Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
APG 11 - Tempo perdido Objetivos • Revisar a anatomofisiologia hepática e portal. • Compreender a etiologia, epidemiologia, fisiopatologia, manifestações clínicas, diagnóstico e complicações da cirrose e da hipertensão portal. • Entender o impacto do alcoolismo nas relações familiares e sociais. Morfofisiologia Hepática e Portal O fígado é a maior víscera do corpo e, nos adultos, pesa aproximadamente 1,3 kg. O órgão está localizado sob o diafragma e ocupa grande parte do hipocôndrio direito. Uma cápsula fibroelástica resistente, conhecida como cápsula de Glisson, circunda o fígado. Anatomicamente, o fígado é dividido em dois grandes lobos (direito e esquerdo) e dois lobos menores (lobos caudado e quadrado). Com exceção da parte que está localizada na região epigástrica, o fígado está recoberto pelo gradil costal e, em condições normais, não pode ser palpado nos indivíduos saudáveis. O fígado recebe 25% do débito cardíaco de um indivíduo em repouso. O fígado é singular entre os órgãos abdominais porque tem irrigação sanguínea dupla, que consiste na circulação venosa (porta) através da veia porta hepática e na circulação arterial por meio da artéria hepática. Aproximadamente 25% do volume sanguíneo que circula em 1 min entram no fígado pela artéria hepática e os 75% restantes chegam por meio da veia porta, que não contém válvulas. O sangue venoso trazido pela veia porta hepática provém do sistema digestório e dos principais órgãos abdominais, inclusive pâncreas e baço. A circulação sanguínea da veia porta traz nutrientes e substâncias tóxicas absorvidos no intestino; células sanguíneas e os produtos de sua decomposição no baço; e insulina e glucagon secretados pelo pâncreas. Embora o sangue originado da veia porta não esteja totalmente saturado de oxigênio, ele fornece 75% do oxigênio necessário ao fígado. A drenagem venosa do fígado é realizada pelas veias hepáticas sem válvulas, que drenam para a veia cava inferior pouco abaixo do diafragma. Em condições normais, a diferença de pressão entre a veia hepática e a veia porta possibilita que o fígado armazene cerca de 500 a 1.000 mℓ de sangue. Esse volume de sangue pode ser devolvido à circulação sistêmica nos períodos de hipovolemia e choque. Nos pacientes com insuficiência cardíaca direita, nos quais a pressão da veia cava aumenta, o sangue reflui e acumula-se no fígado. Os lóbulos são as unidades funcionais do fígado. Cada lóbulo é uma estrutura cilíndrica com 0,8 a 2,0 mm de diâmetro e vários milímetros de comprimento. No fígado, existem cerca de 50.000 a 100.000 lóbulos. Cada um deles está organizado em torno de uma veia central, que drena para as veias hepáticas e destas para a veia cava. Os ductos biliares terminais e os ramos diminutos da veia porta e da artéria hepática estão localizados na periferia do lóbulo. Placas de células hepáticas irradiam-se em direção centrífuga da veia central como os raios de uma roda. Essas placas de células hepáticas estão separadas por capilares sinusoidais largos e de paredes finas (sinusoides), que se estendem da periferia do lóbulo até sua veia central. Os sinusoides são irrigados por sangue da veia porta e da artéria hepática. Os sinusoides estão em contato direto com os hepatócitos e permitem a permuta de substâncias entre o sangue e as células hepáticas. Os sinusoides estão revestidos por dois tipos de células: as células endoteliais capilares típicas e as células de Kupffer. As células de Kupffer são células reticuloendoteliais capazes de remover e fagocitar hemácias envelhecidas e anormais, bactérias e outros materiais estranhos presentes no sangue porta, à medida que ele circula pelos sinusoides. Essa ação fagocitária remove bactérias entéricas e outras substâncias perigosas, que provêm do intestino e entram no sangue por filtragem. A principal função exócrina do fígado é secretar bile. Os canais tubulares diminutos – conhecidos como canalículos biliares – que se localizam entre as membranas celulares dos hepatócitos adjacentes também irrigam os lóbulos. A bile produzida pelos hepatócitos entra nos canalículos e depois chega à periferia dos lóbulos, de onde drena progressivamente aos ductos mais calibrosos até chegar aos ductos hepáticos direito e esquerdo. Em geral, os ductos biliares intra-hepáticos e extra- hepáticos são descritos coletivamente como árvore hepatobiliar. Esses ductos reúnem-se para formar o ducto biliar comum. O ducto comum, que mede cerca de 10 a 15 cm de comprimento, desce e passa por trás do pâncreas até entrar no segmento descendente do duodeno. O ducto pancreático reúne-se ao ducto comum em um pequeno tubo dilatado conhecido como ampola hepatopancreática (ampola de Vater), que drena para o duodeno através da papila duodenal. O tecido muscular existente na junção da papila – também conhecido como esfíncter de Oddi – regula o fluxo de bile para o duodeno. Quando esse esfíncter está fechado, a bile reflui para o ducto biliar comum e a vesícula biliar. Funções metabólicas do fígado O fígado é um dos órgãos mais ativos e versáteis do corpo: produz bile; metaboliza hormônios e fármacos; sintetiza proteínas, glicose e fatores de coagulação; armazena vitaminas e minerais; permuta amônia produzida por desaminação dos aminoácidos por ureia; e converte ácidos graxos em cetonas. Além disso, o fígado decompõe o excesso de nutrientes e os converte em substâncias essenciais ao organismo. Por sua capacidade de metabolizar fármacos e hormônios, o fígado funciona como órgão excretor. Nesse aspecto, a bile – que carrega os produtos finais das substâncias metabolizadas pelo fígado – é muito semelhante à urina que leva as escórias metabólicas filtradas pelos rins. • Metabolismo dos carboidratos O fígado desempenha uma função essencial no metabolismo dos carboidratos e na homeostasia da glicose. As células hepáticas têm a capacidade de armazenar grandes quantidades de glicose na forma de glicogênio por meio de um processo conhecido como glicogênese. Quando os níveis sanguíneos de glicose estão baixos, o glicogênio é convertido novamente em glicose por meio da glicogenólise, que envolve uma enzima fosfatase específica das células hepáticas. Além disso, o fígado sintetiza glicose a partir de aminoácidos, glicerol e ácido láctico como forma de manter a glicose sanguínea durante períodos de jejum ou demanda aumentada. Por fim, o fígado também converte o excesso de carboidratos em triglicerídios para armazenamento no tecido adiposo. • Síntese de proteínas e conversão de amônia em ureia O fígado atua na síntese e decomposição das proteínas. O órgão sintetiza proteínas para atender às necessidades das próprias células e proteínas secretórias liberadas na circulação. Albumina é a mais importante dessas proteínas secretórias. A albumina contribui significativamente para a pressão coloidosmótica do plasma e para a ligação e o transporte de várias substâncias, inclusive hormônios sexuais, ácidos graxos, bilirrubina e outros ânions. Além disso, o fígado sintetiza outras proteínas importantes como fibrinogênio e fatores de coagulação sanguínea. Por meio de vários processos anabólicos e catabólicos, o fígado é o órgão principal responsável pela interconversão dos aminoácidos. O catabolismo e a degradação hepática envolvem duas reações principais: transaminação e desaminação. Durante períodos de jejum, os aminoácidos são usados para produzir glicose (i. e., gliconeogênese). A maior parte dos aminoácidos não essenciais é sintetizada no fígado por transaminação. O processo de transaminação é catalisado pelas aminotransferases, que são enzimas encontradas em grandes quantidades no fígado. • Metabolismodos lipídios Embora a maioria das células do corpo metabolize gorduras, alguns processos do metabolismo lipídico ocorrem principalmente no fígado, inclusive a oxidação dos ácidos graxos livres em cetoácidos que suprem energia para outras funções do organismo; síntese de colesterol, fosfolipídios e lipoproteínas por exemplo. Vias hepáticas de metabolismo das gorduras. A β- oxidação decompõe os ácidos graxos em moléculas de acetil-CoA com dois carbonos, que são usadas no ciclo do ácido cítrico para produzir ATP, ou são utilizadas na síntese de colesterol ou cetoácidos, liberados na corrente sanguínea para serem usados como fontes de energia por outros tecidos. • Produção de bile A secreção de bile é essencial à digestão das gorduras dietéticas e à absorção dos lipídios e das vitaminas lipossolúveis no intestino. O fígado produz diariamente cerca de 500 a 600 mℓ de bile amarelo-esverdeada. A bile contém água, sais biliares, bilirrubina, colesterol e alguns subprodutos metabólicos. Dentre esses, apenas os sais biliares formados a partir do colesterol são importantes para a digestão. Os outros componentes da bile dependem da secreção de sódio, cloreto, bicarbonato e potássio pelos ductos biliares. Os sais biliares desempenham uma função importante na digestão: ajudam na emulsificação das gorduras da dieta e são necessários à formação dos micélios, que transportam ácidos graxos e vitaminas lipossolúveis até a superfície da mucosa intestinal para que sejam absorvidos. O sistema de recirculação da bile – circulação êntero-hepática – tem vários componentes. O fígado, as vias biliares, a vesícula biliar, a circulação venosa porta, os intestinos delgado e grosso e os rins desempenham funções em graus variados. Mais de 90% dos sais biliares que entram no intestino são reabsorvidos para a circulação porta por um processo de transporte ativo, que ocorre no íleo distal. A partir da circulação porta, os sais biliares são levados para as células hepáticas e são reciclados. Em condições normais, os sais biliares passam por todo esse ciclo 17 vezes, até que sejam eliminados nas fezes. • Eliminação da bilirrubina e icterícia Bilirrubina é o produto final da decomposição do heme das hemácias envelhecidas e é a substância que confere cor à bile. No processo de decomposição, a hemoglobina liberada das hemácias é metabolizada para formar biliverdina, que é rapidamente convertida em bilirrubina livre. A bilirrubina livre, que não é solúvel no plasma, é transportada no sangue ligada à albumina plasmática. Mesmo quando está ligada à albumina, essa fração da bilirrubina também é conhecida como bilirrubina livre, de forma a diferenciá-la da fração conjugada. À medida que passa pelo fígado, a bilirrubina livre é absorvida pela membrana celular dos hepatócitos e liberada da sua proteína transportadora (albumina). Dentro dos hepatócitos, a bilirrubina livre é convertida em bilirrubina conjugada, o que a torna solúvel na bile. A bilirrubina conjugada é secretada como um dos constituintes da bile e, nesta forma, passa pelos ductos biliares e chega ao intestino delgado. No intestino, cerca de 50% da bilirrubina são convertidos em uma substância altamente solúvel conhecida como urobilinogênio pela flora intestinal. Cerca de 20% do urobilinogênio produzido é absorvido para a circulação porta, enquanto o restante é excretado nas fezes. A maioria parte do urobilinogênio absorvido é devolvida ao fígado para ser excretado novamente na bile. Em geral, apenas uma fração pequena da bilirrubina encontra-se no sangue; o nível normal de bilirrubina total é menor que 1,5 mg/dℓ. As dosagens laboratoriais da bilirrubina geralmente determinam as frações livre e conjugada e a bilirrubina total. Os resultados são referidos como bilirrubina direta (conjugada) e indireta (não conjugada, ou livre). Icterícia: A icterícia (ou coloração amarelada da pele e dos tecidos profundos) é causada por níveis anormalmente altos de bilirrubina no sangue. Isso ocorre quando há um desequilíbrio entre síntese e eliminação de bilirrubina. A icterícia torna-se perceptível quando os níveis séricos de bilirrubina estão acima de 2,0 a 2,5 mg/dℓ (34,2 a 42,8 μmol).5,10 Como a pele normalmente tem tonalidade amarelada, os primeiros sinais de icterícia geralmente são difíceis de detectar, especialmente nos indivíduos de pele escura. A bilirrubina tem afinidade especial por tecidos elásticos. A esclerótica do olho, que contém teores altos de fibras elásticas, geralmente é uma das primeiras estruturas nas quais se pode detectar icterícia. Cirrose DEFINIÇÃO➞ A cirrose, que pode constituir o estágio final de qualquer doença hepática crônica, é um processo difuso, caracterizado por fibrose e transformação da arquitetura normal em nódulos estruturalmente anormais. Esses nódulos “regenerativos” não apresentam organização lobular normal e são circundados por tecido fibroso. O processo acomete todo o fígado e, em geral, é considerado irreversível. Embora a cirrose seja, do ponto de vista histológico, um diagnóstico de “tudo ou nada”, ela pode ser clinicamente classificada em compensada ou descompensada. A cirrose descompensada é definida pelo achado de ascite, sangramento varicoso, encefalopatia ou icterícia, que são complicações decorrentes das principais consequências da cirrose: a hipertensão portal e a insuficiência hepática. EPIDEMIOLOGIA➞ Como a maioria dos casos é assintomática, a prevalência e incidência é difícil de ser estimada de forma precisa. No Brasil, haveriam cerca de 182 casos a cada 100.000 habitantes. De acordo com a Organização Mundial da Saúde, cerca de 800.000 pessoas morrem anualmente de cirrose. Nos EUA, a cirrose é responsável por cerca de 32.000 mortes por ano. Qualquer doença hepática crônica pode levar à cirrose. A hepatite viral C e a doença hepática alcoólica são as causas mais comuns de cirrose. BIOPATOLOGIA➞ Fibrose hepática e cirrose A característica patogênica essencial subjacente à fibrose hepática e cirrose é a ativação das células estreladas hepáticas. As células estreladas do fígado, que são conhecidas como células de Ito ou células perissinusoidais, estão localizadas no espaço de Disse, entre os hepatócitos e as células endoteliais sinusoidais. Normalmente, as células estreladas hepáticas são quiescentes e atuam como principal local de armazenamento de retinoides (vitamina A). Em resposta a uma lesão, as células estreladas hepáticas tornam-se ativadas e, em consequência, perdem seus depósitos de vitamina A, proliferam, desenvolvem um retículo endoplasmático rugoso proeminente e secretam matriz extracelular (colágeno dos tipos I e III, proteoglicanos sulfatados e glicoproteínas). Além disso, transformam-se em miofibroblastos hepáticos contráteis. Ao contrário de outros capilares, os sinusoides hepáticos normais não têm membrana basal. As próprias células endoteliais sinusoidais apresentam grandes fenestrações (100 a 200 nm de diâmetro), que possibilitam a passagem de grandes moléculas. O depósito de colágeno no espaço de Disse, como ocorre na cirrose, leva à perda das fenestrações das células endoteliais sinusoidais (“capilarização” dos sinusoides), alterando, dessa maneira, a troca entre o plasma e os hepatócitos, com consequente diminuição do diâmetro dos sinusoides, o que é ainda mais exacerbado pela contração das células estreladas. Complicações da cirrose➞ As duas principais consequências da cirrose são a hipertensão portal, acompanhada de um estado circulatório hiperdinâmico, e a insuficiência hepática. O desenvolvimento de varizes e ascite representa uma consequência direta da hipertensão portal e do estado circulatório hiperdinâmico, enquanto a icterícia ocorre como resultadoda incapacidade do fígado de excretar a bilirrubina (i. e., insuficiência hepática). A encefalopatia é causada tanto pela hipertensão portal quanto pela insuficiência hepática. Por sua vez, a ascite pode ser complicada por infecção, quando é denominada peritonite bacteriana espontânea, e pela insuficiência renal funcional, que é denominada síndrome hepatorrenal. Complicações da cirrose em consequência de hipertensão portal e insuficiência hepática. As varizes e a hemorragia varicosa são consequências diretas da hipertensão portal. A ascite resulta de hipertensão portal sinusoidal e pode ser complicada por infecção (peritonite bacteriana espontânea [PBE]) ou disfunção renal (síndrome hepatorrenal [SHR]). A encefalopatia hepática resulta de derivação portossistêmica (i. e., hipertensão portal) e de insuficiência hepática. A icterícia resulta unicamente de insuficiência hepática. Aumento da pressão sinusoidal hepática na cirrose. No fígado normal (à esquerda), a vascularização intra-hepática é complacente, e o gradiente de pressão venosa hepática, que é a medida de pressão sinusoidal, é 5 mmHg ou menos. No fígado cirrótico (à direita), ocorre distorção da arquitetura sinusoidal pelos nódulos regenerativos e fibrose, resultando em aumento da resistência intra-hepática, hipertensão portal, esplenomegalia e vasos colaterais portossistêmicos; o gradiente de pressão venosa hepática é superior a 5 mmHg. Ocorre desenvolvimento das complicações da cirrose quando o gradiente ultrapassa 10 a 12 mmHg. MANIFESTAÇÕES CLÍNICA➞ Dependendo do estágio da cirrose, as manifestações clínicas variam amplamente, desde um paciente assintomático sem sinais de doença hepática crônica até um paciente que apresenta confusão mental e icterícia, com grave perda da massa muscular e ascite. A história natural da cirrose caracteriza-se por uma fase inicial, denominada cirrose compensada, seguida de uma fase rapidamente progressiva, que se caracteriza pelo desenvolvimento de complicações da hipertensão portal ou disfunção hepática (ou ambas), designada como cirrose descompensada. Na fase compensada, a função de síntese hepática está, em sua maior parte, normal, e a pressão portal, apesar de aumentada, é inferior ao valor limiar necessário para o desenvolvimento de varizes ou ascite. À medida que a doença progride, a pressão portal aumenta, e ocorre agravamento da função hepática, resultando, assim, no desenvolvimento de ascite, sangramento gastrintestinal por hipertensão portal, encefalopatia e icterícia. O desenvolvimento de qualquer uma dessas complicações clinicamente detectáveis caracteriza a transição da fase compensada para a fase descompensada. A progressão para a morte pode ser acelerada pelo desenvolvimento de outras complicações, como sangramento gastrintestinal recorrente, comprometimento renal (ascite refratária, síndrome hepatorrenal), síndrome hepatopulmonar e sepse (peritonite bacteriana espontânea). O desenvolvimento de carcinoma hepatocelular pode acelerar a evolução da doença em qualquer estágio. A transição do estágio compensado para o descompensado ocorre em uma taxa de 5 a 7% por ano. O tempo mediano para a descompensação ou tempo em que metade dos pacientes com cirrose compensada torna-se descompensada, é de cerca de 6 anos. Cirrose compensada: Nesse estágio, a cirrose é principalmente assintomática e é diagnosticada durante a avaliação de doença hepática crônica ou durante um exame físico de rotina, exames bioquímicos, exames de imagem por realizados por outros motivos, endoscopia mostrando varizes gastresofágicas ou cirurgia abdominal, na qual se detecta um fígado nodular. As únicas queixas podem consistir em fadiga inespecífica, perda de peso, diminuição da massa muscular, diminuição da libido ou transtornos do sono. Cerca de 40% dos pacientes com cirrose compensada apresentam varizes esofágicas. As varizes gastresofágicas não hemorrágicas são assintomáticas, e a sua existência (sem sangramento) não denota descompensação. Cirrose descompensada: Nesse estágio, surgem sinais de descompensação: ascite, varizes hemorrágicas, icterícia, encefalopatia hepática. A ascite, que é o sinal mais frequente de descompensação, está presente em 80% dos pacientes com cirrose descompensada. DIAGNÓSTICO➞ Deve-se considerar o diagnóstico de cirrose em qualquer paciente com doença hepática crônica. Com frequência, pode ser necessário a confirmação histológica por biopsia hepática, que constitui o padrão de referência para o diagnóstico de cirrose. Entretanto, a biopsia de fígado é um procedimento invasivo, sujeito a erros de amostragem, e a cirrose frequentemente pode ser confirmada de maneira não invasiva por uma associação de biomarcadores séricos, técnicas de imagem e mensuração da rigidez hepática. • Exame físico São encontrados: atrofia muscular, principalmente nas regiões dos músculos temporais e as eminências tenar e hipotenar; angiomas aracneiformes, principalmente no tronco, na face e nos membros superiores; e eritema palmar. Embora a atrofia muscular seja um marcador de insuficiência hepática, aranhas vasculares e eritema palmar são marcadores de vasodilatação e circulação hiperdinâmica. Uma característica patognomônica da cirrose hepática é o achado, ao exame do abdome, de um lobo hepático direito pequeno, com menos de 7 cm na percussão, e um lobo esquerdo palpável, que é nodular com consistência aumentada. A esplenomegalia também pode ocorrer e é indicativa de hipertensão portal. A circulação colateral na parede abdominal (cabeça de Medusa) também pode se desenvolver em consequência da hipertensão portal. A ausência de qualquer um desses achados físicos não descarta a possibilidade de cirrose. • Exames laboratoriais: Os resultados dos exames laboratoriais sugestivos de cirrose incluem até mesmo anormalidades sutis nos níveis séricos de albumina ou bilirrubina ou elevação da RNI. O achado laboratorial mais sensível e específico sugestivo de cirrose no contexto da doença hepática crônica é uma baixa contagem de plaquetas (< 150.000/mℓ), que ocorre em consequência da hipertensão portal e hiperesplenismo. Outros marcadores séricos que frequentemente estão anormais incluem níveis de AST, gamaglutamil transpeptidase (γGT), ácido hialurônico, alfa2- macroglobulina, haptoglobina, inibidor da metaloproteinase tecidual 1 e apolipoproteína A. • Exames de imagem: Os exames de imagem confirmatórios incluem TC, US e RM. Os achados compatíveis com cirrose consistem em contorno nodular do fígado, fígado pequeno com ou sem hipertrofia do lobo esquerdo ou caudado, esplenomegalia e, em particular, identificação de vasos colaterais intra-abdominais indicadores de hipertensão portal. Com o aumento da fibrose, o fígado torna-se rígido, e essa rigidez pode ser medida por US (elastografia transitória, imagem de impulso de força com radiação acústica) ou RM. Tomografia computadorizada em um paciente com cirrose compensada. O parênquima hepático é heterogêneo, há esplenomegalia e, mais importante, há colaterais portossistêmicos. Na cirrose descompensada, a detecção de ascite, sagramento varicoso ou encefalopatia na vigência de doença hepática crônica estabelece essencialmente o diagnóstico de cirrose, de modo que não há necessidade de biopsia hepática para estabelecer o diagnóstico. Os pacientes com cirrose descompensada frequentemente exibem desnutrição, perda da massa muscular mais grave, numerosas aranhas vasculares, hipotensão e taquicardia em consequência do estado circulatório hiperdinâmico • Prognóstico: O prognóstico da cirrose depende do estágio do paciente. Os pacientes com cirrose compensada morrem de doença hepática somente após a passagempara um estágio descompensado. A taxa de sobrevida em 10 anos de pacientes que permanecem no estágio compensado é de cerca de 90%, enquanto a sua probabilidade de descompensação é de 50% em 10 anos. Hipertensão Portal A síndrome de hipertensão portal é definida quando ocorre um aumento patológico no gradiente de pressão portal – HVPG (diferença de pressão entre a veia porta e a veia cava inferior) acima de 5 mmHg. A hipertensão portal é chamada de clinicamente significati- va quando ultrapassa 10 mmHg, pois acima deste limite pode ocorrer o desenvolvimento de ascite e a formação de varizes esofagogástricas. O risco de sangramento por rotura de varizes, entretanto, ocorre com gradientes de pressão superiores a 12 mmHg. Na cirrose, a hipertensão portal resulta tanto do aumento da resistência ao fluxo porta quanto da elevação do influxo venoso porta. O mecanismo inicial consiste em aumento da resistência vascular sinusoidal secundária à (1) deposição de tecido fibroso e compressão subsequente pelos nódulos regenerativos (componente fixo), que, teoricamente, poderia ser acessível a agentes antifibróticos e poderia ser melhorada por meio da resolução do processo etiológico subjacente, e (2) à vasoconstrição ativa (componente funcional), que é passível de resposta à ação de agentes vasodilatadores, como nitroprusseto, e é causada pela deficiência de óxido nítrico (NO) intra- hepático, bem como pela atividade aumentada dos vasoconstritores. Inicialmente, no processo hipertensivo portal, o baço aumenta de tamanho e sequestra plaquetas e outros elementos figurados do sangue, resultando em hiperesplenismo. Além disso, os vasos que normalmente drenam para o sistema porta, como a veia gástrica esquerda, revertem seu fluxo e causam desvio do sangue do sistema porta para a circulação sistêmica. Esses colaterais portossistêmicas não são suficientes para descomprimir o sistema venoso porta e oferecem resistência adicional ao fluxo porta. À medida que ocorre desenvolvimento de colaterais, um aumento do fluxo sanguíneo porta, que resulta da vasodilatação esplâncnica, mantém o estado hipertensivo portal. Por sua vez, a dilatação arteriolar esplâncnica é secundária ao aumento da produção de NO. Por conseguinte, o paradoxo na hipertensão portal é o fato de que a deficiência de NO na vascularização intra-hepática leva à vasoconstrição e resistência aumentada, enquanto a superprodução de NO na circulação extra-hepática leva à vasodilatação e fluxo porta aumentado. Além da vasodilatação esplâncnica, ocorre vasodilatação sistêmica que, ao provocar uma redução efetiva do volume sanguíneo arterial, leva à ativação do sistema neuro-humoral (sistema renina-angiotensina-aldosterona), retenção de sódio, expansão do volume plasmático e desenvolvimento de um estado circulatório hiperdinâmico. Esse estado circulatório hiperdinâmico mantém a hipertensão portal, levando, assim, à formação e ao crescimento de varizes e desempenha um importante papel no desenvolvimento de todas as complicações da cirrose. • Manifestações clínicas Há a formação de colaterais, como as varizes esofagogástricas e a gastropatia hipertensiva. Também ocorre trombocitopenia, leucopenia, anemia, esplenomegalia (hiperesplenismo). No pulmão, esta vasodilatação leva a alterações da ventilação-perfusão e shunts arteriovenosos, podendo desencadear síndrome hepatopulmonar ou hipertensão pulmonar. Ocorrem varizes gastresofágicas em cerca de 50% dos pacientes com cirrose recém-diagnosticada. A prevalência das varizes correlaciona-se com a gravidade da doença hepática. Tanto o desenvolvimento de varizes quanto o crescimento de pequenas varizes ocorrem em uma taxa de 7 a 8% por ano. A incidência do primeiro episódio de hemorragia varicosa em pacientes com pequenas varizes é de cerca de 5% por ano, enquanto o sangramento de varizes médias e grandes ocorre em uma taxa de aproximadamente 15% por ano. As grandes varizes, a doença hepática grave e a presença de vergões vermelhos nas varizes constituem preditores independentes de hemorragia varicosa. O sangramento de varizes gastresofágicas pode manifestar-se como hematêmese franca e/ou melena. • Diagnóstico: Nos pacientes com cirrose que estão sendo acompanhados cronicamente, o desenvolvimento de hipertensão portal geralmente é revelado pela presença de trombocitopenia; crescimento do baço; ou desenvolvimento de ascite, encefalopatia e/ou varizes esofágicas com ou sem sangramento. Nos pacientes ainda não diagnosticados, qualquer uma dessas características deve justificar a avaliação adicional destinada a determinar a presença de hipertensão portal e hepatopatia. As varizes devem ser identificadas por endoscopia. O estudo por imagem do abdome, seja tomografia computadorizada (TC) ou ressonância magnética (RM), pode ser útil para demonstrar um fígado nodular e evidenciar alterações decorrentes da hipertensão portal com circulação colateral intra- abdominal. Se necessário, procedimentos radiológicos intervencionistas podem ser realizados para determinar as pressões na veia hepática ocluída e livre, que permitem fazer o cálculo do gradiente das pressões ocluída-livre (equivalente à pressão portal). O gradiente médio normal entre as pressões ocluída-livre é de 5 mmHg e os pacientes com gradiente > 12 mmHg correm risco de sofrer hemorragia varicosa. Discutir os impactos do abuso de álcool nas relações familiares O uso de bebidas alcoólicas está atrelado à cultura em que, desde os primórdios, se fazia uso da mesma como gesto de comemoração em diversas festividades, atos religiosos, comerciais ou complementos culinários. Contudo, o uso inapropriado/excessivo destas acarreta complicações para a vida do indivíduo. O alcoolismo tem aumentado progressivamente em toda sociedade, tornando-se um grande problema de saúde pública, e seu uso constante está ligado aos fatores de fácil acesso e baixo custo. Considerada uma droga lícita, o álcool é um dos principais responsáveis pelas causas de óbitos por abuso de drogas no Brasil. De oito mil mortes por ano, o álcool é responsável por 85% delas. O número de dependentes cresce substancialmente, afetando tanto jovens quanto adultos. Ainda que seja ingerido em poucas quantidades, acarreta consequências graves para todos ao redor do alcoolista. Os malefícios provocados pelo alcoolismo vão além, pois pessoas que possuem essa dependência têm maiores chances de sofrer algum tipo interferência no ambiente de trabalho, ou seja, é prejudicial tanto para as relações familiares quanto para as relações do meio social e profissional.
Compartilhar