gestão. O primeiro modelo de liderança aprendido tem a sua origem no núcleo familiar, advindo, principalmente, do patriarca, que centralizava todas as decisões e os conhecimentos com autoridade máxima, em uma relação unilateral, de dominante e dominado, sem diálogo e sem abertura. Tal relação foi sendo reproduzida para os ambientes de trabalho. Na Sociedade Industrial, esse modelo também é incorporado às fábricas. Inicialmente, como principal modelo conhecido de liderança, em que todos os cargos de gestão, praticamente, eram assumidos por homens, em geral, pais de famílias. MÓDULO II – TEORIAS E ABORDAGENS PARA A LIDERANÇA 28 A clássica cena do filme Tempos Modernos, de Charles Chaplin, do funcionário na fábrica apertando parafusos que perde o ritmo da produção ao parar para se coçar, representa uma época na qual predominava a visão mecanicista do trabalho, que se caracteriza por processos padronizados, pela divisão das tarefas, pela especialização e pela busca máxima de eficiência e produtividade. A máquina e a produtividade eram os protagonistas, o valor dado a quem produz era a capacidade física em produzir, o olhar para a pessoa como ser que pensa, sente e cria não existia. Na verdade, esse poder nem era conhecido. A tarefa da gestão era centrada na supervisão constante da aplicação de métodos e regras em metas de alta produtividade e tempos acelerados. Nesse contexto, não havia uma liderança, mas uma chefia atuando. Gradativamente, pesquisas e estudos indicam que, em função das mudanças que vêm ocorrendo na sociedade, há também uma evolução desse olhar, ainda no decorrer da segunda onda. Tal evolução aponta para o fato de que fatores externos e internos influenciam a capacidade produtiva de quem produz, que começa a ser visto como ser humano que pensa, sente e pode fazer a diferença se tiver a oportunidade e for considerado no processo produtivo. Surge uma nova consciência sobre a atuação da gestão na relação com as pessoas, na construção do ambiente e, consequentemente, na influência da produtividade. O papel da liderança é ampliado com a evolução do conhecimento – reconhecida por Tofller (1980) como a terceira onda, da Sociedade do Conhecimento, no final do século passado –, trazendo para o palco o conhecimento como protagonista no desenvolvimento do país, das organizações e na valorização do profissional. Quanto mais conhecimento quem produz tiver e mais capacidade para transformar esse conhecimento em ações práticas e de resultados, maior será o seu valor profissional. As mudanças e inovações tecnológicas também surgem como consequência da expansão do conhecimento, agregando habilidades tecnológicas e a capacidade de criar e se adaptar a novos projetos. A partir de então, considera-se que, para aumentar a competitividade, torna-se necessário adotar modelos de gestão do conhecimento. Para Laimer (2012), a gestão do conhecimento é promovida pela interação, pelo compartilhamento de experiências e de vivências, ou seja, a socialização do conhecimento. Nesse processo, as pessoas passam a ser o principal recurso, o saber passa a ser o capital intelectual, principal patrimônio das organizações. Dessa forma, a liderança tem a missão de levar a organização e as pessoas rumo a essa nova época, o que torna essencial a gestão rever a sua atuação no exercício da liderança. Não basta mais ter profissionais que atendam somente os requisitos característicos da sociedade industrial, tais como cumprimento de horários, regras e tarefas. É solicitado que aprenda, crie e transforme. Quanto à liderança, será demandada compartilhar conhecimentos e experiências, ensinar, apoiar, ouvir, entender, valorizar, reconhecer, provocar novas ideias e motivar o comprometimento na missão da busca e transformação do conhecimento. 29 Vejamos um caso de liderança detestada que evoluiu e passou a ser admirada: Andrall Pearson, também conhecido como Andy Pearson. Ele foi referência que soube evoluir e se transformar para atender as demandas de cada época vivida, da industrial à do conhecimento. Nascido em 1925, viveu até 2006 chegando aos 80 anos. Teve uma brilhante carreira que durou mais de 40 anos. Foi sócio da McKinsey&Co., presidente da PepsiCo, professor titular da Harvard Business School, sócio geral da Clayton, Dubilier e Rice, e CEO e presidente fundador da YUM Brands, que possui as marcas de restaurantes KFC, Pizza Hut e Taco Bell. Vejamos o que Griffin e Moorhead (2006, p. 274-275) dizem sobre ele: De detestado a admirado Pearson administrava seus negócios usando como armas o medo e a punição. Com o passar do tempo, aprendeu a comandar seus funcionários com respeito – e até com certo afeto. Sua evolução, de ditador temido a amado guru, foi uma jornada e tanto. Pearson sintetiza seus primeiros 15 anos de carreira da seguinte maneira: ‘Eu provava que era inteligente encontrando defeitos nas ideias de outras pessoas’. Durante os 14 anos em que atuou como presidente e principal executivo de operações da PepsiCo (primeiramente chamada Tricon), Pearson era conhecido como uma pessoa rude, interessada em números e difícil de agradar. Sua frase favorita era: ‘E daí?’. A revista Fortune considerou-o um dos chefes mais severos dos anos 1980, em parte porque ele muitas vezes levava os funcionários às lágrimas ou à demissão, caso não conseguissem corresponder às suas expectativas. O executivo costumava acompanhar as pessoas até a porta: sua política era demitir de 10% a 20% de todos os funcionários de desempenho mais baixo todo ano. Quando Pearson entrou pela primeira vez na Tricon, ‘ele era brutal’, de acordo com Aylwin Lewis, então diretor de operações. ‘Uma vez nos disse que uma sala cheia de macacos faria melhor do que isso!’. Uma descrição do ‘novo Andy’: os funcionários ainda choram, mas agora por agradecimento aos elogios que recebem. Os executivos que têm Pearson como mentor afirmam que essa experiência muda suas vidas. ‘Recebo cartas que trariam lágrimas aos olhos’, revela o líder. Pearson foi primeiro ‘amaciado’ e depois transformado. Quando afirma que gostaria de liberar o poder de todos, porque, então, ‘em vez de somente pessoas, seríamos uma empresa muito melhor’, ele mostra que se interessa mesmo pelos funcionários. Seu pensamento sobre liderança também amadureceu. ‘Grandes líderes encontram um equilíbrio entre os resultados e a maneira de obtê-los. Muitas pessoas cometem o erro de pensar que obter resultados é tudo que há em um trabalho... O verdadeiro trabalho é obter resultados de modo que a organização se torne um ótimo lugar para trabalhar’. O exercício da liderança transpassa a sociedade agrícola, industrial e do conhecimento, e a sua evolução decorre dos diversos estudos e tentativas de descobertas sobre o fenômeno da liderança. Agora, veremos quais estudos e teorias contribuíram para essa evolução. 30 Revisitando teorias sobre liderança O estudo da liderança teve o seu início há mais de cem anos, e a teoria dos traços surgiu como primeiro estudo e dominou até final dos anos de 1940. Já as teorias comportamentais foram até final dos anos de 1960. Como terceira teoria, termos as teorias situacionais, ainda muito utilizadas para o entendimento do contexto em que a liderança acontece. Teoria dos traços Griffin e Moorhead (2006) nos mostram que, em uma tentativa de provar que certas características determinavam, naturalmente, o perfil pessoal da liderança essa teoria isolou traços físicos, intelectuais, sociais e direcionados para a tarefa. Os traços físicos foram relacionados à aparência, estatura, energia e força física. Ao citarem Abraham Lincoln como exemplo de líder alto e eficiente, críticos se manifestaram fazendo referência à estatura de Adolf Hitler e Napoleão Bonaparte, também eficientes, mas com baixa estatura. Cavalcanti et al (2009) complementa que adaptabilidade, entusiasmo, autoconfiança e elevado quocienteintelectual estariam relacionados às características intelectuais. Já as características sociais foram relacionadas às de cooperação, habilidades interpessoais e habilidades administrativas. Quanto à tarefa, as características citadas eram do impulso de realização, persistência e iniciativa. Atualmente, há reconhecimento de lideranças que se destacaram em várias áreas: na área social, a psicóloga e empresária Viviane Senna; no esporte, o técnico da seleção de vôlei, Bernardinho, a futebolista e capitã da seleção brasileira de futebol, Marta, o técnico da seleção de futebol, Tite e ainda Hortência, como jogadora e capitã do basquete brasileiro; o apresentador de TV e empresário Silvio Santos; na política, a ex-chanceler da Alemanha Angela Merkel, Barak Obama, ex-presidente dos Estados Unidos, e Margaret Thatcher, como ex-primeira-ministra do Reino Unido; Bill Gates e Steve Jobs como líderes na área da tecnologia. Será que eles nasceram com as características certas para serem referências em liderança? Ou foram desenvolvendo a partir das situações e circunstâncias vividas? E quem não nasceu com essas características poderá se desenvolver como líder? Esse posicionamento de que líderes nascem com as características certas para assumirem o exercício da liderança foi desmistificado. Motta (1991) diz que não é o domínio de habilidades raras, mas pessoas comuns que aprendem habilidades comuns e formam uma pessoa incomum. Interessante essa posição. Qualidades relacionadas à arte da liderança são bem-vindas, no entanto, não são deterministas, senão parece que somente heróis e heroínas podem liderar e que esforços para se desenvolver não valem a pena. Isso seria muito desanimador, não acha? Com isso, diante da pouca contribuição da teoria dos traços, surgem novas pesquisas sobre o comportamento da liderança em que estilos são identificados. 31 Teorias comportamentais No final dos anos de 1940, a abordagem comportamental desejava identificar quais comportamentos estavam relacionados à eficiência da liderança. Conforme Griffin e Moorhead (2006), pesquisas realizadas na Universidade de Michigan e na Universidade Estadual de Ohio começam a observar a dimensão interpessoal entre líder e liderado. Como resultados das pesquisas em Michigan, identificaram dois tipos de comportamentos da liderança: o centrado no trabalho e o centrado na pessoa. Comportamento centrado no trabalho: o objetivo é o desempenho da atividade; há orientação detalhada dos procedimentos; há acompanhamento próximo das tarefas e o foco está em prazos, padrões de qualidade e economia de custos. Comportamento centrado na pessoa: o objetivo é criar grupos de trabalho de alto desempenho; há consideração dos aspectos humanos; o foco está no desenvolvimento da equipe e ouve e presta atenção no grupo. As conclusões foram de que o melhor estilo para um bom desempenho da equipe era a liderança centrada na pessoa e que ambos os estilos não poderiam estar presentes no mesmo comportamento da liderança. Já os estudos de Ohio apontaram para mais dois estilos: comportamento de consideração e comportamento de orientação. Contrariamente aos estilos anteriores, esses dois estilos poderiam andar juntos, em menor ou maior grau. Comportamento de consideração: há interesse pelos sentimentos; há respeito às ideias; há relação de confiança e respeito e a comunicação ocorre nos dois sentidos. Comportamento de orientação: estabelece as suas atribuições com clareza; há canais de comunicação e institui métodos para a realização do trabalho. 32 Figura 6 – Primeiras abordagens comportamentais sobre liderança Fonte: Adaptado de Griffin e Moorhead (2006). Observou-se que a supervisão com alto comportamento de orientação tinha equipes com alto desempenho e com baixa satisfação, e a supervisão com alto comportamento de consideração tinham equipes com baixo desempenho e com menos falta ao trabalho. Esse estudo não foi tão considerado, já que não levaram em conta todas as variáveis limitantes entre comportamento da liderança e respostas das equipes. Teoria dos estilos de liderança Seguindo no foco da relação interpessoal da liderança com as pessoas e a sua equipe, Cavalcanti et al. (2009) apresenta os três estilos propostos por Kurt Lewin: Autocrático: liderança centralizadora; decisões unilaterais; tarefas e métodos de trabalho determinados pela liderança, e não há nenhuma participação das pessoas da equipe. 33 Democrático: participação das pessoas nas tomadas de decisão; liderança incentiva a participação de todos; liderança delega autoridade e liderança usa o feedback como ferramenta de gestão. Laissez-faire: liderança deixa a equipe à vontade; decisões de como fazer o trabalho é totalmente da equipe e não há envolvimento algum da liderança. Aqui, poderíamos denominar o estilo autocrático como sendo da chefia, o estilo democrático como da liderança e o estilo laissez-faire como a ausência de liderança – quem não se apropria do seu papel e não faz nada para envolver as pessoas ou a equipe nas atividades propostas. Em que essa teoria contribui? Não se pode negar que um dos elementos presentes no fenômeno da liderança, de vital importância, é a relação interpessoal. O tipo de relacionamento que a liderança terá com as pessoas influenciará, diretamente, a motivação para realização do trabalho e a satisfação com o ambiente de trabalho. O estilo autocrático perde cada vez mais força. Entre os três, o modelo mais requerido pelas organizações e valorizado pelas pessoas é o estilo democrático. As pessoas querem ser ouvidas, consideradas e envolvidas no processo de trabalho. Podemos usar a Psicologia para entender um pouco melhor o efeito que provoca um líder ao considerar as pessoas. Vejamos: Olhar dos pais, olhar da liderança Você já observou uma criança quando começa a engatinhar ou caminhar? O que acontece? Ela engatinha e, seguidas vezes, vira-se para trás para verificar se o seu cuidador a olha – em geral, são os pais, avós ou pessoas que ela ama muito. Se essa criança encontra um “olhar olhado”, de alguém que realmente a enxerga, o que acontece? Em geral, ela sai engatinhando com mais velocidade e sorriso nos lábios. Por quê? Porque se sentiu cuidada e olhada, e isso gera confiança! Ela avança na exploração do seu universo, animada, confiante e se sentindo segura, pois sabe que tem o olhar, o cuidado do outro. Toda criança precisa desse olhar das pessoas que ela ama e que é importante na sua vida. Esse olhar ajuda a construir o seu mundo interno. Na vida adulta, não é muito diferente. O adulto também busca o olhar das pessoas que são importantes para ele. Uma dessas pessoas é a sua liderança, afinal, ela representa a figura de autoridade, que remete às primeiras figuras de autoridade da sua vida, como os pais. 34 Até aqui, vimos que a teoria dos traços pesquisou e estudou o perfil pessoal da liderança com foco nas suas características, e a teoria comportamental pesquisa e analisa a relação da liderança com as pessoas. Agora, veremos as teorias situacionais – também chamadas de contingenciais –, que, ao abordar outros fatores, ampliam o entendimento da complexidade envolvida no exercício da liderança. Teorias situacionais As teorias situacionais surgem e contribuem, até hoje, como modelo e ferramenta na aplicabilidade da liderança. A sua contribuição é mostrar que, além do perfil da liderança e da relação entre a liderança e a sua equipe, há implicação de outros fatores, quais sejam: líder, equipe e tarefa. a) Participação Como vimos até aqui, entre os estilos apresentados, o mais valorizado pelas empresas e pelos funcionários é o modelo democrático, em que a liderança envolve todos no processo de trabalho. Agora, quando o assunto é a tomada de decisão: será que, em todas as situações,o melhor é envolver a equipe ou há situações em que a liderança deve decidir sozinho? Conforme Griffin e Moorhead (2006), a abordagem da árvore de decisão oferece aos gestores um modelo a ser adotado como ferramenta na decisão de escolha do estilo frente à equipe, considerando a situação uma tomada de decisão. Essa abordagem foi proposta em 1973, por Victor Vroom e Philip Yetton, depois, sofreu revisão em 1988, com Arthur Jago, e um refinamento por Vroom, em 2000. Nesse modelo, a liderança faz a análise da situação considerando o grau de importância da tarefa: se é de alto ou baixo impacto na organização, e se a decisão é rotineira e de pouca consequência. Além disso, considera o tempo disponível para a tomada de decisão: se é em menos tempo possível ou o tempo é menos crítico, dando condições de desenvolver habilidades em tomar decisões. Outro ponto de relevância é o comprometimento da equipe ou das pessoas na decisão: quanto maior a necessidade de engajamento, maior deve ser o envolvimento da equipe no processo de decisão. Fatores a se considerar na análise: qualidade técnica da decisão; experiência da liderança; comprometimento da equipe com a decisão; grau de estruturação do problema; apoio do grupo com a decisão a ser tomada pela liderança; relacionamento entre a própria equipe e experiência e competência da equipe. 35 Seguindo uma linha de maior controle por parte da liderança até um maior envolvimento por parte das pessoas, nesse modelo, a liderança terá de tomar uma decisão de escolha entre os diversos estilos oferecidos pelos autores, que representam os diferentes níveis de participação da equipe: decidir – a gestão, com as informações que possui, decide e comunica a sua decisão à equipe; delegar – a gestão delega ao grupo a análise do problema e também as sugestões de resoluções; consultar individualmente – a gestão, individualmente, apresenta a situação aos integrantes da equipe, solicita informações e toma a decisão; consultar grupo – a gestão reúne a equipe, apresenta a situação, solicita sugestões e toma a decisão, e facilitar – a gestão reúne a equipe, põe a situação à mesa, estimula e conduz a discussão do problema entre os integrantes, até chegarem à melhor decisão. Tomar boas decisões faz parte da função da liderança, e uma das decisões é decidir sobre o nível de participação da sua equipe nos processos de decisão. Cavalcanti et al. (2009) mostra que há duas perspectivas de participação: Deve-se envolver mais a equipe nas situações em que: precisa das informações da equipe; não há clareza na definição do problema; necessita do comprometimento da equipe para implementação da solução e há tempo suficiente para envolver a equipe. Em contrapartida, da liderança deve assumir mais as decisões quando: possui todas as informações necessárias; tem autoconfiança para resolver a situação; sabe que a equipe se envolverá com a sua decisão e não há tempo disponível para envolver discussões com a equipe. b) Teoria da meta e do caminho Robbins (2005) apresenta a teoria da meta e do caminho, proposta por Robert House em 1971. O autor entende que é papel da liderança apoiar e orientar a equipe a atingir os seus objetivos no trabalho. Nesse contexto, oferece um cardápio de comportamentos a serem adotados pela liderança, aponta fatores situacionais que devem ser analisados e faz referência aos resultados esperados. 36 Figura 7 – Teoria da meta e do caminho Fonte: adaptado de Stephen P. Robbins (2005). Comportamentos a serem adotados na interação com a equipe: diretivo – dá clareza sobre o que se espera, organiza e orienta sobre como o trabalho deve ser feito; apoiador – dá apoio e se preocupa com as necessidades da equipe; participativo – busca informações e sugestões da equipe para as suas decisões e; orientado para a conquista – propõe metas desafiadoras e tem expectativas de um bom desempenho. Para saber qual comportamento a ser adotado, a liderança deve levar em consideração os fatores ambientais e as características pessoais de cada integrante da equipe. Os fatores ambientais estão fora do controle da equipe e se relacionam à estrutura da tarefa, ao sistema formal de autoridade e ao grupo de trabalho. Já as características dos integrantes da equipe dizem respeito ao centro de controle (acreditam ou não que possuem controle sobre o seu sucesso), à sua experiência e a como cada um percebe a sua capacidade. 37 O comportamento pode ser ineficaz quando for excessivo em relação aos aspectos relacionados ao ambiente ou às características pessoais de cada integrante da equipe. Desse modo: A liderança diretiva provoca maior satisfação em tarefas que sejam estressantes ou ambíguas. A liderança apoiadora tem maior desempenho e satisfação frente a tarefas estruturadas. A liderança diretiva pode ser percebida como excessiva quando a equipe possui muita experiência ou alta percepção sobre a sua capacidade. No caso da equipe com centro de controle interno, a liderança participativa trará mais satisfação, enquanto a liderança diretiva trará mais satisfação as equipes com sede de controle externo. A liderança orientada aumenta a expectativa para com as equipes, de que os esforços trarão melhor desempenho em tarefas estruturadas de maneira ambígua. Ao sugerir a análise do contexto em que se dá a liderança, esse modelo tem a expectativa de que a satisfação e o desempenho das equipes sejam influenciados pela liderança de forma positiva, trazendo à tona o tema, a motivação. A liderança motiva e facilita o caminho para que o liderado atinja as suas metas alinhadas aos objetivos organizacionais. c) Liderança situacional A teoria da liderança situacional, de Hersey e Blanchard (1986), tem o intuito de ajudar as lideranças a compreender a relação entre o estilo de liderança e o nível de maturidade da equipe frente às tarefas. Para os autores, não há um único estilo de liderança para todas as situações, de modo que o estilo dependerá das variáveis: maturidade de cada integrante da equipe, tarefa e contexto. A maturidade é a capacidade e a disposição das pessoas em assumir a responsabilidade do seu próprio comportamento; é saber o que fazer, como fazer e querer fazer com motivação e confiança. Para a liderança há dois tipos de comportamentos: Comportamento de tarefa – refere-se à estruturação do trabalho, de forma que, quanto mais alto o comportamento de tarefa, mais a liderança se empenha em planejar, controlar, organizar e dirigir a sua equipe. Comportamento de relacionamento – é o apoio dado a equipe, de modo que, quanto mais alto for esse comportamento, mais a liderança se empenha em oferecer apoio socioemocional e canais de comunicação, que significa ouvir ativamente, encorajar e apoiar os esforços da equipe. 38 A partir da combinação desses dois comportamentos, formam-se quatro estilos de liderança, cada um indicado para um dos quatro níveis de maturidade da equipe, conforme a figura 8: Figura 8 – Modelo de liderança situacional O estilo determinar (E1) é adequado para a maturidade baixa (M1), já que são pessoas que não têm capacidade nem vontade de assumir a responsabilidade de fazer algo, tampouco são seguras de si. O estilo determinar é um estilo diretivo que dá orientação e supervisão clara e específica, ele define as funções e especifica o que, como, quando e onde as pessoas devem fazer em relação às tarefas. O estilo persuadir (E2) é adequado para a maturidade baixa e moderada (M2), em que as pessoas ainda não têm capacidade, mas sentem disposição e confiança em si para assumir responsabilidades. Adota-se um comportamento diretivo, mas, ao mesmo tempo, dá apoio e motiva. O estilo compartilhar (E3) é adequado para a maturidade moderada e alta (M3). São as pessoas com capacidade, mas que não possuem disposição para astarefas, às vezes, por falta de confiança. Deve-se dar apoio, escutar, dialogar e envolver nas tomadas de decisão. 39 O estilo delegar (E4) é adequado ao nível de maturidade alto (M4). Nesse caso, as pessoas têm capacidade e disposição para assumir responsabilidades. É um estilo que dá pouca direção e apoio. A liderança identifica o problema, mas a responsabilidade de executar os planos é dos indivíduos, que desenvolvem o projeto e decidem como, quando e onde fazer as tarefas. Ao adequar o estilo de liderança ao nível de maturidade, as variáveis devem ser consideradas somente em relação a uma tarefa específica a ser realizada. Isso significa dizer que um indivíduo ou grupo não é maduro ou imaturo no sentido total, mas que ele é mais ou menos maduro em relação a uma tarefa, função ou objetivo específico. A capacidade da liderança em diagnosticar uma situação antes de agir e a aplicação do estilo adequado àquela situação é elemento decisivo para se tornar eficaz. Também compete a liderança ajudar os indivíduos a amadurecerem, ou seja, a crescerem, gradualmente, de um nível de maturidade ao outro, além de prestar atenção se ocorrer alguma situação que possa regredir o nível de maturidade. Se assim acontecer, deve-se reavaliar o nível de maturidade e voltar ao estilo mais adequado. Teorias contemporâneas A abordagem contemporânea surge em complementação às teorias anteriores, que não deram conta de atender as demandas e tendências de um novo tempo. Elas se diferenciam pelo posicionamento de que a liderança pode ser aprendida e, inclusive, podem ser desenvolvidos dentro das equipes. Entre elas, estão a liderança carismática, a participativa, a transacional, a transformacional, a liderança pelo exemplo e a liderança servidora. a) Liderança carismática Assim como a teoria dos traços tem influência das características pessoais, a liderança carismática tem como característica principal o carisma, entendido como a habilidade de influenciar outras pessoas pelo seu jeito carismático. Para ser considerado carismático, a liderança tem de ser reconhecida em algumas características específicas. Robbins (2005) apresenta o estudo de Jay Conger e Rasindra Kanengo: Visão – contemplam a visão como meta idealizada, direcionando para um futuro melhor do que o atual. Articulação – possuem habilidade em transmitir, de forma clara e motivadora, a importância da visão. Risco pessoal – tem envolvimento e comprometimento pessoal com a sua visão e são dispostos ao investimento e sacrifício necessários. Sensibilidade ao ambiente – conseguem ter clareza realística do ambiente quanto às limitações e aos recursos necessários para as mudanças. Sensibilidade – da mesma forma, possuem clareza sobre as capacidades das pessoas, e são sensíveis às suas necessidades e aos seus sentimentos. Comportamentos não convencionais – pode-se dizer que são agentes de mudança por assumirem comportamentos tidos como novidade e contra as regras. 40 Em geral, a liderança carismática se destaca com naturalidade, muitas vezes, parecendo um dom natural, como se tivessem nascidos prontos para liderar. No entanto, não é como a literatura mostra. Vejamos um exemplo de que a liderança carismática pode ser aprendida e desenvolvida. Aprendendo a projetar carisma Pesquisadores treinaram estudantes de administração para atuarem como líderes carismáticos. Foram instruídos a articular uma meta abrangente, comunicar as suas expectativas em relação ao alto desempenho, demonstrar confiança na capacidade dos liderados em atingir essas expectativas e mostrar empatia com as necessidades deles. Aprenderam a projetar uma presença poderosa, confiante e dinâmica, e praticaram usando um tom de voz cativante e aliciador. Para melhorar essa aura de energia e dinâmica do carisma, os estudantes foram treinados para evocar características carismáticas não verbais: eles caminhavam e sentavam-se na borda das mesas dos liderados, curvavam-se para eles, sustentavam contato visual direto e mantinham uma postura relaxada e expressões faciais animadas. Os pesquisadores descobriram que esses estudantes foram capazes de aprender a projetar carisma. Além disso, os liderados desses estudantes exibiram desempenho mais alto nas tarefas, melhor adequação ao trabalho, e melhor ajuste ao líder e ao grupo quando comparados com outros indivíduos que tinham líderes não carismáticos. Fonte: Robbins (2005, p. 283). É fato que a liderança carismática motiva e conduz as suas equipes a fazerem o que tem de ser feito de forma satisfatória. Quando essa visão está alinhada aos objetivos organizacionais, isso é benéfico. No entanto, há outro viés. Se esse carisma vier acompanhado de um ego exagerado e de um comportamento sem ética, pode ser usado para os seus interesses pessoais, em contraposição aos interesses da organização. b) Liderança participativa Contrariamente ao estilo autocrático, a liderança participativa – também conhecida como democrática – considera o envolvimento do colaborador nas tomadas de decisões referente ao processo de trabalho, mesmo que a decisão final seja da liderança. Quanto mais oportunidade as pessoas têm de compartilhar os seus conhecimentos e o modo como pensam, bem como participar na definição de objetivos, de metas e no próprio processo de trabalho do qual fazem parte e pelo qual serão afetadas, maior será o comprometimento, a energia e a satisfação em trabalhar. Cria-se uma conexão emocional, e o trabalho passa a ter um significado maior, vai além da simples remuneração. Para Mintezberg, Ahlstrand e Lampel (2010), apesar de reconhecerem a gestão participativa como um processo difícil, complexo e muitas vezes frustrante, a pessoa que controla as suas condições de trabalho será mais feliz do que as que não controlam. 41 Nesse processo participativo, o modelo da estrutura organizacional terá forte influência. Quanto mais vertical, mais há o distanciamento do topo com a base, das pessoas que planejam com as pessoas que executam, tornando mais difícil a interação e comunicação – dois requisitos essenciais para a participação das pessoas. Há de se criar um ambiente de abertura e de incentivo às ideias. Ouvir passa a ser uma competência requerida por toda a liderança. Também se faz necessário que demonstre, de forma autêntica, o querer a participação das pessoas. Para isso, quanto mais pessoas capacitadas, mais a liderança sentirá confiança e segurança, de modo que contratar pessoas preparadas e capacitar as já contratadas ajudará a fortalecer a implementação de um processo de liderança participativa. O grupo também é um elemento que ajudará a promover a troca de ideias, a comunicação, a interação, a própria aprendizagem dos integrantes e participação como um todo. Quanto mais vínculo de confiança e de aceitação das dificuldades o grupo tiver com os seus integrantes, mais segurança terão em demostrar o que pensam e o que sabem, e mais abertura para pedir ajuda. A confiança é a chave para o fortalecimento das ações colaborativas. Lencioni (2015) reconhece que a falta de confiança impede as pessoas de mostrar as suas dificuldades, e todos ficam fazendo de conta que sabem de tudo, pois temem que, ao demonstrarem as suas fraquezas, a sua vulnerabilidade será usada contra eles. Apesar de todos os benefícios da liderança participativa, não significa que esse será o melhor estilo entre todos. Sabemos que o contexto sempre deve ser considerado. Há pessoas ou equipes que não possuem maturidade suficiente para assumirem as decisões, em partes ou total, das suas atividades e necessitam que alguém tome essas decisões e seja mais diretivo consigo. Também há de se considerar o contexto da organização, do negócio ou as situações específicas envolvidas. Como exemplo, naquela organização em momento de crise financeira, cultura de gastos excessivos, falta de planejamento e controle, foi providencial a entrada
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