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Aula 3: 8 de maio 3-1 Curso: Relatividade 01/2019 Aula 3: 8 de maio Profa. Raissa F. P. Mendes 3.6 Derivada covariante O objetivo dessa aula é discutir a noção de derivada de tensores em coordenadas arbitrárias e em espaços-tempos arbitrários. Derivar implica comparar objetos em pontos próximos (no limite em que os pontos se aproximam). No entanto, vimos que a definição de tensores em espaços curvos é local: apenas num ponto é leǵıtimo operar (adicionar, subtrair, multiplicar por escalar, tomar o produto interno) com tensores. Qual é o procedimento para se derivar um campo vetorial no espaço plano? Consiste em carregar o vetor que caracteriza o campo num ponto x+ � até o ponto x e, ali, realizar a subtração e o limite que entram na definição da derivada. Esse procedimento de transporte paralelo é trivial em espaços planos com coordenadas cartesianas: basta definir, no ponto x, o vetor que tem as componentes (Vx(x + �), Vy(x + �)). No entanto, esse procedimento deixa de valer mesmo em coordenadas curviĺıneas! De fato, da discussão da aula passada sobre coordenadas polares, é fácil se convencer de que o vetor ~V →pol (0, 1), por exemplo, muda ponto a ponto. Transportar paralelamente não significa apenas definir um vetor com as mesmas coordenadas em outro ponto. Um outro aspecto que teremos a oportunidade de discutir mais à frente é o fato de que, ao contrário do que ocorre em espaços planos, em que o procedimento de transporte paralelo não depende do caminho por onde é feito, havendo uma noção global de paralelismo, em espaços curvos a noção de transporte paralelo dependerá do caminho. Portanto, não poderemos dizer que “um vetor A é paralelo a B”, mas precisaremos adicionar “quando propagado ao longo da curva C”. Aula 3: 8 de maio 3-2 A investigação dos pontos acima nos levará a uma nova definição de derivada e abrirá caminho para discutirmos, na próxima aula, a noção de geodésicas, as linhas de mundo de part́ıculas livres. 3.6.1 Conexão Considere um campo vetorial ~V , que pode ser escrito como ~V = V µ~eµ, onde V µ são funções da posição e, em geral, os vetores de base ~eµ também podem mudar ponto a ponto. Suponha que queremos calcular a taxa de variação do vetor ao longo de uma curva parametrizada por um parâmetro λ. Temos: d~V dλ = lim ∆λ→0 ~V (λ+ ∆λ)− ~V (λ) ∆λ = lim ∆λ→0 V µ(λ+ ∆λ)~eµ(λ+ ∆λ)− V µ(λ)~eµ(λ) ∆λ . Se a base de vetores é a mesma em todos os pontos, ~eµ(λ+ ∆λ) = ~eµ(λ), como ocorre em coorde- nadas cartesianas, segue que d~V dλ = ( dV µ dλ ) ~eµ. No entanto, isso não vale em geral! Vamos ver um exemplo. 3.6.1.1 Derivadas em coordenadas polares Imagine um campo vetorial ~V , decomposto em coordenadas cartesianas como ~V = V a~ea, onde a toma valores 1 e 2, com x1 = x, x2 = y, ou em coordenadas polares, ~V = V a ′ ~ea′ , onde x 1′ = r e x2 ′ = θ. Queremos calcular a derivada desse campo vetorial ao longo de uma curva parametrizada por λ, com vetor tangente ~U (tal que Ua = dxa/dλ). Temos, em coordenadas cartesianas: d~V dλ = d(V a~ea) dλ = dV a dλ ~ea = U β(∂βV a)~ea E em coordenadas polares? A grande diferença está no fato de que os vetores de base em coorde- nadas polares podem mudar ao longo da curva! Temos: d~V dλ = d(V a ′ ~ea′) dλ = dV a ′ dλ ~ea′ + V a′ d~ea′ dλ = U b ′ [ (∂b′V a′)~ea′ + V a′∂b′~ea′ ] Agora, a derivada do vetor de base deve ser, ela mesma, um vetor, e este deve poder ser expandido em termos dos próprios vetores de base! Ou seja, podemos definir campos Γc ′ a′b′ tais que ∂b′~ea′ = Γ c′ a′b′~ec′ . Em Γcab, o ı́ndice a dá o vetor de base que está sendo derivado, b diz a coordenada em relação à qual estamos derivando e c denota a componente do vetor derivada resultante. Vamos calcular esses coeficientes explicitamente no caso de coordenadas polares. Sabemos que ~er = cos θ~ex + sin θ~ey e Aula 3: 8 de maio 3-3 ~eθ = −r sin θ~ex + r cos θ~ey. Portanto: ∂~er/∂r = 0 → Γcrr = 0 ∂~er/∂θ = − sin θ~ex + cos θ~ey = (1/r)~eθ → Γrrθ = 0, Γθrθ = 1/r, ∂~eθ/∂r = − sin θ~ex + cos θ~ey = (1/r)~eθ → Γrθr = 0, Γθθr = 1/r, ∂~eθ/∂θ = −r cos θ~ex − r sin θ~ey = −r~er → Γrθθ = −r, Γθθθ = 0. Com isso, podemos escrever: d~V dλ = U b ′ (∂b′V a′~ea′ + Γ c′ a′b′V a′~ec′) = U b′(∂b′V a′ + Γa ′ c′b′V c′)~ea′ = U b′∇b′V a ′ ~ea′ Na última igualdade, definimos o objeto ∇bV a = ∂bV a+ΓacbV c. Veremos mais à frente que essas são componentes de um tensor do tipo ( 11 ), a derivada covariante ∇~V . Em coordenadas cartesianas, ∇bV a = ∂bV a, mas num sistema de coordenadas curviĺıneo, haverá termos adicionais que vêm do fato de os vetores de base não serem constantes em todo o espaço. Antes de prosseguirmos, vamos ver como esse formalismo nos permite calcular fórmulas conhecidas para o gradiente de um vetor e o laplaciano de uma função. Em coordenadas cartesianas, o divergente de um vetor é simplesmente ∂aV a. Em um sistema de coordenadas qualquer, o divergente será o resultado da contração ∇a′V a ′ . Em coordenadas polares, temos, portanto, ∇a′V a ′ = ∂a′V a′ + Γa ′ c′a′V c′ = ∂rV r + ∂θV θ + (1/r)V r, que é a fórmula conhecida. Da mesma forma, podemos calcular o laplaciano de uma função, que nada mais é que o divergente do (vetor) gradiente da função. Vimos que o vetor gradiente tem componentes ~dφ→pol (∂rφ, ∂θφ/r2). Portanto, o Laplaciano é dado por ∇2φ = 1 r ∂ ∂r ( r ∂φ ∂r ) + 1 r2 ∂2φ ∂θ2 . 3.6.1.2 Caso geral Voltemos ao espaço-tempo! Vamos imaginar que um sistema de coordenadas {xµ} cobre a nossa variedade, de modo que, em cada ponto, podemos definir vetores de base da forma discutida na aula passada. A derivada de um vetor ao longo de uma curva (parametrizada por λ, com vetor tangente ~U) pode ser escrita como d~V dλ = Uν(∇νV µ)~eµ = Uν(∂νV µ + ΓµγνV γ)~eµ Novamente, introduzimos os Γ’s, que vamos chamar de coeficientes conexão, por meio de ∂ν~eµ = Γγαβ~eγ . De forma equivalente, esses coeficientes de conexão representam as componentes do tensor ∇~eβ, ou seja, ∇α(~eβ)γ = ∂α(~eβ)γ + Γγαρ(~eβ)ρ = Γγαβ. A prinćıpio, a conexão é uma estrutura a mais na nossa variedade. No entanto, na Relatividade Geral, veremos que ela é inteiramente descrita pela métrica. Antes de mostrarmos isso, vamos responder duas perguntas: (i) Como a conexão e a derivada covariante se transformam sob uma mudança de coordenadas? (ii) qual é a derivada covariante de um tensor arbitrário? Aula 3: 8 de maio 3-4 3.6.1.3 Lei de transformação da conexão Como vimos, os coeficientes Γγαβ são componentes do tensor ∇~eβ. Aqui, β está fixo e γ e α são os ı́ndices das componentes. Mudar β muda o tensor, ao passo que mudar γ e α apenas muda as componentes do tensor em questão. Agora, essa interpretação da conexão não é tão útil porque, quando mudamos as coordenadas, as quantidades importantes nesse novo sistema são ∇~eβ′ , que são obtidas a partir de ∇~eβ de um jeito complicado: Γγ ′ α′β′ = ∇α′(~eβ′) γ′ = Λαα′Λ γ′ γ∇α(~eβ′)γ = Λαα′Λγ ′ γ∇α(Λ β β′~eβ) γ = Λαα′Λ γ′ γΛ β β′Γ γ αβ+Λ α α′Λ γ′ γ∂αΛ γ β′ . Portanto, embora Γγαβ, com β fixo, possam ser vistos como componentes de um tensor ( 1 1 ), eles não podem ser vistos, com β variando, como componentes de um tensor ( 12 ). Note, porém, que a derivada covariante de um vetor é sim um tensor do tipo ( 11 ) e, em geral, a derivada covariante de um tensor do tipo (MN ) é um tensor do tipo ( M N+1 ). Vamos mostrar isso para o caso de vetores: ∇µ′V ν ′ =∂µ′V ν′ + Γν ′ µ′λ′V λ′ = ( Λµµ′Λ ν′ ν∂µV ν + Λµµ′V ν∂µΛ ν′ ν ) + Λλ ′ λ ( Λν ′ νΛ µ µ′Λ ρ λ′Γ ν µρ + Λ ν′ νΛ µ µ′∂µΛ ν λ′ ) V λ =Λµµ′Λ ν′ ν(∂µV ν + ΓνµλV λ) + Λµµ′V ν∂µΛ ν′ ν − V λΛν ′ νΛ ν λ′Λ µ µ′∂µΛ λ′ λ =Λµµ′Λ ν′ ν(∂µV ν + ΓνµλV λ) = Λµµ′Λ ν′ ν∇µV ν . Essa é a lei de transformação esperada. Note que, da segunda para a terceira linha, usamos o fato de que Λλ ′ λ∂µΛ ν λ′ = Λ ν λ′∂µΛ λ′ λ, o que segue se derivamos a expressão Λ λ′ λΛ ν λ′ = δ ν λ. 3.6.1.4 Derivada covariantede tensores arbitrários Qual é a derivada covariante de uma função escalar? A derivada covariante difere da derivada parcial por causa da mudança nos vetores de base. Mas um escalar não depende de vetores de base: temos, simplesmente, ∇αf = ∂αf e ∇f = d̃f . E para uma 1-forma? Dado um campo de 1-formas p̃ e um campo vetorial ~V , podemos construir a função escalar φ = p̃(~V ) = pαV α. Derivando, obtemos: ∂βφ = V α∂βpα + pα∂βV α = V α∂βpα + pα∇βV α − pαV µΓαµβ. Por outro lado, isso deve ser igual a ∇βφ = (∇βpα)V α + (∇βV α)pα. Temos, portanto, que ∇βpα = ∂βpα − Γµαβpµ. Esse mesmo procedimento pode ser generalizado para obtermos a derivada de um tensor de qualquer tipo. Por exemplo, temos: ∇βTµν = ∂βTµν + TανΓ µ αβ − T µ αΓ α νβ . Aula 3: 8 de maio 3-5 3.6.2 Relação dos coeficientes de conexão com a métrica O véıculo que nos leva da mecânica clássica à mecânica quântica é o prinćıpio da correspondência. De forma semelhante, o véıculo entre um espaço-tempo plano e um espaço-tempo curvo é o prinćıpio da equivalência: as leis da f́ısica são as mesmas num referencial local de Lorentz num espaço- tempo curvo e num referencial global de Lorentz no espaço-tempo plano. A ideia é, portanto, carregar a noção de transporte paralelo do espaço-tempo de Minkowski a um referencial local de Lorentz (RLL). Num RLL constrúıdo ao redor de um ponto P , os vetores de base não mudam de ponto a ponto (usando a noção usual de transporte paralelo para compará-los). Portanto, num RLL, temos que ∇~eβ̂ = 0 em P , ou seja, Γ γ̂ α̂β̂ (P ) = 0, com os chapéus indicando esse sistema de coordenadas espećıfico. Temos, portanto, que a conexão se anula em P no referencial local de Lorentz constrúıdo nas vizinhanças desse ponto. Portanto, nesse referencial, derivadas covariantes se reduzem a derivadas parciais. Vamos mostrar duas consequências importantes disso: • Temos, para o tensor métrico: ∇γ̂gα̂β̂ = ∂γ̂gα̂β̂ = 0, pois, como vimos na aula passada, o RLL é definido como aquele em que a métrica num ponto se reduz a diag(−1, 1, 1, 1) e as derivadas primeiras da métrica no ponto se anulam. Agora, essa expressão reflete uma expressão tensorial (∇g = 0) que, se é válida num sistema de referência (no caso, um referencial local de Lorentz), precisa ser válida em qualquer outro8! Temos: ∇γgαβ = 0 em qualque base! (3.2) Essa condição às vezes é chamada de condição de compatibilidade da conexão com a métrica. • Considere uma função φ arbitrária. Sua primeira derivada ∇φ é uma 1-forma com compo- nentes ∂αφ. Sua segunda derivada é um tensor do tipo ( 02 ), com componentes ∇α∂βφ. Agora, num referencial local de Lorentz, temos que isso se reduz a ∇α̂∇β̂φ = ∂α̂∂β̂φ = ∂β̂∂α̂φ = ∇β̂∇α̂φ Novamente, a equação ∇α̂∇β̂φ = ∇β̂∇α̂φ é uma equação tensorial e, se é válida num sistema de referência, precisa ser válida em qualquer outro. É fácil mostrar que essa condição implica que Γγαβ = Γ γ βα. Essa condição às vezes é chamada de condição de torção nula. Dada uma conexão, definimos a torção justamente como a parte antissimétrica da conexão: T γαβ = Γ γ αβ − Γ γ βα, que é nula em Relatividade Geral. A condição de compatibilidade entre a conexão e a métrica e a condição de torção nula são suficientes para nos permitir escrever a conexão em termos da métrica. Para isso, escrevemos a condição de 8A afirmação geral é: se uma equação é formada usando componentes de tensores combinados por operações tensoriais válidas, e se ela vale em uma certa base, então ela vale em qualquer outra. É importante se convencer disso! compatibilidade para três permutações de ı́ndices: ∇ρgµν = ∂ρgµν − Γλρµgλν − Γλρνgµλ ∇µgνρ = ∂µgνρ − Γλµνgλρ − Γλµρgνλ ∇νgρµ = ∂νgρµ − Γλνρgλµ − Γλνµgρλ Subtraindo a segunda e a terceira linhas da primeira, e usando a simetria da conexão, obtemos ∂ρgµν − ∂µgνρ − ∂νgρµ + 2Γγµνgγρ = 0. Resolvendo para a conexão, obtemos: Γσµν = 1 2 gσρ(∂µgνρ + ∂νgρµ − ∂ρgµν) (3.3) Essa conexão é também chamada conexão de Levi-Civita, e seus coeficientes são também chamados de śımbolos de Christoffel. É fácil voltar ao nosso exemplo do plano em coordenadas polares e confirmar que a expressão acima, calculada para a métrica diag(1, r2), nos dá os coeficientes de conexão que calculamos anteriormente! Para ler/fazer: Ler o caṕıtulo 5 do Schutz (exceto 5.5). Fazer exerćıcios 1 e 2 da Lista 5. 3-6 Derivada covariante Conexão Derivadas em coordenadas polares Caso geral Lei de transformação da conexão Derivada covariante de tensores arbitrários Relação dos coeficientes de conexão com a métrica
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