Buscar

E1_LGTE

Prévia do material em texto

LETRAMENTO 
E GÊNEROS 
TEXTUAIS
E-book 1
Cimara Apostólico
Neste E-book:
INTRODUÇÃO ����������������������������������������������4
LETRAMENTO ���������������������������������������������� 6
Para começo de conversa �����������������������������������6
Leitura de mundo ������������������������������������������������9
Alfabetização e Letramento: Implicações e 
paradoxos ���������������������������������������������������������15
Sobre o Letramento: um tema em três gêneros �17
Alfabetização – ideias introdutórias �����������������22
Ler e escrever ���������������������������������������������������27
Letramento literário ������������������������������������������33
CONSIDERAÇÕES FINAIS ��������������������� 40
Síntese ���������������������������������������������������������42
Letramento: 
Concepções e Práticas
2
E-book 
1
Objetivo(s) de aprendizagem:
• Compreender os principais conceitos sobre tex-
to, leitura de mundo, alfabetização e letramento.
• Estabelecer distinções entre alfabetização e 
letramento.
• Reconhecer as diferentes etapas para forma-
ção da competência leitora e escritora.
• Identificar as práticas de letramento que po-
dem propiciar a alfabetização.
3
INTRODUÇÃO
Caro estudante, sabemos que estamos distantes 
fisicamente e próximos neste diálogo, por isso, nos 
propomos a ter empatia com você e explicar o mais 
detalhadamente possível. Para que consiga formar 
os conceitos, é fundamental que você participe – len-
do com atenção – mesmo os trechos que julga saber, 
porque conhecimento é construção. Combinado?
Como toda boa construção, às vezes, será preciso 
rever, refletir e ir além: anotar, sistematizar, buscar 
um método que facilite o seu aprendizado para que 
este material interativo seja produto de apoio que o 
ajude a melhorar em sua prática como estudante e 
futuro professor.
Esta disciplina foi concebida com base em um po-
sicionamento em relação ao assunto (uma tese): 
Letramento e Gêneros Textuais estão diretamente 
relacionados, pois são elementos fundamentais para 
inserção social, isto é, são condições essenciais para 
que sejamos sujeitos ativos em nosso mundo, pois, 
desde bebês, somos cercados pelos vários textos 
que circulam em nossa cultura. Para pertencer a este 
mundo, será necessário um letramento para se inserir 
socialmente, mas você deve estar se perguntando: 
o que é esse letramento? Ler, letrar, saber a letra? 
Essas e outras questões serão esclarecidas ao longo 
do nosso diálogo.
4
A concepção de texto contém breves elementos que 
o ajudarão a romper o paradigma de ‘texto’ como 
conjunto de símbolos linguísticos. A abordagem de 
leitura de mundo estabelecerá uma ponte para am-
pliação do conceito de letramento. Alfabetização e 
letramento são conceitos indissociáveis, que propi-
ciam ao indivíduo o desenvolvimento da aprendiza-
gem em um contexto social.
O estabelecimento da distinção entre as duas moda-
lidades do texto: língua fala e língua escrita é funda-
mental para pressupor a existência do outro no dis-
curso, além de mostrar que o contexto é importante 
para que as ideias sejam expressas adequadamente. 
As ideias expressas de maneira adequada geram 
compreensão, que é o elemento-chave para os pro-
cessos de comunicação.
Além disso, traçaremos um caminho em direção à 
alfabetização e letramento, no qual você terá opor-
tunidade de observar as implicações conceituais, 
tendo, nos estudos e pesquisas de Magda Soares, 
nosso embasamento teórico.
A leitura e a escrita são habilidades que devem ser 
potencializadas quando estudamos sobre alfabeti-
zação e letramento, principalmente pelas demandas 
dessas habilidades no mundo contemporâneo.
O letramento literário versará sobre a importância da 
literatura para constituição de um indivíduo letrado 
e inserido socialmente. 
5
LETRAMENTO
Para começo de conversa
No geral, “texto” é empregado como um trecho em que há 
palavras escritas, o que é um entendimento inicial. Texto, 
no dicionário de Linguagem e Linguística, “é uma porção 
contínua de língua falada ou escrita, especialmente quan-
do tem um começo e um fim reconhecíveis” (TRASK, 2006, 
p.291). Seguindo nessa descrição, é possível entender 
como texto uma simples frase como “Hoje está fazendo 
sol!”, ou seja, qualquer porção com começo e fim.
Mas texto não é apenas uma combinação de palavras, de 
nomeações do mundo real; “o texto não é mais considera-
do como um conjunto de símbolos linguísticos e sim algo 
muito maior e que deve ser lido em toda a sua complexida-
de. Uma narrativa feita somente de imagens, por exemplo, 
é também considerada um texto” (HALMENSCHLAGER, 
2015, p.64).
Enfim, nosso objetivo é apenas esclarecer que não é ne-
cessário ter um trecho extenso para ser considerado texto 
e nem sequer precisa ser escrito, falado, conforme citação. 
É importante registrar que o conceito “texto” tem muitas 
implicações, como situação enunciativa, interlocutores, 
condições de produção, contextos históricos, sociais e 
assim por diante que exigiriam uma disciplina só para 
tratar desses aspectos, portanto, vamos simplificar e 
6
privilegiar apenas as informações mais relevantes para 
entendimento.
Há duas modalidades no texto: a língua falada e a língua 
escrita que são utilizadas em situações comunicativas, 
de práticas sociais, com caráter interacional, em que duas 
ou mais pessoas se relacionam. Essas pessoas, que se 
relacionam, se comunicam, são os interlocutores. Nesse 
diálogo (relação dialógica), devem ser consideradas as 
perspectivas do ouvinte e/ou do leitor, assim, pensem 
comigo: enquanto estamos produzindo este material, não 
temos você, leitor, aqui, pedindo para esclarecer “o que 
quis dizer com...”; nesse sentido, ao escrever, é preciso 
pressupor dois lados: o de escritor e o de leitor; essa é ape-
nas uma das questões que mostram que a comunicação 
escrita e oral ativam conhecimentos diferentes que devem 
ser ponderados na relação autor/leitor, falante/ouvinte.
Koch e Elias explicam a distinção entre fala e escrita. As 
duas modalidades transitam e se misturam, entretanto, 
são perceptíveis as características que distinguem uma 
e outra: 
FALA ESCRITA
contextualizada descontextualizada
implícita explícita
redundante condensada
não planejada planejada
predominância do modus 
pragmático
predominância do modo 
sintático
pouca densidade 
informacional
densidade informacional
Tabela 1: Parte do Quadro elaborado por Koch, Elias. 2010, p. 16
7
Por esse quadro, é possível inferir as implicações 
discursivas que devem ser analisadas ao estabelecer 
um diálogo com o outro, observando as condições 
de produção, no momento em que isso acontece.
Figura 1: Pierre Bourdieu
Pois bem, é fundamental considerar a existência do 
outro nessa relação intertextual, além disso, é con-
dição sine qua non, imprescindível, saber que o texto 
tem existência própria e está inserido em um âmbito 
social. Quanto a isso, você verá um exemplo adiante 
que o ajudará a compreender o posicionamento de 
Pierre Bourdieu em relação ao texto, que nas palavras 
de Batista “muda a partir do momento em que muda 
o mundo social em que ele se introduz” (BOURDIEU 
(1994) apud BATISTA, 2008, p. 20).
8
Antes, porém, leia a caixa de diálogo ‘Fique Atento’ 
para ampliar seu entendimento sobre atividade 
interativa.
Fique atento
• “Na concepção interacional (dialógica) da lín-
gua, na qual os sujeitos são vistos como atores/
construtores sociais, o texto passa a ser conside-
rado o próprio lugar da interação e os interlocuto-
res, sujeitos ativos que – dialogicamente – nele se 
constroem e por ele são construídos. A produção 
de linguagem constitui atividade interativa, alta-
mente complexa de produção de sentidos, que se 
realiza evidentemente, com base nos elementos 
linguísticos presentes na superfície textual e na 
sua forma de organização, mas que requer não 
apenas a mobilização de um vasto conjunto de 
saberes, mas também a sua reconstrução – bem 
como a dos próprios sujeitos – no momento da 
interaçãoverbal”. (KOCH, 2014, p. 21).
Vamos dar um passo atrás e compreender o que é 
leitura de mundo? 
Leitura de mundo
A leitura de mundo integra e se relaciona ao letramen-
to: uma simples situação – como entender o signi-
ficado das cores do semáforo, sabendo o momento 
de parar, de prestar atenção, de seguir adiante – faz 
9
parte dessa leitura. Se o indivíduo não compreende 
essa indicação, ele sentirá dificuldades ao atravessar 
a rua, dirigir, e assim por diante.
Conhecer os variados e diferentes símbolos que in-
tegram a cultura faz com que participemos plena-
mente do mundo. Vamos pensar em outro exemplo 
para melhor elucidar e avançar no entendimento do 
conceito?
Se vejo várias pessoas juntas, uma multidão, na 
Avenida Paulista, em São Paulo, em um domingo, 
logo penso que há uma prática de esportes. Se vejo 
uma multidão na mesma avenida, durante a semana, 
meu pensamento será de que há uma manifestação. 
Agora, se vejo uma multidão correndo na avenida, 
não penso duas vezes, corro também, pois já penso 
ser um arrastão.
A minha leitura de mundo me faz ver uma multidão 
por diferentes perspectivas. O contexto em que se 
encontra a “multidão” mudará a maneira como vemos 
a situação. Além disso, o fator tempo: “quando” deve 
ser considerado. 
Voltemos ao parágrafo anterior “domingo” x “durante 
a semana”. Isso significa que nosso olhar é direciona-
do, também, de acordo com a questão temporal. Sim, 
sei que o exemplo é simples e o assunto, complexo, 
mas serve para mostrar a importância do tempo para 
compor o nosso olhar. 
Essa nossa capacidade de analisar as circunstâncias 
se dá em função da nossa experiência, da nossa 
10
vivência, ou seja, do desenvolvimento de uma leitura 
de mundo. Nesse sentido, a leitura de mundo é um 
texto e, recordando as palavras de Bourdieu apud 
Batista, “muda a partir do momento em que muda 
o mundo social em que ele se introduz”. Portanto, 
o contexto é fundamental para que possamos nos 
ajustar às diferentes situações sociais com as quais 
nos deparamos cotidianamente.
A leitura de mundo começa desde muito cedo: por 
exemplo, assim que o bebê consegue estabelecer 
contato visual com os que o cercam, ele começa 
a observar diferentes expressões faciais que o aju-
darão a compreender sobre sentimentos. Ao obser-
var sorrisos, poderá associar a situações positivas. 
Essas expressões são sinais que farão com que a 
criança consiga compreender melhor o mundo em 
que está inserida e criar consciência de suas próprias 
atitudes, dessa maneira, conseguirá associar ações 
com consequências. 
Entretanto, não se pode deixar de esclarecer que 
cada criança terá reações diferentes e, mais que isso, 
entenderá de acordo com os seus referentes. Em 
outras palavras, mesmo habitando o mesmo mundo, 
cada qual terá seu entendimento próprio em função 
das circunstâncias, vínculos e experiências. 
Assim, ao pensarmos nos vários textos que se apre-
sentam em nosso ambiente cultural, é possível per-
ceber a autonomia relativa desses textos, já que são 
afetados pelas pessoas, pelo tempo, pelos fatores 
11
externos, assim, podemos entender que o texto só 
tem existência a partir das interações.
As interações são potencializadas pela leitura da 
palavra e pela leitura de mundo, que são concei-
tos definidos por Paulo Freire, educador brasileiro, 
o qual concebia que a leitura de mundo precedia a 
leitura da palavra. Vamos tentar compreender esse 
pensamento?
Com certeza, todos já observaram determinada pes-
soa que, mesmo sem saber ler e escrever, conseguia 
realizar muito bem suas atividades. Por exemplo, 
um pedreiro pode fazer cálculos de área sem nem 
ao menos saber o conceito, mas dizer exatamente 
quanto gastará de revestimento para colocar na sua 
nova cozinha. Como pode alguém que não conhece a 
letra saber diferentes assuntos? Contar histórias be-
líssimas para os netos, desenvolver ideias? Preparar 
receitas deliciosas, sem qualquer noção de fração, 
proporção? Conhecer geografia, comentando sobre 
cerrado, bioma, diversidade e assim por diante. Não 
tendo a intenção, mas já sendo reducionista, é a isso 
e muito mais que Freire chama Leitura de mundo. 
Essa leitura precede a leitura da palavra e, nas pala-
vras do autor:
Refiro-me a que a leitura do mundo precede 
sempre a leitura da palavra e a leitura desta 
implica a continuidade da leitura daquele. Na 
proposta a que me referi acima, este movimen-
to do mundo à palavra e da palavra ao mundo 
12
está sempre presente. Movimento em que a 
palavra dita flui do mundo mesmo através da 
leitura que dele fazemos. De alguma maneira, 
porém, podemos ir mais longe e dizer que a 
leitura da palavra não é apenas precedida pela 
leitura do mundo, mas por uma certa forma 
de “escrevê-lo” ou de “reescrevê-lo”, quer di-
zer, de transformá-lo através de nossa prática 
consciente. (FREIRE, 1989, p.17).
A leitura de mundo e a leitura da palavra se prendem 
dinamicamente e, a partir do momento em que o 
indivíduo tem o domínio das duas leituras, o mundo 
passa a fazer mais sentido e, quando faz sentido, 
estamos aptos a transformá-lo. 
Saiba mais
• E você, está preparado para ampliar sua leitura 
de mundo, sua leitura de palavra e fazer as malas 
rumo a uma mudança? Então, faça a leitura do 
livro e assista ao vídeo indicados abaixo:
• Freire, Paulo. A  importância do ato de ler: em 
três artigos que se completam. São Paulo: Auto-
res Associados: Cortez, 1989. 
• Paulo Freire discute questões relacionadas a 
ler, escrever e alfabetizar. Para isso explica so-
bre leitura de mundo e leitura de palavra, usando 
exemplos de sua infância e de seu cotidiano. Em 
uma linguagem acessível e clara, você estudante 
13
de Letras, terá a oportunidade de embarcar nes-
se mundo Freiriano, no qual, além aprender ideias 
das mais simples às mais complexas, poderá 
aprender a importância de “ser humano”. E essa 
humanidade é o mais importante para estabele-
cer relação aluno-professor. Deixo um pequeno 
trecho do livro para você degustar: “a leitura do 
meu mundo, que me foi sempre fundamental, não 
fez de mim um menino antecipado em homem, 
um racionalista de calças curtas. A curiosidade 
do menino não iria distorcer-se pelo simples fato 
de ser exercida, no que fui mais ajudado do que 
desajudado por meus pais. E foi com eles, pre-
cisamente, em certo momento dessa rica expe-
riência de compreensão do meu mundo imedia-
to, sem que tal compreensão tivesse significado 
malquerenças ao que ele tinha de encantadora-
mente misterioso, que eu comecei a ser introdu-
zido na leitura da palavra”.
• Emocione-se assistindo ao vídeo “A Canoa”. 
Trata-se de um vídeo curtinho que vai ajudá-lo 
a compreender melhor os conceitos: leitura de 
mundo e leitura da palavra.
• Disponível em: https://www.youtube.com/
watch?v=GmqAVAbYnsw. Acesso em: 5 jan. 2019.
14
https://www.youtube.com/watch?v=GmqAVAbYnsw
https://www.youtube.com/watch?v=GmqAVAbYnsw
Alfabetização e Letramento: 
Implicações e paradoxos
O termo Letramento, conforme Magda Soares (2014), 
surge em meados dos anos 80 no livro “No mundo da 
escrita: uma perspectiva psicolinguística”, de Mary 
Kato, que considera a língua falada culta como con-
sequência do letramento. 
Figura 2: Magda Soares
A língua culta é aquela utilizada em situações mais 
formais da língua que demandam maior conheci-
mento das estruturas, maior domínio vocabular etc. 
A problemática situa-se em como alcançar um co-
nhecimento linguístico para ter fluência de uso da 
língua culta, sendo que pessoas, muitas vezes, per-
15
tencem a grupos que não fazem uso dessa variante? 
Partindo da fala de Mary: Letramento x Língua culta, 
entendemos que letramento se relaciona ao mundo 
social do indivíduo, à herança cultural recebida, ao 
repertório acumulado, à leitura de mudo, simplifican-
do, enfim, às experiências e vivências que envolvem 
o sujeito em sua vida e são essas experiências que 
propiciam a condição de se apropriar e fruir no uso 
da língua culta. Na sequência, vamos entender um 
pouco maissobre o letramento sob a ótica de Magda 
Soares, compreendendo antes um pouco sobre a 
pesquisadora:
Fique atento
• MAGDA BECKER SOARES
• Possui graduação em Letras Neolatinas pela 
Universidade Federal de Minas Gerais (1953) e 
doutorado em Didática pela Universidade Fede-
ral de Minas Gerais (1962). Atualmente é mem-
bro da Associação Nacional de Pós-Graduação 
e Pesquisa em Educação, membro de comitê 
assessor do Conselho Nacional de Desenvolvi-
mento Científico e Tecnológico, consultora da 
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de 
Nível Superior, professora titular da Universidade 
Federal de Minas Gerais e conselheira da Com-
munitee Economique Europeen. Tem experiência 
na área de Educação, com ênfase em Ensino-
-Aprendizagem, atuando principalmente nos se-
16
guintes temas: alfabetização, letramento, escrita, 
ensino, leitura e formação de professores. 
• Currículo Lattes CNPQ. Disponível em: http://
lattes.cnpq.br/8530550473275266. Acesso em: 
10 jan.2019.
• Agora que já sabemos um pouco mais sobre a 
autora, vamos discutir suas ideias. 
Sobre o Letramento: um tema 
em três gêneros
No livro Letramento: um tema em três gêneros, 
Magda Soares explica Letramento como verbete, 
como texto didático e como ensaio.
Ao tratar sobre o verbete, Magda indaga: “Que novo 
fato, ou nova ideia, ou nova maneira de compreen-
der a presença da escrita, no mundo social trouxe 
a necessidade desta nova palavra, o letramento?”.
Pois muito bem, todos sabemos que as palavras sur-
gem devido a necessidades de uso – até aqui nenhu-
ma novidade, mas vamos pensar em uns exemplos: 
Antes, não havia a palavra “ficar” como é utilizada 
hoje. “Fiquei com aquele garoto”. Na minha época, 
sem querer entregar minha idade, usávamos namorar, 
noivar, casar, mas, com o tempo, as relações amo-
rosas foram mudando e surgiu esse termo, “ficar”. 
Palavras como deletar, escanear, digitalizar e outras 
também são mais recentes.
17
Da mesma forma, os termos alfabetização, alfabe-
tismo – campos semânticos próximos que você 
poderá conhecer mais ao ouvir o podcast – eram 
utilizados para designar pessoas que sabiam ler e 
escrever. Na segunda metade dos anos 80, foi reali-
zada uma pesquisa, nos Estados Unidos da América, 
com o objetivo de verificar o nível de entendimento 
de cada uma das pessoas “[...] em primeiro lugar, 
os instrumentos utilizados avaliaram as habilidades 
de ler, compreender e usar textos em prosa, como 
editoriais, reportagens, poemas etc.” (SOARES, 2014, 
p.23). Essa pesquisa foi realizada com o intento de 
mostrar que a leitura como prática social exigia mais 
que saber ler e escrever, requeria do indivíduo saber 
aplicar essas habilidades.
Podcast 1 
E saber aplicar as habilidades é um dos aspectos que 
fazem com que letramento e gêneros textuais cami-
nhem juntos e transponham o texto como estrutura 
escrita, trazendo, por meio de outros instrumentos, 
aspectos cotidianos para análise; conforme Soares, 
também foram solicitadas habilidades em “[...] lo-
calizar informações extraídas de mapas, tabelas, 
quadros e horários etc.” (SOARES, 2014, p. 23). Você 
está conseguindo acompanhar?
O foco, portanto, não se situava em ler e escrever, 
em ser alfabetizado ou não, mas na capacidade de 
utilização prática dos diferentes gêneros “[...] se sa-
biam fazer uso de diferentes tipos de material escrito, 
18
compreendê-los, interpretá-los e extrair deles infor-
mações – que nível de letramento tinham.” (SOARES, 
2014, p.23).
A palavra “letramento” surge para marcar a diferença 
em relação à “alfabetização”, por essa razão, retor-
namos à indagação de Soares: “Que novo fato, ou 
nova ideia”?
Há diferenças entre ser alfabetizado e ser letrado “[...] 
uma última inferência que se pode tirar do conceito 
de letramento é que um indivíduo pode não saber ler 
e escrever, isto é, ser analfabeto, mas ser, de certa 
forma, letrado (atribuindo a este adjetivo sentido vin-
culado a letramento)” (SOARES, 2014, p.24). 
A essas alturas, você já deve ter concluído que não 
é por acaso que começamos nossa conversa sobre 
leitura de mundo!
 Em o Letramento como texto didático, Soares tra-
ça distinções entre ler e escrever, esclarecendo que 
nosso problema não é ensinar a ler e escrever, mas 
sobretudo “[...] levar os indivíduos a fazer uso da lei-
tura e da escrita, envolver-se em práticas sociais de 
leitura e de escrita”. (SOARES, 2014, p. 58). 
Essas práticas sociais de leitura e escrita podem 
ocorrer em todo e qualquer ambiente em que a crian-
ça frequente. Não é somente na escola que a criança 
desenvolve essas práticas. Além disso, o letramen-
to vai além dessas duas habilidades – ele é e está 
imbricado na vida; quando a criança, sem saber ler 
e escrever, consegue identificar o símbolo do seu 
19
lanche predileto, saber que se trata da receita do 
bolo de chocolate, entender que determinado livro 
retrata sua história favorita – essas ações são re-
sultado da prática de letramento, a qual, reiteramos, 
antecipa-se ao ler e escrever, não necessariamente 
precisa se situar no campo da leitura e da escrita e, 
só para complicar mais um pouco, vai além dessas 
duas habilidades. Voltando um passo atrás, através 
dessas pequenas construções, constatamos que a 
criança já adquiriu os símbolos necessários para 
começar a trazer sentido para o seu próprio mundo 
e para interpretar os sinais que as cercam. 
Assim, em um contexto no qual vida e esco-
la precisam fazer sentido para que ocorra o 
letramento, é necessário que haja condições 
reais; o aprendizado não pode se dar em si-
tuações distantes da realidade do aluno, mas 
precisa estar conectado à realidade para que 
faça sentido. As condições materiais são as 
relacionadas à infraestrutura para o aprendi-
zado. Essas são condições primárias para que 
os educandos se apropriem dessa cultura, ao 
que Magda questiona: “O que ocorre nos pa-
íses do Terceiro Mundo é que se alfabetizam 
crianças e adultos, mas não lhes são dadas as 
condições para ler e escrever, não há material 
impresso posto à disposição, não há livrarias 
[...]” (SOARES, 2014, p.58). 
20
No Letramento em ensaio, a autora discute ‘como de-
finir, como avaliar, como medir’, situando-se em três 
problemas conceituais, sendo o primeiro na própria 
definição de letramento, o que conduz à pergunta: 
“que letramento é esse que busca avaliar e medir”? 
(SOARES, 2014, p.64). No segundo, a dúvida é sobre 
os critérios utilizados para avaliar o letramento em 
contextos escolares, em censos demográficos e em 
pesquisas por amostragem; e, no último, aponta a 
importância dessas avaliações e medições de letra-
mento, mostrando o contraponto – que é a necessi-
dade de cumprir pré-requisitos para fazê-lo.
Avaliar e medir são construtos, elementos subjetivos 
que dependem de diferentes variáveis para serem uti-
lizados com pequena margem de erro. Ao pensarmos 
na variedade e diversidade que há em nosso país em 
termos culturais, econômicos, étnicos, etários, esco-
lares, e assim por diante, enfrentamos a dificuldade 
de obter um parâmetro que defina exatamente o nível 
de letramento ideal versus o real. A desigualdade de 
oportunidades, em termos escolares, também é um 
indicador da dificuldade em se mensurar usando o 
mesmo parâmetro.
Sei que, quanto mais nos aprofundamos na questão, 
mais dúvidas vão surgindo e isso é normal: quando 
nada sabemos, não temos como questionar!
Bom, vamos adentrar um pouco mais o assunto e 
conversar sobre alfabetização e alfabetismo, assim 
ficará mais clara a distinção entre os dois.
21
Alfabetização – ideias 
introdutórias 
O conceito de alfabetização vem passando por 
constantes revisões, Peres e Araújo (2001, p.118) 
expressam que o conceito de alfabetização foi revi-
sado em função da problemática brasileira acerca 
de competências e habilidades para uso da escrita 
na aprendizagem inicial. “No Brasil, os conceitos de 
alfabetização e letramento se confundem, pois as 
habilidades de leitura e escrita necessárias às práti-
cas sociais letradasestão associadas à aprendiza-
gem básica da leitura e da escrita.” (PERES; ARAUJO, 
2011, p.118).
Devido a essa problemática, a escola, ao longo dos 
anos, tem se deparado com o desafio de alfabetizar 
as crianças. Para alcançar tal objetivo buscou mé-
todos e estratégias, as mais diversificadas possíveis; 
ainda assim, as estatísticas mostram que estamos 
aquém do ideal: são necessárias mais pesquisas, 
tecnologias, para que possamos romper essa barreira 
inicial que é a aquisição da leitura e da escrita, pois o 
desenvolvimento da língua materna é um processo 
contínuo e você, aluno de Letras, entende melhor que 
ninguém o que isso significa.
Em relação aos métodos, materiais didáticos, Soares 
explica que há condicionantes implicadas nessa 
questão:
22
A natureza complexa e multifacetada do pro-
cesso de alfabetização e seus condicionantes 
sociais, culturais e políticos têm importan-
tes repercussões no problema dos métodos 
de alfabetização, do material didático para a 
alfabetização, particularmente a cartilha, da 
definição de pré-requisitos e da preparação 
para a alfabetização, da formação do alfabe-
tizador (SOARES, 2004, p.23).
Para além da compreensão dos métodos, é essencial 
observar que esses, por mais eficientes que sejam, 
ainda esbarram em outras questões relacionadas 
ao indivíduo e as condicionantes que Soares expôs. 
E isso quer dizer, futuro professor, que, em algum 
momento, você pode encontrar no ensino médio um 
aluno analfabeto. Surpreso(a)?
Pausa para história: Há uns dez anos, em uma escola 
da periferia, em São Mateus, SP, observei um aluno 
do 1º ano do ensino médio que dormia bastante, não 
interagia, não respondia às questões, mas copiava 
toda a lição. Um dia, fui ao trabalho rouca e escrevi na 
lousa que não poderia explicar o conteúdo por estar 
sem voz. Foi quando observei aquele adolescente 
copiando. Não tive dúvida; na sequência, fiz um diag-
nóstico e constatei a triste realidade. Precisei fazer 
um trabalho diferenciado com ele para que pudesse 
evoluir nas hipóteses de escrita.
Bom, voltemos ao nosso assunto; Soares explica a 
etimologia (origem da palavra) alfabetização: “alfa-
23
betização tem o significado de levar à aquisição do 
alfabeto, ou seja, ensinar o código da língua escrita 
[...]” (SOARES, 2017, p.15). É comum, ouvir que al-
fabetizar é decodificar os códigos; como se a mera 
junção de letras ou sílabas pudessem dar conta de 
tal complexidade, como se a língua fosse formada 
por simples códigos. Ao que ela acrescenta “ensinar 
as habilidades de ler e escrever [...]” (SOARES, 2017, 
p.15).
Em relação a essas habilidades, “[...] o debate básico 
desenvolve-se em torno de dois pontos de vista que, 
de certa forma, estão presentes no duplo significado 
que os verbos – ler e escrever – possuem em nossa 
língua” (SOARES, 2017, p15). E exemplifica: “Ex.1. 
Pedro já sabe ler. Pedro já saber escrever. Ex.2. Pedro 
já leu Monteiro Lobato. Pedro escreveu uma redação 
sobre Monteiro Lobato”. (SOARES, 2017, p.15).
A polissemia das palavras ler e escrever precisa ser 
compreendida dentro de um contexto maior, nesse 
caso: a frase. A análise dessas palavras feita pela 
autora é de que, no primeiro exemplo, trata-se da 
habilidade de codificar e decodificar, assim, a “alfa-
betização seria um processo de representação de 
fonemas em grafemas (escrever) e de fonemas (ler)” 
(SOARES, 2017, p.16). Leia o quadro para se inteirar 
melhor sobre fonema, grafema e polissemia.
Fique atento
• “Fonema é qualquer um dos traços distintivos 
de um som da fala, capaz de diferenciar uma pa-
24
lavra de outra: pala, bala, mala, fala, vala, cala, 
sala, tendo p, b, m, f, v, c, s como fonemas”. “Gra-
fema é a menor unidade gráfica que faz parte de 
um sistema de escrita: uma letra é um grafema; 
um sinal gráfico é um grafema”.
• “Polissemia - Que apresenta um grande núme-
ro significados numa só palavra cujo significado 
dependerá do contexto em que a palavra está 
inserida. Exemplo em que uma mesma palavra 
pode ser usada com mais de um significado: 
Cabo: cabo de vassoura, cabo militar, cabo da 
faca”. (HOUAISS, Dicionário Online. Disponível 
em: https://www.dicio.com.br. Acesso em: 7 jan. 
2019) 
Agora que você já avançou um pouco mais no seu sa-
ber, sigamos nossa conversa. No segundo exemplo, 
ler e escrever “significam apreensão e compreensão 
de significados expressos em língua escrita (ler) ou 
expressão de significados por meio da língua escrita 
(escrever)” (SOARES, 2017, p.16).
A língua vai além do aspecto de reproduzir ou repre-
sentar ideias, Tomasi & Medeiros explicam que “a 
língua é uma atividade cognitiva: sua função mais 
importante não é informacional, mas a de inserir os 
indivíduos em contextos sócio-históricos e permitir 
que se entendam. É mais do que um veículo de in-
formações.” (MARCUSCHI 2011,67 apud TOMASI; 
MEDEIROS, 2017, p. 46). É inegável a característica 
informacional da língua, todavia, é fundamental re-
25
fletir também sobre a função de inserção social e 
histórica. 
Quanto a isso, Tomasi e Medeiros explicam que há 
três concepções de língua: como expressão do pen-
samento, como instrumento de comunicação; como 
forma ou processo de interação. Para primeira con-
cepção, “o modo como o texto, que se usa em cada 
situação de interação comunicativa está constituí-
do não depende em nada de para quem se fala, em 
que situação se fala (onde, como, quando), para que 
se fala.” (TRAVAGLIA, 2009, p. 22 apud MEDEIROS; 
TOMASI, 2017, p.46). Nessa concepção, a organiza-
ção lógica do pensamento é enfocada. Na segunda, 
o enfoque recai sobre emissor, receptor, código “o 
código, portanto, deve ser dominado pelos falan-
tes para que a comunicação possa ser efetivada” 
(TRAVAGLIA, 2009, p. 22 apud MEDEIROS; TOMASI, 
2017, p.46). Na última, a língua não se situa em ex-
plicitar pensamentos, mas situa-se na interação que 
essa estabelece com os falantes “o que o indivíduo 
faz ao usar a língua não é tão somente traduzir e 
exteriorizar um pensamento, ou transmitir informa-
ções a outrem, mas sim realizar ações, agir, atuar 
sobre o interlocutor.” (TRAVAGLIA, 2009, p.23 apud 
MEDEIROS: TOMASI, 2017, p.46).
Agora que já tivemos introdução à alfabetização, 
entendemos um pouco sobre a língua, vamos seguir 
debruçando nossas ideias sobre ler e escrever.
26
Ler e escrever
Ler e escrever são habilidades básicas cobradas em 
todos os sistemas de avaliação, por isso, também 
compõem o currículo. O que é discutível, nessa ques-
tão, é que existem diferentes níveis de leitura e de 
escrita. O que é saber ler e escrever? Traduzir os 
códigos sem gaguejar é leitura? Escrever códigos 
sem erros de ortografia é escrita? 
Os Parâmetros Curriculares (PCN) de Língua 
Portuguesa pressupõem que a língua se realiza em 
uso, nas práticas sociais, assim, os eixos pelos quais 
são organizados os conteúdos da Língua Portuguesa 
se situam nas quatro habilidades linguísticas: falar, 
escutar, ler e escrever, as quais devem ser expandi-
das para melhor uso da linguagem e apropriação do 
mundo. Daí vermos a seleção dos conteúdos desde o 
Ensino Fundamental, com vistas a atender esses re-
quisitos. Os dois eixos básicos a que se referem são 
o uso da língua oral e da língua escrita que devem 
ser alicerçados na análise e reflexão sobre a língua, 
“cujo objetivo principal é melhorar a capacidade de 
compreensão e expressão dos alunos, em situações 
de comunicação tanto escrita como oral” (BRASIL, 
1997 p. 48).
As situações de comunicação e de reflexão sobre 
a língua, em seus usos, são processos linguísticos 
que, no PCN, são classificadas em epilinguísticas e 
metalinguísticas. Na epilinguística, a “reflexão está 
voltada para o uso, no próprio interior da atividade 
27
linguística em que se realiza” (BRASIL, 1997, p. 30). 
Assim, quando conversamos com as pessoas e te-
mos dúvida do que elas estão dizendo, questionamos 
o significado; essa é uma atividade epilinguística. 
Outro exemplo: quando conversamos sobre a escolha 
vocabular maisapropriada para definir cada situação. 
Ex.: o marido chega muito tarde, grita com a esposa 
e pede para ela servir a comida: Qual palavra você 
acha que seria mais apropriada? Colocou a comida 
com carinho, com raiva ou com dedicação? Nesse 
contexto de gritos, possivelmente, ‘com raiva’, exceto 
se ela aproveitou a saída do marido e foi ao shopping, 
comprou várias roupas com o cartão de crédito dele 
etc. (brincadeirinha, só para descontrair.) 
Agora vamos ver o que é metalinguística? “As ati-
vidades metalinguísticas estão relacionadas a um 
tipo de análise voltada para a descrição, por meio da 
categorização e sistematização dos elementos lin-
guísticos”. (PCN, 1997, p.30). Nós, professores, ado-
ramos explicar. Vamos simular uma situação. Hoje 
vamos tratar sobre Advérbio. Advérbio é uma palavra 
modificadora – que modifica o verbo, o substantivo 
e o próprio advérbio. Uma de suas características 
é que ela é invariável e expressa as circunstâncias: 
lugar – aqui, ali, lá etc. Tempo – hoje, ontem, ama-
nhã e assim por diante. Esse é um exemplo de uso 
da metalinguagem, ou seja, usamos a língua para 
explicar sobre ela própria. 
Os parâmetros nos dão uma pista interessante so-
bre como devemos trabalhar os conteúdos sobre as 
habilidades em sala de aula:
28
Se o objetivo principal do trabalho de análi-
se e reflexão sobre a língua é imprimir maior 
qualidade ao uso da linguagem, as situações 
didáticas devem, principalmente nos primeiros 
ciclos, centrar-se na atividade epilinguística, 
na reflexão sobre a língua em situações de 
produção e interpretação, como caminho para 
tomar consciência e aprimorar o controle so-
bre a própria produção linguística. E, a partir 
daí, introduzir progressivamente os elementos 
para uma análise de natureza metalinguística. 
O lugar natural, na sala de aula, para esse tipo 
de prática parece ser a reflexão compartilhada 
sobre textos reais. (BRASIL 1997, p. 31)
Você deve estar se perguntando por que tratamos 
sobre metalinguística e epilinguística em uma seção 
cujo propósito é falar sobre ler e escrever. A resposta 
é simples; essas atividades linguísticas são meios 
que podem ser utilizados para que o aluno consiga 
se apropriar dos conteúdos de leitura e escrita, prin-
cipalmente por estarem as atividades epilinguísticas 
atreladas à análise e reflexão da língua, ao uso real e 
social das nossas práticas. Com a experiência, vocês 
vão perceber a diferença de conceito, aplicação e 
prática em sala de aula, mas podem começar com 
a leitura do livro indicado abaixo:
29
Saiba mais
• Os PCNs utilizam esses três termos: “análise 
linguística”, “atividade epilinguística” e “atividade 
metalinguística”, com base no livro “Portos de 
passagem”, de João Wanderley Geraldi. Aprovei-
ta e já abre uma fichinha com os livros indicados 
que você lerá futuramente. 
Vamos continuar explorando esse tema? No primeiro 
parágrafo, questionamos: ler é decifrar o código? Ao 
que Tiepolo, responde:
[...] a leitura é determinada por uma série de 
fatores extralinguísticos como: a história 
social e psicológica de cada leitor, suas ex-
pectativas e interesses; a situação em que 
o leitor se encontra enquanto lê; as relações 
com outras formas de linguagem, como as 
canções, a pintura, a dança e as alegorias do 
folclore. (TIEPOLO, 2014, p. 97)
A atividade de leitura não é mecânica, linear e isolada 
– já conversamos um pouco sobre isso. Ela supõe 
um leitor ativo. Esse leitor deve participar, interagir 
com o texto, usando não apenas os recursos linguís-
ticos, mas todos aqueles que já explicamos e que 
fazem parte do contexto cultural, social e intertextual 
do indivíduo. Além desses elementos, é importante 
destacar o universo simbólico, que deve ser consi-
derado, já que as representações, as significações 
30
fazem parte da bagagem do indivíduo, que no ato 
discursivo inclui a sua relação com as diferentes 
linguagens. 
Podcast 2 
O nosso segundo questionamento foi: escrever é re-
produzir códigos sem erro de ortografia? Percebemos 
que muitos professores, das diferentes áreas, usam 
um discurso pronto de que ‘o aluno não é bom, por-
que não sabe nem escrever’; algumas vezes, esse 
aluno considerado fraco é aquele que organiza o 
texto de maneira coerente, utiliza argumentos consis-
tentes, mas ainda comete erros ortográficos, portan-
to, esse questionamento se dá com base na análise 
discursiva cotidiana. 
Não tencionamos ser reducionistas e descaracterizar 
a importância da ortografia no nosso sistema linguís-
tico, entretanto, também devemos considerar que, 
nos anos 80, houve uma compreensão equivocada 
sobre o uso do construtivismo – essa interpretação 
confundia aprender sistematicamente com aprender 
naturalmente.
Fique atento
• Construtivismo é uma concepção abrangente, 
que requer aprofundamento, por isso, a indicação 
desse livro de Maria da Graça Azenha que traçará 
um percurso de Piaget a Emília Ferrero, mostran-
do as transformações teóricas na Educação, a 
31
partir de estudos das fases e da aprendizagem 
das crianças.
• Vale a pena conferir!
• AZENHA, Maria da Graça. Construtivismo: de 
Piaget a Emília Ferrero, 8. ed. São Paulo: Ática, 
2006. Link nas referências 
Vamos retomar o assunto? Outros discursos prontos 
são de que a escrita é um talento que poucos pos-
suem, que é necessário estar inspirado para escrever 
etc. Imagine você, que está fazendo esse curso, en-
viar uma explicação da não realização da atividade, 
alegando falta de inspiração!?
A escrita, de acordo com Koch e Elias (2009, p.32-
39) requer foco na língua, no escritor, na interação e 
ativação de conhecimentos. É fundamental reiterar 
a concepção interacional da língua “tanto aquele 
que escreve como aquele para quem se escreve são 
vistos como atores/construtores sociais, sujeitos 
ativos que – dialogicamente – se constroem e são 
construídos no texto [...]” (KOCH; ELIAS, 2009, p.34).
Considerando, portanto, esses e outros elementos 
implicados no ato da escrita, ela é uma:
[...] atividade de produção textual que se re-
aliza, evidententemente, com base nos ele-
mentos linguísticos e na sua forma de orga-
nização, mas requer, no interior do evento 
comunicativo, a mobilização de um vasto 
conjunto de conhecimentos do escritor, o que 
32
inclui também o que esse pressupõe ser do 
conhecimento do leitor ou do que é comparti-
lhado por ambos. (KOCH; ELIAS, 2010, p. 34).
Ler, escrever, falar, ouvir – habilidades que propiciam 
condições para inserção do indivíduo no mundo – 
são processos contínuos de construção que têm na 
escola seu maior contributo, todavia, não se restringe 
a ela, faz parte da nossa formação, já que somos 
seres inacabados, fazendo alusão a Paulo Freire.
Agora, você já está preparado(a) para adentrar o 
mundo da alfabetização e letramento, que veremos 
a seguir.
Letramento literário
Como pudemos observar, as práticas de ler e es-
crever são resultantes da prática escolar, já o “con-
ceito de letramento surge da necessidade político-
-epistemológica de reconhecer, nomear e analisar 
teoricamente as práticas sociais de leitura e escrita, 
mais complexas do que as práticas de ler e escre-
ver resultantes da aprendizagem escolar da leitura 
e da escrita” (PERES; ARAUJO in ZACCUR, 2001, p. 
117-118).
As práticas sociais são importantes porque elas tra-
duzem o real; as situações não são criadas, mas elas 
permeiam a nossa vida. Por isso, essas práticas dão 
sentidos e significados e, por entender a finalidade, 
33
para que serve, o indivíduo ‘consegue se apropriar 
do conceito’.
Soares, em uma das definições, explica que letramen-
to é “o resultado da ação de ensinar ou de aprender a 
ler e a escrever: o estado ou a condição que adquire 
um grupo social ou indivíduo como consequência de 
ter se apropriado da escrita” (SOARES, 1999, p.17). 
Assim, letramento se relaciona a ler e escrever. Deve-
se, contudo, notar que ela usa o termo ‘relacionar’, 
estar em relação com algo não significa ser igual, 
assim, chamamos a atenção parao fato de que ler 
e escrever ocorre em um contexto de letramento, 
sem isso, estagnamos e adentramos na situação de 
alfabetismo funcional, que é, simplificando, quando 
a pessoa lê um trecho, entende as palavras, mas não 
consegue formar o sentido, isto é, não compreende 
o que leu.
Como dito anteriormente, letramento é uma palavra 
relativamente nova e surge em função de um contex-
to social que demanda habilidades que vão além do 
que ler e escrever já que implica em práticas sociais.
Mas como essas práticas são concretizadas em sala 
de aula?
Oportunamente, serão explorados aspectos que 
possam contribuir com a sua prática, mas aprovei-
tamos para antecipar e tratar sobre os letramentos 
literários, outro tema que não tem uma definição 
pronta e que demanda uma construção dialogal para 
compreensão.
34
Quando falamos em letramento literário, temos que 
ter cautela, pois há uma tendência a achar que, pela 
simples razão de se ler um livro de literatura, esse 
letramento já ocorre. Posto isso, é importante refletir 
que nessa questão há implicações que precisam ser 
consideradas. “Todos nós exercitamos a linguagem 
de muitos e variados modos em toda a nossa vida, 
de tal maneira que o nosso mundo é aquilo que ela 
nos permite dizer, isto é, a matéria constitutiva do 
mundo é, antes de mais nada, a linguagem que o 
expressa” (COSSON, 2009, p. 14) e ele continua: “[...] 
o dizer mundo (re)construído pela força da palavra, 
que é literatura, revela-se como uma prática funda-
mental para a constituição de um sujeito da escrita” 
(COSSON, 2009, p.15). Feitas essas citações, já po-
demos pegar o fio da meada para discutirmos.
A linguagem é exercida de muitas maneiras. Se pen-
sarmos na linguagem oral, ela é praticada nas várias 
conversas cotidianas com nossos familiares, amigos, 
colegas de trabalho, professores etc., mas não só 
com esses – o nosso diálogo se dá com pessoas que 
não conhecemos e que podem ou não fazer parte 
da nossa vida. Quando lemos uma fábula, exemplo, 
o Leão e o Ratinho; esses personagens passam a 
habitar nosso mundo, as atitudes que um tem em 
relação ao outro ajudam-nos a refletir sobre nos-
sas crenças e comportamentos, as narrativas, os 
vocábulos, as intenções comunicativas, os vários 
discursos presentes nesse texto, passam a ser a 
“matéria constitutiva do mundo” e o “dizer-mundo” é 
materializado pela literatura, pois é “[...] no exercício 
35
da leitura e da escrita dos textos literários que se 
desvela a arbitrariedade das regras impostas pe-
los discursos padronizados da sociedade letrada e 
se constrói um modo próprio de se fazer dono da 
linguagem, que, sendo minha, é também de todos” 
(COSSON, 2009, p.16).
Essas palavras nos remetem ao filme Jogada de 
Gênio: O professor Robert Kearns, em um temporal, 
observa o para-brisas do carro e inventa um tempo-
rizador do limpador. Na sequência, ele apresenta a 
ideia à empresa automobilística, que se apropria da 
invenção. O professor abre um processo contra a em-
presa e, no julgamento, um especialista diz que todos 
os componentes utilizados na invenção já existiam. 
E, no recesso do tribunal, o professor pede ao filho 
que corra à livraria em busca de um livro clássico. 
Robert começa a ler um trecho, para e pergunta ao 
advogado se ele conhecia aquela palavra, e outra, e 
assim por diante, ao que o advogado assente com a 
cabeça. Pois bem – conclui brilhantemente –, todas 
essas palavras já existem e são de acesso a todos 
os falantes, mas isso faz desse livro algo que não 
foi criado e inventado pelo autor?
E não vamos contar mais nada, porque, se você for 
assistir, perde a graça. É importante esclarecer que 
o trecho sobre o filme não é uma transcrição da fala, 
mas antes a memória e uso de paráfrase para elu-
cidar a ideia.
Então, trazendo o trecho já explicitado de Cosson, 
pela literatura construímos “um modo próprio de se 
36
fazer dono da linguagem, que sendo minha, é tam-
bém de todos”. Ao que o autor acrescenta “[...] a 
literatura é uma experiência a ser realizada. É mais 
do que um conhecimento a ser reelaborado, ela é 
a incorporação do outro em mim sem renúncia da 
minha própria identidade” (COSSON, 2009, p.17).
A literatura como experiência nos permite elaborar 
e reelaborar, porque, a partir do momento em que 
somos tocados pelo outro, incorporamos esse outro 
em nós. Ficou muito subjetivo para entender? 
Somos formados por várias vozes. Essas vozes – 
observem – não são do ‘além-túmulo’, são as vozes 
das pessoas que conhecemos e conversam conosco, 
sejam mãe, pai, irmãos, coleguinhas, professores, 
jornalistas, autores literários, sejam experiências, 
vivências, enfim, é o resultado de quem somos. Todas 
essas vozes compõem o nosso discurso. Bakhtin 
chama essas vozes de polifonia. Fique tranquilo 
quanto a esse conceito, pois conversaremos mais 
a respeito. Sem mais delongas, essas várias vozes 
são “a incorporação do outro em mim sem renúncia 
da minha própria identidade”, conforme citado acima.
Para que essas vozes, e agora voltamos às literárias, 
façam sentido, não podemos restringir a ideia de 
leitura como ato solitário; essa leitura pode e deve 
ser compartilhada em sala de aula, mas não é ler 
por ler, “na verdade, apenas ler é a face mais visível 
da resistência ao processo de letramento literário na 
escola” (COSSON, 2009, p.26).
37
Essa face visível de resistência impede que ocorra o 
letramento e, nesse momento, é importante relem-
brarmos o conceito de alfabetizar, de ler e escrever, 
de letrar e do letramento literário que, ao mesmo 
tempo em que são etapas, são também processos 
interdependentes e simultâneos, em palavras mais 
simples: uma coisa não exclui a outra e elas se su-
plementam e se completam.
O letramento literário, portanto, é a própria experi-
mentação dos vários textos em suas cores, sabores, 
texturas, expressão da linguagem, da palavra, dos 
vários e diversos saberes que ajudam o indivíduo a 
romper um padrão limitante e constituir uma nova 
história em que o letramento literário constitui e é 
por ele constituído. 
Para compreender mais sobre os aspectos que envol-
vem o letramento, siga a caixa de diálogo e embarque 
em mais um vídeo.
Saiba mais
• Nessa entrevista, Magda Soares conversa so-
bre alfabetização e letramento e esclarece que as 
crianças em processo de alfabetização se apro-
priam da leitura e da escrita em um contexto de 
letramento com base em situações sociais reais, 
medidas pelos professores.
• Ela ressalta a importância da literatura – o pra-
zer de ler, o comportamento leitor – como face-
tas do Letramento. 
38
Também estabelece uma metáfora das partes 
do ser humano com as partes do livro. Agora, 
para saber mais, acesse o vídeo Alfabetização e 
Letramento. Disponível em: https://www.youtu-
be.com/watch?v=-YP-7l6oAZM. Acesso em: 10 
jan.2019.
39
CONSIDERAÇÕES 
FINAIS
Ao longo desse tópico, pudemos perceber a confusão 
conceitual que se estabelece entre ‘leitura e escrita’, 
‘alfabetização’ e letramento, dada a complexidade e 
a interpretação dos diferentes teóricos.
De qualquer forma, podemos sintetizar leitura e es-
crita como práticas que vão além do conceito de 
alfabetização. O conceito de alfabetização não se 
limita à decodificação, todavia não abarca o conceito 
de letramento que é maior que esse, já que impregna 
e constitui nossas práticas sociais.
Nessas linhas finais, pensamos em uma maneira 
de você completar sua formação nesse assunto, 
compreendendo a importância do letramento para 
alfabetização, assim deixaremos duas sugestões: 
o filme ‘Kaspar Hause’, que trata sobre um persona-
gem real que foi encontrado quando tinha 15 anos, 
no século XIX, em Nuremberg. Ele mal sabia falar e 
andar. Como ele foi privado do convívio humano, ele 
apresenta carência cultural, o que impacta na dificul-
dade de desenvolver a linguagem e se reintegrar à 
sociedade. Nesse filme, gostaríamos que refletisse 
sobre letramento x alfabetização.
40
Figura 3: Livro Kaspar Hause ou a fabricação da realidadeNa sequência, dê um pulo na biblioteca virtual e leia o 
livro de Izidoro Blikstein, ‘Kaspar Hause ou a fabrica-
ção da realidade’, que apresentará suas concepções 
sobre o real, os estereótipos culturais e a linguagem. 
Enfim, após assistir ao filme e ler o livro, você tirará 
conclusões próprias sobre a linguagem x o contexto 
social.
Finalizamos com essa convicção: aprender a falar é 
ir além de balbuciar sons, ser alfabetizado é ir além 
de conhecer os códigos linguísticos, ler e escrever é 
ir além de decodificar e desenhar letras. Aonde você 
quer chegar? O que podemos fazer para ir além do 
que os teóricos denominam Letramento?
Esperamos você em breve para conversarmos sobre 
gêneros. Até lá, bom descanso!!! 
41
Síntese
Referências
AZENHA, Maria da Graça. Construtivismo: de Piaget 
à Emília Ferrero, 8. ed. São Paulo: Ática, 2006.
BATISTA, Antônio Augusto Gomes. O texto escolar: 
uma história. Belo Horizonte: Ceale, Autêntica, 2008. 
BLIKSTEIN Izidoro. Kaspar Hause ou a fabricação da 
realidade. 18. ed. São Paulo: Contexto, 2018. 
BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. 
Parâmetros curriculares nacionais: língua portugue-
sa. Brasília, 1997.
COSSON, Rildo. Letramento literário: teoria e prática. 
2. ed. São Paulo: Contexto, 2009.
FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler: em 
três artigos que se completam. São Paulo: Autores 
Associados: Cortez, 1989.
HALMENSCHLAGER, Sue Ellen de Lima Calvario. 
Material impresso e gêneros textuais: princípios 
e meios de comunicação para aprendizagem, São 
Paulo: Érica, 2015.
KOCH, Ingedore Villaça. As tramas do texto – 2. ed. 
São Paulo: Contexto, 2014.
KOCH, Ingedore Villaça, ELIAS, Vanda Maria. Ler e 
escrever: estratégias de produção textual. 2. ed. São 
Paulo: Contexto, 2010.
SOARES, Magda. Letramento: um tema em três gê-
neros. São Paulo: Autêntica 1999.
TIEPOLO, Elisiani Vitória. Falar, ler e escrever: práticas 
metodológicas para o ensino de língua portuguesa. 
Curitiba: Intersaberes, 2014.
TRASK. R.L. Dicionário de linguagem e linguística. 
2. ed. São Paulo: Contexto, 2006.
	_GoBack
	INTRODUÇÃO
	LETRAMENTO
	Para começo de conversa
	Leitura de mundo
	Alfabetização e Letramento: Implicações e paradoxos
	Sobre o Letramento: um tema em três gêneros
	Alfabetização – ideias introdutórias 
	Ler e escrever
	Letramento literário
	CONSIDERAÇÕES FINAIS
	Síntese
	bt_foward 15: 
	Page 1: 
	bt_foward 18: 
	bt_foward 17: 
	Page 43: 
	Page 44:

Continue navegando

Outros materiais