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Aula 4: 13 de maio 4-1 Curso: Relatividade 01/2019 Aula 4: 13 de maio Profa. Raissa F. P. Mendes 4.7 Geodésicas Pode-se dizer que as curvas mais importantes no espaço Euclideano são retas! De fato, boa parte da geometria Euclideana se baseia nesse conceito. Da mesma forma, em Relatividade Restrita, as trajetórias de observadores inerciais e de raios de luz são retas no espaço-tempo. Em Relatividade Geral, o conceito de geodésica, que é a generalização natural do conceito de “reta” para um espaço- tempo arbitrário, será de fundamental importância. De fato, veremos que part́ıculas “livres”, ou seja, part́ıculas-teste9 que estão sujeitas apenas à ação da gravidade (e livres de qualquer outra força) seguem geodésicas no espaço-tempo. O mesmo valerá para raios de luz. Nas próximas seções, discutiremos geodésicas a partir de três pontos de vista: (i) a partir da noção de transporte paralelo; (ii) a partir do prinćıpio variacional; (iii) a partir da descrição do movimento num referencial localmente inercial. Uma grande parte da informação experimental e teórica sobre o espaço-tempo em que vivemos é obtida por meio da análise do movimento de part́ıculas teste e raios de luz que se movem através dele. Por isso, o conceito de geodésicas será fundamental mais adiante e é fundamental compreendê- lo bem! Exemplos: precessão do periélio de Mercúrio, lentes gravitacionais, estudo do movimento orbital ao redor de Sag A*, propagação da radiação cósmica de fundo, etc. 4.7.1 Geodésicas a partir de transporte paralelo Vamos lembrar o que vimos na aula passada sobre o transporte paralelo de um vetor ~V ao longo de uma curva. Um vetor é transportado paralelamente se ele não muda à medida que é transportado ao longo de uma curva (ou seja, o vetor transportado é paralelo ao original e tem o mesmo comprimento dele). Isso pode ser escrito como d~V /dλ = 0. Levando em conta que d~V dλ = d(V ν~eν) dλ = dxµ dλ (∂µV ν~eν + V ν∂µ~eν) = dxµ dλ (∂µV ν + ΓναµV α)~eν = ( dxµ dλ ∇µV ν ) ~eν , podemos concluir: 9Uma part́ıcula “teste” é um corpo que não deforma apreciavelmente o espaço-tempo, mas se move em resposta à deformação produzida, como veremos, por objetos mais massivos. Aula 4: 13 de maio 4-2 Transporte paralelo: Um vetor ~V é transportado paralelamente ao longo de uma curva com vetor tangente Uµ = dxµ/dλ se suas componentes satisfazem: Uµ∇µV ν = 0 (4.4) Retas/geodésicas: Como descrever uma reta, ou de forma mais geral, uma geodésica? Geral- mente pensamos numa reta como a curva que minimiza a distância entre dois pontos, e retomaremos essa definição mais à frente. Mas há uma descrição alternativa. Numa reta, a tangente à curva num ponto é paralela à tangente à curva num ponto anterior. Uma reta no espaço Euclideano é a única curva que transporta paralelamente o seu próprio vetor tangente! Figura 4.3: A reta é a única curva que transporta paralelamente seu próprio vetor tangente. Vamos usar esse mesmo critério para definir geodésicas (a generalização de retas) em um espaço curvo: Geodésicas (def. 1): Geodésicas são curvas que transportam paralelamente seu próprio vetor tangente ~U , ou seja, seu vetor tangente obedece: Uν∇νUα = 0 −→ dUα dλ + ΓαµνU µUν = 0 −→ d 2xα dλ2 + Γαµν dxµ dλ dxν dλ = 0. (4.5) onde, novamente, Uµ = dxµ/dλ é o vetor tangente à curva. Note que, num referencial localmente inercial, essas curvas são de fato retas, já que os śımbolos de Christofell se anulam: d2xα̂/dλ2 = 0 tem solução xα̂ = aα̂λ+ bα̂, a equação da reta em coordenadas retangulares. Reparametrização: O que acontece quando mudamos o parâmetro λ que parametriza a curva? Em um certo sentido, quando mudamos a parametrização, mudamos a curva, já que nossa definição de curva não é simplesmente uma série de pontos conectados na variedade (o “caminho”), mas uma função dos reais na variedade, que depende da parametrização: {xµ = xµ(λ), a ≤ λ ≤ b}. Isso é importante porque, quando mudamos a parametrização para σ = σ(λ), mudamos o vetor tangente à curva para dxµ/dσ = (dλ/dσ)dxµ/dλ. A figura abaixo mostra um exemplo. Pela definição de Aula 4: 13 de maio 4-3 geodésica que estamos usando nesta seção, apenas a curva de cima na figura abaixo seria considerada uma geodésica, pois seu vetor tangente é transportado paralelamente ao longo da curva, ao passo que o vetor tangente na curva de baixo muda de magnitude. Dizemos que o parâmetro da primeira curva é um parâmetro afim, ao passo que o parâmetro ao longo da segunda curva não é afim. Dado um parâmetro afim λ, todo novo parâmetro σ = aλ + b também será um parâmetro afim (mostre isso: se λ → aλ+ b, a Eq. (4.5) permanece válida!). Para um σ qualquer, a equação da geodésica não será (4.5), mas d2xα dσ2 + Γαµν dxµ dσ dxν dσ = f(σ) dxα dσ , com f(σ) = −(d2σ/dλ2)(dσ/dλ)−2. Dada uma curva que satisfaz a equação acima, é sempre posśıvel encontrar uma parametrização afim que coloque a equação na forma (4.5). 4.7.2 Geodésicas a partir do prinćıpio variacional Na nossa discussão sobre Relatividade Restrita, vimos que, entre todas as linhas de mundo que passam por dois eventos A e B (separados por um intervalo tipo-tempo), aquela com maior tempo próprio é a de uma part́ıcula inercial. Vamos ver que isso também se aplica num espaço-tempo curvo: Geodésica (def. 2): Uma geodésica é a curva que maximiza o tempo próprio entre dois eventos tipo-tempo, ou minimiza a distância própria entre dois eventos tipo-espaço. Vamos mostrar que, a partir dessa noção, chegamos novamente à equação da geodésica. Os alunos que nunca viram prinćıpio variacional podem pular o restante dessa seção! O tempo próprio entre dois eventos no espaço-tempo é dado por τAB = ∫ B A dτ = ∫ B A [−gαβdxαdxβ]1/2. A linha de mundo da part́ıcula pode ser descrita parametricamente determinando as coordenadas em função de um parâmetro λ que varia de λ = λ0 em A a λ = λ1 em B. O tempo próprio é, então, τAB = ∫ λ1 λ0 dλ ( −gαβ dxα dλ dxβ dλ )1/2 Queremos considerar variações no caminho, xµ + �δxµ que mantêm os pontos inicial e final fixos, ou seja, δxµ(λ0) = δx µ(λ1) = 0. E queremos encontrar o caminho que extremiza o tempo próprio, Aula 4: 13 de maio 4-4 ou seja, para o qual δτAB = 0. Calculamos: δτAB = d d� τAB[x+ �δx]|�=0 = d d� ∫ λ1 λ0 √ −gµν(x+ �δx) ( dxµ dλ + � dδxµ dλ )( dxν dλ + � dδxν dλ ) dλ ∣∣∣∣∣ �=0 = d d� ∫ λ1 λ0 √ − (gµν(x) + ∂γgµν(x)�δxγ) ( dxµ dλ + � dδxµ dλ )( dxν dλ + � dδxν dλ ) dλ ∣∣∣∣∣ �=0 = 1 2 ∫ λ1 λ0 dλ√ −gµν dx µ dλ dxν dλ ( −∂γgµνδxγ dxµ dλ dxν dλ − 2gµν dδxµ dλ dxν dλ ) A conta fica mais fácil quando usamos o tempo próprio para parametrizar a curva, pois áı temos gµν dxµ dτ dxν dτ = −1. Fazendo isso e integrando o último termo por partes, obtemos: δτAB = − 1 2 ∫ τ1 τ0 dτδxγ∂γgµν dxµ dτ dxν dτ + 1 2 ∫ τ1 τ0 δxµ d dτ ( 2gµν dxν dτ ) dτ + [· · · ]δxα(τ1)− [...]δxα(τ0) Os dois últimos termos se anulam, pela condição de extremos fixos. Finalmente, temos: δτAB = − 1 2 ∫ τ1 τ0 dτδxγ [ ∂γgµν dxµ dτ dxν dτ − d dτ ( 2gγν dxν dτ )] = 0. Para isso ser válido para uma variação arbitrária, o termo entre colchetes deve se anular. Dele, temos: 0 = 1 2 ∂γgµν dxµ dτ dxν dτ − ∂µgγν dxµ dτ dxν dτ − gγν d2xν dτ2 = d2xµ dτ2 − 1 2 gγµ∂γgαβ dxα dτ dxβ dτ + gγµ∂σgγν dxσ dτ dxν dτ = d2xµ dτ2 + 1 2 gγµ (∂βgγσ + ∂σgβγ − ∂γgσβ) dxσ dτ dxβ dτ = d2xµ dτ2 + Γµσβ dxσ dτ dxβ dτ Novamente, chegamos à equação da geodésica! Alternativamente, podeŕıamos ter usado as equações de Euler-Lagrange para derivá-la. Geodésicas nulas: A equação da geodésica vale igualmente para part́ıculas massivas e raios de luz. A única diferença é que no último caso não podemos usar o tempo próprio para parametrizar a trajetória. Mas qualquer outro parâmetro afim pode ser usado. Em particular,podemos escolher λ tal que dxµ/dλ seja igual ao quadri-vetor momento. Nesse caso, temos: pλ∇λpµ = 0. 4.7.3 Geodésicas a partir da descrição num referencial local de Lorentz Considere uma part́ıcula se movendo livremente apenas sob a influência da gravitação. De acordo com o prinćıpio da equivalência, existe um referencial local de Lorentz (RLL, um “referencial em Aula 4: 13 de maio 4-5 queda livre”) com coordenadas xα̂ no qual a part́ıcula tem velocidade constante, ou seja, tem equação de movimento dada por: d2xα̂ dτ2 = 0, onde τ representa o tempo próprio, definido num referencial localmente inercial de forma análoga à Relatividade Restrita: dτ2 = −ds2 = −ηµ̂ν̂dxµ̂dxν̂ = −gµ̂ν̂dxµ̂dxν̂ . Note que: dτ2 = −gµ̂ν̂dxµ̂dxν̂ = Λµ̂µΛν̂νgµνΛµ̂ρΛν̂σdxρdxσ = gµνdxµdxν . Ou seja, o tempo próprio é invariante por transformações arbitrárias de coordenadas. Suponha agora que haja um outro sistema de coordenadas xµ, que pode ser um sistema Cartesiano em repouso no laboratório, ou pode ser curviĺıneo, acelerado, girando, etc. As coordenadas do RLL são funções de xµ e a equação de movimento se torna: 0 = d dτ ( ∂xα̂ ∂xµ dxµ dτ ) = ∂xα̂ ∂xµ d2xµ dτ2 + ∂2xα̂ ∂xµ∂xν dxµ dτ dxν dτ Multiplicando por ∂xλ/∂xα̂ e usando a regra do produto, ∂x α̂ ∂xµ ∂xλ ∂xα̂ = δλµ, obtemos: 0 = d2xλ dτ2 + ∂xλ ∂xα̂ ∂2xα̂ ∂xµ∂xν dxµ dτ dxν dτ = d2xλ dτ2 + Λλα̂∂µΛ α̂ ν dxµ dτ dxν dτ Agora, vamos recuperar, da aula anterior, a expressão para como a conexão se transforma de um sistema de coordenadas para outro: Γγ ′ α′β′ = Λ α α′Λ γ′ γ Λ β β′Γ γ αβ + Λ α α′Λ γ′ γ ∂αΛ γ β′ . No RLL, temos os śımbolos de Christoffel se anulam. Num referencial arbitrário obtido a partir do RLL por uma mudança de coordenadas, temos, da expressão acima, que Γγαβ = Λ α̂ αΛ γ γ̂∂α̂Λ γ̂ β = Λγγ̂∂αΛ γ̂ β. Vemos, portanto, que a equação de movimento pode ser escrita como d2xλ dτ2 + Γλαβ dxµ dτ dxν dτ = 0, como t́ınhamos antes! Note que o tempo próprio é um parâmetro afim. 4.7.4 Limite Newtoniano Nas seções anteriores, vimos como o conceito de reta, nativo do espaço plano, pode ser generalizado para o conceito de geodésica em espaços arbitrários. E a seção anterior sugere que essas são as linhas de mundo de part́ıculas livres. Para argumentar que de fato esse resultado se relaciona à gravidade, vamos entender como ele se reduz ao que conhecemos em gravitação Newtoniana. Nós definimos o limite Newtoniano por três exigências: • As part́ıculas se movem devagar, com velocidades muito inferiores à da luz; • O campo gravitacional é fraco, de forma que pode ser considerado uma perturbação do espaço- tempo da Relatividade Restrita; • O campo gravitacional é estático. Vamos ver o que essas hipóteses implicam para a equação da geodésica. A primeira implica que as componentes espaciais da quadrivelocidade são muito inferiores à componente temporal: dxi dτ � dt dτ , de modo que na equação da geodésica o termo dominante é: d2xµ dτ2 + Γµ00 ( dt dτ )2 = 0. Uma vez que o campo gravitacional é estático (∂0gµν = 0), os śımbolos de Christoffel relevantes simplificam: Γµ00 = 1 2 gµν(∂0gν0 + ∂0g0ν − ∂νg00) = − 1 2 gµν∂νg00. Por fim, como o campo gravitacional é fraco, podemos escrever a métrica como sendo a métrica de Minkowski mais uma perturbação pequena: gµν = ηµν + hµν , com |hµν | � 1. Da definição da métrica inversa, gµνgνρ = δ µ ρ , temos que, em primeira ordem em h, gµν = ηµν + hµν , onde hµν = ηµρηνλhρλ. Assim, em primeira ordem em h, vemos que Γµ00 = − 1 2 ηµν∂νh00 e a equação da geodésica se torna d2xµ dτ2 = 1 2 ηµν∂νh00 ( dt dτ )2 . Como ∂0h00 = 0 (o campo gravitacional é estático), a componente µ = 0 da equação acima é simplesmente d2t/dτ2 = 0, ou seja, dt/dτ =cte. Para as componentes espaciais, temos: d2xi dt2 = 1 2 ∂ih00, onde convertemos a derivada de τ para t. Comparando essa expressão com a expressão Newtoniana, d2xi dt2 = −∂iΦ, vemos que elas são compat́ıveis se h00 = −2Φ. Em outras palavras, g00 = −(1 + 2Φ) Vemos que é posśıvel recuperar as equações de movimento Newtonianas a partir da equação da geodésica. Vemos também que a métrica está relacionada ao potencial Newtoniano, ao passo que 4-6 Aula 4: 13 de maio 4-7 os śımbolos de Christoffel estão relacionados com a força gravitacional. Falta encontrarmos a gene- ralização da equação de Poisson, que determina o campo gravitacional a partir de uma distribuição de matéria, o que nos levará às equações de Einstein. Mas, para isso, precisamos de uma nova pausa para discutirmos mais a fundo o conceito de curvatura. Para ler: Caṕıtulo 8 do Hartle (vejam os exemplos), caṕıtulo 3 do Carroll, até a seção 3.5, caṕıtulo 6 do Schutz, até a seção 6.4. Terminar lista 5. Geodésicas Geodésicas a partir de transporte paralelo Geodésicas a partir do princípio variacional Geodésicas a partir da descrição num referencial local de Lorentz Limite Newtoniano
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