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1 Xavier ROEGIERS com a colaboração de Tahar El Amri Formar Professores Hoje Tradução: Margarida Santos (BIEF) Sílvia Evora Revisão e adaptação desta edição: Odete Carvalho (BIEF) Emanuel Pinto, Hernani Gonçalves, Pedro Fernandes, Cristina Amaro, Artur João Cafuquena, Andreia Huatanha, Caetano Domingos e Josefina Sambo (Ministério da Educação de Angola) 2 PREFÁCIO Hoje, a formação de professores constitui, em qualquer sistema de educação um factor decisivo para implementar e consolidar a reforma educativa na medida em que incentiva a participação dos mesmos na inovação e na melhoria da qualidade de ensino. A formação contínua sendo o meio mais simples e mais eficaz para espalhar rapidamente os princípios e orientações das reformas educativas e das inovações escolares, urge actuar no aperfeiçoamento permanente dos professores adaptando inovações que induzem à melhoria do desempenho do pessoal docente. O Ministério da Educação de Angola, contando ainda com um grande número de professores que dão aulas sem a agregação pedagógica e mesmo sem a formação mínima exigida, tem necessidade de reforçar e aperfeiçoar a formação contínua e em serviço dos professores em todos os níveis de ensino. Neste preciso momento, a organização da formação contínua do pessoal docente do ensino primário e secundário depende do processo da Reforma Educativa em curso onde estão a ser realizadas acções de formação e de actualização nas fases de experimentação para os professores experimentadores e a de generalização, para todos os professores envolvidos na Reforma. Pretende-se com essas acções de formação contínua suscitar nos professores o desejo de adaptar-se às inovações, actualizar-se e superar-se permanentemente. Este manual “Formar os Professores Hoje” é um guia destinado a todos os responsáveis para a formação de professores, quer estejam em formação inicial ou em formação contínua. Ele dá-nos as bases de uma formação hoje considerada eficaz, isto é, uma formação pensada e aplicada numa perspectiva de integração que produz efeitos nas escolas e, sobretudo, nas salas de aula. Para além de algumas considerações teóricas e metodológicas, ele propõe um conjunto de instrumentos e práticas, tanto para o formador como para o gestor de formação. Sendo um guia de acção, este manual quer ser uma ferramenta entre as mãos dos que estão preocupados com a formação de formadores e não só. Ele é uma 3 ferramenta de auto – formação que lhes permitirá apropriar-se da cultura do mundo de formação. O nosso desejo é de ver este manual largamente difundido e que responda de uma maneira eficaz às necessidades de todos que foram chamados a jogar o papel quanto exaltante de formar formadores de formadores. Esta ferramenta terá grande utilidade se for efectivamente utilizada pelos formadores, usando correctamente as suas orientações e os instrumentos necessários para a melhor condução e reorganização das actividades em prol da formação de agentes de ensino que queremos que seja de qualidade e pertinente. A formação é a fonte de mudança para cada um dos actores, isto é, o formador e o formando. Ela deve ser considerada como um instrumento, como uma ferramenta estratégica para acompanhar as mudanças e inovações dentro do nosso sistema de educação. Para que as inovações em curso no nosso sistema educativo possam corresponder às expectativas da sociedade que mostra ser cada vez mais exigente. O Ministério da Educação põe nas mãos de todos os formadores este manual que deve ser a referência obrigatória da sua acção. Pinda Simão (Vice- Ministro da Educação para a Reforma Educativa) 4 CAPÍTULO 1 UMA FORMAÇÃO DE QUALIDADE PARA UM PROCESSO DE MUDANÇA A FORMAÇÃO MUDA Os sistemas educativos deveriam responder a vários desafios, nomeadamente : definir o papel e a função da escola na sociedade, proporcionar o acesso de todos à escola, diminuir os desníveis entre os resultados escolares e melhorar os desempenhos dos alunos fracos, e desenvolver a capacidade de todos os alunos para prosseguirem os seus estudos, ou para se integrarem na vida activa. Para responder a esses desafios, é preciso, antes de mais, melhorar a qualidade da formação de todos os actores, particularmente a dos professores. Está provado que a formação constitui um veículo muito importante para assegurar a adesão de todos os actores à mudança, fazer evoluir as representações dos professores, fazer evoluir as suas práticas profissionais e garantir a transferência das competências adquiridas, no terreno. Se a formação comporta todos esses aspectos, como encará-la, como orientá-la e como assegurar a transferência para o terreno das competências adquiridas ao longo da formação? Para responder a esta questão, examinemos ponto por ponto : 1. O lugar que a formação ocupa num processo de mudança. 2. As diferentes formas de encarar uma formação. 3. O lugar da análise numa concepção integrada da formação. 4. As características de uma formação de sucesso. 5. Os diferentes tipos de formação. 6. Os obstáculos e as dificuldades que podem pôr em causa o sucesso de uma formação. 1. QUE LUGAR OCUPA A FORMAÇÃO NUM PROCESSO DE MUDANÇA? Para melhor compreender o que se segue… : a noção de reforma, a noção de inovação Uma reforma é uma mudança importante verificada num sistema educativo que é decidida de cima para baixo, e que é generalizada à escala de um país, de uma região, ou de uma província. Uma inovação é uma mudança que vem de baixo: ela provém de um grupo de professores de uma escola, de um município. Ela é sempre de pequena dimensão. A formação ocupa um lugar importante num processo de mudança. Com efeito, toda inovação ou toda reforma em educação deve assegurar uma mudança concreta. Para fazer isso, seria necessário desenvolver, de forma articulada, cada um dos seguintes níveis: 5 • Nível 1 : Assegurar a adesão dos professores à mudança. • Nível 2 : Fazer evoluir as suas representações. • Nível 3 : Fazer evoluir as suas práticas profissionais. • Nível 4 : Fazer progredir os indicadores de qualidade do sistema educativo. Estes quatro níveis estão estreitamente ligados. Cada um depende do que se conseguiu no nível anterior. É preciso garantir a adesão dos professores para fazer evoluir as suas representações sobre a suas formas de encarar a sua profissão de professor. A evolução das representações dos professores é necessária para fazer evoluir as suas práticas profissionais. Com um seguimento e acompanhamento de proximidade, pode-se garantir o arranque dessas novas práticas profissionais, e a obtenção de resultados concretos no terreno que se repercutem através dos indicadores. Os quatro níveis complementam-se e articulam-se. Não se desenvolvem linear ou separadamente. Examinemos nível por nível. 1.1 Assegurar a adesão dos professores Trata-se de convencer os professores do interesse, da legitimidade e da viabilidade da reforma ou da inovação. Este trabalho tranquiliza-os e ajuda-os a apropriarem-se da mudança assumida: • (1) O interesse da reforma ou da inovação: levar os professores a verem em que aspecto a inovação é interessante, necessária e útil para o sistema e em que aspecto respeita os valores da sociedade. Eles deveriam participar, ou na reflexão sobre as escolhas, ou nas sessões de informação. • (2) A legitimidade da reforma ou da inovação: levá-los a ver em que aspecto se propõe resolver os problemas concretos que se lhes colocam e por que ela chega no momento certo. • (3) A viabilidade da reforma: ajudar os professores a ver que a reforma é viável, tendo em conta os objectivos definidos e os recursos disponíveis. Eis um exemplo para ilustrar essas propostas : Se quisermos fazer com que os professores avaliem os conhecimentos dos seus alunos com base em situações complexas, emvez de uma série de questões, é preciso que, em primeiro lugar, sejam convencidos de que esta é a melhor forma de o fazer: (1) que é interessante para o sistema educativo, pois aqueles que irão passar para uma classe superior, são os que verdadeiramente terão atingido o nível desejado para continuar as suas aprendizagens; (2) que isso lhes irá permitir serem mais eficazes perante os seus alunos, porque poderão identificar melhor as suas dificuldades, e (3) que é viável e realista tendo em conta os meios disponíveis. 6 1.2 Fazer evoluir as representações dos orientadores e dos professores Para melhor compreender o que segue … : A noção de representação Uma representação é a imagem que uma pessoa tem de um conceito, de uma pessoa, de um objecto ou de uma situação. Por exemplo, uma criança pode representar os braços de um adulto, prolongando-os até ao chão. O seu desenho traduz esta representação. Representações como estas serão corrigidas com o tempo pelas próprias crianças. Outras representações são mais difíceis. Por exemplo, um aluno pode estar convencido de que um quadrado não pode assentar sobre um ponto, porque, nas suas aprendizagens, ele sempre viu quadrados assentar sobre um lado. É uma representação inexacta. Se não modificar as suas representações, este aluno terá dificuldades, mais tarde, em resolver problemas de matemática nos quais existam quadrados em diferentes posições. Os professores também têm as suas representações sobre o acto de aprender. Se não tivermos em conta essas representações durante a formação, as contribuições dos formadores não terão impacto nos participantes, e não serão assimiladas por eles. É como se regássemos uma planta, mas toda a água caísse ao lado. A simples adesão dos professores à reforma ou à inovação é necessária, mas não é suficiente. Um professor pode estar teoricamente de acordo sobre a necessidade de colocar o aluno no coração da sua aprendizagem e continuar a pensar que um bom professor é aquele que faz um ensino magistral, ou faz exposições. Para ser prático… Existe uma maneira de verificar se o professor mudou a sua representação sobre as aprendizagens: quando ele fala de aprendizagens, ele próprio e espontaneamente, evoca um professor que dialoga, ou alunos que trabalham? Ao lado da adesão, seria preciso estar atento à mudança das representações dos professores. Exemplo : fazer evoluir, a sua maneira de ver e de encarar : 1. Uma aprendizagem de qualidade (da acumulação de aprendizagens à integração das aprendizagens) 2. Avaliação das aprendizagens (da restituição das aprendizagens para responder a uma tarefa simples à mobilização de recursos para resolver uma situação complexa). Para fazer evoluir estas representações durante uma formação, convém recorrer a técnicas de animação apropriadas, a saber: 7 • começar por recolher as actuais representações dos participantes : o que significa, para eles, uma aprendizagem? Uma avaliação? Um método activo ? etc. • diversificar as técnicas de formação como: � proporcionar momentos de reflexão aos participantes, e limitar-se a curtas exposições de apoio a esses momentos de reflexão; � proporcionar interacções entre os participantes através de trocas de práticas e de actividades de produção; � mergulhar os participantes em situações significativas e estimulantes que os levem, individualmente, ou em pequenos grupos, a soluções apropriadas que podem confrontar entre eles, para validação. Tomemos o exemplo de um formador que ensina a um grupo de professores a corrigir os trabalhos dos alunos segundo um conjunto de critérios (trata-se de referir os critérios para corrigir as produções, por aluno, de um texto escrito ou oral, tais como: a adequação do texto à situação de comunicação, a utilização correcta dos recursos adquiridos, a qualidade da apresentação). O formador dá os trabalhos para serem corrigidos sem critérios, e seguidamente, com critérios. Ele propõe uma comparação entre as notas obtidas nas correcções feitas com e sem critérios, no sentido de realçar os desníveis entre as duas notas, frequentemente significativos. Os professores, tendo aplicado a correcção segundo os critérios, aperceber-se- ão que esta permite sublinhar os aspectos que valorizam as aprendizagens do aluno, e determinar as aprendizagens que ainda não foram adquiridas, visando a sua consolidação ou remediação. • completar a formação através de trocas, de trabalhos pessoais, do cruzamento de leituras... 1.3 Fazer evoluir as práticas profissionais dos professores A adesão dos professores à inovação ou à reforma assumida, assim como a mudança das suas representações, são indispensáveis para a implementação e a manutenção de toda a inovação portadora de melhorias. Porém, se os professores não alterarem as suas práticas profissionais, a mudança permanecerá ao nível da superfície, ela será apenas teórica. É o caso de um professor que, formado na abordagem por competências, se limita a introduzir no seu diário o termo «competência» no lugar de «objectivo» para impressionar os inspectores e responder às suas determinações. A mudança que mais interessa ao sistema educativo é uma mudança profunda, duradoira, e que conduz a melhorias dos resultados escolares, das competências dos alunos, com vista ao prosseguimento dos seus estudos, ou à sua integração na vida quotidiana. 8 Vários factores podem contribuir para que uma mudança aconteça e se instale por muito tempo: • a produção de instrumentos apropriados que ajudem os professores a mudar as suas práticas; • um seguimento e um acompanhamento rigoroso da mudança das práticas ao longo da realização do projecto (seguimento dos professores pelos orientadores e supervisão pelos especialistas nacionais e/ou internacionais); • momentos de partilha entre os professores de uma mesma escola, de várias escolas e o director; • momentos de formação complementar, para responder às suas questões, e ajudar a resolver os problemas que se lhes colocam; • avaliações regulares das mudanças empreendidas, culminando eventualmente, na revisão dos objectivos, ajustamento de recursos ou dos meios colocados à disposição, por forma a trabalhar, ainda mais, a adesão, as representações dos actores, ou a colocação em prática dos conhecimentos adquiridos na formação. Para uma mudança que surja do alto da pirâmide, como por exemplo, a revisão dos programas escolares, os textos reguladores e as medidas institucionais são indispensáveis. 1.4 Fazer progredir os indicadores de qualidade do sistema educativo Toda mudança deve ser objecto de avaliações regulares através de um levantamento de dados. Trata-se de verificar se os dados realmente traduzem: 1. Melhoria dos resultados dos alunos, se a mudança visava a eficácia interna. 2. A progressão dos alunos fracos, se a mudança visava a equidade. 3. Comportamentos que demonstrem o respeito pelos valores dos cidadão, se a mudança visava a educação para a cidadania. No entanto, se os dados não fornecerem informações sobre as melhorias esperadas, as regulações devem contribuir para: 1. Repensar as metas, as orientações e os objectivos da mudança. 2. Rever os recursos institucionais, materiais, financeiros, pedagógicos e humanos disponibilizados. 3. Ajustar as estratégias de organização, de informação, de pilotagem, de avaliação colocadas à disposição… Para concluir o ponto relativo ao lugar da formação no processo de mudança, convém apresentar um quadro que retoma os quatro níveis acima desenvolvidos. 9 Nível 1 Aderir à mudança Nível 2 Mudar as representações relativas ao objecto da mudança esperada : o lugar do aluno na aprendizagem, os métodos de aprendizagem... Nível 3 Mudar as práticas na sala de aula: levar os alunos a pesquisar (adoptar um papel de animador), instituir novos procedimentos de avaliação… Nível 4 Verificarse as mudanças de práticas na sala de aula são visíveis nos desempenhos dos alunos (melhores resultados, resultados mais justos...) Este quadro diz respeito à formação dos professores. Poderíamos elaborar o mesmo tipo de quadro para os outros actores a formar: os directores de escola, ou os inspectores. 2. EXISTEM DIFERENTES FORMAS DE CONCEBER UMA FORMAÇÃO? Para melhor compreender o que se segue… : a noção de integração Quando falamos de integração, não estamos a falar de integração social, como a integração de alunos com dificuldades numa turma, ou a integração de alunos de uma outra nacionalidade. O termo integração significa que tentamos articular diversos elementos de forma coerente, visando agir de forma eficaz : • na turma, integrar os conhecimentos (saberes, saber-fazer…) significa levar os alunos a utilizá – los nas situações complexas. • na formação, integrar significa ter em consideração, simultaneamente , as necessidades do sistema, as necessidades dos participantes, as condições de trabalho, as contribuições dos formadores… e fazer dela um todo coerente e portador de mudança. Existem duas formas principais de conceber uma formação. Podemos distinguir as práticas que se relacionam com uma formação segundo a concepção habitual e as práticas que se aproximam de uma formação segundo uma concepção de integração. 10 2.1. Uma concepção habitual de formação Geralmente, a formação dos professores em contexto escolar tem lugar durante um dia ou meio-dia, e desenvolve-se da seguinte forma : 1. Uma exposição teórica seguida de perguntas/respostas. 2. Uma aula-modelo sobre o assunto de uma dada aprendizagem. 3. Um trabalho de grupo sobre uma questão prática, ou relacionada com uma aula dada. 4. Distribuição de documentos de formação a todos os participantes. 5. Apenas um tipo de avaliação relativa ao grau de satisfação no fim da formação. 2.2. Uma concepção de integração A formação tradicional tende a ser substituída por uma concepção de integração. Esta baseia-se nos pontos seguintes: • Implicar os professores ou um grupo representativo de professores na definição das grandes linhas da formação. Trata-se de recolher e de analisar as necessidades dos professores em formação. Podemos completá- las com propostas dos seus superiores hierárquicos (inspectores ou directores) quanto às prioridades de formação dos professores; • Definir de forma operacional uma ou duas competências profissionais de base a serem desenvolvidas no quadro de uma formação. Exemplo : tornar um professor competente para planificar as aprendizagens numa perspectiva de integração, ou ainda, para pôr à disposição um dispositivo de remediação depois da correcção de uma produção de um aluno. • Começar a formação por uma situação -problema ou por um estudo de caso. Exemplo de uma situação-problema : numa formação de professores sobre a competência « planificar as aprendizagens numa perspectiva de integração dos saberes », o formador apresenta-lhes duas planificações : (1) uma planificação que consiste em escalonar todos os conteúdos do programa ao longo de um ano de escolaridade, e (2) uma outra, na qual, em cada 5 semanas, o professor pára de trabalhar conteúdos novos, mas convida os alunos, durante uma semana, a resolver situações-complexas nas quais eles devem mobilizar os seus recursos (saberes adquiridos). O formador pede aos participantes para identificarem as semelhanças e as diferenças entre as duas planificações. Exemplo de um estudo de caso: O formador explica o caso de um professor de uma turma da 4.ª classe que ensinou aos seus alunos as quatro operações sobre números inteiros. Mais de três-quartos dos alunos sabem resolver as operações que lhes são apresentadas pelo professor. Porém, logo que ele lhes apresenta um problema em que devem efectuar as operações, apenas 10% dos seus alunos conseguem. O formador pede 11 aos participantes que formulem hipóteses sobre as razões que estarão na base desta situação, e que proponham soluções para a remediar. Numa formação concebida sob a perspectiva de integração, as exposições ocupam uma pequena parte. Convém consagrar a maior parte do tempo às aprendizagens: os trabalhos de grupo para o domínio dos conteúdos de formação, os trabalhos em ateliês para as produções individuais. Estas, logo que finalizadas, deveriam ser devolvidas aos seus autores (auto- correcção). • Pedir aos participantes que efectuem uma produção complexa, durante ou no fim da formação, como forma de demonstrar que a competência foi adquirida. Se retomarmos o exemplo acima referido, pediríamos, por exemplo, a cada participante que, no fim da formação, elaborasse uma planificação na perspectiva da integração dos conhecimentos dos alunos. Para evitar a simples restituição, deveríamos escolher uma disciplina diferente daquela que foi trabalhada durante a formação. • Privilegiar três tipos de avaliação : A avaliação durante a formação com a finalidade de regular as aquisições/aprendizagens ; a avaliação das competências adquiridas no fim da formação; a avaliação das transferências dos conhecimentos no terreno, depois do término da formação (ver capítulo 6). Consideramos que uma formação teve sucesso se ela provoca mudanças concretas nas práticas profissionais dos actores, nas semanas ou nos meses que se seguirem à formação. O quadro seguinte retoma, uma a uma, as práticas em termos de preparação, de condução, ou de avaliação, segundo uma, ou outra concepção: Concepção habitual da formação Concepção integradora da formação Preparação Convocar os participantes. Definir as grandes linhas da formação a partir da análise das necessidades. Objectivos Articular a formação em torno dos objectivos da formação. Articular a formação em torno de uma ou duas competências. Métodos pedagógicos Exposições, seguidas de debates, com alguns trabalhos de grupo. À partida , propor uma situação-problema; privilegiar os trabalhos de grupo e sobretudo ateliês, intercalados com pequenas exposições estruturantes. 12 Aplicação dos conhecimentos adquiridos Exercícios, aplicações por grupos, distribuição de documentos de formação. Solicitar a elaboração de uma situação complexa individual, durante ou no fim da formação, que comprove o domínio das competências esperadas. Avaliação Avaliação no fim da formação, através de um questionário. Avaliação da formação em diferentes momentos (antes, durante, e no fim de…), bem como a avaliação da transferência dos conhecimentos adquiridos na formação, no terreno. 3. PARA QUE SERVE A ANÁLISE DAS NECESSIDADES EM FORMAÇÃO ? Uma análise das necessidades serve para orientar a formação, defini-la e precisá-la. Porquê analisar as necessidades ? Uma análise das necessidades visa atingir quatro objectivos: • Determinar a mudança esperada no terreno nas práticas de sala de aula. Exemplo de mudança esperada no terreno : reduzir o número de repetentes. • Verificar se convém o recurso à formação, ou a outras acções para fazer evoluir a situação constatada. Por exemplo, face à situação de um professor que chega sempre atrasado, a formação de nada servirá para resolver o problema : é necessário concertar com ele, ou tomar medidas administrativas se a concertação não produziu resultados. Se é esta a formação que convém, definir a competência profissional de base1 que realmente vai provocar a mudança esperada no terreno, e assegurar que a competência pretendida poderá ser, efectivamente, concretizada no 1 Conjunto integrado de saberes, de procedimentos, de técnicas e de comportamentos que devem ser adquiridos por uma pessoa no fim de um ciclo de formação e que lhe permite melhorar a sua qualificação profissional de acordo com as suas necessidades pessoais, ou de uma mudança esperada num grupo(definição parcialmente adaptada de um texto sobre os tipos de formação profissional, ministério da educação nacional e de formação profissional, Luxemburgo, 2006) http://www.men.public.lu/priorites/formation_professionnelle/index.html. 13 terreno. Eis alguns exemplos de competências : gerir as actividades de integração 2 ; utilizar métodos activos nas formações. • Determinar o perfil e o número de pessoas a formar; • Determinar a natureza da formação que permite equilibrar a distância entre a situação actual e a situação desejada. Existem várias abordagens para a análise das necessidades de formação? Existem duas abordagens em matéria de análise das necessidades de formação: - uma abordagem objectivista que postula que a necessidade pode ser medida de forma objectiva, imparcial; é o especialista ou o inspector que diz em que matéria é necessário formar os professores, observando as suas práticas em sala de aula e sem lhes pedir a sua opinião: trabalhamos sobre os desníveis objectivos entre a situação actual e a situação esperada. - uma abordagem construtivista que se baseia nas representações dos actores. As necessidades não são observadas por um especialista externo, mas são expressas pelos próprios professores e pelo ambiente em que trabalham. Em vez de se trabalhar o desfasamento entre os objectivos traçados e os atingidos, entre uma situação esperada e uma situação actual, trabalha-se sobre as representações que as pessoas têm relativamente a este desnível (como percebem essa diferença?). Qual das duas abordagens privilegiar ? As duas abordagens são complementares. Recomenda-se que, numa concepção de uma formação integrada, se identifiquem a (s) competência (s) a desenvolver na formação, em função: 1. Da realidade objectiva do contexto de trabalho e das necessidades do sistema educativo. 2. Daquilo que os professores de terreno exprimem e estão prontos a investir. Como vencer a resistência à mudança? Numa lógica de mudança que vem do alto da pirâmide, a resistência é muito forte. Ela manifesta-se em toda a gente, seja nos professores, seja nos próprios orientadores. Pode ser desagradável, mas é normal: é preciso vê-la como um sinal de uma melhoria a introduzir. 2 Actividades que um professor propõe aos seus alunos, visando uma mobilização conjunta dos seus saberes e saber- fazer, para resolver uma situação (definição adaptada de Xavier Roegiers, Des situations pour intégrer les acquis scolaires, Glossaire, 2003). 14 Para ser prático… De nada serve ignorar uma resistência à mudança. É importante identificar as suas origens (um problema de participação na definição das orientações e dos objectivos, um problema de informação, um problema material, um problema administrativo, um problema de investigação ou de gestão profissional), e estudar as formas de as resolver. 4. QUAIS SÃO AS CARACTERÍSTICAS DE UMA FORMAÇÃO DE ADULTOS? Um das preocupações de um formador é a de motivar os participantes na formação. Para o sucesso deste objectivo, convém ter em conta um certo número de características da formação de adultos, na sua preparação, execução e avaliação: 4.1 Saber o que quer É importante, para um participante adulto, saber o que ele espera da formação, nomeadamente estar informado previamente sobre o conteúdo da formação, para que ele possa se preparar. Existem duas maneiras de informar: 1. Os participantes informam-se, se estão implicados na formação. 2. São informados através de uma convocatória que deverá precisar o assunto da formação, assim como a competência a desenvolver ao longo da mesma. 4.2 Partir do seu contexto profissional O adulto em formação exige que se estabeleça a relação entre o que ele aprende e o que ele pratica no seu contexto profissional. Isto ajuda-o a apropriar-se das novas aprendizagens, com vista a melhorar as suas qualificações profissionais. 4.3 Implicar-se na formação O adulto em formação gosta de aprender pela acção. Convém, por isso, diversificar os métodos e as técnicas activas de animação: os trabalhos de grupo, o jogo de papéis, as exposições que os participantes são convidados a realizarem. 4.4 Partilhar a sua experiência O adulto em formação aprecia, quando se lhe pede para partilhar as suas práticas profissionais e escutar as experiências dos outros. Trata-se de verdadeiras trocas que se estabelecem entre as pessoas. É sempre estruturante e tranquilizador:aprendemos melhor e sentimo-nos mais apoiados e enquadrados. 15 4.5 Bem-fazer e procurar a excelência Um adulto em formação gosta de compreender, produzir bem e realizar os melhores desempenhos. Como qualquer pessoa em formação, ele aprecia muito ser valorizado. 4.6 Utilizar os conhecimentos A motivação do adulto em formação aumenta se ele constatar que vai poder concretizar as suas aprendizagens no seu contexto profissional. Gosta de aproveitar os documentos de formação, e de dar a sua opinião sobre as metodologias utilizadas pelo formador. 4.7 Ter em conta o que ele faz fora da formação O adulto em formação não gosta de se sentir afastado da sua vida privada. Reservar um espaço para falar do seu ambiente envolvente, das suas preocupações, do apoio dos participantes, assim como do formador, são aspectos que o motivam ainda mais. 5.EXISTEM NOVAS FORMAS DE FORMAÇÃO? Hoje, cada vez mais, aparecem outras formas de formação diferentes das de sala de aula. Podemos citar as seguintes : 5.1 A tutoria no local da formação Trata-se de acompanhar uma (ou várias) pessoa (s) em formação por um (ou vários) formador (es), de forma a assegurar o desenvolvimento das suas competências profissionais. Distinguimos a tutoria individual (um tutor para um formando), a tutoria de grupo (um tutor com um grupo de alunos), e monitoramento (troca mutua entre pares de formandos), a tutoria a distância (com base em documentos, «papel» por exemplo). Temos ainda a tutoria aos pares. É quando cada professor fornece aos seus colegas uma prática, um instrumento, ou uma experiência que ele possui, ou que ele utiliza na sala de aula. Às vezes, as formações deste tipo desenvolvem-se mesmo sem formador. 5.2 A tutoria no local de trabalho 16 É uma formação que é feita mesmo no local de trabalho. Trata-se de acompanhar uma pessoa em formação por uma outra mais competente. 5.3 A formação pela Internet Hoje em dia, propõem-se cursos pela internet, para formação a distância. Entretanto, é difícil aprender se limitarmos unicamente a seguir estas aulas na internet. Para que a aprendizagem seja eficaz, é preciso que a formação através da internet seja complementada com sessões de trocas e de discussão com um animador ou formador. 5.4 O fórum ou aprendizagem colaborativa (na internet) Os participantes colocam questões sobre um dado assunto. Procuram responder às questões que colocam uns aos outros. O próprio animador responde às questões não resolvidas, faz sínteses, estabelece ligações... 5.5 O portfólio O portfólio é um dossier que reagrupa, de forma estruturada, as produções pessoais da pessoa em formação: as respostas aos exercícios de aplicação, as situações de avaliação que ele elaborou, as planificações de uma aprendizagem segundo os princípios da integração3… O portfólio não é uma forma particular de formação, mas um instrumento. Ele pode servir para guardar os traços do domínio progressivo dos objectivos visados: é um portfólio das aprendizagens. Ele pode também servir para validar, a partir de um referencial de competências, as aquisições da pessoa em formação: é um portfólio de validação das aprendizagens. 6. PODE UMA FORMAÇÃO FRACASSAR? Uma formação fracassa sempre que não é pensada. Com efeito, pensamos sempre que uma formação que fracassa é uma formação que não foi realizada. Ora, mesmoque tenha sido realizada, uma formação pode fracassar. Podemos dizer que uma formação que fracassa é, antes de mais, uma formação que não produz a mudança esperada no terreno: formar professores e não constatar melhorias significativas nas práticas em sala de aula, ou nos resultados escolares dos seus alunos. 6.1 Quais poderão ser as causas do insucesso de uma formação? 3 Ver página 7. 17 Há razões imprevisiveis sobre as quais temos pouco domínio a priori: razões pessoais ligadas aos formandos, como a falta de concentração devido a um falecimento, ou razões contextuais, como as condições climáticas que impedem os participantes de se deslocarem. Mas, há sobretudo razões que podem ser previstas à partida : razões organizacionais, pedagógicas e institucionais. Examinemos estas razões. 6.1.1 Razões organizacionais É quando os organizadores negligenciam: 1. verificar se a formação responde, realmente, às necessidades dos participantes. 2. Se, efectivamente, a formação resolve os problemas que se colocam. 3. Se a formação foi organizada no momento certo : dificilmente se pode transferir para o terreno as competências adquiridas numa formação realizada três meses antes do início das aulas. 4. Se a formação dispõe de um bom formador e de condições materiais apropriadas. 5. Se a transferência de competências para o terreno foi bem preparada. 6.1.2 Razões pedagógicas É quando o formador negligencia: 1. Levar em conta as condições de aprendizagem da pessoa em formação: informá-la sobre a competência a desenvolver a partir do seu contexto profissional, implicá-la no trabalho, ajudá-la a ver a utilidade das suas aprendizagens. 2. Praticar métodos e técnicas de animação activas: quando ele(a) não se limita à competência profissional a desenvolver, quando não reserva tempo suficiente para os trabalhos de grupo, para a produção. 3. Conduzir as avaliações durante a formação, para detectar as dificuldades que se apresentam, e remediá-las. 6.1.3 Dificuldades ligadas ao contexto institucional Quando as autoridades dos países negligenciam : 1. Apoiar, através de discursos e acções concretas, as iniciativas que reforçam a promoção, a implementação e a manutenção da reforma ou da inovação almejada. 2. Valorizar os conhecimentos da formação junto dos professores. 3. Trabalhar para a perenização dos projectos de formação. 4. Valorizar os especialistas nacionais ao lado dos internacionais. A ausência desta valorização pode levar os nacionais a desinteressarem-se relativamente ao enquadramento e ao seguimento das mudanças empreendidas. 18 CAPÍTULO 2 FORMAR PARA AS APRENDIZAGENS DE QUALIDADE NAS SALAS DE AULA APRESENTAÇÃO No primeiro capítulo, vimos as características de uma formação segundo a concepção de integração. O presente capítulo propõe aos professores um certo número de adaptações a serem aplicadas às suas próprias práticas para uma melhor qualidade das aprendizagens escolares dos alunos. Com efeito, se queremos que uma formação de professores seja eficaz, é preciso fazer referência a um modelo de aprendizagem na sala de aula, que seja sólido e que tenha dado provas, em função de um dado contexto. De nada serve dar formações, utilizando práticas de sala de aula ultrapassadas. Para atender a este objectivo desenvolvemos duas concepções de aprendizagem na sala de aula. DUAS CONCEPÇÕES DE APRENDIZAGEM EM SALA DE AULA: Para melhor compreender o que se segue… : a noção de situação de integração Uma situação de integração é uma situação complexa que para ser resolvida faz apelo aos conhecimentos e ao saber-fazer que já foram abordados pelo aluno, mas de forma separada, numa outra ordem, num outro contexto. Uma situação de integração não é a simples aplicação de um conceito, de uma regra, de uma fórmula. Falamos, por isso, de « situação - alvo ». Por exemplo, depois de termos abordado algumas regras gramaticais de conjugação, o professor pede a cada aluno que escreva uma pequena carta a um amigo, convidando-o para o seu aniversário. O termo complexo significa que o aluno deve mobilizar vários saberes e saber- fazer para resolver a situação. Uma situação de integração é proposta depois de um conjunto de lições relativas às aprendizagens pontuais (aprendizagens de conceitos, de regras, de técnicas de cálculo…). Geralmente, o professor propõe ao aluno a resolução de situações de integração, depois de 5 semanas de aprendizagens pontuais. É preciso não confundir « situação de integração » e «situação-problema didáctica», pois esta é utilizada para levar uma nova aprendizagem. O professor que, para ensinar aos seus alunos a relação entre o metro e o centímetro, propõe a cada aluno que se meça, faz recurso a uma situação-problema didáctica. 19 Assim como há duas maneiras de assumir a formação, existem duas concepções principais segundo as quais podemos encarar as aprendizagens ao nível dos alunos. Na primeira concepção, o professor ensina e avalia os conhecimentos, numa lógica de conteúdos ou de objectivos isolados. Numa segunda concepção, o professor começa por desenvolver os saberes e saber-fazer e, seguidamente, habitua os seus alunos a utilizá-los na resolução de situações complexas. Esta concepção é chamada pedagogia de integração. É actualmente uma das formas mais conhecidas e uma das mais promissoras na abordagem por competências. Começaremos por relembrar em que consiste a primeira concepção, para uma melhor compreensão da segunda concepção. Propomos, de seguida, alguns dos ajustamentos a introduzir nas suas práticas pedagógicas para a concretização da segunda concepção. 1. Primeira concepção : dos saberes à aplicação Esta concepção assenta essencialmente no desenvolvimento de um grande número de saberes, de saber-fazer e de saber-ser isolados. A avaliação dos conhecimentos dos alunos faz-se em termos de conteúdos. As etapas seguintes descrevem as grandes linhas de um caminho que o professor habitualmente segue no ensino e avaliação dos conhecimentos dos seus alunos. 1.1. Planificar e ensinar as aprendizagens numa lógica de conteúdos-matérias ou de objectivos isolados De uma maneira geral, o professor planifica as aprendizagens dos seus alunos, determinando um conjunto de conteúdos-matérias ou de objectivos múltiplos. Conforme os programas em vigor, ele desenvolve-os de forma separada, uns em relação aos outros. Na sala de aula, de forma colectiva e frontal, o professor faz uma exposição ou uma demonstração sobre um dado conteúdo (como adicionar dois números inteiros ? Como conhecer, reconhecer as palavras e os verbos? Como ler textos, ou escrever frases…). A seguir, ele propõe aos seus alunos que efectuem um certo número de exercícios de aplicação, tendo em vista a consolidação das suas aprendizagens. Para corrigir, ele pede a um dos seus melhores alunos que apresente o resultado correcto. Ele pede àqueles que fracassaram na resolução dos exercícios, para corrigir os seus trabalhos. Para explicar certos erros dos alunos, os professores, têm a tendência, por vezes, de considerar que os alunos estiveram desatentos, enquanto ele dava as explicações, ou fazia as demonstrações. 1.2 Avaliar em termos de conteúdos e de objectivos Para avaliar os conhecimentos dos alunos, o professor propõe exercícios idênticos àqueles que habitualmente apresenta ao longo das aprendizagens ou nos momentos de aplicação: em Português, fazer a concordância entre os elementos da frase, as frases para completar, os verbos para conjugar; em Matemática, as 20 operações a efectuar. Trata-se de um conjunto de questões que faz apelo à restituição ou à aplicação dos saberes e saber-fazer adquiridos. Esta prática de avaliação é uma consequência lógica das aprendizagens, uma vez que o ensino dos saberes se faz numa lógica de conteúdos-matérias ou de objectivos separados.Isto termina, quase sempre, com uma avaliação sumativa e/ ou a classificação dos alunos com base na média, fixada geralmente em 50%. Os alunos que não tenham atingido esta média são considerados reprovados e devem repetir o ano. 2. Segunda concepção : Dos recursos às competências Para melhor compreender o que se segue…: a noção de recurso Os recursos são todos os elementos que o aluno mobiliza para resolver uma situação-problema: os saberes, o saber-fazer, o saber-ser. Estes recursos, o aluno aprende-os no quotidiano, na sua família, no seu bairro, mas também, e principalmente, na escola, aquando das diferentes aprendizagens propostas pelo professor. Antigamente, os pedagogos perdiam muito tempo e energia a distinguir os termos: «saber», «conhecimento», «habilidade», «saber-fazer», «saber-ser», etc. Na abordagem por competências, consideramos que todos são recursos ao serviço da instalação de uma competência. Temos necessidade de fazer um inventário, para saber que aprendizagens levar a cabo; porém, as aprendizagens de recursos não constituem um fim em si mesmo. Os recursos são, por conseguinte, os saberes, saber-fazer e saber-ser (atitudes) necessários ao domínio da competência. Podemos tomar o exemplo do futebol: para exercer esta competência, o jogador de futebol mobiliza os saberes (o conhecimento das regras…), o saber-fazer (driblar, marcar um penalty…) e o saber-ser (espírito de equipa). Da mesma maneira, um formador deve mobilizar os saberes (como os conteúdos relativos à formação que ele ministra), o saber- fazer (como as técnicas de animação) e o saber-ser (uma atitude de escuta, o respeito pelos participantes…). Ao lado dos saberes, do saber-fazer e do saber-ser que podemos chamar de « recursos internos», há também os recursos externos: um jogador de futebol não poderá exercer a sua competência, se ele não tiver uma bola. Se a primeira concepção consiste em incutir numerosos saberes, saber-fazer e saber-ser sem os relacionar entre si, a aplicá-los e a restituí-los, respondendo a questões, ou efectuando os exercícios, a segunda concepção consiste em desenvolver nos alunos a possibilidade de resolver situações-problemas, mobilizando os recursos que eles adquiriram. Mobilizar os recursos adquiridos quer dizer 1. Identificá-los em função da situação-problema a resolver. 2. Utilizá- los, aplicá-los. 21 2.1. A pedagogia de integração: uma pedagogia eficaz A passagem da primeira à segunda concepção não significa pôr em causa todo o edifício das práticas pedagógicas dos professores. Exige, todavia, que se interrogue sobre: 1.O que um aluno deverá dominar no fim de um ciclo de aprendizagem. 2. O que poderá dar sentido às suas aprendizagens. 3. O que um aluno deverá fazer das aprendizagens adquiridas na sua vida quotidiana, ou no prosseguimento dos seus estudos. Para a realização de tudo isso, o professor deve ajustar as suas práticas, através da formação e da transferência para o terreno das competências profissionais adquiridas; ele deve ensinar aos seus alunos a identificar os recursos que intervêm na resolução de uma dada situação-problema, a estruturar os seus recursos, e a utilizá-los na resolução de situações complexas. Estas práticas constituem a pedagogia da integração, que é definida através dos princípios que se seguem: 1. Basear-se naquilo que o aluno deve dominar no fim de cada ciclo de aprendizagem, e no fim da escolaridade obrigatória, em detrimento de uma lista de conteúdos-matérias, ou um conjunto de objectivos isolados uns dos outros que o professor deve ensinar ou realizar; 2. Dar sentido às aprendizagens dos alunos, mostrando-lhes para que serve tudo o que ele aprende na escola. Para isso, é necessário distanciar-se das listas de conteúdos-matérias (a adição, a subtracção, o futuro, a frase interrogativa, a respiração…) a memorizar, o saber-fazer (multiplicar, escrever frases afirmativas, interrogativas ou exclamativas, indicar as doenças infecciosas…) que não estão ligadas a situações de vida e que quase sempre aborrece o aluno, e não lhe dá vontade de aprender. Pelo contrário, trata-se de situar continuamente as aprendizagens em relação às situações que fazem sentido para ele, e a utilizar os seus conhecimentos nestas situações. 3. Pensar as aquisições do aluno em termos de resolução de situações concretas, e jamais em termos de uma soma de saberes e de saber-fazer que o aluno não saberá como utilizar na sua vida quotidiana ou na sua vida profissional. Isto implica, por um lado, que o professor deva prever, regularmente, momentos privilegiados para ensinar o aluno a resolver situações-problemas complexas nas quais é chamado a mobilizar os conhecimentos apropriados (situações de integração), e por outro lado, a pensar a avaliação formativa e certificativa, em termos de situações complexas. 2.2. A pedagogia de integração : uma mudança progressiva e realista A pedagogia proposta não faz tábua rasa das práticas profissionais do professor, dos seus métodos pedagógicos, ou do seu estilo de ser professor. Ao contrário, ela pode facilmente adaptar-se às suas práticas actuais, por constituir um todo harmonioso e articulado, capaz de responder ao contexto no qual o professor trabalha. O que convém fazer é ajustar as suas práticas em conformidade com as características que definem esta pedagogia, a saber: determinar as aprendizagens em função do que o aluno deverá dominar, dar sentido ao que ele deverá aprender, e habituá-lo a identificar e a utilizar, de forma pertinente, os seus conhecimentos nas situações complexas e concretas. 22 Examinemos alguns dos ajustes a introduzir nas suas próprias práticas pedagógicas, para uma melhor qualidade da aprendizagem. 3. ALGUNS AJUSTES NECESSÁRIOS ÀS PRÁTICAS PEDAGÓGICAS DOS PROFESSORES Para melhor compreender o que se segue… : a noção de competência, de competência de base, de Objectivo terminal de integração. Uma competência é «a possibilidade que um aluno tem de mobilizar um conjunto de saberes, saber-fazer e saber-ser, para resolver situações pertencentes a uma família de situações».4 Uma competência de base «designa para uma dada disciplina, um conjunto de saberes, saber-fazer e saber-ser que um aluno deve dominar no fim de um ciclo de aprendizagem, para que possa passar de um dado nível a outro imediatamente superior.»5 Um Objectivo Terminal de Integração (OTI) é uma macro competência que cobre um conjunto de competências esperadas, e por conseguinte, um conjunto de saberes, saber-fazer e saber-ser no fim de um ciclo (em geral de 2 anos). Ele traduz o perfil esperado, no fim de um ciclo, numa determinada disciplina, ou num determinado campo disciplinar. 3.1 Ajustar a planificação das aprendizagens: articular os recursos em torno das competências. Para trabalhar dentro do espírito desta nova pedagogia, é preciso parar de planificar as aprendizagens numa lógica de conteúdos-matérias como se faz habitualmente, na primeira concepção. É indispensável planificar as aprendizagens em função daquilo que o aluno deveria dominar no fim de um bimestre, um trimestre, de um ou dois anos. Para isso, seria preciso determinar um OTI para cada disciplina a desenvolver no fim de um ciclo de aprendizagem de dois ou três anos, e definir duas ou três competências de base por disciplina. Exemplos em Matemática para o fim do primeiro ciclo do ensino básico: Um Objectivo Terminal de Integração (OTI): «No fim do 3.º ano de escolaridade do ensino básico, o aluno deve poder resolver uma situação-problema, fazendo apelo às quatro operações com os números que vão de zero a 1000, às medidas de comprimento (m, cm) e de capacidade (l, cl) e à reprodução de figuras geométricas simples». Uma competência de base em Geometria: «O aluno deve poder resolver uma situação-problema significativa, que necessita do reconhecimento e da reprodução de figuras geométricas simples (quadrado,rectângulo, triângulo, 4 Roegiers, 2003, Aprendizagem integrada : situações do quotidiano escolar, glossário. 5 Adaptado de Roegiers, 2006. 23 circunferência), a partir de diferentes suportes (papel quadriculado, papel ponteado, figura para completar…)» Uma competência de base em numeração «O aluno deve poder resolver uma situação-problema significativa, fazendo apelo à comparação de números que vão de zero a 1000, assim como às quatro operações com estes números, a partir de diferentes suportes (textos, quadros, dados brutos…)». Para uma competência de base de uma dada disciplina, estabelecemos uma lista de recursos que o aluno deve possuir para dominar a competência de base: os saberes, o saber-fazer e o saber-ser. Exemplos : Disciplina : Língua Portuguesa Competência de base: Numa situação de comunicação, o aluno deve poder manter uma conversa telefónica elementar na sua língua de aprendizagem. Recursos: 1. Saberes, tais como o conhecimento de um vocabulário de base para uma conversa telefónica, as formas de tratamento… 2. Saber-fazer, como a formulação de uma questão, a formulação de uma resposta a uma pergunta que é colocada, fazer a sua apresentação, utilização do futuro, do imperfeito, dar as informações necessárias à compreensão da mensagem por um ouvinte que não vê o seu interlocutor (impossibilidade de utilizar o gesto)... 3. Saber-ser, como adaptar-se ao seu interlocutor ou conversar com à- vontade com alguém que nós não conhecemos… Em geral, é ao nível dos serviços centrais do Ministério da Educação que se efectua todo este trabalho: os sistemas educativos encarregam as equipas de conceptores de definir, para cada disciplina, o OTI, as competências de base e os recursos correspondentes. Hoje, em numerosos países, os programas são definidos desta forma: Para cada disciplina e cada ano: - O OTI - 2 ou 3 competências de base - Os recursos de cada competência de base. 3.2 Ajustar uma prática familiar aos professores : ensinar os recursos durante uma parte do período escolar Não há nada de novo a fazer na prática de ensino dos recursos. O professor continua a instalar os recursos conforme os programas oficiais, com os métodos pedagógicos em vigor e dentro do seu próprio estilo de ensino. Deve-se considerar dois ajustes. Em primeiro lugar, deve-se consagrar apenas uma parte do tempo escolar à instalação dos recursos. A seguir, o professor 24 dedica-se a tornar as aprendizagens significativas, mostrando aos alunos para que servem, e ajudando-os a combinar progressivamente os conhecimentos entre si. Ele pode variar os modos de gestão da turma: alternância entre o trabalho individual e o trabalho de grupo, isto é, o ir-e-vir entre a indispensável pesquisa, onde cada um deve aprender a mobilizar os seus próprios recursos e as interacções entre os alunos (é o que se denomina de conflito sócio- cognitivo). Um outro ajuste pode ser efectuado pelos professores que querem ir mais longe. É o de conduzir as aprendizagens dos recursos em termos de situações- problemas : uma pequena pesquisa, um inquérito, um enigma a resolver. É o que designamos por « situações-problemas didácticas ». Elas aparecem no início das aprendizagens, enquanto que as situações de integração surgem no fim de um conjunto de aprendizagens. 3.3 Introduzir um outro tipo de aprendizagem: o de aprender a utilizar os conhecimentos para resolver situações-complexas Na primeira concepção, o professor prevê apenas um tipo de aprendizagem. Aquele que consiste em ensinar os recursos. Na segunda concepção, o professor não se contenta apenas em pedir aos alunos que utilizem os seus conhecimentos em exercícios idênticos aos que eles trabalharam ao longo das aprendizagens, ou em pedir aplicações simples dos conceitos vistos. Ele torna os alunos capazes de utilizar, conjuntamente, os seus conhecimentos, para resolver situações complexas, denominadas «situações de integração» ou « situações – alvo ». Dito de outra forma, agora que o aluno adquiriu um certo número de recursos, ele deve ser confrontado com uma situação complexa. Esta forma de aprendizagem consolida o potencial do aluno na mobilização de recursos pertinentes e articulados, face a uma situação-problema a resolver, ou a uma tarefa complexa a realizar. Exemplos de situações de integração serão apresentados mais abaixo. 3.4 Variar as suas técnicas de acompanhamento dos alunos que aprendem a utilizar os seus conhecimentos na resolução de situações de integração Resolver uma situação-problema é uma tarefa complexa. O aluno deve habituar- se a desenvolver estratégias de resolução. Para isso, o professor deve reservar um tempo suficiente, geralmente uma semana sobre dez, chamada de semana de integração. Ao longo desta semana, não se faz mais nada senão ensinar os alunos a resolver situações complexas. Ao longo desta semana, ele pode recorrer a diferentes modos de resolver situações de integração. Em geral, esta aprendizagem para resolver situações complexas, faz-se segundo duas modalidades, e em três tempos: - Tempo 1: um trabalho interactivo, no seio de um pequeno grupo de alunos; - Tempo 2: um trabalho individual. - Tempo 3: um trabalho individual para avaliação. 25 3.4.1 tempo 1: trabalho interactivo O trabalho de grupo tem a vantagem de favorecer uma aprendizagem interactiva, nomeadamente nas turmas compostas e/ou numerosas. É importante formar pequenos grupos de alunos: 3 ou 4 alunos, não mais. O professor propõe a cada grupo uma situação de integração que faz parte de um conjunto de situações correspondentes a uma dada competência de base. Tomemos o exemplo de uma situação de integração6 relativa a uma competência de base quanto à numeração: Pedro vai ao mercado 1. Qual é o preço de compra de cada um dos três artigos? 2. Com o dinheiro que o Pedro tem ele pode pagar todas as suas compras? Concretamente, o professor deve: • Cuidar, ao longo de todo o trabalho, para que cada aluno participe activamente na resolução da situação. Trabalhar em grupo não significa que um ou dois alunos monopolizem a palavra, excluindo os outros. • Definir, com os alunos, as tarefas requeridas para resolver a situação-problema em grupo: 1. Compreender o sentido das palavras e das expressões inacessíveis aos alunos. 2. Identificar aquilo que se pede. 3. Assinalar, de forma interactiva, os recursos mobilizados para a resolução do problema. 4. Construir, de maneira colegial, as estratégias de resolução. 5. Resolver o problema. 6. Comentar a produção no grupo.7. Pedir aos alunos 6 Kit de avaliação das competências em Matemática, 1 ciclo, Líbano, 2006. O que o Pedro tem no seu porta-moedas A lista das suas compras: 2 Kg de tomates a 200 KZ o kg; 3 Kg de arroz a 100 KZ o kg; 12 pães a 15 KZ cada um. uma nota de 1OOO KZ Uma nota de 5OO KZ Uma nota de 200 KZ Uma nota de 100 KZ Uma nota de 50 KZ 26 para melhorar as suas produções em função dos comentários de toda a turma, bem como dos comentários do professor. • Acompanhar os seus alunos nas suas estratégias de resolução da situação. O professor muda de atitude. Ele incentiva cada um deles a progredir ainda mais. Para aqueles que não conseguirem construir uma solução, ele propõe sugestões, estimulando-os a se comprometerem com as novas pistas de resolução. • Apreciar a qualidade do trabalho de grupo. O professor reúne os alunos para discussões entre eles sobre as diferentes formas de fazer e corrigir em conjunto os erros que certos alunos cometeram. 3.4.2 Tempo 2 : trabalho individual O objectivo deste modo de trabalho é o de ensinar ao alunoa gerir, individualmente, a resolução de um problema, ou a produção de uma mensagem oral ou escrita. O professor propõe, para a realização deste objectivo, uma segunda situação complexa7 pertencente ao mesmo conjunto de situações da competência de base em numeração. Três amigos,Hernâni, Emanuel e Josefina, vão a uma lanchonete ao domingo. Josefina comprou uma banana-pão e uma gasosa. O Hernâni pediu batata-doce e o Emanuel um pacote de ginguba. A seguir, Hernâni e Emanuel dividiram uma batata assada. No fim da refeição, Hernâni tomou um gelado de múcua e Emanuel um sumo natural. Descobre o que cada um deve pagar e calcula o montante da conta. Aqui é sobretudo importante que o professor adopte uma atitude encorajadora e vigilante face ao aluno: • Tranquilizar o aluno, explicando-lhe que não se trata de uma situação de controlo nem de exame. As tarefas que lhe são apresentadas servem para ele utilizar os seus conhecimentos para resolver uma situação. 7 Kit de avaliação das competências em Matemática, 1º ciclo, Líbano, 2006. Banana-pão 200 Sandes 100 Batata assada 150 Ginguba 150 Gasosa 50 Sumo natural 100 Chamuça 50 Gelado 80 Café 25 27 • Apoiar o aluno na aquisição de uma estratégia pessoal face às situações-problemas. O aluno deve certificar-se: 1. Da compreensão do contexto e das instruções. 2. Da identificação precisa das tarefas pedidas. 3. Da identificação, nos suportes, das boas informações. 4. Da mobilização pertinente dos recursos. 5. Da construção de uma estratégia que vai do sentido da resolução à produção. 6. Da articulação entre os recursos identificados para a resolução. 7. Da validação do trabalho por um colega ou pelo professor (e). 8. Da correcção, caso necessário, tendo em vista a melhoria do seu trabalho. • Apreciar a qualidade do trabalho do aluno. Ainda que uma vez mais, o professor tenha que reunir os alunos para resolver a situação ele deve permitir que cada aluno compreenda os seus erros, se questione, e faça a sua auto-correcção. 3.5 Ajustar as suas práticas de avaliação : avaliar os conhecimentos dos alunos, através de situações complexas De uma maneira geral, o professor tem o hábito de avaliar os conhecimentos dos alunos em termos de recursos. Continua a fazê-lo. Deve, entretanto, propor uma situação com o mesmo nível de dificuldade que as anteriores, para avaliar as competências dos alunos. Isto é feito ao longo da mesma semana de integração. Esta avaliação é o tempo 3 das modalidades referidas em 3.4.. Numa aprendizagem de resolução de situações - complexas em pequenos grupos ou individualmente, o professor está sempre presente ao lado dos alunos para os acompanhar no seu processo de resolução. Numa avaliação, o professor deixa os alunos trabalharem sozinhos, sem o apoio de ninguém. Isto para : • Responsabilizar o aluno dando-lhe oportunidades de chamar a si todo o percurso que o conduzirá à resolução: compreensão dos enunciados, levantamento antecipado das informações e dos dados, mobilização de recursos para a selecção das etapas do seu percurso. O professor está sempre presente para motivar um aluno em dificuldade. • Dar-lhe um feedback sobre os aspectos positivos do seu trabalho assim como sobre os aspectos deficitários, visando corrigi-los, consolidá-los ou remediá-los. • Ajudá-lo a perceber o trajecto percorrido e o que falta percorrer em termos de resolução de situações problemas. • Apreciar o trabalho do aluno, valorizando os seus sucessos e divulgando as suas progressivas evoluções. Não está o professor melhor colocado para perceber, no meio das dificuldades de um aluno que se constrói, os indícios de uma competência que se desenvolve? 28 A seguir, um exemplo de situação que pode servir para avaliar as competências dos alunos através de uma situação complexa 8 : A directora da escola precisa de 10 sacos de cimento para mandar reparar o muro da escola. Ela pode escolher entre três lojas que vendem cimento a preços diferentes, e que se encontram em lugares diferentes. Eis um quadro que mostra os preços de venda do cimento em cada loja. Lojas Taxa de entrega Peso do saco Preço do saco Loja A 4 % 50 Kg 700 KZ Loja B 5 % 25 Kg 400 KZ Loja C 3 % 30g 450 KZ Para ajudar a directora: 1. Calcula o preço de venda do cimento em cada um dos três vendedores; 2. Mostra-lhe qual dessas três escolhas é a melhor, para comprar os 10 sacos de cimento. 8 Kit de avaliação das competências em Matemática, 1 ciclo, Líbano, 2006. 29 CAPÍTULO 3 A FORMAÇÃO COMO SISTEMA DINÂMICO E COMPLEXO APRESENTAÇÃO No primeiro capítulo, vimos como acompanhar, através de formações com base na concepção de integração, os processos de mudança nos professores, para uma melhor qualificação profissional. No segundo capítulo, identificámos os ajustamentos e as mudanças que os professores deveriam introduzir nas práticas pedagógicas, para uma aprendizagem de qualidade. O presente capítulo põe a tónica nos actores da formação. Para alcançar este objectivo, convém examinar : 1. As diferentes fórmulas de formação : plano de formação, programa e projecto de formação. 2. O estatuto e as funções de cada um dos actores, particularmente numa formação baseada na concepção de integração. 1. PLANO DE FORMAÇÃO, PROGRAMA DE FORMAÇÃO E PROJECTO DE FORMAÇÃO9 Existem várias fórmulas de formação no seio de um sistema educativo? A resposta é sim. Podemos propor: 1. Seja uma formação que se torna obrigatória para uma categoria de actores, como por exemplo, o plano anual de aperfeiçoamento pedagógico dos professores. 2. Seja uma formação encomendada que sugerimos aos actores, como é o exemplo de um programa de actualização que se sugere aos professores de Língua Portuguesa, com a oferta de um módulo que é escolhido entre vários. 3. Seja ainda uma formação que é construída pelos actores. É o caso de um projecto de formação da iniciativa dos professores de uma comuna que querem aprender a colaborar melhor com a comunidade local. Como se tomam as decisões, quanto à escolha de um tipo de formação que convém? É aos decisores do sistema educativo que cabe escolher este ou aquele tipo de formação em função da cultura de formação privilegiada. Detalhemos um pouco estas três fórmulas possíveis. 9 Adaptado de Roegiers, 1997. 30 O plano de formação Para melhor compreender o que se segue… : a noção de caderno de encargos de uma formação. Um caderno de encargos de uma formação é um documento que descreve todas as características da formação e os aspectos que devem ser respeitados pelo formador : o número de dias que deve durar a formação, as competências que ele deve desenvolver nos participantes, o número de participantes que ele deve aceitar, os métodos pedagógicos que ele deve adoptar, etc. Um caderno de encargos serve para escolher um formador: um exemplar é enviado a vários formadores. Estes entregam uma proposta técnica e um preço, e o comanditário escolhe aquele que apresenta a melhor qualidade relativamente ao preço. O caderno de encargos serve também de base para o contrato que será assinado com os formadores. Num plano de formação, antes de mais, colocamos toda a tónica nas competências a desenvolver de acordo com um perfil profissional que almejamos para todos os professores. Um plano de formação é decidido de cima: partimos de um dado conteúdo da formação, para um conjunto de professores a formar. A seguir, elaboramos um caderno de encargos e escolhemos o (s) formador(es) em função das especificações do caderno de encargos. Vantagens e inconvenientes Esta fórmula é, sem dúvida, a mais eficaz e a mais económica para um sistema comprometido com a mudança. Ela é também a mais simples de gerir no plano administrativo, porque cada professor recebe a mesma formação. Mas também ela é bastante rígida: acontece sempre que os professores seguem uma formação ainda que alguns deles não tenham necessidade. Por conseguinte, convém completá-la com outras formas de formação, tais como o programa de formação ou/e o projecto de formação que são mais adequados às necessidades específicas de certos professores, ou de um contexto particular. 1.2 O programa de formação Num programa de formação a óptica é diferente. Propomos uma lista de várias formações, ou vários módulos de formação, com tal conteúdo, tal formador, tais datas. Os professores inscrevem-se numa ou noutra formação, segundo as suas necessidades ou competências a desenvolver. É a formação por « catálogo», a formação por encomenda. 31 Vantagens e inconvenientes O interesse desta fórmula é o de permitir que cada professor tenha acesso a uma formação que responda às suas necessidades e que é do seu nível. Quanto à gestão administrativa, ela é mais exigente que o plano de formação, porque é preciso personalizar o seguimento das formações de cada professor, ao nível de cada escola, ou de cada comuna, ou ainda ao nível central. 1.3 O projecto de formação Num projecto de formação não há conteúdos predeterminados, pois trata-se de uma formação por iniciativa dos actores: os professores de uma escola, de um estabelecimento, de uma comuna. Estes negoceiam com o formador ou a formadora uma formação que responde aos problemas que se lhes colocam (como por exemplo aprender a gerir uma biblioteca de turma no quadro de um projecto de escola). O conteúdo da formação não vem, por conseguinte, de cima, mas sim da base: ele é ditado pelo contexto e negociado por um conjunto de pessoas pertencentes ao projecto. Esta noção de parceria é central num projecto de formação. Vantagens e inconvenientes Esta fórmula de formação é aquela que é a mais próxima de uma concepção de formação em termos de integração. Ela permite atender aos dois objectivos seguintes: 1. Implicar os participantes e seu superior hierárquico na preparação da formação. 2. Favorecer a aplicação no terreno das competências adquiridas, pois que a formação responde aos problemas reais dos actores. A principal dificuldade desta fórmula reside no facto de ela exigir flexibilidade: flexibilidade nos contactos entre as pessoas, mas também flexibilidade no plano orçamental e administrativo, pois que os orçamentos devem ser geridos de forma flexível, rápida e autónoma. Uma comparação entre as três fórmulas Plano Programa Projecto Análise das necessidades de formação (ABF) Análise global das necessidades, ditadas sobretudo pelas necessidades do sistema; Análise das necessidades levadas a cabo por uma amostra do público-alvo potencial; Análise das necessidades levadas a cabo pelos próprios actores, e culminando na construção da formação; Escolha dos formadores Formadores escolhidos com base num caderno de encargos; Formadores designados sempre a priori; Formadores implicados desde o início, e em ligação com os participantes; 32 Gestão da formação Gestão hierarquizada, por delegação; Gestão das inscrições, do tipo administrativo; Gestão participativa e concertada; Métodos pedagógicos Métodos predeterminados, por um caderno de encargos. Métodos próprios dos formadores. Métodos decididos em concertação com os participantes e os formadores. 2. OS ACTORES DE UMA FORMAÇÃO10 Numa formação dinâmica e complexa, há diversos actores : os participantes, os formadores, o comanditário, o analista, o promotor, o piloto, o gestor da formação ou do currículo … Quem são eles ? Que funções desempenham? Qual a sua importância? Examinemos a seguir o estatuto e a função de cada um deles na concepção da formação em termos de integração. Os participantes São pessoas que, a título de alunos, pertencem a um sistema educativo e participam das actividades de formação. Qual é o estatuto dos participantes numa formação ? Podemos identificar dois tipos de estatuto do participante em função da concepção segundo a qual encaramos uma formação. Numa formação de concepção clássica, o participante é geralmente alguém que é receptivo e está na defensiva. Numa formação em termos de integração, o participante é solicitado em todas as etapas da formação:antes da formação, na análise das necessidades; durante a formação, para participar nos trabalhos de grupo, ou para elaborar uma produção pessoal que mostre o seu domínio da competência profissional a adquirir; após a formação, para garantir a transferência das competências adquiridas. Os formadores Um formador é uma pessoa com formação específica que anima uma formação. Um formador pode agir em seu nome, ou em nome de um organismo de formação, público ou privado. Qual é o papel dos formadores numa formação? 10 Roegiers, 1997. 33 Aqui, de novo, o papel do formador difere segundo a concepção da formação, e segundo a forma como encaramos a formação. Numa formação do tipo tradicional, um formador é um «conferencista»: ele faz as exposições e assume os debates do tipo perguntas/respostas. Numa concepção de integração, o papel do formador tende a evoluir no sentido de um organizador de situações- problemas, um animador que estimula os participantes, e procura mantê-los activos durante a formação. O analista Um analista é uma pessoa que intervém em termos da análise, da avaliação e/ou de aconselhamento, para garantir o sucesso de uma formação. Sempre que o orçamento permite, devemos recorrer a um analista para garantir a qualidade da formação, assim como um médico que faz o diagnóstico antes de mandar o doente à farmácia, ou um arquitecto que faz as plantas e um caderno de encargos antes que o cliente contacte um empreiteiro. O analista é, por conseguinte, uma terceira pessoa que ajuda a distanciar-se, e a garantir que as decisões que são tomadas, são feitas com base na qualidade da formação que deve prevalecer, e não nos interesses pessoais dos actores. E que funções desempenha? Conforme os casos, ele desempenha as funções de conselheiro, de controlo ou de avaliação11. Um analista pode intervir em vários momentos da formação: - antes da formação, para dirigir a análise das necessidades ; é sempre o seu papel mais importante; - durante a formação, se queremos que a avaliação seja conduzida de forma neutra; com efeito, o formador não é sempre o melhor avaliador: é um actor da formação, e com esta função, por vezes orienta os resultados de uma avaliação, consciente ou inconscientemente; - depois da formação, se queremos verificar o impacto da formação nas salas de aula. O comanditário É ele que controla os recursos para a realização de uma formação (o ministério que organiza a formação dos orientadores ou dos professores, o estabelecimento escolar que financia a formação de um dos seus professores, …). Também é a pessoa que assina sempre os documentos oficiais (contratos, autorizações…). Não se pode confundir o comanditário com o «financiador» que fornece um orçamento para financiar uma formação. Par exemplo, o Ministério da Educação pode organizar uma formação com fundos do UNICEF. É o director da formação do Ministério da Educação que é o comanditário, porque é ele que garante que 11 De Ketele & Roegiers, 1993. 34 haverá financiamento, mesmo que o financiamento venha de um financiador externo (neste caso, o UNICEF). Reconhecemos também o comanditário uma vez que é ele que dá aautorização para iniciar a formação ; ele pode também parar uma formação se ele constatar que existe um problema. O promotor É a pessoa ou grupo de pessoas de quem provém a iniciativa da realização da formação. Ele pode ser, conforme os casos: 1. Um (uma) professor (a) de um estabelecimento de ensino que viveu uma experiência positiva de formação, e que quer que os seus colegas também a vivam. 2. Um inspector que ouviu falar de um novo método de leitura, e quer formar os professores de que é responsável. 3. Um pai de um aluno que propõe que os professores sejam sensibilizados para os problemas da droga. 4. Uma agência da ONU que quer desenvolver a educação ambiental nos sistemas educativos. Numa concepção de integração da formação, o promotor é uma pessoa importante, porque trata-se sempre de uma pessoa de base, um (ou uma) professor(a), um (ou uma) director (a)…), que procura dinamizar o sistema. O guia ou gestor da formação O guia (ou gestor) de uma formação é a pessoa que tem a tarefa de fazer avançar a formação: garantir o bom desenvolvimento das operações, fazer os relatórios sobre o andamento da formação para dar ao comanditário, obter, em seu nome, as autorizações... ele pertence à esfera do comanditário e é designado por ele. No caso de um projecto de formação, não existe um gestor, mas um grupo de pessoas que asseguram a gestão da formação : falamos do grupo de pilotagem ou do comité de pilotagem. Numa concepção de integração de formação, o comité de pilotagem ocupa um lugar importante, pois é ele que gere as negociações entre o conjunto dos actores. Nas formações com vários formadores, identificamos dois gestores: 1. O gestor que faz a gestão da formação (no plano administrativo, financeiro, material) e 2. Aquele que faz a gestão do currículo, no plano pedagógico, isto é, aquele que coordena os diferentes módulos da formação e os diferentes formadores. O superior hierárquico E a pessoa de quem cada participante depende directamente, e à qual ele deve prestar contas sobre a qualidade da sua actividade profissional, particularmente dos efeitos da formação no terreno: é o director de um estabelecimento de ensino relativamente a um dos seus professores que está em formação. Para que 35 todas as possibilidades de transferência das competências adquiridas, para as salas de aula, sejam garantidas, cada director de escola que manda um professor para formação deveria estar ao corrente do que se passa na formação, e das implicações da formação no terreno. Idealmente, ele próprio deveria participar na negociação dos objectivos da formação. O (s) beneficiário (s) de uma formação Há dois tipos de beneficiários de uma formação: 1. Os beneficiários directos que são os participantes; 2. Os beneficiários indirectos que são os alunos, isto é, aqueles para quem toda formação deve desembocar: melhorar a qualidade e as condições de aprendizagem, do prosseguimento dos seus estudos, da sua integração na vida activa… Podemos também estender a noção de beneficiário aos pais, que vêem progredir os seus filhos e que estão interessados que os seus desempenhos escolares melhorem, e mesmo à comunidade local, na medida em que todo crescimento das competências dos professores pode beneficiar o conjunto da colectividade. 36 CAPÍTULO 4 FORMAR PARA RESULTADOS APRESENTAÇÃO Nos três capítulos anteriores desenvolvemos os pontos seguintes: 1. O lugar de uma formação no acompanhamento dos processos de mudança. 2. A evolução das práticas pedagógicas dos professores, tendo em vista o desenvolvimento de uma aprendizagem escolar de qualidade. 3. O papel dos diferentes actores de uma formação numa perspectiva de integração. O presente capítulo interessa-se pelas questões fundamentais relativas à gestão de uma formação, nomeadamente, as características da gestão de uma formação orientada para resultados. Examinamos sucessivamente: 1.O que significa gerir uma formação; 2. O papel do gestor nas diferentes etapas da formação ; 3. A diferença entre a gestão de uma formação baseada nos conteúdos e a gestão de uma formação orientada para resultados; 4. Alguns instrumentos para o gestor. 1. EM QUE CONSISTE A GESTÃO DE UMA FORMAÇÃO? 1.1. O que é a gestão de uma formação? O termo gestão de uma formação deve ser entendido como a organização de um conjunto de actividades (ou operações) que conduz ao êxito de uma formação: a definição da (s) competência (s) que procuramos instalar nos participantes, a elaboração de um currículo de formação baseado nesta (s) competência (s); a mobilização e afectação de recursos humanos, financeiros e materiais nos locais exactos da actividade e de despesa, o desenvolvimento das actividades de formação, a avaliação da formação. 1.2. Gestão organizacional e gestão pedagógica da formação Entre as actividades, algumas são de natureza organizacional e outras de natureza pedagógica. A gestão organizacional da formação diz respeito ao conjunto das operações não pedagógicas ligadas à formação: gestão administrativa, financeira, logística, gestão de recursos humanos e a gestão dos resultados. Em compensação, a gestão pedagógica da formação interessa-se pelos aspectos pedagógicos: a coerência entre os diferentes módulos, a adaptação dos 37 conteúdos ao nível dos participantes, os métodos pedagógicos, a coordenação entre os organismos da formação, se houver vários intervenientes… 2. O PAPEL DO GESTOR 2.1 A função do gestor da formação Quem é este gestor da formação? O que reconhecemos nele? Ele é, geralmente, uma pessoa próxima do comanditário, e que goza da sua confiança: um colaborador do director de ensino, o responsável do serviço de formação do ministério … Para um óptimo funcionamento de uma formação é importante a constituição de um grupo de pilotagem. É um órgão participativo que apoia o gestor da formação. 2.2 As principais tarefas de um gestor da formação São inúmeras as tarefas de um gestor de uma formação: elas são de natureza organizacional e pedagógica (ver mais abaixo). Dois casos podem-se colocar: 1. Ou se trata de uma formação complexa, na qual actuam vários formadores e existem vários módulos diferentes. Neste caso, o gestor da formação limita-se aos aspectos organizacionais. É sempre uma outra pessoa que assegura a gestão pedagógica. Todavia, compete ao gestor da formação gerir as interfaces com a gestão pedagógica, particularmente a análise das necessidades de formação e a transferência dos conhecimentos da formação para o local de trabalho. 2.Ou se trata de uma formação mais simples. Neste caso, é a mesma pessoa que faz a gestão dos aspectos pedagógicos e organizacionais. 3. A GESTÃO DE UMA FORMAÇÃO CENTRADA NOS RESULTADOS O que é uma formação centrada nos resultados ? Comecemos, em primeiro lugar, por apresentar a forma tradicional que consiste em centrar a formação nos conteúdos, antes de considerar uma forma mais actual de proceder, e que consiste em centrar a formação nos resultados. 38 3.1. Uma formação centrada nos conteúdos Que significa uma formação centrada nos conteúdos? É uma formação que coloca o formador (a formadora) na situação de transmitir um certo número de conteúdos aos participantes, como vimos no capítulo1. Neste caso, a formação inscreve-se numa lógica quantitativa. Aqui, o que prevalece é a categoria e o volume dos conteúdos a transmitir aos participantes, e não a transformação das suas práticas profissionais, e muito menos ainda, a sua capacidade de transferir as competências adquiridas para os seus locais de trabalho. Em que consiste a gestão deste modelo de formação? Ela limita-se a desenvolver operações similares às da organização de uma conferência: a escolha de um (a) formador (a), a convocação dos participantes, o aluguer de uma sala… O que
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