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APG 11 - SOI IV

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APG 11 - Tempo perdido 
 
Objetivos 
• Revisar a anatomofisiologia hepática e 
portal. 
• Compreender a etiologia, epidemiologia, 
fisiopatologia, manifestações clínicas, 
diagnóstico e complicações da cirrose e da 
hipertensão portal. 
• Entender o impacto do alcoolismo nas 
relações familiares e sociais. 
 
Morfofisiologia Hepática e Portal 
O fígado é a maior víscera do corpo e, nos adultos, 
pesa aproximadamente 1,3 kg. O órgão está 
localizado sob o diafragma e ocupa grande parte do 
hipocôndrio direito. Uma cápsula fibroelástica 
resistente, conhecida como cápsula de Glisson, 
circunda o fígado. 
Anatomicamente, o fígado é dividido em dois 
grandes lobos (direito e esquerdo) e dois lobos 
menores (lobos caudado e quadrado). Com exceção 
da parte que está localizada na região epigástrica, o 
fígado está recoberto pelo gradil costal e, em 
condições normais, não pode ser palpado nos 
indivíduos saudáveis. 
O fígado recebe 25% do débito cardíaco de um 
indivíduo em repouso. O fígado é singular entre 
os órgãos abdominais porque tem irrigação 
sanguínea dupla, que consiste na circulação 
venosa (porta) através da veia porta hepática e 
na circulação arterial por meio da artéria 
hepática. Aproximadamente 25% do volume 
sanguíneo que circula em 1 min entram no fígado 
pela artéria hepática e os 75% restantes chegam por 
meio da veia porta, que não contém válvulas. 
O sangue venoso trazido pela veia porta hepática 
provém do sistema digestório e dos principais 
órgãos abdominais, inclusive pâncreas e baço. 
A circulação sanguínea da veia porta traz 
nutrientes e substâncias tóxicas absorvidos no 
intestino; células sanguíneas e os produtos de 
sua decomposição no baço; e insulina e glucagon 
secretados pelo pâncreas. Embora o sangue 
originado da veia porta não esteja totalmente 
saturado de oxigênio, ele fornece 75% do oxigênio 
necessário ao fígado. 
 
 
A drenagem venosa do fígado é realizada pelas 
veias hepáticas sem válvulas, que drenam para 
a veia cava inferior pouco abaixo do diafragma. 
Em condições normais, a diferença de pressão 
entre a veia hepática e a veia porta possibilita 
que o fígado armazene cerca de 500 a 1.000 mℓ 
de sangue. Esse volume de sangue pode ser 
devolvido à circulação sistêmica nos períodos de 
hipovolemia e choque. Nos pacientes com 
insuficiência cardíaca direita, nos quais a pressão 
da veia cava aumenta, o sangue reflui e acumula-se 
no fígado. 
Os lóbulos são as unidades funcionais do fígado. 
Cada lóbulo é uma estrutura cilíndrica com 0,8 a 
2,0 mm de diâmetro e vários milímetros de 
comprimento. No fígado, existem cerca de 50.000 
a 100.000 lóbulos. Cada um deles está 
organizado em torno de uma veia central, que 
drena para as veias hepáticas e destas para a 
veia cava. Os ductos biliares terminais e os ramos 
diminutos da veia porta e da artéria hepática estão 
localizados na periferia do lóbulo. Placas de células 
hepáticas irradiam-se em direção centrífuga da veia 
central como os raios de uma roda. Essas placas de 
células hepáticas estão separadas por capilares 
sinusoidais largos e de paredes finas (sinusoides), 
que se estendem da periferia do lóbulo até sua veia 
central. 
Os sinusoides são irrigados por sangue da veia 
porta e da artéria hepática. Os sinusoides estão 
em contato direto com os hepatócitos e 
permitem a permuta de substâncias entre o 
sangue e as células hepáticas. Os sinusoides estão 
revestidos por dois tipos de células: as células 
endoteliais capilares típicas e as células de 
Kupffer. As células de Kupffer são células 
reticuloendoteliais capazes de remover e 
fagocitar hemácias envelhecidas e anormais, 
bactérias e outros materiais estranhos presentes 
no sangue porta, à medida que ele circula pelos 
sinusoides. Essa ação fagocitária remove bactérias 
entéricas e outras substâncias perigosas, que 
provêm do intestino e entram no sangue por 
filtragem. 
 
A principal função exócrina do fígado é secretar 
bile. Os canais tubulares diminutos – conhecidos 
como canalículos biliares – que se localizam entre 
as membranas celulares dos hepatócitos adjacentes 
também irrigam os lóbulos. A bile produzida pelos 
hepatócitos entra nos canalículos e depois chega 
à periferia dos lóbulos, de onde drena 
progressivamente aos ductos mais calibrosos até 
chegar aos ductos hepáticos direito e esquerdo. 
Em geral, os ductos biliares intra-hepáticos e extra-
hepáticos são descritos coletivamente como árvore 
hepatobiliar. Esses ductos reúnem-se para 
formar o ducto biliar comum. O ducto comum, 
que mede cerca de 10 a 15 cm de comprimento, 
desce e passa por trás do pâncreas até entrar no 
segmento descendente do duodeno. O ducto 
pancreático reúne-se ao ducto comum em um 
pequeno tubo dilatado conhecido como ampola 
hepatopancreática (ampola de Vater), que drena 
para o duodeno através da papila duodenal. O 
tecido muscular existente na junção da papila – 
também conhecido como esfíncter de Oddi – regula 
o fluxo de bile para o duodeno. Quando esse 
esfíncter está fechado, a bile reflui para o ducto 
biliar comum e a vesícula biliar. 
 
 
Funções metabólicas do fígado 
O fígado é um dos órgãos mais ativos e versáteis 
do corpo: produz bile; metaboliza hormônios e 
fármacos; sintetiza proteínas, glicose e fatores de 
coagulação; armazena vitaminas e minerais; 
permuta amônia produzida por desaminação dos 
aminoácidos por ureia; e converte ácidos graxos em 
cetonas. Além disso, o fígado decompõe o excesso 
de nutrientes e os converte em substâncias 
essenciais ao organismo. Por sua capacidade de 
metabolizar fármacos e hormônios, o fígado 
funciona como órgão excretor. Nesse aspecto, a 
bile – que carrega os produtos finais das 
substâncias metabolizadas pelo fígado – é muito 
semelhante à urina que leva as escórias metabólicas 
filtradas pelos rins. 
• Metabolismo dos carboidratos 
O fígado desempenha uma função essencial no 
metabolismo dos carboidratos e na homeostasia da 
glicose. As células hepáticas têm a capacidade de 
armazenar grandes quantidades de glicose na forma 
de glicogênio por meio de um processo conhecido 
como glicogênese. Quando os níveis sanguíneos de 
glicose estão baixos, o glicogênio é convertido 
novamente em glicose por meio da glicogenólise, 
que envolve uma enzima fosfatase específica das 
células hepáticas. Além disso, o fígado sintetiza 
glicose a partir de aminoácidos, glicerol e ácido 
láctico como forma de manter a glicose sanguínea 
durante períodos de jejum ou demanda aumentada. 
Por fim, o fígado também converte o excesso de 
carboidratos em triglicerídios para armazenamento 
no tecido adiposo. 
• Síntese de proteínas e conversão de amônia 
em ureia 
O fígado atua na síntese e decomposição das 
proteínas. O órgão sintetiza proteínas para atender 
às necessidades das próprias células e proteínas 
secretórias liberadas na circulação. Albumina é a 
mais importante dessas proteínas secretórias. A 
albumina contribui significativamente para a 
pressão coloidosmótica do plasma e para a ligação 
e o transporte de várias substâncias, inclusive 
hormônios sexuais, ácidos graxos, bilirrubina e 
outros ânions. Além disso, o fígado sintetiza outras 
proteínas importantes como fibrinogênio e fatores 
de coagulação sanguínea. 
Por meio de vários processos anabólicos e 
catabólicos, o fígado é o órgão principal 
responsável pela interconversão dos aminoácidos. 
O catabolismo e a degradação hepática envolvem 
duas reações principais: transaminação e 
desaminação. 
Durante períodos de jejum, os aminoácidos são 
usados para produzir glicose (i. e., 
gliconeogênese). A maior parte dos aminoácidos 
não essenciais é sintetizada no fígado por 
transaminação. O processo de transaminação é 
catalisado pelas aminotransferases, que são 
enzimas encontradas em grandes quantidades no 
fígado. 
• Metabolismodos lipídios 
Embora a maioria das células do corpo metabolize 
gorduras, alguns processos do metabolismo 
lipídico ocorrem principalmente no fígado, 
inclusive a oxidação dos ácidos graxos livres em 
cetoácidos que suprem energia para outras funções 
do organismo; síntese de colesterol, fosfolipídios e 
lipoproteínas por exemplo. 
 
 
 
Vias hepáticas de metabolismo das gorduras. A β-
oxidação decompõe os ácidos graxos em moléculas 
de acetil-CoA com dois carbonos, que são usadas 
no ciclo do ácido cítrico para produzir ATP, ou são 
utilizadas na síntese de colesterol ou cetoácidos, 
liberados na corrente sanguínea para serem 
usados como fontes de energia por outros tecidos. 
• Produção de bile 
A secreção de bile é essencial à digestão das 
gorduras dietéticas e à absorção dos lipídios e das 
vitaminas lipossolúveis no intestino. O fígado 
produz diariamente cerca de 500 a 600 mℓ de bile 
amarelo-esverdeada. A bile contém água, sais 
biliares, bilirrubina, colesterol e alguns 
subprodutos metabólicos. Dentre esses, apenas os 
sais biliares formados a partir do colesterol são 
importantes para a digestão. Os outros 
componentes da bile dependem da secreção de 
sódio, cloreto, bicarbonato e potássio pelos ductos 
biliares. 
Os sais biliares desempenham uma função 
importante na digestão: ajudam na emulsificação 
das gorduras da dieta e são necessários à 
formação dos micélios, que transportam ácidos 
graxos e vitaminas lipossolúveis até a superfície 
da mucosa intestinal para que sejam absorvidos. 
O sistema de recirculação da bile – circulação 
êntero-hepática – tem vários componentes. O 
fígado, as vias biliares, a vesícula biliar, a 
circulação venosa porta, os intestinos delgado e 
grosso e os rins desempenham funções em graus 
variados. Mais de 90% dos sais biliares que 
entram no intestino são reabsorvidos para a 
circulação porta por um processo de transporte 
ativo, que ocorre no íleo distal. A partir da 
circulação porta, os sais biliares são levados 
para as células hepáticas e são reciclados. Em 
condições normais, os sais biliares passam por todo 
esse ciclo 17 vezes, até que sejam eliminados nas 
fezes. 
• Eliminação da bilirrubina e icterícia 
Bilirrubina é o produto final da decomposição 
do heme das hemácias envelhecidas e é a 
substância que confere cor à bile. No processo de 
decomposição, a hemoglobina liberada das 
hemácias é metabolizada para formar biliverdina, 
que é rapidamente convertida em bilirrubina livre. 
A bilirrubina livre, que não é solúvel no plasma, é 
transportada no sangue ligada à albumina 
plasmática. Mesmo quando está ligada à albumina, 
essa fração da bilirrubina também é conhecida 
como bilirrubina livre, de forma a diferenciá-la da 
fração conjugada. À medida que passa pelo 
fígado, a bilirrubina livre é absorvida pela 
membrana celular dos hepatócitos e liberada da 
sua proteína transportadora (albumina). Dentro 
dos hepatócitos, a bilirrubina livre é convertida 
em bilirrubina conjugada, o que a torna solúvel 
na bile. A bilirrubina conjugada é secretada como 
um dos constituintes da bile e, nesta forma, passa 
pelos ductos biliares e chega ao intestino delgado. 
No intestino, cerca de 50% da bilirrubina são 
convertidos em uma substância altamente 
solúvel conhecida como urobilinogênio pela 
flora intestinal. Cerca de 20% do urobilinogênio 
produzido é absorvido para a circulação porta, 
enquanto o restante é excretado nas fezes. A 
maioria parte do urobilinogênio absorvido é 
devolvida ao fígado para ser excretado 
novamente na bile. 
Em geral, apenas uma fração pequena da 
bilirrubina encontra-se no sangue; o nível normal 
de bilirrubina total é menor que 1,5 mg/dℓ. As 
dosagens laboratoriais da bilirrubina geralmente 
determinam as frações livre e conjugada e a 
bilirrubina total. Os resultados são referidos como 
bilirrubina direta (conjugada) e indireta (não 
conjugada, ou livre). 
 
Icterícia: A icterícia (ou coloração amarelada da 
pele e dos tecidos profundos) é causada por níveis 
anormalmente altos de bilirrubina no sangue. Isso 
ocorre quando há um desequilíbrio entre síntese e 
eliminação de bilirrubina. A icterícia torna-se 
perceptível quando os níveis séricos de bilirrubina 
estão acima de 2,0 a 2,5 mg/dℓ (34,2 a 42,8 
μmol).5,10 Como a pele normalmente tem 
tonalidade amarelada, os primeiros sinais de 
icterícia geralmente são difíceis de detectar, 
especialmente nos indivíduos de pele escura. A 
bilirrubina tem afinidade especial por tecidos 
elásticos. A esclerótica do olho, que contém teores 
altos de fibras elásticas, geralmente é uma das 
primeiras estruturas nas quais se pode detectar 
icterícia. 
 
 
 
 
Cirrose 
DEFINIÇÃO➞ A cirrose, que pode constituir o 
estágio final de qualquer doença hepática crônica, 
é um processo difuso, caracterizado por fibrose e 
transformação da arquitetura normal em 
nódulos estruturalmente anormais. Esses 
nódulos “regenerativos” não apresentam 
organização lobular normal e são circundados 
por tecido fibroso. O processo acomete todo o 
fígado e, em geral, é considerado irreversível. 
Embora a cirrose seja, do ponto de vista 
histológico, um diagnóstico de “tudo ou nada”, ela 
pode ser clinicamente classificada em 
compensada ou descompensada. A cirrose 
descompensada é definida pelo achado de ascite, 
sangramento varicoso, encefalopatia ou 
icterícia, que são complicações decorrentes das 
principais consequências da cirrose: a 
hipertensão portal e a insuficiência hepática. 
EPIDEMIOLOGIA➞ Como a maioria dos casos é 
assintomática, a prevalência e incidência é difícil 
de ser estimada de forma precisa. No Brasil, 
haveriam cerca de 182 casos a cada 100.000 
habitantes. De acordo com a Organização Mundial 
da Saúde, cerca de 800.000 pessoas morrem 
anualmente de cirrose. Nos EUA, a cirrose é 
responsável por cerca de 32.000 mortes por ano. 
Qualquer doença hepática crônica pode levar à 
cirrose. A hepatite viral C e a doença hepática 
alcoólica são as causas mais comuns de cirrose. 
BIOPATOLOGIA➞ Fibrose hepática e cirrose 
A característica patogênica essencial subjacente à 
fibrose hepática e cirrose é a ativação das células 
estreladas hepáticas. As células estreladas do 
fígado, que são conhecidas como células de 
Ito ou células perissinusoidais, estão localizadas 
no espaço de Disse, entre os hepatócitos e as 
células endoteliais sinusoidais. Normalmente, as 
células estreladas hepáticas são quiescentes e 
atuam como principal local de armazenamento 
de retinoides (vitamina A). Em resposta a uma 
lesão, as células estreladas hepáticas tornam-se 
ativadas e, em consequência, perdem seus 
depósitos de vitamina A, proliferam, 
desenvolvem um retículo endoplasmático 
rugoso proeminente e secretam matriz 
extracelular (colágeno dos tipos I e III, 
proteoglicanos sulfatados e glicoproteínas). 
Além disso, transformam-se em miofibroblastos 
hepáticos contráteis. Ao contrário de outros 
capilares, os sinusoides hepáticos normais não têm 
membrana basal. As próprias células endoteliais 
sinusoidais apresentam grandes fenestrações (100 a 
200 nm de diâmetro), que possibilitam a passagem 
de grandes moléculas. O depósito de colágeno no 
espaço de Disse, como ocorre na cirrose, leva à 
perda das fenestrações das células endoteliais 
sinusoidais (“capilarização” dos sinusoides), 
alterando, dessa maneira, a troca entre o plasma 
e os hepatócitos, com consequente diminuição 
do diâmetro dos sinusoides, o que é ainda mais 
exacerbado pela contração das células 
estreladas. 
Complicações da cirrose➞ As duas 
principais consequências da cirrose são a 
hipertensão portal, acompanhada de um 
estado circulatório hiperdinâmico, e a 
insuficiência hepática. O desenvolvimento 
de varizes e ascite representa uma 
consequência direta da hipertensão portal e 
do estado circulatório hiperdinâmico, 
enquanto a icterícia ocorre como 
resultadoda incapacidade do fígado de 
excretar a bilirrubina (i. e., insuficiência 
hepática). A encefalopatia é causada tanto 
pela hipertensão portal quanto pela 
insuficiência hepática. Por sua vez, a ascite 
pode ser complicada por infecção, quando é 
denominada peritonite bacteriana 
espontânea, e pela insuficiência renal 
funcional, que é denominada síndrome 
hepatorrenal. 
Complicações da cirrose em consequência de 
hipertensão portal e insuficiência hepática. As 
varizes e a hemorragia varicosa são consequências 
diretas da hipertensão portal. A ascite resulta de 
hipertensão portal sinusoidal e pode ser 
complicada por infecção (peritonite bacteriana 
espontânea [PBE]) ou disfunção renal (síndrome 
hepatorrenal [SHR]). A encefalopatia hepática 
resulta de derivação portossistêmica (i. e., 
hipertensão portal) e de insuficiência hepática. A 
icterícia resulta unicamente de insuficiência 
hepática. 
 
Aumento da pressão sinusoidal hepática na 
cirrose. No fígado normal (à esquerda), a 
vascularização intra-hepática é complacente, e o 
gradiente de pressão venosa hepática, que é a 
medida de pressão sinusoidal, é 5 mmHg ou menos. 
No fígado cirrótico (à direita), ocorre distorção da 
arquitetura sinusoidal pelos nódulos regenerativos 
e fibrose, resultando em aumento da resistência 
intra-hepática, hipertensão portal, esplenomegalia 
e vasos colaterais portossistêmicos; o gradiente de 
pressão venosa hepática é superior a 5 mmHg. 
Ocorre desenvolvimento das complicações da 
cirrose quando o gradiente ultrapassa 10 a 12 
mmHg. 
 
MANIFESTAÇÕES CLÍNICA➞ Dependendo 
do estágio da cirrose, as manifestações clínicas 
variam amplamente, desde um paciente 
assintomático sem sinais de doença hepática 
crônica até um paciente que apresenta 
confusão mental e icterícia, com grave perda 
da massa muscular e ascite. A história natural 
da cirrose caracteriza-se por uma fase inicial, 
denominada cirrose compensada, seguida de uma 
fase rapidamente progressiva, que se caracteriza 
pelo desenvolvimento de complicações da 
hipertensão portal ou disfunção hepática (ou 
ambas), designada como cirrose 
descompensada. Na fase compensada, a função 
de síntese hepática está, em sua maior parte, 
normal, e a pressão portal, apesar de 
aumentada, é inferior ao valor limiar necessário 
para o desenvolvimento de varizes ou ascite. 
À medida que a doença progride, a pressão 
portal aumenta, e ocorre agravamento da 
função hepática, resultando, assim, no 
desenvolvimento de ascite, sangramento 
gastrintestinal por hipertensão portal, 
encefalopatia e icterícia. 
O desenvolvimento de qualquer uma 
dessas complicações clinicamente 
detectáveis caracteriza a transição da fase 
compensada para a fase descompensada. A 
progressão para a morte pode ser acelerada 
pelo desenvolvimento de outras 
complicações, como sangramento 
gastrintestinal recorrente, comprometimento 
renal (ascite refratária, síndrome hepatorrenal), 
síndrome hepatopulmonar e sepse (peritonite 
bacteriana espontânea). O desenvolvimento de 
carcinoma hepatocelular pode acelerar a evolução 
da doença em qualquer estágio. A transição do 
estágio compensado para o descompensado 
ocorre em uma taxa de 5 a 7% por ano. O tempo 
mediano para a descompensação ou tempo em que 
metade dos pacientes com cirrose compensada 
torna-se descompensada, é de cerca de 6 anos. 
 
 
 
Cirrose compensada: Nesse estágio, a cirrose é 
principalmente assintomática e é diagnosticada 
durante a avaliação de doença hepática crônica ou 
durante um exame físico de rotina, exames 
bioquímicos, exames de imagem por realizados por 
outros motivos, endoscopia mostrando varizes 
gastresofágicas ou cirurgia abdominal, na qual se 
detecta um fígado nodular. As únicas queixas 
podem consistir em fadiga inespecífica, perda de 
peso, diminuição da massa muscular, diminuição 
da libido ou transtornos do sono. Cerca de 40% dos 
pacientes com cirrose compensada apresentam 
varizes esofágicas. As varizes gastresofágicas não 
hemorrágicas são assintomáticas, e a sua existência 
(sem sangramento) não denota descompensação. 
Cirrose descompensada: Nesse estágio, surgem 
sinais de descompensação: ascite, varizes 
hemorrágicas, icterícia, encefalopatia hepática. 
A ascite, que é o sinal mais frequente de 
descompensação, está presente em 80% dos 
pacientes com cirrose descompensada. 
DIAGNÓSTICO➞ Deve-se considerar o 
diagnóstico de cirrose em qualquer paciente com 
doença hepática crônica. Com frequência, pode ser 
necessário a confirmação histológica por biopsia 
hepática, que constitui o padrão de referência 
para o diagnóstico de cirrose. Entretanto, a 
biopsia de fígado é um procedimento invasivo, 
sujeito a erros de amostragem, e a cirrose 
frequentemente pode ser confirmada de maneira 
não invasiva por uma associação de 
biomarcadores séricos, técnicas de imagem e 
mensuração da rigidez hepática. 
 
 
• Exame físico 
São encontrados: atrofia muscular, 
principalmente nas regiões dos músculos 
temporais e as eminências tenar e hipotenar; 
angiomas aracneiformes, principalmente no 
tronco, na face e nos membros superiores; e 
eritema palmar. Embora a atrofia muscular seja 
um marcador de insuficiência hepática, aranhas 
vasculares e eritema palmar são marcadores de 
vasodilatação e circulação hiperdinâmica. Uma 
característica patognomônica da cirrose 
hepática é o achado, ao exame do abdome, de 
um lobo hepático direito pequeno, com menos de 7 
cm na percussão, e um lobo esquerdo palpável, que 
é nodular com consistência aumentada. A 
esplenomegalia também pode ocorrer e é indicativa 
de hipertensão portal. A circulação colateral na 
parede abdominal (cabeça de Medusa) também 
pode se desenvolver em consequência da 
hipertensão portal. A ausência de qualquer um 
desses achados físicos não descarta a possibilidade 
de cirrose. 
• Exames laboratoriais: 
Os resultados dos exames laboratoriais sugestivos 
de cirrose incluem até mesmo anormalidades 
sutis nos níveis séricos de albumina ou 
bilirrubina ou elevação da RNI. O achado 
laboratorial mais sensível e específico sugestivo de 
cirrose no contexto da doença hepática crônica é 
uma baixa contagem de plaquetas (< 
150.000/mℓ), que ocorre em consequência da 
hipertensão portal e hiperesplenismo. Outros 
marcadores séricos que frequentemente estão 
anormais incluem níveis de AST, gamaglutamil 
transpeptidase (γGT), ácido hialurônico, alfa2-
macroglobulina, haptoglobina, inibidor da 
metaloproteinase tecidual 1 e apolipoproteína A. 
 
• Exames de imagem: 
Os exames de imagem confirmatórios incluem TC, 
US e RM. Os achados compatíveis com cirrose 
consistem em contorno nodular do fígado, fígado 
pequeno com ou sem hipertrofia do lobo esquerdo 
ou caudado, esplenomegalia e, em particular, 
identificação de vasos colaterais intra-abdominais 
indicadores de hipertensão portal. Com o aumento 
da fibrose, o fígado torna-se rígido, e essa rigidez 
pode ser medida por US (elastografia transitória, 
imagem de impulso de força com radiação 
acústica) ou RM. 
Tomografia computadorizada em um paciente com 
cirrose compensada. O parênquima hepático é 
heterogêneo, há esplenomegalia e, mais 
importante, há colaterais portossistêmicos. 
 
 
 
Na cirrose descompensada, a detecção de ascite, 
sagramento varicoso ou encefalopatia na vigência 
de doença hepática crônica estabelece 
essencialmente o diagnóstico de cirrose, de modo 
que não há necessidade de biopsia hepática para 
estabelecer o diagnóstico. Os pacientes com cirrose 
descompensada frequentemente exibem 
desnutrição, perda da massa muscular mais grave, 
numerosas aranhas vasculares, hipotensão e 
taquicardia em consequência do estado circulatório 
hiperdinâmico 
• Prognóstico: 
O prognóstico da cirrose depende do estágio do 
paciente. Os pacientes com cirrose compensada 
morrem de doença hepática somente após a 
passagempara um estágio descompensado. A taxa 
de sobrevida em 10 anos de pacientes que 
permanecem no estágio compensado é de cerca de 
90%, enquanto a sua probabilidade de 
descompensação é de 50% em 10 anos. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Hipertensão Portal 
A síndrome de hipertensão portal é definida quando 
ocorre um aumento patológico no gradiente de 
pressão portal – HVPG (diferença de pressão entre 
a veia porta e a veia cava inferior) acima de 5 
mmHg. A hipertensão portal é chamada de 
clinicamente significati- va quando ultrapassa 10 
mmHg, pois acima deste limite pode ocorrer o 
desenvolvimento de ascite e a formação de varizes 
esofagogástricas. O risco de sangramento por 
rotura de varizes, entretanto, ocorre com gradientes 
de pressão superiores a 12 mmHg. 
Na cirrose, a hipertensão portal resulta tanto do 
aumento da resistência ao fluxo porta quanto da 
elevação do influxo venoso porta. O mecanismo 
inicial consiste em aumento da resistência vascular 
sinusoidal secundária à (1) deposição de tecido 
fibroso e compressão subsequente pelos nódulos 
regenerativos (componente fixo), que, 
teoricamente, poderia ser acessível a agentes 
antifibróticos e poderia ser melhorada por meio da 
resolução do processo etiológico subjacente, e (2) 
à vasoconstrição ativa (componente funcional), que 
é passível de resposta à ação de agentes 
vasodilatadores, como nitroprusseto, e é causada 
pela deficiência de óxido nítrico (NO) intra-
hepático, bem como pela atividade aumentada dos 
vasoconstritores. 
Inicialmente, no processo hipertensivo portal, o 
baço aumenta de tamanho e sequestra plaquetas e 
outros elementos figurados do sangue, resultando 
em hiperesplenismo. Além disso, os vasos que 
normalmente drenam para o sistema porta, como a 
veia gástrica esquerda, revertem seu fluxo e 
causam desvio do sangue do sistema porta para a 
circulação sistêmica. Esses colaterais 
portossistêmicas não são suficientes para 
descomprimir o sistema venoso porta e oferecem 
resistência adicional ao fluxo porta. À medida que 
ocorre desenvolvimento de colaterais, um aumento 
do fluxo sanguíneo porta, que resulta da 
vasodilatação esplâncnica, mantém o estado 
hipertensivo portal. Por sua vez, a dilatação 
arteriolar esplâncnica é secundária ao aumento da 
produção de NO. Por conseguinte, o paradoxo na 
hipertensão portal é o fato de que a deficiência de 
NO na vascularização intra-hepática leva à 
vasoconstrição e resistência aumentada, enquanto a 
superprodução de NO na circulação extra-hepática 
leva à vasodilatação e fluxo porta aumentado. 
Além da vasodilatação esplâncnica, ocorre 
vasodilatação sistêmica que, ao provocar uma 
redução efetiva do volume sanguíneo arterial, leva 
à ativação do sistema neuro-humoral (sistema 
renina-angiotensina-aldosterona), retenção de 
sódio, expansão do volume plasmático e 
desenvolvimento de um estado circulatório 
hiperdinâmico. Esse estado circulatório 
hiperdinâmico mantém a hipertensão portal, 
levando, assim, à formação e ao crescimento de 
varizes e desempenha um importante papel no 
desenvolvimento de todas as complicações da 
cirrose. 
• Manifestações clínicas 
Há a formação de colaterais, como as varizes 
esofagogástricas e a gastropatia hipertensiva. 
Também ocorre trombocitopenia, leucopenia, 
anemia, esplenomegalia (hiperesplenismo). No 
pulmão, esta vasodilatação leva a alterações da 
ventilação-perfusão e shunts arteriovenosos, 
podendo desencadear síndrome hepatopulmonar ou 
hipertensão pulmonar. 
Ocorrem varizes gastresofágicas em cerca de 50% 
dos pacientes com cirrose recém-diagnosticada. A 
prevalência das varizes correlaciona-se com a 
gravidade da doença hepática. 
Tanto o desenvolvimento de varizes quanto o 
crescimento de pequenas varizes ocorrem em uma 
taxa de 7 a 8% por ano. A incidência do primeiro 
episódio de hemorragia varicosa em pacientes com 
pequenas varizes é de cerca de 5% por ano, 
enquanto o sangramento de varizes médias e 
grandes ocorre em uma taxa de aproximadamente 
15% por ano. As grandes varizes, a doença hepática 
grave e a presença de vergões vermelhos nas 
varizes constituem preditores independentes de 
hemorragia varicosa. O sangramento de varizes 
gastresofágicas pode manifestar-se como 
hematêmese franca e/ou melena. 
• Diagnóstico: 
Nos pacientes com cirrose que estão sendo 
acompanhados cronicamente, o desenvolvimento 
de hipertensão portal geralmente é revelado pela 
presença de trombocitopenia; crescimento do baço; 
ou desenvolvimento de ascite, encefalopatia e/ou 
varizes esofágicas com ou sem sangramento. Nos 
pacientes ainda não diagnosticados, qualquer uma 
dessas características deve justificar a avaliação 
adicional destinada a determinar a presença de 
hipertensão portal e hepatopatia. As varizes devem 
ser identificadas por endoscopia. O estudo por 
imagem do abdome, seja tomografia 
computadorizada (TC) ou ressonância magnética 
(RM), pode ser útil para demonstrar um fígado 
nodular e evidenciar alterações decorrentes da 
hipertensão portal com circulação colateral intra-
abdominal. Se necessário, procedimentos 
radiológicos intervencionistas podem ser 
realizados para determinar as pressões na veia 
hepática ocluída e livre, que permitem fazer o 
cálculo do gradiente das pressões ocluída-livre 
(equivalente à pressão portal). O gradiente médio 
normal entre as pressões ocluída-livre é de 5 mmHg 
e os pacientes com gradiente > 12 mmHg correm 
risco de sofrer hemorragia varicosa. 
Discutir os impactos do abuso de álcool nas 
relações familiares 
 O uso de bebidas alcoólicas está atrelado à cultura 
em que, desde os primórdios, se fazia uso da 
mesma como gesto de comemoração em diversas 
festividades, atos religiosos, comerciais ou 
complementos culinários. Contudo, o uso 
inapropriado/excessivo destas acarreta 
complicações para a vida do indivíduo. O 
alcoolismo tem aumentado progressivamente em 
toda sociedade, tornando-se um grande problema 
de saúde pública, e seu uso constante está ligado 
aos fatores de fácil acesso e baixo custo. 
Considerada uma droga lícita, o álcool é um dos 
principais responsáveis pelas causas de óbitos por 
abuso de drogas no Brasil. De oito mil mortes por 
ano, o álcool é responsável por 85% delas. O 
número de dependentes cresce substancialmente, 
afetando tanto jovens quanto adultos. Ainda que 
seja ingerido em poucas quantidades, acarreta 
consequências graves para todos ao redor do 
alcoolista. Os malefícios provocados pelo 
alcoolismo vão além, pois pessoas que possuem 
essa dependência têm maiores chances de sofrer 
algum tipo interferência no ambiente de trabalho, 
ou seja, é prejudicial tanto para as relações 
familiares quanto para as relações do meio social e 
profissional.

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