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08 - Evolução das tipologias arquitetônicas - COMPLETO

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DA COLÔNIA AO SHOPPING:
um estudo da evolução tipológica da arquitetura 
hospitalar em Natal 
Maria Alice Lopes Medeiros 
Dissertação de Mestrado 
Programa de Pós Graduação em Arquitetura e Urbanismo
Universidade Federal do Rio Grande do Norte 
Natal – RN, 2005 
Maria Alice Lopes Medeiros 
DA COLÔNIA AO SHOPPING:
um estudo da evolução tipológica da arquitetura hospitalar em Natal 
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Arquitetura e Urbanismo da 
Universidade Federal do Rio Grande do Norte, 
como requisito parcial para a obtenção do 
título de Mestre em Arquitetura e Urbanismo. 
Área de concentração: Projeto 
Orientadora:
Profa. Dra. Sônia Marques da Cunha Barreto 
Natal – RN 
Universidade Federal do Rio Grande do Norte 
2005
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ARQUITETURA E URBANISMO 
DA COLÔNIA AO SHOPPING:
um estudo da evolução tipológica da arquitetura hospitalar em Natal
Profª. Drª. Maísa Fernandes D. Veloso – PPGAU/UFRN 
Presidente 
Profª. Drª. Claudia Loureiro – UFPE 
Examinador externo 
Prof. Dr. Pedro Antônio de Lima Santos – PPGAU/UFRN 
 Examinador interno 
Dissertação defendida em 13 / 12 / 2005
Divisão de Serviços Técnicos 
Catalogação da Publicação na Fonte. UFRN / Biblioteca Central Zila Mamede 
 
Medeiros, Maria Alice Lopes. 
 Da colônia ao shopping: um estudo da evolução tipológica da 
arquitetura hospitalar em Natal / Maria Alice Lopes Medeiros. – Natal, 
RN, 2005. 
196 f. : il. 
Orientadora: Sônia Marques da Cunha Barreto. 
Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal do Rio Grande do 
Norte. Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo. 
1. Arquitetura – Dissertação. Arquitetura hospitalar – Dissertação. 
3. Arquitetura – Tipologia – Dissertação. 4. Edifício hospitalar – Projeto 
arquitetônico – Dissertação. I. Barreto, Sônia Marques da Cunha. II. 
Título. 
RN/UF/BCZM CDU 72 (043.3) 
 
Agradecimentos 
Escrevo esses agradecimentos mais de um ano depois do término dos trabalhos. Portanto, 
distante do calor dos acontecimentos, das emoções e do cansaço. Por um lado, esse 
distanciamento me permite observar os fatos com mais serenidade. Por outro, me arrisco a 
ser traída pela memória, deixando de citar alguns nomes daquelas pessoas que considero 
terem sido de fundamental importância para realização deste trabalho: os funcionários dos 
hospitais pesquisados em Natal. Falo especificamente daqueles que trabalham anos a fio 
nessas instituições, alguns inclusive desde sua construção. E que, por sua relação com elas 
como um segundo lar, guardam lembranças, escritos e fotos como se fossem suas próprias. 
Foi através delas que pude preencher lacunas deixadas pelos documentos oficiais quase 
inexistentes. Gostaria de registrar a valiosa ajuda e o apoio prestado por essas pessoas 
durante a execução da pesquisa – apoio e ajuda sem os quais seria difícil, ou até mesmo 
impossível, realizar algumas das tarefas deste trabalho. 
Também gostaria de agradecer a todas as demais pessoas que contribuíram para esse 
trabalho, por meio de comentários, sugestões, ou encorajamento. Certamente essa lista 
seria grande demais para registrá-la aqui. No entanto, citarei algumas em especial: minha 
orientadora, Sônia Marques, pela maneira crítica e instigadora com que leu e discutiu os 
textos por mim produzidos; Enilson, por sua companhia e generosidade; por fim, as 
companheiras do escritório – Shirley, Laíse e Adriana –, que com talento e paciência 
digitaram os projetos dos hospitais. 
Resumo
Com base em uma discussão em torno do conceito de tipo e de seu papel na 
prática e na teoria da arquitetura, elabora-se um instrumental analítico com 
vistas a reconhecer a evolução tipológica da arquitetura hospitalar ocidental. 
Verifica-se então como essa evolução tipológica se reflete nos edifícios 
hospitalares em Natal, Rio Grande do Norte, usando-se para tanto um 
conjunto de 18 dos 29 hospitais implantados na cidade ao longo do século XX. 
Conclui-se que o itinerário tipológico da arquitetura hospitalar de Natal repete 
o ocidental, a menos de singularidades explicadas pelas características do 
desenvolvimento social e econômico da cidade.
Abstract 
A conceptual discussion on architectural type and its role in theory and 
practice supports the construction of an analytical tool used for recognizing the 
typological evolution of hospital architecture in Western societies. The same 
tool is applied to analyze the typological evolution of hospital architecture in 
Natal, Brazil, through a sample of eighteen hospitals built in the city since the 
beginnings of 20th century. The conclusion is that typological evolution in 
Natal is almost the same as occidental one, except for a few singularities that 
can be explained by local social and economic development.
Sumário
1. Introdução ................................................................................................ 1
1.1. Arquitetura e História da Arquitetura ............................................. 3
1.2. História comparada da Arquitetura e análise tipológica ................. 4
1.3. A análise tipológica ........................................................................ 4
1.4. Uma leitura sintética da evolução dos hospitais ocidentais ............ 5
1.5. Perguntas e hipóteses básicas de trabalho ...................................... 7
1.6. Objetivo geral e objetivos específicos ............................................ 9
1.7. Relevância e justificativa da pesquisa ............................................ 9
1.8. Procedimentos metodológicos ........................................................ 10
1.9. Estrutura do documento .................................................................. 11
2. Tipo, tipologia, análise tipológica: discussão e definição conceitual ... 12
2.1. O conceito de tipo e a crise da Arquitetura Moderna ..................... 14
2.2. O debate tipológico: uma breve reconstituição .............................. 16
2.3. Antecedentes dos teóricos do século XIX ...................................... 23
2.4. Tipo na visão de Quatremère de Quincy ........................................ 25
2.5. O tipo na obra de Durand ............................................................... 28
2.6. O tipo na visão de Viollet-le-Duc ................................................... 31
2.7. Integração dos conceitos de tipo ..................................................... 32
2.8. Descrição dos instrumentos de análise ........................................... 35
3. Evolução das tipologias arquitetônicas do edifício hospitalar ............ 39
3.1. O hospital no período medieval ...................................................... 41
3.1.1. O tipo claustral .......................................................................... 42
3.1.2. O tipo basilical .......................................................................... 46
3.1.3. O tipo colônia ............................................................................ 48
3.2. O hospital renascentista .................................................................. 50
3.2.1. A enfermaria cruzada ................................................................ 52
3.2.2. O tipo casa de campo ................................................................ 54
3.3. O hospital iluminista ....................................................................... 56
3.3.1. O tipo pavilhonar ....................................................................... 59
3.3.2. A influência de Florence Nightingale ....................................... 61
3.3.3. O legado do Iluminismo para a arquitetura hospitalar .............. 62
3.4. O hospital modernista ..................................................................... 63
3.4.1. O tipo torre sobre pódio ............................................................66
3.4.2. O tipo rua hospitalar .................................................................. 68
3.4.3. O tipo sanduíche ........................................................................ 72
3.5. O hospital do período pós-modernista ............................................ 74
3.5.1. O tipo shopping/hotel/residência ............................................... 77
3.6. Um quadro-síntese da evolução tipológica do hospital ocidental .. 81
4. Implantação de hospitais em Natal ao longo do século XX ................. 92
4.1. Política de saúde pública e a situação do hospital em Natal no 
Brasil Imperial ................................................................................ 94
4.2. A Primeira República: a construção das políticas públicas de 
saúde e suas repercussões nos hospitais de Natal ........... 96
4.3. Estado Novo, política nacional de saúde e desenvolvimento 
hospitalar em Natal ......................................................................... 100
4.4. Da redemocratização ao golpe militar de 1964 .............................. 105
4.5. O período da ditadura miltar (1964-1985) ...................................... 111
4.6. De 1985 ao presente ....................................................................... 116
4.7. Uma visão geral do hospital em Natal ........................................... 121
5. Análise tipológica dos hospitais de Natal ............................................... 124
5.1. Preparação do material para análise ............................................... 127
5.2. O tipo colônia e o Hospital Colônia São Francisco ........................ 128
5.3. O tipo casa de campo ...................................................................... 129
5.4. A presença do tipo pavilhonar ........................................................ 133
5.4.1. O Hospital Evandro Chagas ...................................................... 133
5.4.2. Policlínica, Casa de Saúde São Lucas, Hospital Colônia João 
Machado .................................................................................... 136
5.4.3. Hospital Sanatório Getúlio Vargas ............................................ 139
5.4.4. Considerações gerais a respeito dos hospitais pavilhonares de 
Natal .......................................................................................... 142
5.5. Hospital Infantil Varela Santiago ................................................... 143
5.6. Os hospitais do tipo torre sobre pódio ............................................ 147
5.6.1. Hospital Natal Center ................................................................ 147
5.6.2. Hospital Walfredo Gurgel ......................................................... 150
5.6.3. Hospital Santa Helena, Hospital PAPI, Hospital Memorial ..... 152
5.6.4. Considerações sobre o tipo torre sobre pódio ........................... 155
5.7. Santa Catarina e Maria Alice Fernandes: hospitais rua ................. 156
5.8. Promater, Femina e Coração: uma incursão em um novo tipo? .... 159
5.8.1. Hospital Promater ...................................................................... 160
5.8.2. Hospital Femina ........................................................................ 161
5.8.3. Hospital do Coração .................................................................. 162
5.8.4. Considerações gerais ................................................................. 163
5.9. Agrupamentos tipológicos e aderência ao contexto ....................... 165
6. Conclusões ................................................................................................ 177
Referências ............................................................................................... 187
Anexos ...................................................................................................... 196
Capítulo 1 
Introdução 
2
1. Introdução 
No Brasil, pode-se registrar uma maior atenção com o projeto arquitetônico de hospitais, 
como objeto de estudo e de formação técnico-científica, a partir dos anos 1980. Foi a partir 
daquela década quando, por iniciativa conjunta do Ministério da Saúde e da Universidade 
de Brasília, passou-se a oferecer de modo sistemático um Curso de Especialização em 
Arquitetura do Sistema de Saúde. 
No programa do Curso, o hospital era abordado como elemento integrante de um sistema 
hierarquizado de atenção à saúde e, como requisito da formação do especialista, 
desenvolvia-se ali um projeto arquitetônico de um edifício hospitalar. Nesse projeto, 
trabalhava-se com base em normas, elaboradas pelo Ministério, as quais definiam fluxos, 
programas e dimensionamento dos espaços, além de recomendações e prescrições quanto a 
circulações, modulação do espaço, taxa de ocupação do terreno, localização urbana e 
configuração geral, entre outros aspectos e elementos do edifício. 
Não se levantavam, nem se discutiam questões tais como: 
por que a configuração geral recomendada era a mais adequada? 
como se chegou a essa conclusão? 
que outras formas foram tentadas no passado e por que foram abandonadas? 
Além dessas, outras indagações mais críticas podiam ser levantadas: 
se aquelas configurações recomendadas também se tornariam ultrapassadas, então 
como saber em que direção se estava caminhando? 
se fosse possível entender como se dariam as mudanças, seria possível projetar 
estruturas mais adaptadas ou adaptáveis a elas? 
as recomendações, prescrições e normas eram transferíveis a geografias com diferentes 
níveis de desenvolvimento social e econômico? 
Esse conjunto de questionamentos, certamente, pode ser, com maior ou menor ênfase, feito 
em outros campos da ação do projetista de arquitetura, que não o da arquitetura hospitalar. 
E, até porque indagam sobre o passado e sobre o futuro, requerem respostas que se 
formulem em conexão estreita com a História. 
3
1.1. Arquitetura e História da Arquitetura 
Um ramo da História da Arquitetura, cujo tratado mais representativo é A History of 
Architecture, de autoria de Sir Banister Fletcher (publicado por primeira vez em 1896 e 
reeditado freqüentemente – foram 19 edições até agora, a última de 1987), admite 
implicitamente a importância das questões acima colocadas. Mais que isso, Fletcher (1987) 
estabelece conexões explícitas entre a arquitetura e seu entorno físico-geográfico, 
ambiental, cultural e socioeconômico, quando analisa a evolução da arquitetura segundo 
um método de história comparada. 
O enfoque historiográfico de Fletcher parte da descrição dos aspectos climáticos, 
geomorfológicos, socioculturais, tecnológicos e econômicos de cada região, em 
determinada época. Para Fletcher, é desses aspectos caracterizadores do entorno que, com 
a interveniência do ato criativo do arquiteto, resultam os elementos e soluções que 
compõem a arquitetura regional naquele período. Portanto, planta, volumetria, estrutura, 
aberturas e vedações, entendidas em conjunto, tendem a ser, inevitavelmente, 
condicionadas pela cultura (NEWTON, 1991). Em conseqüência, produção arquitetônica e 
contextos culturais podem ser associáveis. 
Assim, é possível compreender a evolução da Arquitetura em estreita relação com a 
evolução histórica das sociedades. E entender como cada solução arquitetônica, em uma 
dada época e região, surgiu em resposta a desafios contextuais, consolidou-se e, 
posteriormente, foi alterada ou substituída como conseqüência de ulteriores transformações 
da sociedade. 
Apropriando e adaptando a metodologia historiográfica de Fletcher para analisar a história 
da arquitetura hospitalar, pode-se entender como e porque, em cada período analisado, 
surgiu e se consolidou uma solução arquitetônica de natureza geral, que veio a concretizar 
um hospital característico do período – no sentido de representação sintética idealizada de 
uma série de edifícios hospitalares concretos. 
Observe-se que, em coerência com a abordagem historiográfica, uma coleçãode hospitais 
característicos, como acima definidos, está critica e biunivocamente relacionada a um 
conjunto de contextos histórico-geográficos. O exame dessa estrutura de relações, portanto, 
permite compreender como se articulam as diferenças contextuais e as transformações dos 
edifícios hospitalares característicos. 
4
1.2. História comparada da Arquitetura e análise tipológica 
Nesses termos, o estudo da Arquitetura precedente e sua sistematização vinculada ao 
contexto histórico-geográfico, nos moldes empregados por Fletcher, são assimiláveis à 
técnica da análise tipológica. A análise tipológica arquitetônica se constitui em ferramenta 
bastante utilizada quando se trata do estudo da produção arquitetônica, quer seja ela 
contemporânea ou precedente, com vistas ao conhecimento sistematizado dessa produção 
e/ou à adequação de soluções já testadas a novos projetos. 
Essa assimilação da tipologia à história pode ser reafirmada pela reaproximação da teoria e 
do projeto ao legado histórico arquitetônico, aproximadamente a partir da década de 1960, 
meio século depois de o movimento moderno haver rompido com a tradição arquitetônica 
precedente. O estudo tipológico foi um instrumento adequado para aquela reaproximação, 
na medida em que conseguiria captar, para cada período histórico, a essência representativa 
de sua Arquitetura. 
É evidente que, enquanto instrumento, a análise tipológica adquire as feições do conceito 
de tipo que é subjacente a sua formulação: distintos conceitos de tipo levam a distintas 
ferramentas de análise tipológica. E, portanto, somente estudos tipológicos fundados em 
conceitos de tipo que incorporem a referência ao contexto têm a possibilidade de alcançar 
significação historiográfica. 
Deste modo, a abordagem da arquitetura hospitalar com o fim de encaminhar respostas 
àquelas questões acima colocadas impõe que se adote um conceito de tipo – e, por 
conseguinte, uma matriz de análise tipológica – que seja coerente com a necessidade do 
referenciamento histórico do objeto arquitetônico estudado. Por outro lado, requer que se 
problematize, em uma perspectiva tipológica, a evolução do edifício hospitalar em face de 
relevantes alterações no seu contexto histórico.
1.3. A análise tipológica 
Em que pese a prevalência de algumas conceituações restritivas do tipo arquitetônico, 
notadamente aquelas que associam a tipologia, de maneira simplista, ou à mera taxonomia 
ou à idéia de tipificação, pode-se admitir que o conceito de tipo hoje mais disseminado está 
vinculado à representação da essência da Arquitetura em conexão com o seu ambiente 
sociocultural (FRANCESCATO, 1994). 
5
As raízes intelectuais desse conceito de tipo podem ser rastreadas até a obra seminal de 
Quatremère de Quincy (1985, 1998)1. Não obstante, uma importante polêmica em torno do 
conceito de tipo teve lugar a partir do seu resgate, em 1962, por Argan (1996, 2001)2 e de 
sua assimilação pelos teóricos e projetistas italianos da Tendenza, a partir da segunda 
metade da década de 1960. 
Nesse debate, foram se firmando distintas versões para o conceito de tipo – entre outros, 
Rossi, 1995 (publicado originalmente em 1966); Vidler, 1977; Oeschlin, 1985 –, como 
também se apresentavam discordâncias de peso quanto à validade ou à oportunidade do 
conceito para o estudo ou para a projetação em arquitetura (ver, por exemplo, Pérez-
Gómez, 1991), até o ponto em que o tipo se firmou como um dos temas fundamentais da 
agenda teórica do pós-modernismo (NESBITT, 1996a). 
Situar-se na polêmica e definir-se por um conceito é, portanto, um ponto de partida para 
uma abordagem analítica da evolução histórica dos edifícios hospitalares, um produto 
arquitetônico complexo e, em função da natureza pública de sua utilização, extremamente 
dependente de definições político-culturais da sociedade. 
Por outra parte, essa abordagem não deve ser desenvolvida sem tomar em conta o objeto 
arquitetônico hospital, de modo que uma visão resumida de uma história geral dos 
hospitais pode ser útil para estabelecer as bases de uma compreensão tipológica de sua 
linha evolutiva. 
1.4. Uma leitura sintética da evolução dos hospitais ocidentais 
No início, os hospitais foram exclusivamente associados à idéia de morte. Os enfermos 
chegavam em busca de preparação espiritual, que lhes era dada em locais onde apenas se 
amontoavam as pessoas doentes. 
 
1 O texto fundamental de Quatremère de Quincy a respeito do seu conceito de tipo é o verbete correspondente 
que aparece em duas de suas obras: a Encyclopédie méthodique, originalmente publicada entre 1788 e 1825, 
e o Dictionnaire historique de l’architecture, de 1832. Neste trabalho, as citações do verbete tiveram por 
base duas fontes: a transcrição completa do texto de Quatremère, traduzida para a edição italiana de 1844 por 
Antonio Mainardi e reproduzida integralmente em Casabella, ano XLIX, n. 509/510, 1985 (ver Quatremère 
de Quincy, 1985); a tradução para o inglês (não creditada) do verbete type da Encyclopédie méthodique
conforme publicada em Oppositions, n. 8, primavera de 1977, sob uma introdução de Anthony Vidler e 
reproduzida em Hays (1998) (ver Quatremère de Quincy, 1998). 
2 O artigo de Argan que introduziu as idéias de Quatremère de Quincy no debate teórico contemporâneo foi 
originalmente publicado em 1962. Traduzido para o inglês por Joseph Rykwert, foi incluído em Architectural 
Digest, n. 33, de dezembro de 1963 (p. 564-565). Essa versão em idioma inglês, incluída em Nesbitt (1996b), 
e a versão em português incluída em Argan (2001) – traduzida por Marcos Bagno diretamente do texto em 
italiano publicado em Proggeto e destino – foram as consultadas no decorrer deste trabalho. 
6
Risse (1999) mostra como, a partir dessa origem medieval, os hospitais foram, 
gradualmente, adquirindo uma vinculação à vida. Em primeiro lugar, se tornaram espaços 
de recuperação de enfermos; depois, em lugar de atuação preventiva em prol da saúde e de 
melhoria da qualidade de vida. Tal evolução conceitual se refletiria nos espaços dedicados 
a estas atividades, e os hospitais foram se transformando em edifícios de estrutura 
arquitetônica complexa. 
Na Idade Média, a finalidade do hospital era dar abrigo, sustento, assistência e consolo 
espiritual aos desamparados pela sociedade – peregrinos, pobres, enfermos e insanos. Os 
cidadãos minimamente abastados tinham atendimento domiciliar a seus problemas de 
saúde, e isso se manteve até meados do século XIX (GOLDIN, 1984). 
Hospitais medievais eram construídos por ordens religiosas, bispos, senhores feudais e reis 
(ROSEN, 1994). Na verdade, não eram edifícios autônomos, pois se integravam às 
estruturas físicas dos mosteiros e catedrais, reproduzindo os esquemas dos claustros ou das 
basílicas de uma ou várias naves, com uma capela na cabeceira (GOLDIN, 1994). Esses 
hospitais se multiplicaram durante os séculos V ao XIII, e estavam, quase sempre, 
superlotados, sujos e insalubres.
No Renascimento, a Igreja e a Corte deixaram de ser as fontes principais de financiamento 
da assistência aos pobres e enfermos. Ricos cidadãos burgueses tomaram a 
responsabilidade de construir hospitais. Goldin (1984) enfatiza que é então que se dá o 
crescimento de importância do conhecimento médico dentro do hospital: surgiram os 
primeiros hospitais civis, os chamados hospitais palácios de arquitetura neoclássica, de 
estrutura pavilhonar, como resultado de uma maior preocupação com ventilação e 
insolação. 
No período do Iluminismo, o avanço científico permitiu a compreensão dos processos de 
infecção cruzada e propagação de infecções. A prática cirúrgica desenvolvida nos hospitais 
militares foi incorporada aos hospitais civis, junto com o surgimento da anatomia 
patológica, que permitiu o conhecimento médico dos órgãos humanos internos (RISSE, 
1999).
O hospital tornou-se, então, um espaço importantepara observação da evolução de 
enfermidades através de seus pacientes, e passou a ser, além de um local de recuperação de 
enfermos, um local de aprendizado da medicina. 
7
Esses fatos produziram uma importante transformação no edifício hospitalar, onde, a partir 
de então, a ciência penetrou, modificando espaços que, antes, refletiam somente a 
influência religiosa (GOLDIN, 1994). O hospital começou a ser atrativo para os afluentes 
da sociedade, vez que já oferecia uma possibilidade de cura mais alta que aquela que se 
poderia conseguir com o atendimento domiciliar. 
Mais ou menos em meados do século XX, implantou-se nos edifícios hospitalares a 
sistematização projetual funcionalista: separação de funções, projeto modular, formas 
simplificadas, adoção de dimensões mínimas. Buscava-se viabilizar financeiramente o 
hospital pela via de sua racionalização e massificação, em um contexto em que eram 
crescentes os custos com equipamentos, pessoal, fármacos e materiais (CARPMAN et al.,
1986). Várias soluções arquitetônicas foram exercitadas, todos refletindo uma preocupação 
funcionalista que passará a ser criticada nos anos 1960 e 1970. 
As críticas se intensificaram a partir dos anos 1980, com a emergência da pesquisa sobre a 
influência do ambiente no bem-estar dos usuários (KUFFLNER, 1986). Esses críticos 
reagiram contra o caráter estéril e impessoal dos hospitais, mais voltados para o seu 
funcionamento eficiente que para o bem-estar do paciente. Passou-se a defender, segundo 
Hosking e Haggard (1999), a aplicação das ciências do comportamento no planejamento e 
desenho do ambiente hospitalar. Acreditava-se que os edifícios hospitalares do século XX 
tinham feito pouco para satisfazer as necessidades humanas do dia a dia, e defendiam-se 
hospitais “humanizados”, com foco nas expectativas do paciente e de seus familiares, 
contando com ambientes apropriados para apoiar o processo de recuperação do enfermo. 
Esses pensamentos e suas manifestações na forma do edifício dominariam o período desde 
1980 até o final do Século XX. Verderber e Fine (2000) relatam como o hospital assimilou 
soluções espaciais diferentes das anteriormente vigentes, buscando – sem perder de vista a 
eficiência econômica – assumir uma natureza mais familiar para o visitante e para o 
paciente. 
1.5. Perguntas e hipóteses básicas de trabalho 
Nesse processo evolutivo do edifício hospitalar, há que destacar a importância das 
alterações na maneira como a sociedade vê o hospital e no que a sociedade espera dele. 
Ademais, cabe um papel de destaque para o progresso científico nas áreas da biologia e da 
medicina, bem como para o desenvolvimento tecnológico nesses setores. Tais fatores se 
8
associam a uma demanda social crescente pela aplicação de novos conhecimentos médicos 
ao campo da atenção à saúde. Por fim, cabe salientar também as naturais mudanças nos 
materiais e métodos construtivos. Todos juntos, influenciando-se simultaneamente, esses 
fatores podem ser considerados como motores das mudanças nas tipologias arquitetônicas 
hospitalares que se registraram ao longo da história. 
Na medida em que esses fatores são disseminados mundialmente, de alguma forma eles 
devem ter sido assimilados por arquiteturas locais na projetação de novos edifícios 
hospitalares, ou mesmo na reabilitação, recuperação ou expansão de edifícios hospitalares 
já existentes. Como foram assimilados, com que ritmo? Ou seja, como uma arquitetura 
hospitalar local responde à dinâmica transformadora daqueles fatores responsáveis pela 
evolução tipológica dos edifícios hospitalares? 
Evidentemente, as respostas a estas perguntas estão vinculadas intimamente ao caso que se 
toma como local. Assim, ao recolocar a questão em termos mais concretos, faz-se 
necessário explicitar que o interesse expresso neste trabalho se centra em uma análise do 
caso de Natal. 
Por outro lado, concentrar-se-ia a preocupação analítica no período que vai de princípios a 
fins do século XX, quando a crítica ao modernismo e a busca de novas perspectivas 
arquitetônicas puseram o edifício hospitalar em uma nova rota conceitual. Define-se então 
como objeto de pesquisa a evolução tipológica do edifício hospitalar em Natal ao longo do 
século XX. 
Daí, as questões-chave da pesquisa podem ser formuladas nos seguintes termos: 
de que forma se deu a evolução tipológica do edifício hospitalar em Natal em um dado 
período histórico (o século XX)? 
em que medida a evolução registrada nas tipologias hospitalares em Natal corresponde 
àquela que se pode depreender da análise tipológica geral, explícita ou implicitamente 
refletida na literatura especializada? 
Nestes termos, pode-se formular como hipótese básica de trabalho a seguinte: a evolução 
tipológica do hospital em Natal no século XX, seguiu em linhas gerais a trajetória 
registrada no mundo ocidental, ressalvadas singularidades que podem ser explicadas pelo 
estágio de desenvolvimento socioeconômico local. 
9
1.6. Objetivo geral e objetivos específicos 
O objetivo geral do trabalho consiste na descrição e análise do processo evolutivo das 
tipologias arquitetônicas hospitalares em Natal, identificando os fatores indutores das 
mudanças e das singularidades do processo com respeito à evolução tipológica dos 
hospitais ocidentais, tomada como referência. 
O desenvolvimento do trabalho de pesquisa requereu a realização de objetivos específicos, 
de caráter instrumental, tanto no campo teórico-conceitual, quanto no terreno do empírico. 
No que concerne ao quadro metodológico, dois eixos de discussão devem ser ressaltados. 
Por um lado, foi preciso formular um conceito operativo de tipo, com base em uma 
discussão das principais contribuições teóricas relativas ao tipo e à tipologia em 
arquitetura. Por outro, enfocou-se a evolução histórica do conceito de hospital, no mundo 
ocidental, com vistas a compreender esse processo pelo filtro da abordagem tipológica 
associada ao conceito de tipo previamente formulado. 
No que respeita a objetivos instrumentais de natureza empírica, foi necessário levantar o 
processo histórico de implantação de hospitais na cidade de Natal, recuperando e 
sistematizando as suas definições arquitetônicas, bem como a informação caracterizadora 
do contexto socioeconômico urbano e da política pública nacional para o setor de saúde. 
1.7. Relevância e justificativa da pesquisa 
A importância deste trabalho resulta de sua própria abordagem. Considera-se que a análise 
tipológica constitui um elemento importante no aprimoramento conceitual da projetação. 
Na mesma medida da complexidade do edifício hospitalar, seu projeto arquitetônico requer 
preocupação com definições conceituais que implicam em um conhecimento sistematizado 
da forma como, historicamente, a arquitetura proveu soluções para problemas que se 
apresentavam. 
Por outro lado, o edifício hospitalar é um edifício de alto custo, que tem, portanto, a 
vocação da permanência. Paradoxalmente, entretanto, a dinâmica tecnológica do setor 
médico implica em uma necessidade quase permanente de mudanças e reformas 
arquitetônicas. 
Assim, no sentido em que permite compreender a essência da tomada de decisão projetual, 
a análise tipológica consiste em instrumento de valia para orientar e direcionar 
10
adequadamente as quase permanentes requalificações, ampliações e recuperações exigidas 
pelo edifício hospitalar na contemporaneidade. 
Por fim, julga-se também de importância o trabalho por seu caráter historiográfico, uma 
vez que as suas intenções se direcionam para o entendimento do processo histórico de 
desenvolvimento dos edifícios hospitalares implantados em Natal. 
1.8. Procedimentos metodológicos
Tendo em vista a consecução dos objetivos fixados na seção anterior, os procedimentos 
metodológicos foram projetados de forma a encadear o processo de investigação em uma 
lógica consistente com as questões-chave e as hipóteses do trabalho.A formulação de um conceito operativo de tipologia teve por base uma revisão 
bibliográfica da literatura sobre o tema, projetada em dois níveis seqüenciais. Em primeiro 
lugar, enfocou-se o debate tipológico contemporâneo (dos anos 1960 aos 1990), 
confrontando-se interpretações e proposições dos autores mais significativos. Nesse 
processo, identificaram-se as raízes intelectuais mais expressivas do debate nos aportes 
teóricos de Quatremère de Quincy, Durand e Viollet-le-Duc. As suas contribuições foram 
então examinadas, principalmente por meio de leitura indireta, mas sem excluir a consulta 
e discussão de textos originais, em traduções contemporâneas. 
Essa reflexão levou à elaboração de uma interpretação, não propriamente dos conceitos de 
tipo e tipologia emanados das obras desses teóricos do século XIX, mas de suas 
abordagens tipológicas. Ou seja, a matriz de análise tipológica construída e utilizada neste 
trabalho, embora se informe da teoria tipológica dos 1800, se define a partir do vigoroso 
debate acadêmico de que foram objetos o tipo e a tipologia a partir dos anos 1960.
A validação dessa matriz para o caso da análise tipológica da arquitetura hospitalar teve 
lugar quando, após concentrar-se em extensa revisão bibliográfica da evolução histórica 
dos hospitais e da arquitetura hospitalar ocidentais, construiu-se uma interpretação 
tipológica dessa evolução histórica sob a mediação do conceito e do instrumental de 
análise definidos na etapa anterior. 
Também informada pela discussão e definição da abordagem tipológica, a atividade 
empírica básica da pesquisa consistiu em levantar e sistematizar informações – de distintas 
naturezas: bibliográficas, obtidas em entrevistas, fotográficas, arquitetônicas etc. – que 
11
permitissem reconstituir o mais fielmente possível o processo histórico de implantação de 
hospitais em Natal. A leitura desse processo histórico contextualizou os hospitais 
natalenses com respeito à evolução da cidade e das políticas públicas relevantes no setor 
saúde.
Para um subconjunto dos hospitais implantados, foi possível reconstituir satisfatoriamente 
o projeto de arquitetura inicialmente implantado. Esses hospitais foram objetos de análise, 
aplicando-se para tanto a matriz de análise tipológica previamente elaborada, permitindo 
enfim avaliar suas afiliações aos diferentes tipos arquitetônicos hospitalares fixados pela 
arquitetura ocidental. 
1.9. Estrutura do documento 
O presente documento está estruturado de formas a salientar o processo metodológico 
seguido no trabalho de pesquisa. Além deste capítulo inicial, o documento apresenta outros 
cinco capítulos e três anexos. 
O capítulo 2 está dedicado a apresentar os resultados do estudo realizado sobre o conceito 
de tipo e tipologia, culminando com a apresentação da matriz tipológica elaborada com 
base na discussão conceitual sobre o tema. No capítulo 3, o enfoque se dirige para a 
evolução tipológica da arquitetura hospitalar no mundo ocidental, apresentada sob a ótica 
da matriz de análise apresentada no capítulo anterior. 
O processo histórico de implantação de hospitais em Natal é analisado no capítulo 4, em 
que o pano de fundo das políticas nacionais de saúde pública e a evolução urbana de Natal 
marcam e conformam o cenário contextual que problematiza cada hospital implantado na 
cidade. Esses hospitais são então analisados tipologicamente no capítulo 5, apresentando-
se os resultados já de forma a salientar suas afiliações aos tipos arquitetônicos que, 
decantados da história dos hospitais no Ocidente, foram definidos no capítulo 3. 
Por sua vez, o sexto e último capítulo apresenta de forma sintética todos os resultados 
relevantes obtidos no curso do projeto de pesquisa conducente à elaboração dessa 
dissertação. 
Três anexos se integram ao documento: o primeiro apresenta um mapa de Natal com a 
localização dos hospitais; o segundo traz quadros que sintetizam as informações do 
capítulo 4; e, por fim, o terceiro apresenta os esquemas gráficos dos hospitais analisados. 
Capítulo 2 
 Tipo , t ipologia , anál i se t ipológica: 
d iscussão e def in ição conce i tual
13
2. Tipo, tipologia, análise tipológica: discussão e definição conceitual 
Este capítulo tem por finalidade a construção de um marco teórico que sirva de referência 
para o balizamento das etapas empíricas do trabalho de pesquisa. Assim, o objeto deste 
capítulo é o desenvolvimento de um conceito operativo de análise tipológica, com vistas a 
sua aplicação, no capítulo seguinte, ao estudo da evolução da arquitetura hospitalar no 
mundo ocidental, da Idade Média até a contemporaneidade. Os tipos arquitetônicos 
hospitalares decantados nesse estudo serão, posteriormente, adotados como referências 
para o enquadramento e análise da evolução da arquitetura hospitalar em Natal, ao longo 
do século XX. 
Como resultado dos estudos que se apresentam neste capítulo, definem-se a configuração e 
a especificação de um instrumental de análise tipológica, com base na discussão em torno 
dos conceitos de tipo que, com mais relevância, estão disponíveis na literatura teórica 
sobre o tema. A seleção dos conceitos de tipo que foram considerados para o 
desenvolvimento do quadro analítico teve por base uma revisão bibliográfica extensiva, a 
qual enfocou principalmente a produção intelectual sobre o tema que teve lugar a partir dos 
anos 60 do passado século. 
O exame dessa literatura apontou a relevância das proposições teóricas de Quatremère de 
Quincy, Jean-Nicolas-Louis Durand e Eugène Emmanuel Viollet-le-Duc, todas do século 
XIX. Tal seleção não se orientou apenas pelo nível ou intensidade com que esses três 
teóricos alimentaram o debate tipológico no século XX. Levou em conta também o fato de 
que suas elaborações teóricas, entendidas como distintas abordagens conceituais que se 
complementam – como se mostrará no corpo do capítulo –, podem ser integradas em um 
quadro de análise tipológica. 
Esse quadro, ao mesmo tempo mais complexo e objetivamente operacional, tem sua gênese 
na compreensão – compartida com autores como Oeschlin (1985), Francescato (1994), 
Madrazo (1995), entre outros – de que as abordagens de Quatremère, Durand e Viollet-le-
Duc podem ser articuladas no sentido de fornecer uma leitura mais ampliada do processo 
criativo do projeto em arquitetura, bem como de seu produto – o edifício. Como se verá 
nas seções seguintes, pode-se inferir essa possibilidade de conciliação entre as três 
abordagens em alguns dos momentos mais significativos do debate tipológico 
14
contemporâneo, bem como na utilização – implícita ou explícita – da abordagem tipológica 
na atividade projetual. 
Para atingir os seus objetivos instrumentais, este capítulo está estruturado em oito seções. 
Na primeira delas, situa-se a emergência do debate tipológico nos anos 1960, em conexão 
com a crise da Arquitetura Moderna. Os elementos e contribuições mais centrais desse 
debate – que marcou significativamente a cena teórica da arquitetura por, pelo menos, 
trinta anos – são escrutinados na segunda sessão. Na terceira, examinam-se as condições 
objetivas em que surgiram, nos primeiros anos do século XIX, as primeiras manifestações 
teóricas explicitamente concernentes à tipologia e ao tipo. As três seções seguintes estão 
respectivamente dedicadas à exploração dos conceitos de tipo desenvolvidos por 
Quatremère de Quincy, Durand e Viollet-le-Duc. Já a sétima seção se concentra no exame 
da possibilidade de, à luz das contribuições surgidas no debate tipológico contemporâneo, 
articular esses três conceitos relevantes de tipo em uma matriz de análise tipológica, a qual 
será detalhada na oitava e última seção. 
2.1. O conceito de tipo e a crise da Arquitetura Moderna 
A partir dos primeiros anos da década de 1960, estendendo-se até quase o final do século 
passado, o debate em torno dos conceitos de tipo e tipologia passou a desempenharum 
papel significativo na retomada da investigação teórica orientada pela busca de uma 
essência para a Arquitetura (NESBITT, 1996a). Quase ao mesmo tempo, como observou 
Moneo (1998), o conceito de tipo passou a ser explicitamente tratado no âmbito da teoria e 
da prática projetual, destacadamente no caso dos neo-racionalistas italianos. 
Analistas como Nesbitt (1996a) têm reivindicado para o tipo a capacidade de sintetizar os 
elementos essenciais da arquitetura – significado, forma, função e tectônica –, o que alçaria 
a tipologia à condição de elemento-chave da análise e/ou do processo projetual em 
Arquitetura. 
Por outra parte, Colquhoun (1996a) remarca que, na medida em que a tipologia tem o 
caráter de instrumento de memória cultural, ela adquire uma condição de significado 
arquitetônico e de mecanismo de retenção da significação cultural da arquitetura. Em 
direção similar, Francescato (1994) considera que o conceito de tipo forja um vínculo entre 
forma arquitetônica e precedente histórico, com tudo o que isso implica em termos do 
significado social e cultural do objeto arquitetônico.
15
Nesse sentido, pode-se entender o interesse pela tipologia no âmbito da busca do 
significado e da identidade arquitetônicas: o recurso ao tipológico oferece “continuidade 
histórica, o que confere inteligibilidade a edificações e cidades em uma dada cultura” 
(NESBITT, 1996a, p. 44). Isso esclarece porque o debate tipológico emergiu, nos anos 
1960, como uma das respostas tentativas à crise então vivenciada pela Arquitetura 
Moderna.
Afinal, uma característica fundamental do Modernismo na arquitetura foi a ruptura com a 
tradição. Essa ruptura se deu segundo dois pólos articulados que garantiram unidade e 
suporte ideológico-programático ao movimento em seus primeiros tempos: a negação 
estilístico-projetual-construtiva do século XIX, em prol da adesão às novas possibilidades 
tecnológico-formais da Era da Máquina; e a opção ética por um conteúdo social – utópico 
e transformador – para a prática da Arquitetura (PORTOGHESI, 1981; LARA, 1999). A 
desarticulação entre esses pólos minou a unidade política do Movimento, com a hegemonia 
tendendo para as preocupações de ordem formal-construtiva e reduzindo-se gradualmente a 
importância das questões sociais. 
Enquanto Lara (1999) data essa guinada em torno da Segunda Guerra Mundial (ou no 
período entre os CIAMs de 1937 e 1947), Vidler (1976) situa ainda no período entre as 
duas guerras mundiais (1919-1938) o surgimento de uma progressiva proeminência do 
processo tecnológico de produção industrial. Para ele, a tecnologia de produção em série 
passaria, já nos anos 1930, a servir de base para a projetação arquitetônica, estabelecendo-
se a máquina como tipo generalizado (a coluna, a casa e a cidade vistas analogamente à 
pirâmide de produção industrial) e como elemento de contorno, restritivo à investigação 
formal. 
Aqueles que optaram, no início do movimento, pela investigação formal e pelas questões 
endógenas da arquitetura no inicio do movimento – aqueles que Lara (1999, p. 5-6) 
designa por “estilistas” –, perderam o rumo e se dispersaram em subgrupos cada vez 
menores, fragmentando o “transatlântico modernista” em “balsas de identidade 
arquitetônica” e, depois, em “frágeis jangadas formais”, ancoradas em estilos pessoais. Por 
outro lado, os “sociologistas” – que optaram por enfatizar as transformações sociais que 
seriam propiciadas pela nova arquitetura – simplesmente desapareceram após a Segunda 
Guerra. Frampton (1989, p. 274) afirma que o processo se deu a partir de 1933, quando as 
16
“exigências políticas radicais do início do movimento tinham sido abandonadas”, até que 
“o idealismo liberal triunfou completamente” no pós-guerra. 
Dessa forma, a essência da arquitetura passaria a estruturar-se a partir de um elemento 
externo – a tecnologia industrial da construção civil, com seus padrões inspirados pelo 
objetivo da eficiência econômica3 –, ao mesmo tempo em que se deturpava ou se perdia de 
vista a missão política transformadora que validaria socialmente a arquitetura dos tempos 
modernos.
A esse quadro corresponde, como afirma Lara (1999, p.1), uma “profunda crise de valores, 
tanto interna (referente à falta de um suporte teórico consistente), quanto externamente 
(referente a seu papel nas esferas cultural e social)”. Em suma, uma crise de identidade e 
autonomia, em que o elemento central é o cerne mesmo da arquitetura: o significado. 
Em decorrência, o debate que se abre no âmbito dessa crise nos anos 1960 se nortearia pela 
retomada de uma preocupação com a essência disciplinar da arquitetura, o que colocava a 
questão de uma teoria inerente ao próprio objeto arquitetônico, mesmo quando essa teoria 
se articule com o entorno social, cultural, econômico e histórico. 
Colquhoun (2004, p. 92) assinala que, entre outras discussões, buscava-se então “redefinir 
o racionalismo nos termos de uma tradição autônoma da arquitetura”, pois “o que é 
‘racional’ em arquitetura é o que conserva a arquitetura como um discurso cultural que 
perpassa toda a história”. 
Assim, no âmbito da crise da arquitetura que culminou cinqüenta anos de permanência do 
paradigma modernista, o esforço pela reconstrução de uma identidade e de uma autonomia 
para a disciplina encontrou, entre outras alternativas, uma âncora legítima no debate 
tipológico e no conceito de tipo.
2.2. O debate tipológico: uma breve reconstituição 
O debate tipológico na contemporaneidade foi aberto por Giulio Carlo Argan, com seu 
artigo Sobre o conceito de tipologia (ARGAN, 1996, 2001), em que sugeria a retomada 
das proposições de Quatremère de Quincy, formuladas em princípios do século XIX. 
3 Colquhoun (2004, p. 89-90) revela que “o progresso técnico alcançou um patamar em que era possível 
aproveitar o aspecto racional/construtivo do modernismo para as necessidades ideológicas do 
desenvolvimento imobiliário, solapando, dessa maneira, os fundamentos utópicos do modernismo”. 
17
Naquele artigo, Argan não explorava a fundo, em verdade, a obra de Quatremère de 
Quincy. Tão somente partia da diferenciação tipo-modelo proposta por Quatremère para 
elaborar um entendimento do processo de formação tipológica e uma argumentação em 
defesa do papel da abordagem tipológica do processo projetual em arquitetura. 
Para os propósitos de Argan, o tipo arquitetônico é um esquema vago, um princípio ou 
regra geral, cujo caráter meramente nocional não pode afetar diretamente o projeto do 
edifício singular, muito menos suas qualidades formais. Trata-se de uma idéia-base, capaz 
de produzir infinitas variantes formais. Já um modelo seria um objeto real, concreto, a ser 
copiado perfeitamente, num processo eminentemente acrítico e não-criativo. 
Para Argan, um tipo arquitetônico nasce em função da existência 
de uma série de edifícios que têm entre si uma evidente analogia formal e 
funcional. Em outras palavras, quando um ‘tipo’ se forma na prática ou 
na teoria da arquitetura, ele já existe, como resposta a um complexo de 
demandas ideológicas, religiosas ou práticas, em uma dada condição 
histórica de alguma cultura (ARGAN, 1996, p. 243, tradução da autora4).
Logo, o processo tem uma dinâmica implícita, pois cada vez que uma série formal tem o 
incremento de uma nova variante – um novo objeto arquitetônico –, o tipo deduzido poderá 
ser mais ou menos alterado, em função do impacto mais ou menos intenso que o mais 
recente elemento introduzido na série possa produzir no princípio geral dedutível dessa 
série. Portanto, reflete Argan, a abordagem tipológica não inibe a inventividade do 
processo de projetação: há um momento tipológico, de apropriação de uma regra geral que 
se deduz da tradição, e há um momento criativo, inovador, em que essa regra geral, 
cotejada pelas demandas e exigências da situação presente, é traduzida em um objeto 
arquitetônico singular. 
A retomada das idéias de Quatremèrepor meio do artigo seminal de Argan foi oportuna. 
Naquele momento, como assinala Colquhoun (2004), se desenvolvia na Itália uma nova 
visão racionalista (o neo-racionalismo) pela qual as características da arquitetura não se 
vinculariam à tecnologia ou a formas especificamente contemporâneas das relações sociais 
e do comportamento em sociedade. Os neo-racionalistas, ao contrário, propunham que as 
características fundamentais da arquitetura persistem com as mudanças nos campos da 
4 Todas as citações presentes neste trabalho, à exceção de referências cujo idioma original seja o português, 
foram traduzidas do texto original pela autora. 
18
tecnologia e na sociedade, vinculando-se assim a uma imagem permanente do homem. Ou, 
nas palavras do mesmo Argan, 
os ‘tipos’ históricos [...] não pretendem satisfazer requerimentos práticos 
contingentes; eles se voltam a lidar com problemas mais profundos que – 
ao menos nos limites de uma dada sociedade – são entendidos como 
fundamentais e permanentes. Daí ser necessário aprender da experiência 
amadurecida no passado de modo a ser capaz de conceber formas que se 
apresentem como válidas no futuro (ARGAN, 1996, p. 244). 
Assim, a interpretação arganiana do conceito de tipo em Quatremère assimilava a 
preocupação de garantir uma continuidade autônoma para a arquitetura. 
Entretanto, a formulação de Argan de um processo criativo em dois tempos – um 
tipológico, outro de definição formal do novo objeto arquitetônico – restringia a 
abordagem tipológica a exame da arquitetura precedente como informação do processo 
projetual. Segundo Francescato (1994), coube a Ernesto Rogers ampliar a interpretação de 
Argan e assimilar mais intensamente a proposta de Quatremère, ao entender que o processo 
projetual não apenas se inicia com um momento tipológico, mas que também consiste de 
operações tipológicas. 
Na lógica projetual de Rogers, revela Francescato (1994), o ajuste forma-função não 
poderia ser garantido por uma série de procedimentos técnicos sobre o programa de 
necessidades, vez que resulta de um processo histórico em que edifícios reais são usados 
por pessoas e grupos em uma cultura específica. 
Por isso, questões de natureza tipológica teriam de ser conscientemente trabalhadas na fase 
de definição da forma. Além disso, ressalte-se que a escolha do tipo é um processo ativo, 
em que o arquiteto é levado a escolher, entre as referências tipológicas disponíveis, aquela 
que ele mesmo julgue como a mais adequada para o problema projetual que tem em mãos. 
Tal valoração do tipo, evidentemente, trazia implícita a necessidade de uma elaboração 
sistemática para o processo de abordagem tipológica da arquitetura e do projeto. As 
proposições de Rossi, tanto no campo acadêmico quanto na atividade projetual, vão nessa 
direção (MONEO, 1998; BRAGHIERI, 1997). 
Para Rossi (1995, p. 26-27), as idéias de Quatremère de Quincy seriam suficientes para 
estabelecer que o tipo “é a regra, o modo constitutivo da arquitetura”, ou, mais 
radicalmente, que o tipo “é a própria idéia da arquitetura, aquilo que está mais próximo de 
19
sua essência”. E, se esse tipo for uma constante, então ele “poderá ser encontrado em todos 
os fatos arquitetônicos”, constituindo-se como um “elemento cultural” que, embora 
determinado, conflita e articula-se com “a técnica, com as funções, com o estilo, com o 
caráter coletivo e o momento individual do fato arquitetônico”. 
Sobre essas bases, Rossi propunha a tipologia “como o estudo dos tipos não ulteriormente 
redutíveis dos elementos urbanos, tanto de uma cidade como de uma arquitetura”, 
afirmando a necessidade de seu amplo tratamento sistemático, pois se “nenhum tipo se 
identifica com uma forma”, “todas as formas arquitetônicas” são redutíveis a tipos, em um 
processo lógico. 
Quase vinte anos depois da primeira edição, em 1966, de A Arquitetura da Cidade (Rossi, 
1995), Rossi (1985, p. 100) afirmaria entender “a tipologia de um edifício como uma 
coleção de dados geométricos, técnicos e históricos que estão na base de todo projeto”, 
abrangendo também um componente antropológico, e cuja relevância é indubitável, seja 
para a teoria da arquitetura, seja para a prática profissional. 
Para Colquhoun (1975, p. 368), essa utilização da tipologia na obra de Rossi partia da idéia 
de tipo em um nível tão alto de generalização que ele se tornava quase invulnerável à 
interferência tecnológica e social. Decorriam daí imagens subjetivas e poéticas, mas 
fortemente vinculadas a utilizações de analogias ou contrastes, com resultados que, 
freqüentemente, evocavam leituras tipológicas próprias do arquiteto, e não reveladas pela 
cultura. Como sugeriu Moneo (1978, p. 36), os tipos parecem ter saído da imaginação de 
Rossi, resgatados de “um passado que pode não ter existido”. 
Francescato (1994) entende que a noção de tipo revelada por Rossi em sua atividade 
projetual parece ser fortemente prescritiva e, ao mesmo tempo, nostálgica: uma espécie de 
proposição visando à recuperação de binômios forma-função do passado, de maneira 
crítica ou poética. Essas observações, entretanto, não se estendem a outros representantes 
do neo-racionalismo italiano, como Aymonino, Gregotti e Grassi, entre outros, todos eles 
com atividade teórico-acadêmica paralela a uma, se não intensa, pelo menos significativa 
produção em arquitetura e urbanismo (COLQUHOUN, 2004). Agrupados no movimento 
conhecido como Tendenza, eles foram responsáveis pela qualificação do debate tipológico 
em seus princípios, tanto quanto pela posta em prática de estudos tipológicos e de projetos 
imbuídos de suas visões sobre tipo e tipologia (FRAMPTON, 1989). 
20
Oeschlin (1985, p. 67) situa o grupo mencionado como membros de um “círculo de 
iniciados” que, a partir da Itália, conseguiu produzir nos anos 1960 e 1970 uma discussão 
aprofundada e reveladora sobre a essência da arquitetura e sobre o processo criativo em 
projetação arquitetônica. 
Essa discussão, centrada na distinção tipo-modelo e nos modos de apropriação da análise 
tipológica na atividade projetual, pôde estabelecer um contraponto inicial a uma 
compreensão superficial do conceito de tipo. Oeschlin (1985, p. 66) identifica uma 
primeira reação à valoração da abordagem tipológica, atribuindo a Bruno Zevi a afirmação 
de que “a arte é anti-tipológica, toda criação arquitetônica é inevitavelmente uma 
interpretação individual do artista”. 
Nesse sentido, a tipologia veio a ser confundida com tipificação, e o conceito de tipo 
arquitetônico aproximado ao conceito de tipo funcional de edifício, como no conhecido 
trabalho de Pevsner (1976), ou ao de padrão volumétrico. 
No primeiro caso, como enfatiza Lampugnani (1985), o caráter banalizante da 
interpretação – tipologia assimilada a tipificação – está em sintonia com o conceito de 
eficiência econômica da produção de edifícios, de que se imbuiu o processo de edificação 
em massa da “casa mínima” a partir do CIAM de 1927. Aqui, o tipo não é derivado do 
precedente arquitetônico, e sim definido a partir das possibilidades tecnológicas de 
produção industrial de componentes padronizados. 
No segundo caso, assinala Francescato (1994), a banalização do conceito de tipo se dá pelo 
sentido meramente taxonômico que adquire. Um sentido que é capaz tão somente de 
produzir catálogos que são, no máximo, um passo intermediário no processo de 
estruturação do conhecimento, nunca um fim em si mesmo (UNGERS, 1985). Como 
afirma um crítico do pensamento tipológico, essas “formulações simplistas são pouco mais 
do que catálogos intermináveis e negligentes para os tímidos e os sem imaginação [...] 
confundem tipo e pensamento tipológico com cenografia histórica” (BELL, 1991, p. 19).
Os muitos usos e maus usos da palavra tipo – que admite muitas acepções –, às vezes do 
conceito – vago ou ambíguo –, produziram, a partir da retomada da discussão tipológica 
nos anos 1960, uma certa falta de objetividadetanto nas críticas quanto nas apologias da 
abordagem tipológica da arquitetura. 
21
Talvez o mais reiterativo e contundente crítico da abordagem tipológica, Peréz-Gómez 
(1991, p. 14-15) entende as formulações de Quatremère de Quincy como uma proposição 
de tipo como modelo formal, o que assimilaria a tradição arquitetônica a uma “auto-
referenciada história dos edifícios” que elude “a dimensão invisível” da arquitetura. 
Kahn (1991, p. 111) retruca que essa é uma compreensão univalente do tipo em 
Quatremère: ao ressaltar a natureza convencional da tipologia, confunde-se tipo e modelo e 
se omite “a tensão entre convenção e inovação” que é inerente ao ato arquitetônico de 
confrontar a “dimensão invisível” do tipo ao edifício material concreto. 
Por outro lado, Symes (1994) tenta extrair elementos para uma análise generalizada dos 
usos do tipológico na prática arquitetônica, a partir de uma caracterização de Vidler (1989, 
p. 147) pela qual “a idéia de tipo na teoria arquitetônica [...] tem um significado deveras 
abrangente de concepção, forma essencial, e tipo edilício”, devido ao fato de que as 
múltiplas acepções do termo tipo “fizeram com que se prestasse bem a representar uma 
idéia ao mesmo tempo vaga e precisa”. Symes (p. 165) propõe, então, uma nomenclatura 
em que o conceito de tipo é assimilado à palavra tipo para designar tipos de prática 
arquitetônica, tipos de arranjo físico e tipos de uso: tudo isso para descrever como “os 
arquitetos usam o pensamento tipológico em seu trabalho profissional”. 
Diante dessa profusão de leituras distintas, cabe estabelecer alguns elementos de partida 
com vistas a delimitar o entendimento do pensamento tipológico que guiará este trabalho. 
Admite-se a avaliação de Reichlin (1985) que, discutindo a natureza taxonômica do tipo, 
afirma que ele promove um censo do conhecimento e um reordenamento da experiência 
histórica em torno da disciplina arquitetônica. 
Mas, o remontar ao significado histórico não se dá somente pela permanência do tipo, 
como enfatiza Corona Martínez (2000), mas também por meio de processos de analogia ou 
mesmo de confrontação (SOLÁ-MORALES, 1996). 
Nesse sentido, a crítica de Pérez-Gómez (1991, p. 16-18), para quem o tipo “pode ser 
obviamente percebido na repetição de precedentes formais na história das edificações” e o 
seu uso como “banal” estratégia analítica ou projetual “nega a nossa [do arquiteto] real 
capacidade para a invenção e a imaginação” é contestada por Kahn. Os termos dessa 
contestação são postos pela afirmação de que, corretamente interpretado, o conceito de tipo 
“é um construto crítico operativo, igualmente relevante para o discurso arquitetônico em 
22
geral quanto para temas específicos de originalidade e repetição relativos ao papel do 
passado na produção arquitetônica de hoje” (KAHN, 1991, p. 113). 
Em verdade, o tipo revela e consolida a norma e os valores estéticos acumulados, como 
resultado de fatores socioculturais que condicionaram a formação desses valores e dessa 
norma. 
Mas, na mesma medida da permanente transformação dos fatores culturais da sociedade, o 
tipo e a abordagem tipológica estão associados ao processo contínuo de mudanças na 
norma e nos valores estéticos vigentes a cada momento (Colquhoun, 1996b). 
É daí que Hinson (1991, p. 5) realça a natureza dialética do conceito de tipo, expressa na 
relação conflituosa entre convenção e inovação, de modo que “o comum em arquitetura é o 
atributo sem o qual o incomum não pode ser criado nem apreciado”. 
A abordagem tipológica, então, traz implícita a necessidade de uma aproximação com a 
história, sem deixar de revê-la criticamente, de modo que o tipo sirva de base, natural ou 
social, para a constituição da forma e de referência de validação para a produção da 
Arquitetura (Vidler, 1976), dê-se essa validação pela utilização criativa do tipo, pela 
evolução ou pela revolução tipológica. 
Nas palavras de Colquhoun, a adoção de abordagens tipológicas não equivale 
a advogar uma reversão para uma arquitetura que aceite impensadamente 
a tradição. Isso implicaria acatar que formas e significado guardam uma 
relação fixa e imutável. A característica dos nossos tempos é a mudança, 
e é precisamente por isso que é necessário investigar o papel 
desempenhado por soluções-tipo com respeito a problemas e soluções 
que não têm precedente em qualquer tradição recebida (COLQUHOUN, 
1996a, p. 257). 
Munindo-se desses elementos, pode-se agora proceder a uma aproximação ao conceito de 
tipo a partir de sua mesma gênese no século XIX. Tal procedimento tem o objetivo de 
aportar ao trabalho a possibilidade de uma apropriação mais consistente do conceito, 
revelando a essência das abordagens teóricas de Quatremère de Quincy, Durand e Viollet-
le-Duc a partir de uma compreensão contemporânea dos conceitos de tipo e tipologia, com 
vistas a garantir relevância e coerência à matriz de instrumentos analíticos que é o objeto 
final do trabalho apresentado neste capítulo.
23
2.3. Antecedentes dos teóricos do século XIX 
As primeiras explicitações teóricas do tipo e da tipologia remontam a princípios do século 
XIX, quando, de acordo com Lavin (1992) e Madrazo (1995), Quatremère de Quincy 
introduzira por vez primeira o termo tipo na teoria da arquitetura. Entretanto, Madrazo 
(1995) assinala que a noção teórica e, mais tarde, o conceito de tipo sempre estiveram 
historicamente ligados a questões teóricas fundamentais na Arquitetura: a origem da forma 
e seu significado, a sistematização do conhecimento prevalente e a compreensão do 
processo criativo do projeto. 
Mauro (1985) informa que na filosofia grega o vocábulo typos era associado à noção de 
modelo, significando então um conjunto de características obrigatoriamente presentes em 
um grupo de indivíduos concretos. Madrazo (1995) fixa no século XVIII a apropriação do 
vocábulo tipo para designar o significado epistemológico da noção de forma, enquanto 
anteriormente o termo idéia integrava o significado epistemológico aos significados 
metafísico, ético e estético, como em Platão. 
No âmbito da teoria da arquitetura, as raízes do conceito de tipo podem ser rastreadas até 
os tempos de Vitrúvio (Madrazo, 1995). Para Vitruvio, as origens da arquitetura estavam 
na Natureza, de onde as criações humanas foram imitadas antes que se tornassem criações 
intelectuais ou artificiais. Na Renascença, Leonardo da Vinci e Palladio, com seus 
desenhos de igrejas de planta central e suas villas, exercitaram sua criatividade e seu 
talento, de origem divina, expondo variações sobre um mesmo tema. 
Para Madrazo, é nos séculos XVII e XVIII que os teóricos da Arquitetura vão por vez 
primeira separar os significados da idéia, dando origem à emergência de uma leitura 
epistemológica da forma que leva ao conceito de tipo em princípios do século XIX. 
Ressalve-se que o esforço conceitual de Quatremère de Quincy – e de Durand, seu 
contemporâneo – teve lugar, nas primeiras décadas dos 1800, quando, como nos anos 
1960, a disciplina da arquitetura vivia uma crise de identidade. Entretanto, a crise que 
levou aos questionamentos de Quatremère e Durand tinha razões bem distintas daquela que 
sucedeu o apogeu modernista. Em finais do século XVIII, a Arquitetura ainda se apoiava 
nas virtudes da tradição neoclássica e em sua formulação vitruviana: o divino e a natureza 
eram os alicerces em que se apoiava a criação arquitetônica. 
24
O desenvolvimento científico-tecnológico ocorrido no século XVIII não havia sido 
absorvido pela Arquitetura, enquanto que era rapidamente introduzido na formação 
profissional seguida nas escolas politécnicas francesas (PICON, 2000). O novo profissional 
egresso dessas escolas, o engenheiro, estava mais capacitado para absorver a dinâmica 
científico-tecnológica de seu tempo e, em conseqüência, era mais requisitado para dar 
conta das novas necessidades edilícias e urbanísticas surgidas no seioda Revolução 
Industrial e intensificadas com a consolidação da burguesia.
Assim, a não-apropriação do progresso técnico vai desqualificar o arquiteto como cientista, 
obrigando-o a rever os princípios teóricos de sua profissão, e fazendo a arquitetura 
ingressar em uma crise que, segundo Marques (199-), só seria superada com o 
Modernismo. Entretanto, ao longo do século XVIII, os paradigmas vitruvianos já vinham 
sendo questionados por teóricos como o Abade Laugier, Boullée e Ledoux. Em seus 
trabalhos, como mostra Vidler (1977), a noção de tipo já aparecia, embora sob distintas 
óticas, como uma diretriz de reconstrução da disciplina arquitetônica que se opunha à 
simples manipulação das ordens vitruvianas (MADRAZO, 1995). 
A linha de investigação de Laugier nasceu como um degrau a mais na pesquisa sobre 
percepção da forma arquitetônica, manifestada na distinção entre real e aparente 
desenvolvida pelos escritores franceses e ingleses no inicio do século XVIII (VIDLER, 
1977). Para Madrazo (1995), o Abade traduzia uma reação contrária ao excesso de 
formalismo na arquitetura de seu tempo (o barroco e o rococó). 
Para corrigir esses excessos, Laugier achou necessário retornar à origem da Arquitetura 
para encontrar os seus princípios fundamentais, atribuindo então à “cabana primitiva” um 
caráter normativo, e erigindo-a no modelo a partir do qual toda arquitetura poderia ser 
criada (VIDLER, 1977). A cabana primitiva de Laugier é um construto conceitual, mais 
que um protótipo físico. Trata-se de um padrão abstrato que é deixado na mente depois de 
observações de similaridades entre objetos diferentes. Logo, revela um processo relacional 
entre percepção e aquisição do conhecimento. 
Contemporaneamente a Laugier, uma noção similar de padrão abstrato de que derivaria a 
criação arquitetônica fazia parte dos trabalhos de Boullée e Ledoux (PICON, 2000). 
Avessos à diretriz vitruviana, tentaram identificar componentes fundamentais da 
Arquitetura, dirigindo sua investigação em duas direções: as sensações produzidas por 
25
formas elementares e os aspectos funcionais do espaço arquitetônico. A ênfase de Boullée 
nas formas geométricas mais puras partia do entendimento de serem elas mais facilmente 
apreendidas pelos usuários. Os estudos de Boullée e Ledoux, entretanto, não chegaram a 
sintetizar as duas dimensões (sensações e funcionalidade), de modo que seus conceitos 
básicos não resultaram operacionais (VIDLER, 1977). 
É a partir dessas duas matrizes de investigação – Laugier, de um lado; do outro, Boullée e 
Ledoux – que o conceito de tipo se desenvolveria na virada do século XVIII para o XIX. 
Os trabalhos do Abade Laugier seriam redimensionados por Quatremère de Quincy, 
enquanto que as investigações de Boullée e Ledoux seriam retomadas por Durand. 
2.4. Tipo na visão de Quatremère de Quincy 
Quatremère explicitou pela primeira vez na teoria da arquitetura o termo tipo, em 1825. 
Em sua obra, as idéias neoplatônicas de Laugier sobre o caráter original da cabana vão 
encontrar uma tradução culturalista (LAVIN, 1992). Tanto Laugier como Quatremère 
acreditavam que a arquitetura tinha de ser regenerada, depois do excesso cometido no 
passado imediato. Eles estavam certos que depois do abandono do modelo clássico, a 
arquitetura se sentiria sem direção (MADRAZO, 1995). A solução que eles defendiam era 
a mesma: era necessário voltar ao principio. Para Laugier, esse princípio era a cabana; para 
Quatremère, era o tipo. 
Pesquisando diferentes culturas, Quatremère concluiu que a cabana não era a única fonte 
de toda arquitetura. Havia três fontes básicas, das quais toda arquitetura teria sido derivada. 
A essas fontes ou germes, Quatremère chamou tipos – a cabana, a tenda e a caverna –, cada 
um deles correspondente a uma organização social: respectivamente, comunidades 
agrícolas sedentárias, tribos nômades, e caçadores. Daí, Quatremère concluiu que o tipo 
estabelece uma conexão entre Arquitetura e sociedade, entre o projeto e as forças sociais 
subjacentes, indicando uma dinâmica tipológica correspondente à dinâmica social 
(LAVIN, 1992).
Quatremère mantém a interpretação de que esses tipos originais informam todo o processo 
criativo em Arquitetura. Logo, a doutrina da imitação esta no núcleo do conceito de tipo de 
Quatremère. De acordo com ele, a arquitetura seria uma arte imitativa. Por esta razão, 
segundo a nomenclatura proposta por Madrazo (1995), ele diferenciou duas formas de 
imitação na arte: a primeira, uma imitação literal ou real, em que o objeto de imitação é 
26
um modelo concreto (mimese direta); a segunda, uma imitação ilusória ou abstrata, na 
qual o objeto de imitação é o tipo (mimese indireta). 
Assim, para Quatremère (apud MADRAZO, 1995, p. 188), “... para tudo é necessário um 
antecedente, nada sai do nada”. Para ele, o artista arquiteto compõe sua criação a partir da 
apreensão e da compreensão de uma regra interna que estrutura a forma. Trata-se do tipo, 
um elemento abstrato a partir do qual se produzem obras (modelos) diferentes. Tipo e 
modelo são assim diferenciados por Quatremère: 
A palavra tipo não representa tanto a imagem de uma coisa que tenha 
que se copiar e imitar-se perfeitamente, senão a idéia de um elemento 
que deve servir de regra ao modelo [...] O modelo, entendido segundo a 
execução prática da arte, é um objeto que deve se repetir tal qual é; o 
tipo, ao contrário, é um objeto de acordo com o qual cada um pode 
conceber obras que não se assemelham em absoluto entre si. Tudo está 
dado e é preciso no modelo; tudo é mais ou menos vago no tipo. Assim 
vemos que a imitação dos tipos não tem nada que o sentimento e o 
espírito não possam reconhecer (QUATREMÈRE DE QUINCY, 1985, 
p. 75). 
Basicamente, Quatremère afirmou a necessidade de transcender a mera aparência dos 
modelos e descobrir as regras e princípios a ele subjacentes, em uma atividade intelectual 
criativa que captura o ponto de partida da criação a partir do modelo. As palavras de 
Quatremère afirmam sua visão de que o modelo é uma forma para ser repetida, copiada e 
imitada, e desta forma, é mais apropriada para o artesanato ou para tecnologias da 
produção industrial do que para a arquitetura. A doutrina da imitação era válida tanto para 
a arquitetura como para a pintura e a escultura. A diferença era que, em arquitetura, o 
objeto de imitação – o tipo – é abstrato; nas artes figurativas, o modelo é um objeto 
concreto.
Indo mais além, afirma Lavin (1992), o conceito de tipo foi a estrutura na qual Quatremère 
ancorou seu entendimento da história da arquitetura. Para Quatremère, a relação entre as 
arquiteturas primitiva e moderna pode ser entendida pelo estudo do processo de 
transformação do tipo, uma metamorfose conceitual requerida cada vez que um edifício foi 
projetado. Como resultado, o tipo arquitetônico do passado tornou-se chave para o tipo 
futuro e, mais importante, para a sua legitimação pública e social. 
Assim, Quatremère elaborou um argumento em que a evolução histórica da arquitetura 
deixa de ser linear, em que tipos arquitetônicos oriundos de distintas culturas e momentos 
históricos se cruzam, e em que o processo de imitação (mimese indireta) se caracteriza pela 
27
atividade intelectual criativa de conceber e reconhecer um princípio ideal que estruture a 
atuação criadora do arquiteto. Esse princípio, como assinala Oeschlin (1985), pressupõe 
um enfoque sistemático, não apenas descritivo, do contexto histórico das regras, 
permitindo que essas sejam transpostas para a metodologia projetual. 
Oechslin (1985) conclui das reflexões de Quatremère a evidência de que o tipo não é um 
modelo simplificador, um padrão reduzido da descoberta arquitetônica. Ao contrário, 
Oeschlin considera o conceito de tipo como uma construção teórica inteligentemente 
edificada, a partir da qual se pode estabelecer uma compreensão tanto do processo 
evolutivo da Arquitetura quanto do processocriativo da projetação, nas suas recíprocas 
interdependências. 
Entretanto, não cabe dúvida de que a formulação conceitual de Quatremère é 
extremamente abstrata, de forma vaga e de difícil operacionalização. Alguns, como Pérez 
Gómez (1991), a consideram com uma noção bastante confusa e, de certa forma, inútil. 
Essas críticas, entretanto, segundo Francescato (1994), estão muito ligadas à idéia de que o 
enfoque tipológico aprisiona a mente criadora do arquiteto nos limites da convenção, o que 
seria indesejável em um campo em que deve sobressair-se a invenção. 
O próprio Quatremère já entendia o tipo como algo limitante, mas ao mesmo tempo 
liberalizante das energias criadoras do arquiteto (FRANCESCATO, 1994). Afinal, a 
dinâmica tipológica certamente supõe a progressiva alteração dos tipos, da mesma forma 
que admite tanto a permanência do precedente quanto a sua negação pela geração de um 
tipo novo. 
O elemento central do debate sobre a validade das formulações de Quatremère passa pela 
discussão dessa natureza supostamente conservadora, anticriativa, do conceito de tipo. 
Francescato (1994) considera que parte da imprecisão do debate se deve à releitura de 
Argan das idéias de Quatremère. Enquanto que este dava ao tipo uma orientação 
neoplatônica, pensando o tipo como uma entidade a priori, Argan (1996, 2001) viu o tipo 
como resultado de uma pesquisa de coisas em comum a trabalhos reais de arquitetos, ou 
seja, como um exame a posteriori objetivando o descobrimento da “estrutura interna 
formal” de uma série de trabalhos. Argan, como historiador, estava primariamente 
interessado nas qualidades descritivas e taxonômicas do tipo e somente incidentalmente 
naquelas que devem afetar a geração de formas. 
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Para Francescato (1994), há que se admitir que existe uma prática de utilização do conceito 
de tipo, em arquitetura, meramente como um esquema taxonômico, geralmente associado a 
categorias funcionais ou de construção. Mas, nesses casos de utilização do conceito, em 
que se salienta o elemento funcional ou tecnológico, o atributo da forma não é central. 
Para Quatremère, ao contrário, a geração da forma está no núcleo do conceito de tipo. 
Portanto, essa visão meramente “classificadora” não pode ser assimilada a Quatremère. 
Sua teoria tipológica, ao diferenciar claramente os conceitos de tipo e modelo e definir o 
tipo como um núcleo abstrato capaz de gerar obras diferentes, ressalta o papel criativo do 
arquiteto ao afirmar que a forma resulta de operações intelectuais criativas operando sobre 
as idéias (o tipo) que estão por trás das formas precedentes. 
2.5. O tipo na obra de Durand 
Contemporâneo de Quatremère, Jean-Nicolas-Louis Durand retomou os estudos de Boullée 
e Ledoux em busca de identificar fundamentos da arquitetura precedente. Boullée e 
Ledoux haviam trabalhado, sem êxito, na direção de sintetizar duas vertentes da análise 
dos espaços arquitetônicos: as sensações produzidas e os aspectos funcionais. Durand, 
entretanto, se fixou apenas nos elementos formais da arquitetura pregressa (PICON, 2000), 
com o objetivo de produzir um método operativo de análise e projetação que internalizasse 
o conhecimento e a manipulação de soluções prevalentes. 
Arquiteto, teórico pragmático e professor da Escola Politécnica de Paris, onde o ensino se 
centrava em conhecimentos científicos e tecnológicos, Durand orientou seu esforço de 
pesquisador para uma fazer arquitetônico que fosse, nas palavras de Picon (2000), tão 
rigoroso quanto as ciências da observação e dedução, tão eficiente quanto a engenharia. 
Durand rejeitava as teorias de Vitrúvio e de Laugier, que defendiam que o princípio 
fundamental da arquitetura estava no corpo humano e na cabana, respectivamente. Para 
ele, o verdadeiro princípio fundamental da arquitetura – ou seja, o tipo – devia ser buscado 
na própria arquitetura. Por isso, Durand analisou os edifícios do passado, sintetizando-os 
para revelar suas características comuns, representadas em formas geométricas básicas 
(MADRAZO, 1995).
Seu trabalho teórico mais conhecido está recolhido em duas obras publicadas entre 1800 e 
1805: o Recueil et parallèlle dês edifices de tout genre, anciens et modernes e o Précis des 
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leçons d’architecture données à l’École Polytechnique (DURAND, 2000). Este último, um 
curso básico em arquitetura para futuros engenheiros, lançava mão do material 
sistematizado no primeiro para orientar a aprendizagem da projetação de edifícios. Daí 
pode-se depreender uma preocupação essencial na obra de Durand: o projeto. 
O Recueil tinha o objetivo de apresentar, desenhados em uma mesma escala, edifícios 
relevantes de todos os gêneros, novos ou antigos, e em vários países. Os edifícios eram 
comparados entre si, sugerindo, segundo Villari (1990, p. 55), a idéia de investigação em 
que a arquitetura – “concebida como um modelo de organização funcional para a atividade 
humana” – seria uma representação das formas da vida social e do modo de vida. Nessa 
direção, o trabalho de Durand no Recueil pode ser entendido como um levantamento 
sistemático de exemplares precedentes, que podem ser usados de forma a constituir-se, na 
mente do estudioso arquiteto, em fonte de conhecimento e cultura. 
As intenções de Durand eram as de apresentar plantas e elevações dos edifícios analisados 
na forma mais limpa possível. Para ele, o desenho era apenas um instrumento de 
representação da arquitetura dos edifícios, uma transcrição tecnográfica (VILLARI, 1990). 
Em suma, Durand buscava uma representação o mais fiel possível da anatomia do edifício, 
descartando efeitos meramente decorativos e concentrando-se nas definições mais 
puramente geométricas do projeto, para ele os princípios genéricos da Arquitetura 
(MADRAZO, 1995). 
Vê-se que o Durand do Recueil não desmerece o Durand do Précis. Neste livro, Durand 
(2000) propunha um método de projeto baseado em três etapas. A primeira, cujo objeto são 
os elementos da arquitetura, está concentrada em alvenarias, colunas, arcadas etc., 
analisadas dos pontos de vista da qualidade do material e de seu uso, ou seja, a tecnologia 
construtiva (VILLARI, 1990). 
A segunda etapa do método de Durand se dirige à composição, a qual ele mesmo definia 
como um processo de agregação ou encaixe (assamblage) dos elementos e das partes da 
arquitetura. Nas palavras de Durand: 
em primeiro lugar, devemos ver como os elementos da arquitetura 
deveriam ser combinados entre si e como deveriam se encaixar no todo, 
tanto no plano horizontal quanto no vertical; em segundo lugar, devemos 
verificar como, por meio das combinações de elementos, as partes do 
edifício – como pórticos, átrios, vestíbulos, escadas interiores e 
exteriores, cômodos em geral, pátios, fontes – são obtidas. Se julgarmos 
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o resultado satisfatório, devemos então combinar as partes para compor 
o edifício (DURAND, 2000, p. 119). 
Na terceira etapa do Précis, Durand examina diversos edifícios com respeito a suas 
funções, como elas se combinam e como se traduzem espacialmente, para finalmente 
estudar a articulação desses espaços (DURAND, 2000). Para Villari (1990), o resultado 
desse processo é uma classificação tipológica que, entretanto, só tem sentido quando está 
relacionada com as duas etapas anteriores. Assim, embora Vidler (1977) atribua a Durand 
a paternidade do moderno conceito de tipologia, não parece ter sido a categoria do edifício, 
assim definida pela função, o objeto central das preocupações de Durand. 
Com efeito, Oeschlin (1985) ressalta em Durand o apego à geometria, a suas formas 
básicas e à riqueza de possibilidades que se abrem mediante a articulação dessas formas 
básicas em formas cada vez mais complexas. Se, lembra Oeschlin, o Précis mostra 
precisamente como edifícios existentes podem ser reduzidos geometricamente até serem 
“anatomicamente” dissecados em partes constituintes singelas, isso se deve a que Durand 
estava realmente

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