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Aula 4: 27 de março 4-1 Curso: Relatividade 01/2019 Aula 4: 27 de março Profa. Raissa F. P. Mendes 4.14 Observadores acelerados Às vezes ouvimos falar que a Relatividade Especial não acomoda objetos acelerados ou referenciais acelerados. Mas isso não é verdade! A Relatividade Especial de fato trata referenciais inerciais de um modo diferente de referenciais não inerciais, mas, assim como a mecânica Newtoniana, dá uma descrição completamente auto-consistente da mecânica de corpos acelerados. Aqui, vamos tratar de alguns aspectos da cinemática de corpos acelerados, deixando os detalhes da dinâmica para um momento mais à frente. 4.14.1 Sincronização de relógios em “referenciais acelerados” Antes de falarmos em aceleração, vale a pena examinarmos mais a fundo a noção de referenciais inerciais. Uma forma alternativa, mais geométrica, de definirmos o que são referenciais inerciais é exigirmos as três propriedades seguintes: (a) Os relógios que compõem o referencial estão sincronizados e batem na mesma taxa (ou seja, uma vez sincronizados, permanecem sincronizados). (b) A distância entre dois relógios R1 (com coordenadas x1, y1 e z1) e R2 (com coordenadas x2, y2 e z2) é independente do tempo. (c) A geometria do espaço para qualquer instante de tempo fixo é Euclideana. Qual(is) dessas propriedades deixam de valer quando temos aceleração?! Vamos considerar um exemplo. Dois observadores inerciais, a uma distância L um do outro, aceleram instantaneamente até a mesma velocidade v, como mostra a figura abaixo. A pergunta é: por que não podemos usar uma coleção de observadores desse tipo para compor um referencial inercial? Como a figura mostra, a dificuldade está no fato de que a aceleração faz com que a sincronização dos relógios seja perdida. De fato, imediatamente antes de t = 4, os relógios de A e B estão sincronizados: A considera que o evento ao longo de sua linha de mundo que ocorreu em t = 4 é simultâneo ao evento na linha de mundo de B que ocorreu quando o relógio dele marcava t = 4. No entanto, A considera o instante imediatamente após t = 4 como simultâneo a um evento com t ≈ 5.4 na linha de mundo de B. A propriedade (a) deixa de valer. (As propriedades (b) e (c) também podem ser modificadas.) Aula 4: 27 de março 4-2 0 1 2 3 4 5 6 7 8 0 1 2 3 4 5 6 7 8 A B L' L 4.14.2 O paradoxo dos gêmeos Situação: Os gêmeos Alice e Bernardo sincronizam seus relógios no seu aniversário de 20 anos, quando Alice acelera instantaneamente, adquirindo uma velocidade uniforme de v = √ 3c/2 (de modo que γ ≡ 1/ √ 1− v2/c2 = 2), se distanciando de Bernardo em linha reta. Eventualmente, ela inverte o sentido do movimento e retorna a Bernardo com uma velocidade de mesmo módulo, desacelerando instantaneamente até o repouso quando chega até ele. Bernardo envelheceu 40 anos (possui agora 60). Quantos anos Alice envelheceu? Resp.: 40/γ = 20 anos! Na formulação do “paradoxo”, perguntamos por que a situação não é simétrica: Bernardo não deveria ver Alice mais nova que ele?! De fato, como vimos anteriormente, a situação é simétrica até o momento em que Alice reverte o sentido do movimento. Até lá, tanto ela quanto Bernardo dizem que o tempo passa mais devagar para o outro, estando a raiz da diferença nas noções distintas que ambos têm de eventos simultâneos [rever discussão sobre a dilatação temporal! ]. De fato, logo antes de reverter o sentido do movimento, Alice atribui a Bernardo uma idade 25 anos, ao passo que ela própria já tem 30. O problema surge no momento da inversão do sentido de movimento: Alice passa de um referencial inercial para outro e, com isso, sua noção de simultaneidade muda instantaneamente! Logo antes de ela inverter o sentido do movimento, ela atribúıa a Bernardo a idade de 25 anos. Logo depois de inverter o sentido do movimento, ela atribui a ele a idade de 55 anos! 30 anos se passaram instantaneamente e não foram cobertos pelo sistema de coordenadas de Alice. Embora a resolução do paradoxo dos gêmeos não dependa de nenhuma informação numérica sobre a aceleração, a aceleração é fundamental conceitualmente, uma vez que as superf́ıcies de simultanei- Aula 4: 27 de março 4-3 dade de um observador deixam de ser paralelas quando ele acelera. Com isso, é posśıvel que regiões inteiras do espaço-tempo não sejam cobertas pelo sistema de coordenadas usado pelo observador acelerado, ao passo que em outras regiões o mapeamento dos eventos pode ser redundante. Figura 4.2: Imediatamente antes de inverter o sentido do movimento, Alice entende que B é o evento na linha de mundo de Bernardo simultâneo à sua posição atual. Imediatamente depois, ela entende que D é o evento simultâneo à sua posição. O sistema de coordenadas de Alice não cobre 30 anos da vida de Bernardo! 4.15 Tempo próprio A discussão anterior motiva algumas definições importantes para o caso de um movimento ace- lerado arbitrário. Dada a linha de mundo de uma part́ıcula acelerada, definimos o referencial inercial momentaneamente comóvel, num ponto P , como aquele determinado por um obser- vador inercial que em P possui a mesma velocidade da part́ıcula. Dizemos que as superf́ıcies de simultaneidade para uma part́ıcula acelerada coincidem, em cada ponto da trajetória, com as su- perf́ıcies de simultaneidade de um observador inercial momentaneamente comóvel com a part́ıcula naquele ponto. Na figura abaixo mostramos as superf́ıcies de simultaneidade para um observador acelerado. Outra noção muito importante é a do tempo próprio medido por um observador que segue uma linha de mundo arbitrária. O tempo próprio entre dois eventos A e B é o tempo medido por um Aula 4: 27 de março 4-4 0 1 2 3 4 5 6 7 8 Figura 4.3: Linha de mundo de uma part́ıcula acelerada, com marcações nas unidades de tempo próprio. Em verde, mostramos também as superf́ıcies de simultaneidade em cada ponto e, para os eventos com tempo próprio 1 e 4, as linhas de mundo dos observadores inerciais momentaneamente comóveis com a part́ıcula nesses pontos. relógio que de fato passa pelos dois eventos. É uma quantidade que depende não só de informações sobre A e B, mas também de informações sobre a trajetória seguida pelo relógio entre A e B (já vimos, na discussão do paradoxo dos gêmeos, que o tempo entre dois eventos depende da trajetória do observador!). Considere inicialmente o tempo próprio ∆τAB medido por um observador inercial entre dois eventos A e B em sua linha de mundo. No referencial desse observador, o tempo próprio é simplesmente a diferença das coordenadas temporais dos dois eventos: ∆τAB = ∆tAB. Mas, nesse referencial ∆t2AB = −∆s2AB/c2. O tempo próprio é ∆τAB = √ −∆s2AB/c, uma expressão invariante que pode ser usada por qualquer observador para calcular esse observável. Agora, uma linha de mundo arbitrária pode ser aproximada por uma sucessão de movimentos com velocidade constante. Entre dois pontos próximos o tempo próprio é dτ = √ −ds2/c. O tempo próprio ao longo da linha de mundo é então obtido por integração: τAB = ∫ B A dτ = 1 c ∫ B A √ −ds2 = 1 c ∫ B A [c2dt2 − dx2 − dy2 − dz2]1/2 = ∫ B A dt[1− ~V 2/c2]1/2. (4.8) O paradoxo dos gêmeos ilustra uma propriedade importante da geometria não-Euclideana do espaço-tempo da Relatividade Restrita. Como a expressão τAB = ∫ B A √ 1− v2/c2 mostra, toda linha de mundo tipo tempo que Alice seguisse entre A e B teria um tempo próprio menor do que a reta seguida por Bernardo. Uma reta é a “maior distância” entre dois pontos separados por um intervalo tipo tempo! Para ver isso, escolha quaisquer dois pontos separados por um intervalo tipo tempo. A linha reta entre eles é uma linha de mundo caracterizada por uma velocidade ~V . No referencial inercial desse observador, os eventos acontecem no mesmo local. Esse é o referencial inercial do Bernardo no exemplo acima. Portanto, qualquerobservador, como a Alice, que se move em um caminho não reto entre os eventos mede um tempo próprio menor entre eles. 4.15.1 Paradoxo dos foguetes de Bell Considere dois foguetes conectados por uma corda, sendo que ambos possuem a mesma aceleração no referencial inercial do “laboratório”, com um foguete à frente e o outro atrás (embora ainda não tenhamos definido precisamente “aceleração”, as sutilezas da definição não serão importantes aqui). Os foguetes partem do repouso. Como a aceleração de ambos é igual, suas velocidades são as mesmas em qualquer instante e então a distância delas no referencial do laboratório permanece a mesma. Por outro lado, a distância entre eles (a corda) não deveria contrair quando o sistema alcançasse uma velocidade alta? Então a separação fica constante ou muda? A corda arrebenta ou permanece intacta? Para mais detalhes: http://math.ucr.edu/home/baez/physics/Relativity/SR/BellSpaceships/ spaceship_puzzle.html Para casa: Ler, como preparação para a próxima aula, o ińıcio do caṕıtulo 2 do Schutz. Para aprofundar: Muito mais sobre observadores acelerados no caṕıtulo 6 do Gravitation! 4-5 http://math.ucr.edu/home/baez/physics/Relativity/SR/BellSpaceships/spaceship_puzzle.html http://math.ucr.edu/home/baez/physics/Relativity/SR/BellSpaceships/spaceship_puzzle.html Observadores acelerados Sincronização de relógios em ``referenciais acelerados'' O paradoxo dos gêmeos Tempo próprio Paradoxo dos foguetes de Bell
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