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Doença Ulcerosa Péptica e Helicobacter pylori

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Gastroenterologia João Vitor P. Gama – MED 103 UV 
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DOENÇA ULCEROSA PÉPTICA E HELICOBACTER PYLORI 
 
Úlcera é uma lesão circunscrita da mucosa, penetrando até a muscular da mucosa → por isso é uma lesão 
que deixa marca. Difere das erosões, que são superficiais 
Fisiopatologia 
• Desequilíbrio entre fatores protetores e agressores 
o Fatores protetores: produção de muco, bicarbonato, microcirculação sanguínea (fluxo 
sanguíneo para a mucosa), prostaglandinas (tipo 1 protegem a mucosa gástrica, tipo 2 
protegem a vascularização gástrica) 
o Fatores agressores: secreção de ácido, pepsina, AINEs (exceto inibidores da COX2), esteroides 
em altas doses, tabagismo (nicotina em excesso dificulta a cicatrização), H. pylori 
Helicobacter pylori: segunda infecção mais frequente na população, atrás apenas da cárie 
• Diretamente relacionado à patogênese da DUP 
• H. pylori produz urease (hidrolisa ureia em amônia e CO2) 
• Considerado um carcinógeno de classe 1 
• Colonização: H. pylori atravessa a barreira de muco responsável pela proteção do epitélio gástrico 
o Há a produção de lipases → degradação da camada de muco → penetração mais fácil 
o Formato em hélice espiralada → permite atravessar com facilidade a camada de muco 
o Outras enzimas agem contra as células de defesa → impossibilidade de uma resposta eficaz 
pelo hospedeiro 
• Transmissão 
o Fecal-oral 
o Oral-gástrica → contato com secreções, dispositivos intragástricos, contaminação de água e 
alimentos 
o Oral-oral → refluxo do conteúdo gástrico, placa dentária/saliva (não se sabe ainda se a boca 
é reservatório para o H. pylori) 
Epidemiologia 
• Prevalente em países em desenvolvimento (fatores de risco são superpopulação e condições 
sanitárias ruins) 
• 70-90% de adultos contaminados em países subdesenvolvidos, < 50% em países desenvolvidos 
Fisiologia da secreção gástrica 
• Alimento em contato com o epitélio → estímulo da 
secreção por 3 estímulos → ativação do sistema nervoso 
entérico 
o Estímulo tátil 
o Irritação química 
o Distensão da parede do TGI 
• SNP → SN entérico (parassimpático) → produção de ACh 
→ estímulo à secreção glandular 
• Hormônios são liberados pela mucosa do TGI na presença 
de alimentos → indução à secreção de suco gástrico 
Gastroenterologia João Vitor P. Gama – MED 103 UV 
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• Secreção gástrica 
o Glândulas oxínticas → no corpo e fundo 
▪ Células mucosas (muco), pépticas/principais (pepsinogênio), parietais/oxínticas (HCl + 
fator intrínseco) 
o Glândulas pilóricas → antro 
▪ Células G do antro (muco e gastrina) 
o Histamina → presente em praticamente todo o corpo, porém mais prevalente nas regiões de 
contato com o meio externo (pele, trato respiratório e trato gástrico). Estimula a secreção de 
ácido pela estimulação dos receptores H2 das células parietais 
o Gastrina → secretada pela mucosa do antro gástrico. Estimula as células parietais das 
glândulas oxínticas 
Fisiopatologia da úlcera duodenal 
• Colonização pelo H. pylori predomina no antro → indução de 
hipersecreção gástrica (↑gastrina e inibição da secreção de 
somatostatina pelo pâncreas) → aumento da carga ácida 
ofertada ao duodeno e inibição da somatostatina → indução de 
metaplasia gástrica no duodeno (pré-requisito para colonização 
no duodeno) 
o H. pylori é responsável por quase 100% das úlceras 
duodenais 
o Somatostatina é produzida pelo pâncreas junto com bicarbonato, para neutralizar acidez 
Fisiopatologia da úlcera gástrica 
• Colonização pelo H. pylori predomina no corpo → citotoxinas 
promovem inflamação crônica da mucosa → promoção de 
alterações metaplásicas → mucosa secretora torna-se não-secretora 
(risco de atrofia e, além da úlcera, risco de câncer) 
o H. pylori é responsável por quase 70-80% das úlceras 
gástricas, sendo a etiologia dividida com os AINEs 
o Erradicação = cicatrização das úlceras, cura. Recidiva ocorre 
apenas na falha da erradicação ou em nova infecção 
 
Gastroenterologia João Vitor P. Gama – MED 103 UV 
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Quadro clínico 
• Dor epigástrica discreta a moderada, do tipo queimação. Paciente vive com a sensação de estômago 
vazio (fome dolorosa) 
o Relação íntima com a alimentação (alimentos → CCK + secretina → bile + bicarbonato + 
enzimas pancreáticas) 
o Pode ser noturna em 2/3 dos pacientes (pH duodenal costuma ser mais baixo 2-5h após as 
refeições e entre 23 e 02h) 
• 30-40% têm história familiar de 1º grau de DUP 
• A 1ª manifestação pode ser uma complicação (hemorragia ou perfuração) 
• Complicações 
o Hemorragia digestiva alta (20%) 
o Perfuração (5-6%) 
o Obstrução piloro-duodenal/estenose (2-4%) 
 
Diagnóstico 
Testes invasivos 
• EDA com biópsia de corpo e antro para pesquisa de H. pylori (urease e/ou histopatológico) 
o Padrão-ouro (o melhor é quando se realiza EDA + biópsia + histologia + teste da urease) 
o Teste da urease 
▪ Fácil e de baixo custo 
▪ Na presença de H. pylori há a degradação da ureia em CO2 e amônia, alterando a 
coloração do meio de amarelo para rosa 
▪ Sensibilidade de 93-98% e especificidade de 89-98% 
o Histologia 
▪ Detecta H. pylori e inflamação 
▪ Sensibilidade de 80-95% e especificidade de 95-98% 
• Cultura é cara e dispendiosa, utilizada a nível de pesquisa ou quando o paciente está extremamente 
refratário ao tratamento e já foram feitos 3 esquemas medicamentosos e a úlcera não cicatrizou. 
Permite realizar antibiograma 
• PCR é caro e pouco disponível. Utiliza fragmentos de biópsias/colônias das culturas e é capaz de 
identificar mutações 
Testes não invasivos 
• Teste respiratório com ureia marcada com C13 (gestantes, crianças) ou C14 
o Paciente ingere 100 mg de ureia marcada com isótopo de carbono → a degradação pela 
urease ocasiona a liberação de CO2 marcado com C13 ou C14 
o Método seguro, sensibilidade 95% e especificidade 100% 
o Indicado apenas para controle da erradicação, nos casos de gastrite leve, úlcera duodenal não 
complicada e quando a EDA é normal mesmo na presença de H. pylori 
Gastroenterologia João Vitor P. Gama – MED 103 UV 
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• Sorologia não é utilizada para controle de tratamento (mesmo após a erradicação, IgM leva de 6 
meses a 1 ano para negativar), mas para diagnóstico inicial e em inquéritos epidemiológicos 
• Pesquisa de antígeno fecal é indicado para diagnóstico, controle de tratamento e estudos 
epidemiológicos principalmente em crianças 
Orientações gerais → dieta equilibrada e saudável (café, alimentos gordurosos, condimentos, frutas cítricas, 
chocolate, álcool, refrigerante etc. desencadeiam sintomas), evitar tabagismo, AINEs e corticoides em altas 
doses 
Tratamento clínico 
• Objetivo de alívio da dor, acelerar a cicatrização das lesões e prevenir recorrências e complicações 
o Elevação do pH gástrico 
o Reforçar a barreira mucosa 
o Afastamento dos fatores precipitantes 
o Eliminação do H. pylori 
• Antiácidos → usados como SOS, analgésicos, coadjuvantes 
o Hidróxidos de magnésio/alumínio, trissilicato de magnésio, carbonato de cálcio estão 
obsoletos 
o Alginato é melhor → 120 mEq (10 mL) 4x/dia, 1h após refeições e ao se deitar 
o Tem como efeitos colaterais alterações intestinais 
• Sucralfato → coadjuvante; tem ação direta sobre a lesão (citoproteção), protege do refluxo 
biliar/misto. Constipação é efeito colateral 
 
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• Subcitrato de bismuto → coadjuvante; tem ação antimicrobiana. Tem como efeito colateral o 
escurecimento das fezes/dentes/língua, mesmo que exerça a função de tamponamento dalesão 
contra a hiperacidez. 
• Bloqueadores H2 da célula parietal são o tratamento definitivo, junto com IBP 
o Cimetidina 800 mg/dia, Famotidina 300 mg/dia, Nizatidina 300 mg/dia → por 4-8 semanas 
o As doses podem ser bipartidas ou em administração única noturna VO. Cuidado com 
taquifilaxia 
• IBP 
o Omeprazol 20 mg/dia, Rabeprazol 20 mg/dia, Lansoprazol 30 mg/dia, Pantoprazol 40 mg/dia, 
Esomeprazol Mg 40 mg/dia, Dexlansoprazol 30-60 mg/dia → por 4 semanas na úlcera 
duodenal e por 8 semanas na úlcera gástrica 
o Dose única diária antecedendo o desjejum VO. Dexlansoprazol é o único que não precisa ser 
tomado em jejum. 
o Não provocam taquifilaxia 
• 1ª opção → amoxacilina 1g + claritromicina 500 mg + IBP → todos 2x por dia, por 14 dias 
• 2ª opção (quando houver resistência a claritromicina) 
o Esquema quádruplo (mais usado) → IBP + bismuto + tetraciclina + metronidazol → por 14 dias 
o IBP 2x/dia + amoxacilina 1g 2x/dia + levofloxacino 500 mg 1x/dia → 10-14 dias (continua 
sendo indicado para retratamento) 
• Controle de tratamento: controle da erradicação, reinfecção e retratamento 
o Úlcera gástrica → EDA de controle + histopatológico → confirmar benignidade da lesão e 
avaliar situação do H. pylori 
o Linfoma de MALT de baixo grau 
o Úlcera duodenal complicada 
o Controle de erradicação → após pelo menos 4 semanas do fim do tratamento 
▪ Teste respiratório para gastrite e úlcera duodenal não complicada 
▪ EDA com urease e histologia para UG, UD complicada e linfoma de MALT 
o Falhas de tratamento → falhas na adesão e resistência aos antibióticos (metronidazol 66% e 
claritromicina 33%) 
o Retratamento → por 10-14 dias, com levofloxacino 
▪ Não utilizar as mesmas drogas 
▪ Pode-se usar esquema com 4 drogas 
o Recidiva e reinfecção 
▪ Em países desenvolvidos, a não erradicação é maior que a reinfecção 
▪ No Brasil a reinfecção é comum 
Tratamento cirúrgico 
• Indicação 1 → intratabilidade clínica 
o Úlceras que não cicatrizam após 12 semanas com IBP em dose dupla, apesar da erradicação 
do H. pylori 
o Úlceras que não cicatrizam por não erradicação do H. pylori (pelo menos após 3 tentativas 
com esquemas padronizados) 
o Gastrectomia subtotal com vagotomia seletiva 
• Indicação 2 → hemorragia 
o 80% têm resolução espontânea, 90-95% tem sucesso terapêutico endoscópico (associado a 
outras medidas, como IBP IV) 
Gastroenterologia João Vitor P. Gama – MED 103 UV 
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o Tratamento cirúrgico reservado para casos não resolvidos clínica e/ou endoscopicamente e 
para ressangramentos graves/repetidos (1-2% dos casos) 
o Artérias gastroduodenal (grande curvatura) e agástrica esquerda (pequena curvatura) são as 
que mais sangram 
• Indicação 3 → perfuração 
o Em cavidade livre ou tamponada por vísceras adjacentes ocas (fístulas) ou parenquimatosas 
o 60% estão no duodeno 
o Ocorrem em 5-10% dos pacientes, maior proporção entre tabagistas 
• Indicação 4 → estenose 
o Cerca de 35% dos casos complicados 
o Justapilórica ou mesobulbar (quando não se consegue resolução endoscópica). 
o Nos casos de lesão benigna refratária ao tratamento clínico, pois quando há lesão maligna 
associada, a indicação inicial é cirúrgica 
Causa rara → Síndrome de Zollinger-Ellison 
• Uma ou mais úlceras pépticas refratárias ao tratamento convencional + hipersecreção acentuada de 
ácido pelo estômago + presença de gastrinoma 
• Gastrinoma → tumor pancreático de células não pertencentes à linhagem beta das ilhotas de 
Langehans 
o 1/3 no pâncreas e 2/3 extra pancreáticos (parede duodenal) 
• Podem ser tumores esporádicos ou geneticamente transmitidos. Ocorrem em 1:1000 casos de úlcera 
péptica associada a H. pylori. 30-50 anos, sexo masculino 
• Ressecção cirúrgica do gastrinoma antes das metástases → cura 
• Gastrina > 1500 pg/mL sugere metástases hepáticas 
o O normal varia de 50 a 60 pg/mL, podendo chegar ao nível superior de normalidade de 100-
150 pg/mL 
o IBP em doses altas (40-120 mg/dia) 
 
Consenso de Maastrich V 2017 sobre infecção por H. pylori/Florença 
• Todos os pacientes H. pylori positivos devem ser tratados (mesmo os assintomáticos) 
• A erradicação do H. pylori reduz, mas não elimina o risco de sangramento em pacientes que usam 
AINEs ou AAS em baixa dose. Após sangramento, coterapia com IBP ainda é necessária para reduzir 
risco de ressangramento 
• Teste respiratório com ureia marcada com C13 ou C14 é válido e confiável para avaliar a erradicação 
pós-tratamento 
• A erradicação de H. pylori cura a gastrite/DUP 
• Resistência ao metronidazol e à claritromicina requerem orientação local/regional 
• Terapia tripla é recomendada como tratamento empírico de 1ª linha em locais de baixa resistência à 
claritromicina, sendo a terapia quádrupla (contendo bismuto) uma alternativa

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