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Literatura Inglesa Material Teórico Responsável pelo Conteúdo: Prof.a Dr.a Palma Simone Tonel Rigolon Revisão Técnica: Prof.ª Dr.ª Nathalia Botura Revisão Textual: Prof. Esp. Bruno Reis Literatura Pós-Colonial e o Mundo Globalizado 5 • A Literatura Pós-Colonial • Literatura Pós-Moderna • Autores contemporâneos O objetivo desta unidade é discutir alguns aspectos da literatura pós-colonial, apontando características do hibridismo cultural e seus reflexos na literatura. Trabalharemos também autores pós-modernos e contemporâneos. Para obter um bom desempenho, você deve percorrer todos os espaços, materiais e atividades disponibilizados na unidade. Comece seus estudos pela leitura do Conteúdo Teórico. Nele, você encontrará o material principal de estudos na forma de texto escrito. Depois, assista à Videoaula, que sintetizam e ampliam conceitos importantes sobre o tema da unidade. Por fim, consulte as indicações sugeridas nas seções Material Complementar e Referências Bibliográficas para aprofundar e ampliar seus conhecimentos. Lembramos você da importância de realizar todas as leituras e as atividades propostas dentro do prazo estabelecido para cada unidade, no cronograma da disciplina, disponível no Bb no link “Calendário”. Para isso, organize uma rotina de trabalho e evite acumular conteúdos e realizar atividades no último minuto. Em caso de dúvidas, utilize a ferramenta “Mensagens” ou “Fórum de dúvidas” para entrar em contato com seu(sua) tutor(a). É muito importante que você exerça a sua autonomia de estudante para construir novos conhecimentos. Literatura Pós-Colonial e o Mundo Globalizado 6 Unidade: Literatura Pós-Colonial e o Mundo Globalizado Contextualização Conforme já mencionamos, estudaremos a literatura pós-colonial, que busca constituir a identificação de um povo e a maneira pela qual a língua, a cultura, a religião e a forma de pensar foram alteradas em virtude de todo o processo colonial. De acordo com o dicionário eletrônico Houaiss, a definição de pós-colonialismo é: “uma corrente de crítica de inspiração pós-estruturalista que se especializa em buscar traços de dominação colonial no pensamento e no texto literário”. Segundo Aschcroft et al. (2001), o termo pós-colonialismo refere-se às culturas afetadas pelo processo imperial do momento da colonização até o presente. Essa definição já revela que o “pós” do termo não é uma referência temporal, a um evento passado, e sim uma referência de lugar, ou seja, refere-se aos locais onde diferentes povos foram afetados pelo colonialismo. Esse tipo de literatura nos proporciona o contato com diferentes culturas que foram silenciadas por muito tempo devido à colonização e ao consequente poder do colonizador. São considerados literatura pós-colonial os textos produzidos após a Segunda Guerra Mundial (1939-1945). Após trabalharmos a literatura do pós-colonialismo, trabalharemos a questão da globalização e seus reflexos na literatura inglesa. 7 A Literatura Pós-Colonial A literatura teve um papel importantíssimo durante o período da colonização. Como exemplo, podemos citar o gênero romance, que foi central no processo de colonização da Índia. Festino (2007) aponta que foi por meio do romance que as elites indianas se familiarizaram com a maneira de pensar e os padrões culturais europeus e relegaram sua cultura a segundo plano. Isso produziu uma aproximação dos ingleses e do modo ocidental de pensar, bem como um afastamento de sua própria cultura, ou seja, os ingleses utilizaram sua tradição literária para “civilizar” os indianos. Porém, o que os ingleses não consideraram foi o papel subversivo da literatura: os colonizados se apoderaram da língua (o inglês) e do gênero (o romance) do colonizador para recriar sua própria cultura, que tinha sido menosprezada pelo colonizador, e assim resistir. Festino (2007) ainda aponta como exemplo desse processo, o prefácio do romance indiano Kanthapura (1938), do escritor Raja Rao. O teórico afirma também que o gênero é o elo entre o escritor e o leitor. Muitos dos romances escritos na Índia no século XIX e na primeira parte do século XX apresentam um prefácio no qual o escritor sente a necessidade de explicar o novo estilo para sua audiência local e estrangeira. No prefácio de Kanthapura, Rao narra o encontro entre a forma narrativa inglesa e a cultura indiana (Festino, 2007). Observe: There is no village in India, however mean, that has not a rich sthala-purana, or legendary history, of its own. Some god or godlike hero has passed by the village — Rama might have rested under this pipaltree, Sita might have dried her clothes, after her bath, on this yellow stone, or the Mahatma himself, on one of his many pilgrimages through the country, might have slept in this hut, the low one, by the village gate. In this way, the past mingles with the present, and the gods mingle with men to make the repertory of your grandmother always bright. One such story from the contemporary annals of a village I have tried to tell. The telling has not been easy. One has to convey in a language that is not one’s own, the spirit that is one’s own. One has to convey the various shades and omissions of a certain thought movement that looks maltreated in an alien language. I use the word ‘alien’, yet English is not really an alien language to us. It is the language of our intellectual make-up like Sanskrit or Persian was before — but not of our emotional make-up. We are all instinctively bilingual, many of us writing in our own language and in English. We cannot write only as Indians. We have grown to look at the large world as part of us. Our method of expression therefore has to be a dialect which will some day prove to be as distinctive and colorful as the Irish or the American. Time alone will justify it. After language the next problem is that of style. The tempo of Indian life must be infused into our English expression, even as the tempo of American or Irish life has gone into the making of theirs. We in India, think quickly, we talk quickly, and when we move, we move quickly. There must be something in the sun of India that makes us rush and tumble and run on. And our paths are paths interminable. The Mahabharata 8 Unidade: Literatura Pós-Colonial e o Mundo Globalizado has 214.778 verses and the Ramayana 48.000. The Puranas are endless and innumerable. We have neither punctuation nor the treacherous ‘ats and ons’ to bother us — we tell one interminable tale. Episode follows episode, and when our thoughts stop our breath stops, and we move on to another thought. This was and still is the ordinary style of our story-telling. I have tried to follow it myself in this story. It may have been told of an evening, when as the dusk falls, and through the sudden quiet, lights leap up in house after house, and stretching her bedding on the veranda, a grandmother might have told you, newcomer, the sad tale of her village. (RAO, 1938, apud FESTINO, 2007) Festino (2007) explica que Rao é ciente de que seu texto implica duas audiências e olha em duas direções, já que, no tempo ficcional do texto, ele relaciona a cultura do colonizador à dos indianos. Por um lado, Rao diz escrever um “romance”, apropriando-se de uma forma europeia de narrar; por outro, ele explica que, segundo a tradição literária indiana, lenda e história vão se entrelaçar no seu texto quando homens, como Gandhi, e deuses, como Rama (que, por sua vez, compartilham do divino e do humano ao mesmo tempo) vão caminhar pelas mesmas ruas. Assim, por meio da sua narrativa, o gênero romance vai ser vernacularizado quando o tempo divino e o mortal, o presente e o passado da nação, passam a coexistir lado a lado. Essa discussão nos mostra o hibridismo cultural trazido pelo processo de colonização. Tanto a cultura do colonizado como a do colonizador são influenciadas, tornando-se híbridas. Então percebemos que esse hibridismo começou há muito tempo,não é mesmo? Imagine agora como as culturas se influenciam nesse mundo globalizado em que vivemos. Sabemos o que se passa do outro lado do mundo em questão de segundos, temos acesso a todas as culturas por meio de um clique. Então, a globalização afeta a literatura e a língua dos povos do mundo. É importante termos isso em mente. Bem, agora que discutimos um pouco sobre o hibridismo presente na literatura pós-colonial e abordamos brevemente o hibridismo trazido pela globalização, vamos tratar dos autores contemporâneos que, inevitavelmente, são influenciados por todas as questões que foram abordadas até agora. 9 Literatura Pós-Moderna O Pós-Modernismo é um movimento literário que teve início a partir de 1950, uma época marcada pela Guerra Fria e pelos excessos de consumo. Difere do Modernismo porque tira o convencional de foco e sua estrutura é completamente solta no tempo e no espaço. Além disso, esse movimento não tem a preocupação em atender o gosto popular. Como uma das características, podemos dizer que há uma tentativa de estabelecer a validade trans-histórica ou transcultural, que afirma que a pesquisa para a realidade é inútil, já que o “real” é condicionado por tempo, lugar, raça, classe, gênero e sexualidade. Não há nenhum conhecimento ou experiência que seja superior ou inferior a outra. Esse período foi desenvolvido na segunda metade do século XX, influenciado por uma série de acontecimentos que marcaram a época, como, por exemplo, o genocídio que ocorreu durante a Segunda Guerra Mundial, a Revolução Cultural chinesa, a destruição em massa causada por bombas atômicas lançadas sobre Hiroshima e Nagasaki, a insegurança da Guerra Fria, bem como a supremacia de corporações multinacionais, e o pós-industrialismo, com as novas tecnologias, a violência, a contra-cultura e a cultura de consumo, tudo isso influenciou a percepção dos escritores da época. Enquanto o Pós-Modernismo teve pouca relevância para a poesia e apenas uma influência limitada no drama moderno (aplicada apenas para o Teatro do Absurdo), teve um enorme impacto na ficção, especialmente nos romances. Podemos citar os seguintes autores: Samuel Beckett (1955) e John Osnorne (1956), com o teatro do absurdo; as mulheres escritoras que discutiam a questão do feminismo, como Angela Carter e Fey Weldon; George Orwell (1949); William Goldwin (1954). Escolhemos o autor Graham Greene e sua obra The Power of Glory (1939) para analisar. Vamos a ele? Graham Greene (1904-1991) Henry Graham Greene nasceu em 2 de outubro de 1904 em Berkhamsted, Inglaterra. Teve uma infância difícil, tentou suicídio em várias ocasiões. Por causa disso, foi encaminhado a uma terapeuta que lhe sugeriu que olhasse para a escrita como uma forma de lidar com suas emoções turbulentas. Na Balliol College, em Oxford, estudou história moderna, trabalhou como editor de um jornal do campus e viveu um estilo de vida um tanto quanto libertino. Após a graduação, trabalhou para o jornal The Nottingham Journal e conheceu sua futura esposa, Vivien Dayrell-Browning, que foi fundamental para sua conversão ao catolicismo. Após a publicação de The Man Within, que foi um sucesso comercial e de crítica, começou a escrever em tempo integral. Depois de certo tempo, começou a escrever roteiros de filmes, críticas para cinema e tornou-se um crítico bem conceituado. Fonte: Wikimedia Commons 10 Unidade: Literatura Pós-Colonial e o Mundo Globalizado Em 1939, escreveu The Power of Glory (O Poder e a Glória), que é uma crítica à perseguição religiosa. Nesse mesmo ano, publicou The Confidential Agent e escreveu histórias infantis, que foram publicadas após o fim da guerra. Seu romance The Heart of the Matter é baseado em suas experiências em Serra Leoa durante a guerra, onde passou a trabalhar para o Serviço Secreto de Inteligência em 1941. Ao longo de sua vida, Greene frequentemente visitava locais de conflito como Vietnã, Quênia, Polônia, Cuba e Haiti, com o objetivo de coletar material para seus romances. O autor morreu na Suíça em 1991. Burgess (2008) aponta que Greene mostra-se obcecado pelo problema do bem e do mal. Segundo o teórico, seus livros são uma mistura de “teologia e do mais direto realismo moderno”. São essas características que veremos em O Poder e a Glória. The Power and the Glory (O Poder e a Glória, 1939) Vamos começar contando um pouco sobre os personagens principais dessa história. » O Padre: sem nome durante toda a narrativa, também chamado de “o padre uísque”, é o protagonista do romance. Passa a maior parte da narrativa em fuga da polícia por ser o único padre católico remanescente e atuante. Sem amigos e sem teto, está à procura de um propósito para sua vida. Depois de algum tempo, o Padre encontra sua filha, fruto de um caso secreto com uma das paroquianas. » O Tenente: defensor da lei e opositor da Igreja Católica, é o perseguidor do Padre. Seu ódio pela Igreja vem de sua infância. » O Mestiço: uma pessoa que o Padre encontra em sua jornada, é de caráter duvidoso e tem por objetivo enganar o Padre. Agora que já conhecemos os principais personagens dessa história vamos contar rapidamente um pouco da trama antes de analisá-la. No início da narrativa, o Padre já está em fuga da polícia. Nessa fuga acaba indo para uma aldeia onde já havia trabalhado e encontra Maria, com quem teve uma filha, Brígida. Depois de rezar a missa, o Tenente aparece com soldados para prender o Padre. O Padre vai para a praça da cidade com o objetivo de enfrentar seus “inimigos”, porém ninguém o delata e o Tenente acaba levando uma mulher como refém caso ninguém conte sobre o paradeiro do Padre. Nosso protagonista vai para a cidade de Carmen e, no caminho, encontra um homem conhecido como Mestiço que o acompanha em sua jornada. A intenção do Mestiço é entregá- lo para a polícia para obter o dinheiro da recompensa. O Padre acaba sendo preso por outro motivo. Na prisão, encontra o Mestiço novamente. Acaba sendo solto. Depois de vários acontecimentos, o Padre é finalmente preso. 11 Análise Nessa narrativa, Greene analisa as bases do pecado e da salvação e tem como foco os últimos meses de vida de um homem que é o último padre católico que ainda pratica sua vocação clandestinamente. O mais genial da obra é que o autor permite que o leitor tire suas próprias conclusões com relação ao destino do Padre na eternidade. A obra nos mostra o contrassenso do ser humano por meio do personagem principal, que insiste em continuar praticando sua vocação às escondidas para realizar a vontade de Deus, mas por outro lado, é um beberrão que cometeu adultério. O texto mostra duas visões, a reflexão do Padre sobre o estado de sua alma e sobre as questões teológicas, como o pecado, por exemplo. Veja o excerto a seguir, extraído do Capítulo 3. That was another mystery: it sometimes seemed to him that venial sins—impatience, an unimportant lie, pride, a neglected opportunity—cut off from grace more completely than the worst sins of all. Then, in his innocence, he had felt no love for anyone: now in his corruption he had learnt… (GREENE, 1939) Ao abordar os pecados veniais, que são os pecados considerados mais leves, o autor os retrata como sérios, pois podem passar despercebidos na vida das pessoas e por isso podem causar um atraso no aperfeiçoamento do espírito. Porém Greene aponta que, mesmo os pecados sendo considerados “piores”, as pessoas que os cometem são consideradas “inocentes” porque não têm consciência deles. No caso do protagonista da narrativa, ele aprende a sentir amor mesmo com seus atos “corruptos”. O trecho a seguir, extraído do Capítulo 2, descreve o Tenente. Por meio desse personagem, o autor tece uma crítica velada às pessoas sem fé. Observe: Heat stood in the room like an enemy. But he believed against the evidence of his senses in the cold empty ether spaces. A radio was playing somewhere: music from Mexico City, or perhaps even from London or New York filteredinto this obscure neglected state. It seemed to him like a weakness: this was his own land, and he would have walled it in with steel if he could, until he had eradicated from it everything which reminded him of how it had once appeared to a miserable child. He wanted to destroy everything: to be alone without any memories at all (GREENE, 1939, grifo nosso) Esse excerto enfatiza a crença do Tenente no vazio. Curiosamente, o narrador afirma que, mesmo contra tudo, é necessário ter fé em alguma coisa, mesmo que seja uma fé sem propósito, ou seja, segundo o autor, a crença no nada não existe verdadeiramente. Percebemos também que o calor e a música aparecem como “inimigos” do Tenente e são coisas que enfeitam a vida do ser humano “normal”. O narrador deixa registrado que os sentimentos do Tenente são cheios de violência e negação à vida; são sentimentos de alguém que é contra o catolicismo, contra a vida. 12 Unidade: Literatura Pós-Colonial e o Mundo Globalizado No Capítulo 1, também encontramos uma citação importante que ilustra a linha tênue que existe entre o desejo de perfeição espiritual e a perfeição como algo que não faz parte da humanidade, já que o ser humano é imperfeito por natureza. One mustn’t have human affections—or rather one must love every soul as if it were one’s own child. The passion to protect must extend itself over a world—but he felt it tethered and aching like a hobbling animal to the tree trunk. He turned his mule south (GREENE, 1939) Nesse trecho, o Padre sente-se culpado por amar tanto sua filha, fruto de adultério, pois, de acordo com sua religião, ele teria de amar a todos da mesma maneira, sem parcialidade. Essa é uma questão implícita em todo o romance e deixa vários questionamentos ao leitor, como, por exemplo, até que ponto os seres humanos são obrigados a se libertar de respostas comuns, habituais e buscar algo mais elevado; em que situações é melhor aceitar a natureza humana como falível. A citação também apresenta uma metáfora interessante que é a do “animal mancando”, que evidencia o desespero sobre a percepção de que seu amor é pontual e limitado e compara esse sentimento com o animal que não pode se mover. Mas percebemos que esse animal se movimenta, ou seja, percebe o que sente, luta contra esse sentimento, que deveria sentir sendo um padre, e continua em sua busca de aprimoramento, dentro de seus limites humanos. Veja agora um trecho do último capítulo, em que Greene descreve as reações das pessoas diante da execução do Padre. Ele termina com a reação de um menino, observe as imagens de Jesus que o autor tece no sonho do menino Júlio César. He dreamed that the priest whom they had shot that morning was back in the house dressed in the clothes his father had lent him and laid out stiffly for burial. The boy sat beside the bed and his mother read out of a very long book all about how the priest had acted in front of the bishop the part of Julius Caesar: there was a fish basket at her feet, and the fish were bleeding, wrapped in her handkerchief. He was very bored and very tired and somebody was hammering nails into a coffin in the passage. Suddenly the dead priest winked at him—an unmistakable flicker of the eyelid, just like that. (GREENE, 1939, grifo nosso) Só para relembrar, Júlio César, além de ter sido vítima de traição e assassinato, tem as mesmas iniciais de Jesus Cristo. O autor também menciona cestos de peixes, sangramento, que são referências à multiplicação dos pães e dos peixes e à crucificação. Outra referência, porém menos dramática, é quando o Padre treme as pálpebras, significando que voltou à vida após sua execução. Para finalizar, o autor deixa por conta do leitor decidir como será a vida do Padre na eternidade. Espero que você tenha gostado da obra e tenha a curiosidade para ler outros romances de Greene. 13 Autores Contemporâneos Não podemos deixar de abordar os autores contemporâneos, não é mesmo? Vamos começar mencionando autores importantes da virada do século. Ian McEwan (1948-) escreveu muitas obras importantes e ganhou vários prêmios. Podemos citar: Primeiro Amor, Últimos Ritos (First Love, Last Rites, 1975), que recebeu o Somerset Maugham Award; Entre os Lençóis (In Betweeen The Sheets, 1978); O Jardim de Cimento (The Cement Garden, 1978); Ao Deus-Dará (The Comfort of Strangers, 1981); A Criança no Tempo (The Child In Time, 1987); Amsterdã (Amsterdam, 1998), que recebeu o Man Booker Prize; Reparação (Atonement, 2001); Serena (Sweet Tooth, 2012). Como já dissemos, focalizaremos esse autor nesta unidade. Podemos citar também o autor japonês naturalizado inglês Kazuo Ishiguro, que escreveu obras como: Uma Pálida Visão dos Montes (A Pale View of Hills, 1982); Um Artista do Mundo Flutuante (An Artist of the Floating World, 1986); Os Vestígios do Dia (The Remains of the Day, 1989); Não Me Abandone Jamais (Never Let Me Go, 2005). Não podemos deixar de mencionar dois autores escoceses importantes, Irvine Welsh e William Boyd. Welsh publicou seu primeiro romance, Trainspotting, em 1993 e outras obras importantes vieram depois, como The Accid House (uma coletânea de contos), The Bedroom Secrets of the Master Chefs (2006) e The Sex Lives of Siamese Twins (2014). William Boyd teve várias de suas obras premiadas, como Um Homem Bom na África (1981), vencedor do prêmio Whitbread e do prêmio Somerset Maugham; Uma Guerra de Sorvete (1982), vencedor do Prêmio John Rhys Llewellyn; A Praia de Brazzaville (1990), vencedor do prêmio McVitie e do James Tait Black Memorial Prize; A Tarde Azul (1993), vencedor do Livro do Ano do Sunday Express (1993) e do Prêmio de Ficção do Los Angeles Times (1995); Any Human Heart (2002), vencedor do Prix Jean Monnet. É claro que temos de mencionar a literatura popular inglesa do século XX, que foi bastante importante e é muito conhecida, principalmente entre os jovens: Agatha Christie (1890- 1976), com seus famosos romances de suspense; Ian Fleming (1908-1964), autor das histórias de James Bond; J. R. R. Tolkien (1892-1973), com sua famosa obra O Senhor dos Anéis; C. S. Lewis (1898-1963), com As Crônicas de Nárnia. No tocante à literatura infantil, podemos citar Enid Blyton (1897-1968), J. K. Rowling (1965-), com o estrondoso sucesso Harry Potter; Roald Dahl (1916-1990), com sua famosa obra Charlie e a Fábrica de Chocolate. Como já dissemos, nosso foco será Ian McEwan. Vamos começar conhecendo um pouco sobre sua história. 14 Unidade: Literatura Pós-Colonial e o Mundo Globalizado Ian McEwan (1948-) O autor inglês passou parte de sua infância na Alemanha e no norte da África porque seu pai era oficial do Exército e viajava constantemente. Hoje mora em Londres. Seu último romance é The Children Act (2014). Como já vimos, o autor ganhou vários prêmios com suas obras. A obra que escolhemos para analisar aqui é Atonement (Reparação), publicada em 2001. Assista à entrevista com McEvan sobre seu processo de criação. Disponível em: https://goo.gl/v7ku2L Atonement – (Reparação, 2001) Vamos iniciar com um breve resumo da história, que você certamente já deve ter lido. A história começa em uma pequena cidade do interior da Inglaterra no início do século XX e é sobre uma família de classe alta, os Tallis, que é tradicional e que enfrenta os problemas típicos dessa classe. Os pais, Jack e Emily, vivem uma relação conturbada. Jack trabalha enquanto Emily fica em casa praticamente reclusa por causa de suas constantes dores de cabeça. O casal tem três filhos: Leon e Cecília, já adultos, e Briony, uma adolescente de treze anos de idade. A narrativa é dividida em três partes: a primeira é narrada sob a ótica de Briony; a segunda, sobre o problema enfrentado por Robbie (filho da governanta e namorado de Cecília) que é acusado injustamente por Briony de violência sexual; e a terceira, sob a perspectiva de Cecília, que se afasta da família para esperar por Robbie. A história começa com a família Tallis esperandoa visita dos primos e Briony escreve uma peça que será representada por eles. Briony adora escrever. Cecília e Robbie (filho da governanta da casa e considerado como filho pela família) acabam se apaixonando. Um fato importante que influencia toda a trama é um episódio em que Cecília pega um vaso antigo, valioso e de grande valor sentimental para a família para colocar flores que recebera de seu primo. Decide ir até a fonte para pegar água. Lá encontra Robbie, que insiste em ajudá- la a encher o vaso. Os dois acabam deixando o vaso cair. Cecília fica muito irritada, Robbie assume a culpa, o que não ameniza a raiva da moça, que tira a roupa e mergulha na fonte para pegar os pedaços do vaso. Ao sair da água, Robbie observa seu corpo molhado e sedutor. O que eles não sabiam é que Briony assistia tudo da janela e entendia a cena de acordo com a imaginação de uma garota de treze anos. Fonte:Thesupermat/Wikimedia Commons 15 Robbie decide escrever uma carta para Cecília e acaba escrevendo duas. Em uma delas, ele relata todo seu desejo sexual por ela e, na outra, uma carta mais formal, fala de seu amor. Robbie acaba pegando a carta errada e pede para que Briony a entregue para Cecília. Briony lê a carta antes de entregá-la e fica chocada com o que lê, achando que Robbie é um pervertido. A prima Lola é encontrada por Briony, chorando porque havia sido violentada. Briony afirma ter visto o autor da violência e acusa Robbie, que acaba sendo preso. Conforme o desenrolar da trama, a história é direcionada para a Londres de 1940 até mais ou menos 1990, quando Robbie sai da prisão para juntar-se à Força Expedicionária Britânica contra os nazistas. A parte final do livro é contada por Briony em primeira pessoa que, aos 70 anos de idade, é uma autora famosa e acaba de saber que sofre de uma doença muito séria e que em um curto espaço de tempo a levará à senilidade e à morte. O leitor fica sabendo que o livro Atonement é escrito por ela. Para publicação da obra, Briony espera pela morte de Paul e Lola, temendo ser processada por eles. Porém, ao saber de sua doença, teme que sua obra não seja publicada em vida. Além disso, faz uma importante revelação ao dizer que a história não é totalmente verdadeira, que Cecília e Robbie não ficam juntos, mas morrem durante a guerra. Robbie é acometido por uma doença contagiosa e não resiste e Cecília morre em um bombardeio em Londres. Análise da obra Um dos aspectos importantes da obra é o uso da metalinguagem, ou melhor, a metaficção, que possibilita ao leitor entrar no espaço literário, como se estivesse participando de sua produção, o que é conseguido a partir da criação do personagem-autor, no caso, Briony. O extraordinário é que o leitor só perceberá que está lendo uma narrativa escrita por Briony por volta mais ou menos da página 300 do livro. Sendo assim, não existe distinção entre o escritor, o narrador onisciente e a voz narrativa de Briony que o leitor só percebe ao final da narrativa, quando ela assina “BT” (Briony Tallis). Glossário Metaficção, de acordo com Linda Hutcheon (1984), é a ficção sobre a ficção, isto é, a ficção inclui dentro de si mesma o comentário sobre a narrativa, como é o caso de Briony que narra a história e comenta sobre ela. Outro ponto importante que devemos enfatizar com relação ao estilo do autor é a utilização da técnica do fluxo de consciência para revelar o pensamento dos personagens. Vamos ver um excerto para exemplificar. O “fluxo de consciência” em Atonement se refere ao seu modo de narrativa. Esse modo narrativo consiste em pensamentos aleatórios, memórias e na descrição dos eventos, que são contados de uma forma desorganizada assumindo que o narrador, que pode ou não ser o personagem principal, está ativamente se lembrando deles ao longo da história. Outro aspecto desse estilo de narrativa é que o narrador analisa constantemente emoções e pensamentos. 16 Unidade: Literatura Pós-Colonial e o Mundo Globalizado Briony carried her half-smoked cigarette to the sink. She was feeling sick... Her sister’s confirmation of her crime was terrible to hear. But the perspective was unfamiliar. Weak, stupid, confused, cowardly, evasive- she had hated herself for everything she had been, but she had never thought of herself as a liar. (MCEWAN, 2001) A obra apresenta muitos exemplos dessa técnica porque os eventos são contados a partir do ponto de vista de Briony, ou seja, como ela lembra e entende tais eventos. Isso porque, aos treze anos de idade, a visão de Briony é baseada em sua própria perspectiva. Como se ela, uma jovem mulher, tivesse de explicar para si mesma (assim como para o leitor) seu papel nos acontecimentos que levaram a família Tallis ao caos. Veja mais um exemplo: As into the sunset we sail. An unhappy inversion. It occurs to me that I have not traveled so very far after all... Or rather, I’ve made a huge digression and doubled back to my starting place. It is only in this last version that my lovers end well, standing side by side on a South London pavement as I walk away. (MCEWAN, 2001) Esse exemplo em particular mostra os pensamentos desorganizados e repentinos que surgem com o desenrolar da história e como eles expressam o inconsciente do narrador. Agora que você já sabe um pouco sobre a história, vamos pensar sobre o título. Podemos dizer que a reparação acontece desde o início da narrativa em que Briony, após perceber seu erro, busca repará-lo ao longo da história, principalmente ao final, quando diz que o encontro entre Cecília e Robbie não aconteceu de verdade. Vamos aprender um pouco sobre os personagens principais? Começaremos com Briony. Você já deve ter percebido a paixão de Briony em escrever, não é mesmo? Também deve ter notado que a personagem-autora tem necessidade de perfeição; quando criança, achava que o mundo girava ao seu redor. O equívoco em achar que Robbie havia estuprado Lola desencadeia toda a trama e, ao perceber seu erro, Briony tenta repará-lo. Então, tenta fazer com que “seus” amantes, Cecília e Robbie, sejam felizes pelo menos em sua história. Notamos então o perfeccionismo e a autocentralidade da personagem: no primeiro momento, quando acredita estar salvando sua irmã de um maníaco, e depois ao pensar que por meio de sua história tudo poderia ser perdoado diante de um final feliz. O excerto a seguir mostra algumas características de Briony. Observe: [Briony] felt foolish, appearing to know about the emotions of an imaginary being. Self-exposure was inevitable the moment she described a character’s weakness; the reader was bound to speculate that she was describing herself... Only when a story was finished, all fates resolved and the whole matter sealed off at both ends so it resembled, at least in this one respect, every other finished story in the world, could she feel immune. (MCEWAN, 2001) 17 Percebemos a luta constante de Briony em perceber o que vai na mente dos outros personagens. Ela sente-se meio tola ao tentar “entrar” na mente dos outros personagens. Além disso, ela enxerga as fraquezas alheias como se fossem suas. Se observarmos, nem mesmo ao final da narrativa Briony sente-se segura, já que é o leitor quem vai decidir sobre a reparação de seu ato. Cecília, como você deve se lembrar, é a irmã mais velha de Briony. Podemos considerá-la como a “outra metade” de Robbie. O personagem se desenvolve por meio dos diálogos com Robbie e Briony. Não podemos nos esquecer de que é Briony quem narra a história, então o personagem de Cecília foi construído por ela. Veja a seguir um trecho que ilustra a relação das duas: This would not be the first time [Cecilia] had rescued Briony from self-destruction. (MCEWAN, 2001, p. 41) Note que, no início, Cecília, como irmã mais velha, protege Briony. Porém mais tarde, Briony acusa Robbie com o intuito de proteger sua irmã, como se fosse sua vez de protegê-la, como se ela precisasse retribuir tal proteção. Robbie pertence a outra classesocial, diferente dos Tallis, mas, em virtude do abandono de seu pai, os Tallis lhe pagam os estudos (ele e Cecília vão estudar na mesma universidade) e o acolhem. O excerto a seguir mostra a maneira com que Robbie enxerga sua vida: He knew by heart certain passages from her letters, he had revisited their tussle with the vase by the fountain, he remembered the warmth from her arm at the dinner when the twins went missing. These memories sustained him, but not so easily. Too often they reminded him of where he was when he last summoned them. They lay on the far side of a great divide in time, as significant as B.C. and A.D. Before prison, before the war, before the sight of a corpse became a banality. (MCEWAN, 2001, p. 213) Observe que Robbie vê sua vida em duas partes: antes e depois da acusação de Briony. Suas lembranças de antes do incidente refletem a felicidade do passado e ele acaba agarrando-se a esse passado para conseguir levar sua vida em frente, como por exemplo, ao esperar pelas cartas de Cecília. Esse romance é fascinante e envolvente, assim como as outras obras do autor. Espero que você tenha se contagiado com a história e leia mais obras de Ian McEwan. 18 Unidade: Literatura Pós-Colonial e o Mundo Globalizado Material Complementar Aproveite o material elencado abaixo para aprimorar seu conhecimento. Nos dois links seguintes, você poderá acessar os e-books em português e em inglês. Escolha de acordo com sua proficiência linguística. Vídeos: A seguir, deixo alguns links para que você saiba mais a respeito da análise dessa obra e aproveite para praticar a habilidade de compreensão da língua inglesa. The Power and the Glory - A Few of My Favorite Books, disponível em: https://youtu.be/uNeV2VxPego O Poder e a Glória - Graham Greene, disponível em: https://youtu.be/07rxVPoAAhc Filme: No link seguinte, você poderá assistir ao filme baseado no romance de Ian McEwan. Atonement (2007), disponível em: https://goo.gl/TG3rZx Livros: The Power and the Glory, em inglês, disponível em: https://bit.ly/3Og8SO0 19 Referências ASHCROFT, B.; GRIFFITHS, G.; TIFFIN, H. Post-colonial concepts: the key concepts. London: Routledge, 2001. BORGES, J. L. Curso de literatura inglesa. São Paulo: Martins Fontes, 2006. BURGESS, Anthony. A literatura inglesa. São Paulo: Ática, 2008. FESTINO, C. G. Hybridity and travel writing in English: the grand tour and the imperial frontier. Letras e Letras, Uberlândia v.26, n.2, p. 325-343, 2010. _________. Uma praja ainda imaginada: uma representação da nação em três romances indianos de língua inglesa. São Paulo: EDUSP, 2007. 20 Unidade: Literatura Pós-Colonial e o Mundo Globalizado Anotações