Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
■ ■ ■ ■ ■ ■ Os autores deste livro e a EDITORA ROCA empenharam seus melhores esforços para assegurar que as informações e os procedimentos apresentados no texto estejam em acordo com os padrões aceitos à época da publicação, e todos os dados foram atualizados pelos autores até a data da entrega dos originais à editora. Entretanto, tendo em conta a evolução das ciências da saúde, as mudanças regulamentares governamentais e o constante fluxo de novas informações sobre terapêutica medicamentosa e reações adversas a fármacos, recomendamos enfaticamente que os leitores consultem sempre outras fontes fidedignas, de modo a se certificarem de que as informações contidas neste livro estão corretas e de que não houve alterações nas dosagens recomendadas ou na legislação regulamentadora. Adicionalmente, os leitores podem buscar por possíveis atualizações da obra em http://gen-io.grupogen.com.br. Os autores e a editora se empenharam para citar adequadamente e dar o devido crédito a todos os detentores de direitos autorais de qualquer material utilizado neste livro, dispondo-se a possíveis acertos posteriores caso, inadvertida e involuntariamente, a identificação de algum deles tenha sido omitida. Direitos exclusivos para a língua portuguesa Copyright © 2016 by editora guanabara koogan ltda. Publicado pela Editora Roca, um selo integrante do GEN | Grupo Editorial Nacional Travessa do Ouvidor, 11 Rio de Janeiro – RJ – CEP 20040-040 Tels.: (21) 3543-0770/(11) 5080-0770 | Fax: (21) 3543-0896 www.grupogen.com.br | editorial.saude@grupogen.com.br Reservados todos os direitos. É proibida a duplicação ou reprodução deste volume, no todo ou em parte, em quaisquer formas ou por quaisquer meios (eletrônico, mecânico, gravação, fotocópia, distribuição pela Internet ou outros), sem permissão, por escrito, da EDITORA GUANABARA KOOGAN LTDA. Capa: Denise Nogueira Moriama Produção digital: Geethik Ficha catalográfica P245m Paraventi, Felipe Manual de Psiquiatria Clínica / Felipe Paraventi, Ana Cristina Chaves. - 1. ed. - Rio de Janeiro: Roca, 2016. 340 p.: il.; 17 cm Inclui bibliografia e índice ISBN 978-85-277-2934-5 1. Psiquitaria - Manuais, guias, etc. 2. Doenças mentais - Manuais, guias, etc. I. Chaves, Ana http://gen-io.grupogen.com.br http://www.grupogen.com.br mailto:editorial.saude@grupogen.com.br http://www.geethik.com Cristina. 15-22977 CDD: 616.89CDU: 616.89 Colaboradores Andiara Mayer de Souza. Médica. Especialista em Psiquiatria pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS). André Lippe de Camillo. Residência em Psiquiatria pela Universidade Federal de São Paulo/Escola Paulista de Medicina (Unifesp/EPM). Angélica de Medeiros Claudino. Psiquiatra. Mestre em Psiquiatria e Doutora em Ciências pela Unifesp/EPM. Pós-doutora pelo Instituto de Psiquiatria do King’s College, Londres, Inglaterra. Orientadora da Pós-graduação do Departamento de Psiquiatria da Unifesp/EPM. Ary Gadelha de A. A. Neto. Doutor em Psiquiatria pela Unifesp/EPM. Coordenador do Programa de Esquizofrenia (PROESQ) da Unifesp/EPM. Caio Magno Matos de Almeida. Psiquiatra. Especialista em Dependência Química pela Unidade de Pesquisa em Álcool e Drogas (UNIAD) da Unifesp/EPM. Cecília Roberti Proença. Médica. Especialista em Psiquiatria pela Unifesp/EPM. Cláudio Jerônimo da Silva. Psiquiatra. Especialista em Dependência Química e Doutor em Ciências pela Unifesp/EPM. Professor Afiliado da Disciplina de Psiquiatria Clínica do Departamento de Psiquiatria da Unifesp/EPM. Cristina Hajaj Gonzalez. Doutora em Ciências pela Unifesp/EPM. Coordenadora do Centro de Tratamento do Transtorno Obsessivo-Compulsivo (Centoc) do Departamento de Psiquiatria da Unifesp/EPM. Dartiu Xavier da Silveira. Especialista em Dependência Química pelo Centre Medical Marmottan, Paris, França. Mestre e Doutor em Psiquiatria pela Unifesp/EPM. Professor Livre-docente do Departamento de Psiquiatria da Unifesp/EPM. Edison Antonio de Almeida Prado Fagá. Médico. Residência em Psiquiatria pela Unifesp/EPM. Eduardo Seraidarian Najjar. Médico. Especialista em Psiquiatria pela Unifesp/EPM. Francine Nunes Ferreira. Psiquiatra. Colaboradora do Programa de Atendimento e Pesquisa em Violência (Prove) da Unifesp/EPM. Gabriela Rached El Helou Siloto. Psiquiatra. Especialista em Psiquiatria da Infância e da Adolescência pela Unidade de Psiquiatria da Infância e da Adolescência (Upia) do Departamento de Psiquiatria da Unifesp/EPM. Coordenadora de Assistência do Programa de Atendimento às Psicoses da Infância e da Adolescência (Papia/Proesq) da Unifesp/EPM. Coordenadora da Equipe de Psiquiatria da Infância e Adolescência do AME Psiquiatria Dra. Jandira Masur. Médica Pesquisadora da Upia/Unifesp/EPM. Giulianno Ruffo Capatti. Médico. Residência em Psiquiatria pela Unifesp/EPM. Gustavo Machado Barros. Psiquiatra. Coordenador da Unidade de Internação Psiquiátrica do Hospital São Paulo. Hesley Lucena Landim Miranda. Médico. Especialista em Psiquiatria pelo Hospital de Saúde Mental Professor Frota Pinto e em Psicogeriatria pela Unifesp/EPM. Ivete Gianfaldoni Gattás. Psiquiatra da infância e da adolescência. Coordenadora da Upia/Unifesp. Jair de Jesus Mari. Professor Titular do Departamento de Psiquiatria da Unifesp/EPM. Jessica Felício Abegão. Médica. Residência em Psiquiatria pela Unifesp/EPM. José Alberto Del Porto. Médico. Residência em Psiquiatria, Mestre e Doutor em Psicofarmacologia pela Unifesp/EPM. Professor Titular do Departamento de Psiquiatria da Unifesp/EPM. José Atílio Bombana. Médico. Especialista e Doutor em Psiquiatria pela Unifesp/EPM. Professor Afiliado da Disciplina de Psicoterapia do Departamento de Psiquiatria da Unifesp/EPM. José Cássio do Nascimento Pitta. Professor-assistente e Chefe do Departamento de Psiquiatria da Unifesp/EPM. Juliana Augusta Plens de Moura Garcia. Psiquiatra pela Unifesp/EPM. Juliana de Sousa Ribeiro de Carvalho. Médica. Residência em Psiquiatria pela Unifesp/EPM. Juliana Pinto Moreira dos Santos. Médica. Residência em Psiquiatria pela Unifesp/EPM. Julieta Freitas Ramalho da Silva. Professora Adjunta do Departamento de Psiquiatria da Unifesp/EPM. Membro da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo (SBPSP). Larissa Fogaça Doretto. Médica. Residência em Psiquiatria pela Unifesp/EPM. Laura Martins Feitosa. Pediatra. Psiquiatra. Residência em Psiquiatria da Infância e da Adolescência pela Unifesp/EPM. Lucas Cese Marchetti. Médico. Especialista em Psiquiatria pela Unifesp/EPM. Luciana de Moraes Bernal. Psiquiatra pela Unifesp/EPM. Residência em Psiquiatria da Infância e da Adolescência pela Unifesp/EPM. Luciana Sarin. Mestre em Psiquiatria pelo Departamento de Psiquiatria da Unifesp/EPM. Psiquiatra-assistente do Ambulatório de Doenças Afetivas do Programa de Distúrbios Afetivos e Amorosos (Prodaf) da Unifesp/EPM. Coordenadora do Ambulatório de Depressão Refratária da Associação para Desenvolvimento, Educação e Recuperação do Excepcional (ADERE). Luiz Henrique Junqueira Dieckmann. Psiquiatra. Mestre em Psiquiatria pela Unifesp/EPM. Marcelo Feijó de Mello. Médico. Mestre e Doutor em Psiquiatria pela Unifesp/EPM. Doutor em Psiquiatria pelo Hospital do Servidor Público Estadual. Pós-doutor em Neurociências pela Brown University, Rhode Island, EUA. Professor Adjunto da disciplina de Psiquiatria do Departamento de Psiquiatria da Unifesp/EPM. Marco Antonio Nocito Echevarria. Médico. Residência em Psiquiatria pela Unifesp/EPM. Maria Conceição do Rosário. Professora Adjunta da Upia/Unifesp. Professora associada do Child Study Center da Universidade de Yale, EUA. Coordenadora da Upia/Unifesp e do Curso de Especialização em Saúde Mental da Infância e Adolescência (CESMIA). Marília Queiroz Foloni. Psiquiatra do Departamento de Psiquiatria da Unifesp/EPM e do Núcleo de Medicina Psicossomática do Hospital Israelita Albert Einstein (HIAE). Psicoterapeuta pela Escola Paulista de Psicodrama (EPP). Mônica Cristina di Pietro. Psiquiatra. Mestre e Doutoranda em Psiquiatria pela Unifesp/EPM. Pesquisadora do Programa deOrientação e Atendimento a Dependentes do Departamento de Psiquiatra da Unifesp/EPM. Preceptora do Serviço de Emergências Psiquiátricas do Hospital São Paulo da Unifesp/EPM. Nelson Trentini Júnior. Médico. Especialista em Psiquiatria pela Unifesp/EPM. Especialista em Psicanálise pelo Instituto Sedes Sapientiae. Osvladir Custódio. Psiquiatra e Terapeuta Cognitivo. Mestre em Saúde Mental pela Unifesp/EPM. Supervisor do Programa de Atendimento Neuropsicogeriátrico (PAN) da Unifesp/EPM. Rafael Latorraca. Residência em Psiquiatria pela Unifesp/EPM. Régis André Severino Hueb. Médico. Residência em Psiquiatria pela Unifesp/EPM. Renato Oliveira Rossi. Residência em Psiquiatria pela Unifesp/EPM. Renzo Roldi Rossoni. Psiquiatra. Especialista em Psiquiatria Geral e Psiquiatria da Infância e da Adolescência pela Unifesp/EPM. Samoara Correa Barbosa. Psiquiatra. Especialista em Psiquiatria pelo Hospital de Clínicas de Porto Alegre/Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Psicogeriatra pela Unifesp/EPM. Sheila C. Caetano. Psiquiatra da infância e da adolescência. Doutora e Pós-doutora pelo Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da USP. Professora adjunta do Departamento de Psiquiatria da Unifesp/EPM. Coordenadora da Upia/Unifesp. Tássio Andrade Reis. Residência em Psiquiatria pela Unifesp/EPM. Thays Mello Ferreira. Psiquiatra pela Unifesp/EPM. Thiago Marques Fidalgo. Doutor pelo Departamento de Psiquiatria da Unifesp/EPM. Coordenador do Setor de Assistência do Programa de Orientação e Atendimento a Dependentes (PROAD) da Unifesp/EPM. Vanessa de Albuquerque Cítero. Professora Afiliada do Departamento de Psiquiatria da Unifesp/EPM. Pós-doutora em Psiquiatria pela Virginia Commonwealth University, EUA. Coordenadora do Serviço de Saúde Mental do Hospital Universitário da Unifesp/EPM. Victor Siciliano Soares. Médico. Residência em Psiquiatria pela Unifesp/EPM. Vinícius Lopes Emygdio de Faria. Psiquiatra pela Unifesp/EPM. Apresentação A atualização dos temas psiquiátricos mais relevantes é sempre bem-vinda. Quando se elabora um livro, pergunta-se a que público ele se destina, e o Manual de Psiquiatria Clínica é necessário para alunos, residentes, membros das equipes de saúde mental e, principalmente, clínicos gerais. Os capítulos abrangem praticamente toda a psiquiatria moderna, o que torna este manual um importante guia para profissionais da saúde. Todos tiveram o envolvimento de um jovem, que, sob a supervisão de seus professores, desenvolveu em linguagem clara conhecimentos atualizados da psiquiatria. Os temas abordam desde a entrevista psiquiátrica, os transtornos psiquiátricos do adulto e da criança, as populações especiais e as emergências até a questão ética em psiquiatria, além de demonstrarem o interesse dos jovens em prosseguir com suas pesquisas em um futuro breve. Como este manual foi escrito por residentes, sob a supervisão dos Professores do Departamento de Psiquiatria da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo, só pode ser comemorado como um feito raro e precioso, por dar conta da profundidade do conhecimento e da qualidade dos alunos. É mister do Departamento de Psiquiatria preparar quadros para o futuro, e este livro mostra que a tarefa está sendo feita a contento. Marcos Pacheco de Toledo Ferraz Professor Titular de Psiquiatria Aposentado do Departamento de Psiquiatria da Unifesp/EPM Prefácio A Residência Médica, instituída no Brasil em 5 de setembro de 1977, constitui uma modalidade de ensino de pós-graduação destinada aos médicos, sob a forma de curso de especialização, e funciona em instituições de saúde, sob a orientação de profissionais médicos de elevada qualificação ética e profissional, sendo considerada o padrão-ouro da especialização médica. Ao longo de mais de 30 anos, muitas transformações ocorreram. A constante evolução da medicina e o aumento dos conhecimentos científicos resultaram de forma inevitável em maior cobrança pela qualidade desses profissionais. Hoje, a maioria dos hospitais que alocam residentes possui suas atividades totalmente dependentes desses jovens médicos, o que resulta em excesso de carga de trabalho e horários extenuantes. Com o objetivo de ajudar nessa difícil missão, a Associação dos Médicos Residentes da Escola Paulista de Medicina (AMEREPAM) tem o prazer de contribuir com a série “Manual do Residente da Universidade Federal de São Paulo”, que envolve as mais diversas especialidades médicas e tem como finalidade levar ao residente, de forma fácil e ágil, as informações de maior relevância para a boa prática clínica. Luiz Fernando dos Reis Falcão Professor Adjunto de Anestesiologia da Unifesp Research Fellow da Harvard Medical School – Harvard University Idealizador da série “Manual do Residente da Universidade Federal de São Paulo”, em sua gestão como diretor científico da AMEREPAM – Gestão 2008-2009 A série “Manual do Residente da Universidade Federal de São Paulo” entrou em uma nova etapa após consolidar-se como um sucesso entre residentes e médicos de todo o país. Dessa forma, o Manual de Psiquiatria Clínica dá continuidade a esse sucesso, apresentando um texto com o conhecimento médico mais recente dentro de cada especialidade. Assim, novos residentes assumiram a coordenação das obras, permitindo que mais ideias fossem abordadas e exploradas. Nesse contexto, a Associação dos Médicos Residentes da Escola Paulista de Medicina (AMEREPAM) assumiu o papel de organizar as reedições e estimular a elaboração de novos manuais para atender a diversidade de programas de residência médica em nossa instituição e no país. Marcos Devanir Silva da Costa Presidente da AMEREPAM – Gestão 2013-2014 Residente de Neurocirurgia da Unifesp Colaborador da Liga Acadêmica de Neurocirurgia da Unifesp Mestrando do Programa Tecnologias e Atenção à Saúde da Unifesp Muitas vezes, o médico residente é o pilar de funcionamento dos hospitais e o primeiro contato do paciente com o serviço, e isso exige formação adequada para o cumprimento de suas funções. Os avanços da medicina e da ciência ocorrem em considerável velocidade, o que requer do médico o uso permanente de ferramentas de atualização das informações. A série “Manual do Residente da Universidade Federal de São Paulo” tem a finalidade de colaborar com a formação e a atualização médica de maneira rápida e objetiva, trazendo conteúdos atualizados e fundamentados nas melhores evidências disponíveis na literatura médica nacional e internacional. A Associação dos Médicos Residentes da Escola Paulista de Medicina (AMEREPAM) traz aos leitores o Manual de Psiquiatria Clínica. Agradecemos aos residentes e aos colaboradores que tornaram possível esta obra, empenhando-se para contribuir com um conteúdo novo e necessário ao dia a dia da residência médica. Klaus Nunes Ficher Presidente da AMEREPAM – Gestão 2014-2015 Residente de Clínica Médica da Unifesp Lista de Abreviaturas 5-HT = serotonina ACTH = hormônio adrenocorticotrófico AD = antidepressivo ADAS-Cog = Alzheimer’s Disease Assessment Scale – Cognitive subscale ADHD = attention deficit and hiperactivity disorder ADT = antidepressivo tricíclico AIDS = síndrome da imunodeficiência adquirida AINH = anti-inflamatórios não hormonais AIT = ataque isquêmico transitório AIVD = atividades instrumentais da vida diária ALT = alanina aminotransferase AMI = amissulprida AMP = monofosfato de adenosina AMPA = ácido alfa-3-hidroxi-5-metil-4-isoxazol propiônico AN = anorexia nervosa ANASE = antidepressivo noradrenérgico e serotoninérgico específico AP = antipsicótico ARFID = transtorno da evitação/restrição de ingestão alimentar ARIP = aripiprazol ASG = antipsicótico de segunda geração ASIR = antagonistas serotoninérgicos/inibidores da recaptação de serotonina AST = aspartato aminotransferase ATD = antidepressivo AVC = acidente vascular cerebral AVD = atividades da vida diária BDNF = fator neurotrófico derivado do cérebro (brain derived neurotrophic factor) BN = bulimia nervosa CANMAT = Canadian Network for Mood and AnxietyTreatments CAPS = Centros de Atenção Psicossocial CB = canabinoides CBZ = carbamazepina CCL = comprometimento cognitivo leve CDR = clinical dementia rating CEBRID = Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas CEM = Código de Ética Médica CGI = clinical global impression CHLOR = clorpromazina CID-10 = Classificação Internacional de Doenças, 10a edição CIWA-Ar = Clinical Institute Withdrawal Assessment Scale for Alcohol, Revised COMT = catecol-O-metiltransferase CPK = creatinofosfoquinase CRH = hormônio liberador de corticotrofina CYP450 = citocromo p-450 CZP = clozapina D = dopamina DA = doença de Alzheimer DALY = disability-adjusted life year DCL = declínio cognitivo leve DDI = distúrbio dissociativo de identidade DHL = discreta desidrogenase lática DM = diabetes melito DNPM = desenvolvimento neuropsicomotor DPOC = doença pulmonar obstrutiva crônica DRESS = exantema por drogas com eosinofilia e sintomas sistêmicos (drug rash with eosinophilia and systemic syndrome) DSM = Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders) DT = discinesia tardia DTI = tensores de difusão (diffusion tensor imaging) DU = dose única DUP = período de psicose não tratada (duration of untreated pychosis) DV = demência vascular DY-BOCS = Dimensional Yale-Brown Obsessive-Compulsive Scale ECA = episódios de compulsão alimentar ECG = eletrocardiograma ECT = eletroconvulsoterapia EEG = eletroencefalograma EH = estabilizadores de humor EMT = estimulação magnética transcraniana FAST = escala de Estadiamento Funcional (Functional Assessment Scale) FC = frequência cardíaca FDA = Food and Drug Administration FSH = hormônio foliculoestimulante (follicle-stimulating hormone) GABA = ácido gama-aminobutírico GAF = Global Assessment of Function HAL = haloperidol HAM-D = Escala de depressão de Hamilton HAS = hipertensão arterial sistêmica HIV = vírus da imunodeficiência humana (human immunodeficiency virus) HPA = hipotálamo-hipofisário-adrenal IAM = infarto agudo do miocárdio IC = intervalo de confiança IECA = inibidor da enzima conversora de angiotensina IM = via intramuscular IMAO = inibidores da monoaminoxidase IMC = índice de massa corporal IPAP = International Psychopharmachology Algorithm Program IPC = internação psiquiátrica compulsória IPI = internação psiquiátrica involuntária IPVI = internação psiquiátrica voluntária que se torna involuntária IRNA = inibição da recaptação de noradrenalina IRND = inibidor da recaptação da noradrenalina e da dopamina IRSN = inibidor da recaptação de serotonina e noradrenalina ISBD = International Society for Bipolar Disorders ISRN = inibidor seletivo da recaptação de noradrenalina ISRS = inibidor seletivo da recaptação de serotonina ITU = infecção do trato urinário IV = via intravenosa LC = locus ceruleus LH = hormônio luteinizante (luteinizing hormone) LSD = dietilamida do ácido lisérgico MADRS = escala de pressão de Montgomery MAO = monoaminoxidase MARTA = multi-acting receptor-targeted antipsychotics MEEM = miniexame do estado mental NAA = N-acetil-aspartato NAC = N-acetilcisteína NCS = National Comorbibity Survey NE = neurônio excitatório NGF = fator de crescimento do nervo (nerve growth factor) NHSDA = National Household Survey on Drug Use and Health NICE = National Institute of Clinical Excellence NIDA = National Institute of Drugs Abuse NIH = National Institutes of Health NMDA = N-metil-D-aspartato OLANZ = olanzapina OMS = Organização Mundial da Saúde OROS = osmotic-controlled release oral delivery system P5 = 5o percentil PA = pressão arterial PANDAS = Pediatric Autoimmune Neuropsychiatric Disorders Associated with Streptococcal Infections PANSS = Escala das Síndromes Positivas e Negativas (Positive and Negative Syndrome Scale) PBR = receptores benzoadiazepínicos periféricos (peripheal-type benzodiazepine receptors) PEP = primeiro episódio psicótico PET = tomografia por emissão de pósitrons (pósitron emission tomography) PKC = proteinoquinase C PMD = psicose maníaco-depressiva QUET = quetiapina REM = sono de movimentos rápidos dos olhos RISP = risperidona RM = ressonância magnética RMe = ressonância magnética estrutural RMf = ressonância magnética funcional RMP = relação médico-paciente RNA = ácido ribonucleico SAA = síndrome de abstinência alcoólica SEP = sintomas extrapiramidais SL = sublingual SNA = sistema nervoso autônomo SNC = sistema nervoso central SNG = sonda nasogástrica SNM = síndrome neuroléptica maligna SOC = sintomas obsessivo-compulsivos SOE = sem outra especificação SPCD = sintomas psicológicos e comportamentais associados à demência SPECT = tomografia por emissão de fóton único (single photon emission computadorized tomography) SRAA = sistema reticular ativador ascendente SRQ 20 = self-reporting questionnaire SUS = Sistema Único de Saúde T3 = tri-iodotironina T4 = tiroxina T4L = tiroxina livre TA = transtorno alimentar TAB = transtorno afetivo bipolar TAG = transtorno de ansiedade generalizada TANE = transtornos alimentares não especificados TARE = transtorno alimentar de restrição e evitação TASOE = transtornos alimentares sem outra especificação TBH = transtorno bipolar do humor TC = tomografia computadorizada TCA = transtorno de compulsão alimentar TCC = terapia cognitivo-comportamental TDAH = transtorno do déficit de atenção com hiperatividade TDM = transtono depressivo maior TEPT = transtorno do estresse pós-traumático TF = transtorno factício TIG = transtorno de identidade de gênero TIP = terapia interpessoal TOC = transtorno obsessivo-compulsivo TOD = transtorno opositor-desafiador TP = transtorno de personalidade TPN = tumescência peniana noturna TRH = hormônio liberador de tireotropina TSH = hormônio estimulante da tireoide TVP = trombose venosa profunda VO = via oral ZIP = ziprasidona 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27 Sumário Seção I Princípios gerais Entrevista psiquiátrica Seção II Transtornos psiquiátricos do adulto Transtornos depressivos Transtorno afetivo bipolar Transtornos de ansiedade Transtorno obsessivo-compulsivo Transtorno do estresse pós-traumático Esquizofrenia e outras psicoses Primeiro episódio psicótico Transtornos dissociativos Transtornos somatoformes Transtorno factício e simulação Transtornos da personalidade Transtornos alimentares Transtornos da sexualidade Dependência de álcool Tabagismo Outras dependências químicas Seção III Populações especiais Princípios da psiquiatria na infância e na adolescência Depressão, ansiedade e insônia no idoso Psicose e agitação no idoso Uso de psicofármacos no período perinatal Seção IV Emergências psiquiátricas Suicídio Agitação psicomotora e catatonia Delirium Síndrome de abstinência alcoólica Síndrome neuroléptica maligna Síndrome serotoninérgica 28 Seção V Psiquiatria Forense Aspectos éticos e legais da prática psiquiátrica SEÇÃO I PRINCÍPIOS GERAIS • Capítulo 1 ENTREVISTA PSIQUIÁTRICA Giulianno Ruffo Capatti e José Cássio do Nascimento Pitta INTRODUÇÃO A anamnese psiquiátrica consiste no relato histórico do transtorno mental de um paciente, desde o período que antecede o início da doença até as últimas manifestações psicopatológicas que motivaram o atendimento atual. Dessa maneira, a anamnese é o conjunto de informações obtidas do paciente (anamnese subjetiva) ou de seus familiares (anamnese objetiva) que se relacionam com seu adoecimento mental. Os dados considerados relevantes para o paciente nem sempre são os mesmos valorizados pelos seus familiares, e cabe ao entrevistador avaliá-los e selecionar os tópicos importantes, possibilitando uma melhor sistematização. A anamnese se diferencia de uma entrevista “livre” ou de um questionário padronizado; sua transcrição deve consistir, na medida do possível, em uma coleta de dados significativos, em ordem cronológica e sistematizada, possibilitando a compreensão sobre o transtorno mental do paciente e todos os fatores clínicos e psicossociais relacionados. A finalidade é proporcionarao entrevistador uma compreensão lógica do desenvolvimento da personalidade, dos fatores estressores relacionados com o início e a evolução do quadro clínico, bem como do ambiente sociofamiliar em que essas manifestações psicopatológicas tiveram início, progrediram e influenciaram na sua evolução. Outro importante aspecto da anamnese é a coleta de dados sobre a relação que se estabelece entre o paciente e seus familiares, tanto antes quanto após o início do transtorno. A obtenção dos dados para elaborar a história deve envolver tanto a finalidade de se alcançar um diagnóstico descritivo quanto a compreensão dinâmica das relações interpessoais, vinculadas ao transtorno mental. Assim, para possibilitar tal compreensão, a entrevista deve ter características “flexíveis”, oscilando entre a busca estruturada de fatos específicos e uma postura não estruturada de escuta do fluxo natural dos processos de pensamento do paciente. A anamnese e o exame do estado mental são elementos fundamentais para se estabelecer uma hipótese diagnóstica e, consequentemente, a intervenção terapêutica. Essa intervenção varia de acordo com o grau de emergência e o ambiente em que ocorre o atendimento, como pronto-socorro, unidades de internação e ambulatórios. ANAMNESE PSIQUIÁTRICA Os itens que constituem a anamnese são: Identificação do paciente: nome, idade, data de nascimento, sexo, nacionalidade, naturalidade, estado civil, religião, escolaridade, profissão, grupo étnico, endereço e • • • • – – – – – – – – – – – telefone Queixa principal: o entrevistador deve redigir sucintamente e, de preferência, com as palavras do paciente as queixas que motivaram o atendimento. Nas circunstâncias em que isso se torna inviável, o registro pode ser feito por meio do relato dos familiares. Os registros transcritos de falas do paciente ou dos familiares ao longo da anamnese devem ser feitos entre aspas ou entre parênteses com a expressão (sic) Motivo da internação/da procura do atendimento: o entrevistador deve descrever os fatos que motivaram a internação. Essas informações podem ser obtidas com o paciente, os familiares ou o serviço de assistência que o encaminhou História pregressa da doença atual: esse relato pode ser considerado a extensão da queixa principal, consistindo em seu detalhamento. O entrevistador deve investigar primeiramente há quanto tempo o paciente apresenta as manifestações psicopatológicas relatadas e, posteriormente, descrever, em ordem cronológica, todos os sintomas, sua respectiva intensidade e como influenciaram seu desempenho afetivo, familiar, social e profissional. Deve ser descrito se o início da alteração do comportamento ocorreu de maneira aguda ou insidiosa e a existência de fatores estressores relacionados. Em relação à evolução do quadro psiquiátrico, deve-se questionar sobre períodos de remissão completa, com retorno ao desempenho prévio nas áreas anteriormente citadas, ou se a remissão foi apenas parcial, prejudicando o retorno do paciente às suas condições anteriores ao início da doença. Outro item importante é o relato dos tratamentos anteriores e a averiguação sobre a adesão, os motivos das possíveis interrupções do tratamento e a análise da eficácia desses tratamentos. Deve-se pesquisar a ocorrência e o número de internações prévias, o tempo de internação, as condições de alta e manutenção do tratamento, assim como relatar as medicações atuais História pessoal: este relato é de grande importância para o entendimento de todos os elementos factuais e condições físicas e psíquicas ao longo da vida do paciente que estão associados ao adoecimento mental e sua evolução. Esses dados devem ser descritos cronologicamente, iniciando nas condições da gestação e concluindo com as circunstâncias atuais. Devem ser investigados: Problemas na gravidez e condições do parto Número de irmãos Ordem de nascimento Desenvolvimento neuropsicomotor e comportamento durante a infância e a adolescência (crescimento, alimentação e aprendizado, relacionamento interpessoal) Doenças na infância Desempenho escolar Menarca Relacionamento interpessoal História sexual Namoros Serviço militar (motivo da dispensa) – – – – – – – – – – – ■ ■ ■ ■ ■ • – ■ ■ ■ ■ ■ ■ – ■ ■ ■ ■ ■ ■ ■ ■ ■ ■ • Uso de álcool; tabaco e outras substâncias psicoativas Desempenho profissional Situação trabalhista atual Relacionamento interpessoal (social e afetivo) Relacionamento conjugal Comportamento sexual Ciclo menstrual Gravidez e puerpério Climatério Fatores estressores (violência, acidentes, perdas) Condições clínicas: Doenças transmissíveis Acidentes, internações, cirurgias, traumatismos Tentativas de suicídio Doenças (crônicas e graves) Utilização de medicações (prescritas, não prescritas e abuso) História familiar: a análise dos dados da família visa a compreender o ambiente em que o paciente nasceu, se desenvolveu e vive atualmente. Deve-se investigar antecedentes patológicos da família que possam estar associados à sua condição mórbida. Assim, é necessário analisar os itens relacionados com o ambiente e com os antecedentes clínicos: Antecedentes familiares Consanguinidade Transtornos mentais na família Tratamento e internações psiquiátricas Suicídio ou tentativas Epilepsia Uso de álcool e outras substâncias psicoativas Ambiente familiar Número de membros, especificando os vivos e os falecidos Problemas de adaptação Ambiente familiar e social Com quem mora, características do relacionamento familiar Condições socioeconômicas Condições de moradia Vizinhança Privacidade Características culturais específicas do grupo social Concepções religiosas Interrogatório dos diferentes aparelhos: o entrevistador deve interrogar de modo sistemático sobre os demais sistemas biológicos: circulatório, respiratório, digestório, geniturinário, locomotor, neurológico, metabólico, endócrino e tegumentar. Especial atenção deve ser voltada a dados sugestivos de disfunções psicossomáticas, endócrinas e neurológicas. Ao término da coleta das informações anteriormente descritas, espera-se que o entrevistador analise a correlação entre as manifestações psicopatológicas e o contexto biográfico e psicossocial em que ocorrem. A anamnese psiquiátrica é complementada com os exames do estado mental, físico e complementares. EXAME DO ESTADO MENTAL Esse exame consiste na observação e na descrição das funções psíquicas do paciente. O entrevistador deve descrever primeiramente a avaliação da atitude geral do paciente e, posteriormente, de maneira detalhada, cada uma das funções e suas alterações psicopatológicas. As próprias palavras ou frases do paciente podem ser utilizadas, entre aspas. Essas funções são: consciência, atenção, orientação, consciência do eu, memória, linguagem, inteligência, pensamento, afetividade e humor, sensopercepção, psicomotricidade e volição. Atitude geral Este item inicia com a avaliação de características físicas relevantes, dos cuidados pessoais, incluindo as condições higiênicas e o vestuário. Analisa-se também como se estabelece o contato e qual é a atitude do paciente perante o entrevistador, ou seja, sua colaboração, hostilidade, respostas evasivas ou lacônicas, discurso com espontaneidade ou respostas mais sucintas, fácies e mímica. Consciência O estado de consciência deve ser descrito em relação à sua forma conservada, ou seja, a lucidez psíquica, ou a ocorrência de possíveis alterações. Essas alterações podem ser: quantitativas, denominadas do nível da consciência, sendo o normal denominado vígil, e as possíveis alterações sendo turvação ou obnubilação, torpor, estupor, coma superficial ou profundo; e qualitativas, do campo da consciência, sendo as alterações estreitamento do campo, estados crepusculares ou hipnóticos, incluindo os estados dissociativos. A descrição de atenção, orientação e memória é útil para analisar a consciência em relação tanto ao nível quanto ao campo da consciência. Atenção Investiga-se a capacidade do paciente de manter o foco ou a concentração em um determinado objeto, denominada atenção voluntária,e a direção a um estímulo novo ou diferente, denominada atenção espontânea. Orientação Avalia-se a capacidade de se orientar em relação a si próprio, denominada orientação autopsíquica (nome, idade, sexo, profissão e estado civil) e em relação ao ambiente, denominada orientação alopsíquica ou temporoespacial, considerando o tempo (ano, mês, dia, hora) e o espaço (lugar, andar, caminho percorrido). Consciência do eu Investiga-se a consciência em relação à propriedade dos sentimentos, pensamentos e ações (atividade do eu), a compreensão de que o eu é uno e indivisível (unidade do eu), de ser o mesmo na sucessão do tempo (identidade do eu) e o evidente limite entre o eu e o mundo externo (oposição do eu). Memória A memória diz respeito à habilidade de registrar, reter e evocar fatos ocorridos ao longo da vida. Avaliam-se a memória de fixação (anterógrada), de curto prazo, e a memória de evocação (retrógrada), de longo prazo, ou seja, a capacidade de manifestar as lembranças em ordem cronológica. Linguagem Investiga-se a capacidade de comunicação pela fala e escrita. As alterações podem ser de caráter de articulação (disartria) ou da capacidade de expressar o conteúdo (afasia). Pode haver também prejuízos da capacidade de ler (alexia) ou escrever (agrafia). Existem alterações na velocidade do discurso (bradilalia; taquilalia) ou da quantidade de discurso (logorreia). A ausência de fala pode ocorrer (mutismo). Existem também alterações qualitativas da linguagem: ecolalia (repetição da última palavra ou sílaba ouvida); palilalia (repetição da última palavra ou sílaba dita); coprolalia (tendência à inclusão de palavras obscenas no discurso); tartamudez (gagueira); solilóquios (falar sozinho, sugestivo de alucinações). Inteligência Avalia-se um conjunto de habilidades mentais como raciocínio, planejamento, abstração, criatividade, aprendizagem imediata etc. Pode-se apenas estimar a inteligência de um indivíduo por meio de uma entrevista psiquiátrica. Pensamento Analisa-se o processo de pensar, como o paciente organiza suas representações mentais, a consistência de suas ideias, sua compreensão, a capacidade de abstração e o julgamento da realidade. Descreve-se curso (velocidade do pensamento), forma (o encadeamento das ideias) e conteúdo (a natureza da ideação, ideias prevalentes, fixas ou o julgamento distorcido da realidade denominado ideias delirantes). Humor e afetividade A afetividade é a capacidade individual de experimentar emoções, paixões e sentimentos, acompanhados de uma ideia ou representação mental. O humor é conceituado como o tônus afetivo ou estado de ânimo que prevalece em determinado período. Avalia-se sua polarização para tristeza, alegria, ansiedade e irritabilidade, e a exacerbação ou vivência desproporcional desses sentimentos. Em relação ao afeto, avaliam-se a modulação, a estabilidade e sua ressonância ao meio ambiente. Sensopercepção A sensopercepção diz respeito à capacidade de transformar os estímulos sensoriais (auditivos, visuais, olfatórios, gustativos, táteis, proprioceptivos, cinestésicos e cenestésicos) em representações ou percepções. Em última instância, consistiria em tomar conhecimento, a partir de experiências anteriores, de um estímulo sensorial. Avaliam-se as alterações quantitativas (hiperestesias e hipoestesias) e qualitativas (ilusões, alucinações e alucinoses) da sensopercepção. Psicomotricidade Consiste na correlação entre o estado mental e a atividade motora. Avaliam-se a quantidade de movimentação e a inquietude que o paciente apresenta durante a entrevista. Pode estar aumentada (inquieto ou agitado) ou diminuída (inibição psicomotora). Volição A volição é a capacidade de cada indivíduo de se exercitar, escolher, julgar, deliberar e realizar seus atos voluntários, muitas vezes em desacordo com suas tendências instintivas ou seus hábitos. Crítica e noção da doença A noção da doença pode ser definida como um julgamento mais superficial pouco reflexivo ou elaborado em relação ao seu próprio estado mórbido. Já a crítica ou consciência da doença consiste em uma compreensão mais elaborada, em que o paciente elabora e apresenta um sentimento ou julgamento de modificação, consequência ou prejuízo perante seu transtorno mental. O entrevistador deve atentar para esses elementos, principalmente para antever a adesão ao tratamento e quais as melhores estratégias para alcançá-la. CONSIDERAÇÕES FINAIS A anamnese psiquiátrica, associada ao exame do estado mental, é um instrumento de grande importância para a elaboração da hipótese diagnóstica de um transtorno mental e suas implicações nas condições psicossociais do paciente, assim como para avaliar a evolução clínica. BIBLIOGRAFIA Bastos CL. Manual do exame psíquico: uma introdução prática à psicopatologia. Rio de Janeiro: Revinter,1997. Dalgalarrondo P. Psicopatologia e semiologia dos transtornos mentais 2. ed. Porto Alegre: Artmed, 2008. Jasper K. Psicopatologia geral. 2.ed. São Paulo: Atheneu, 1987. Portella Nunes E, Romildo Bueno J, Nardi AE. Psiquiatria e saúde mental. Rio de Janeiro: Atheneu,1996. SEÇÃO II TRANSTORNOS PSIQUIÁTRICOS DO ADULTO Capítulo 2 TRANSTORNOS DEPRESSIVOS Cecília Roberti Proença e Luciana Sarin INTRODUÇÃO O transtorno depressivo maior (TDM) é uma doença comum, heterogênea e incapacitante que afeta 10 a 15% da população ao ano. Apesar dos avanços na compreensão da psicofarmacologia e dos biomarcadores da depressão, assim como da introdução de novas classes de vários antidepressivos, apenas 60 a 70% dos pacientes com esse transtorno respondem à terapêutica antidepressiva. Dentre aqueles que não respondem, em torno de 10 a 30% apresentam sintomas residuais associados a dificuldades sociais e profissionais, declínio da saúde física, pensamentos suicidas e maior utilização dos serviços de saúde.1 O impacto do TDM na qualidade de vida pode ser tão grande ou maior que o das doenças crônicas como o diabetes. Dependendo da gravidade da depressão, uma média de 59% dos pacientes com TDM relatam prejuízo grave em domínios como trabalho, família, relacionamentos e vida social. O tratamento do TDM deve, portanto, incluir, além do alívio dos sintomas emocionais e físicos, a melhora do funcionamento psicossocial e profissional dos pacientes.2 EPIDEMIOLOGIA A depressão é uma condição comum, e o risco do episódio depressivo maior durante a vida é de aproximadamente 15%. É uma doença progressiva, que tende a recorrência e cronicidade: 25% dos pacientes apresentam recaídas nos primeiros 6 meses e 85% em um período de até 15 anos.2 A idade média de início varia entre 24 e 35 anos, e a prevalência dos transtornos depressivos é 1,6 a 3,1 vezes maior em mulheres, o que pode estar relacionado com alterações hormonais, gestação, parto e estressores psicossociais.3 A depressão maior ocorre em cerca de 17 a 37% dos pacientes de cuidados primários com 65 anos ou mais, e 12 a 30% dos idosos que vivem em instituições.4 O risco de suicídio deve ser sempre avaliado. Entre 20 e 40% dos pacientes com transtorno afetivo apresentam tentativas de suicídio, e 15% dos pacientes com depressão grave cometem suicídio. Dentre os que cometem suicídio, até 70% procuram seus clínicos gerais dentro de 6 semanas antes do episódio.5 FISIOPATOLOGIA DA DEPRESSÃO Depressão é um transtorno neurobiológico complexo que, assim como outras condições, por exemplo doenças cardiovasculares, câncer e diabetes tipo 2, é produzida por múltiplas alterações de genes e suas interações com fatores ambientais, que podem aumentar o risco, como o estresse, ou conferir proteção, como o apoio social.6 Experiências adversas precoces (maus-tratos, abuso físico ou psicológico e falta de suporte social) podem aumentar o risco de depressão em indivíduos vulneráveis. O estresse ambiental influencia o desenvolvimento inicial da depressão em indivíduos suscetíveis, mas uma vez estabelecido o padrão de vulnerabilidade, novos episódios podem surgir ao longo do tempo, cada vez mais facilmente, sem que seja necessária apresença do estressor ambiental. Este conceito é semelhante ao modelo de progressão neurológica na epilepsia conhecido como kindling.7 Em um grande estudo de gêmeos do sexo feminino (N = 2.395), Kendler et al. demonstraram que, depois de quatro episódios de depressão, a ocorrência dos episódios depressivos têm menor relação com os estressores ambientais.8 A neurobiologia da depressão está associada a cinco áreas importantes do cérebro: córtex pré-frontal (inclui o córtex orbitofrontal, dorsolateral e cingulado anterior), a amígdala e o hipocampo, que fazem parte do sistema límbico. O córtex pré-frontal está envolvido em funções executivas (resolução de problemas, abstração, planejamento e julgamento). O córtex orbitofrontal regula os impulsos, compulsões e motivação e é relevante para vínculo e interação social. O cingulado anterior é uma área crítica para a valorização ou antecipação de recompensa e regulação de emoções. A amígdala é um ponto-chave de retransmissão para o processamento de estimulação afetiva positiva e negativa, e o hipocampo é importante tanto para a recuperação e o armazenamento de novas memórias, quanto na inibição de feedback do eixo hipotálamo-pituitária-adrenal (HPA), que está envolvido na resposta ao estresse.9 Sheline et al. estudaram o volume da substância cinzenta no hipocampo de pacientes com depressão e encontraram uma relação inversa entre o número de dias de depressão não tratada e volume do hipocampo, isto é, quanto maior o tempo que os pacientes permaneceram sem tratamento, menor seu hipocampo.10 A perda de volume em estruturas cerebrais frontolímbicas de pacientes com depressão pode ser o resultado de uma redução do volume neuronal e da densidade das células da glia, que é a característica mais proeminente da patologia celular na depressão. As células da glia fornecem glicose para os neurônios e proteção contra os efeitos deletérios de aminoácidos excitatórios, como o glutamato. Elas também participam da modulação da neurotransmissão e facilitam a reparação neuronal e sua sobrevivência por meio da síntese e liberação fatores neurotróficos. A redução do número e volume de células gliais pode levar à redução de volume neuronal e também de conectividade.11 QUADRO CLÍNICO Os sistemas de classificação diagnóstica têm sido centrados nos sintomas emocionais de um episódio depressivo maior, como humor deprimido, perda de interesse ou prazer e sentimentos de inutilidade. No entanto, a importância dos sintomas físicos em pacientes com depressão maior também tem sido bem estabelecida. Estima-se que 69 a 92% desses pacientes apresentem sintomas somáticos. A apresentação clínica de um quadro depressivo pode ser muito variada. Embora alguns sintomas psíquicos, comportamentais ou físicos não sejam necessários para que o diagnóstico seja feito, é importante que eles sejam avaliados e valorizados. A Tabela 2.1 descreve sintomas que podem estar presentes no quadro clínico da depressão, incluindo desde os sintomas do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM) até sintomas relacionados com comorbidades.12,13 Tabela 2.1 Sintomas clínicos. Sintomas psíquicos Sintomas comportamentais Sintomas físicos Humor deprimido Tentativa de suicídio Fadiga/falta de energia Perda de prazer Alentecimento ou agitação psicomotora Ataques de raiva Insônia ou hipersônia Perda de interesse/motivação Redução da produtividade Aumento ou perda de apetite Baixa autoestima Redução de atividades de lazer Aumento ou perda de peso Culpa Isolamento social Sensação de peso em braços e/ou pernas Indecisão Esquiva de intimidade emocional e sexual Disfunção sexual Ideias/planos suicidas Uso/abuso de substâncias Dor Redução de libido Vitimização Cefaleia Hipersensibilidade Perfeccionismo Automutilação Tensão muscular Queixas gastrintestinais Pessimismo/desesperança Taquicardia Sentimentos de desamparo Palpitações Irritabilidade Sensação de queimação Ansiedade/nervosismo Distorções cognitivas Redução da concentração Sensação de estresse Em itálico estão os sintomas clínicos que fazem parte dos critérios de TDM no DSM. Os demais sintomas também podem fazer parte do episódio depressivo ou estar relacionados com comorbidades psiquiátricas. Adaptada de Cassano et al. (2002) e American Psychatric Association (2013).12,13 As depressões são condições clínicas heterogêneas, com diferentes cursos e apresentações, e a divisão em subtipos auxilia o tratamento e a determinação dos fatores de risco. Sua classificação é feita conforme as características do episódio (p. ex., melancólica, atípica), polaridade (unipolar ou bipolar), curso (recorrente ou crônico), fatores desencadeantes (p. ex., puerperal) e gravidade (leve, moderada ou grave).14 A Tabela 2.2 lista os principais subtipos depressivos. Tabela 2.2 Subtipos de depressão. Subtipos de depressão Características Melancólica Humor não reativo, anedonia, perda de peso, culpa, agitação/alentecimento psicomotor, piora matinal do humor, despertar precoce Atípica Humor reativo, hipersônia, aumento do apetite, sensação de peso nos membros, sensibilidade à rejeição pessoal Psicótica Presença de delírios e alteração de sensopercepção Catatônica Catalepsia, excitação catatônica, negativismo ou mutismo, maneirismos ou estereotipias, ecolalia ou ecopraxia Crônica Sintomas preenchem critérios de episódio depressivo maior com duração de 2 anos ou mais Sazonal Início e remissão dos sintomas em determinada estação do ano Puerperal Início dos sintomas depressivos dentro das primeiras 4 semanas pós-parto Adaptada de Gentil et al. (2011).14 DIAGNÓSTICO A entrevista psiquiátrica é a melhor ferramenta de que se dispõe para o diagnóstico de TDM, uma vez que não existem até hoje exames laboratoriais disponíveis para avaliação desses pacientes, embora sejam crescentes as evidências na literatura a esse respeito. • • • • • • • • A. • • • • • • • Questionários e entrevistas semiestruturados podem ajudar na identificação e acompanhamento clínico de pacientes deprimidos. Na 5a edição do DSM (DSM-5), publicada em 2013, os transtornos depressivos passaram a ser classificados da seguinte forma: Transtorno disruptivo de desregulação do humor Transtorno depressivo maior Transtorno depressivo persistente (distimia) Transtorno disfórico pré-menstrual Transtorno depressivo induzido por substâncias Transtornos depressivos induzidos por condição médica Outros transtornos depressivos específicos Transtorno depressivo sem outra especificação. O TDM representa a condição clássica desse grupo de transtornos. É caracterizado por episódios distintos de, pelo menos, 2 semanas de duração (embora a duração da maioria dos episódios seja consideravelmente maior), envolvendo alterações nítidas em afeto, cognição e funções neurovegetativas, além de remissões interepisódicas. O diagnóstico baseado em um único episódio é possível, embora o transtorno seja recorrente na maioria dos casos. No Quadro 2.1 são descritos os critérios diagnósticos do DSM-5.13 Quadro 2.1 Critérios diagnósticos do TDM segundo DSM-5. Presença de cinco ou mais sintomas, por no mínimo 2 semanas, representando mudança em padrão funcional prévio e pelo menos um dos sintomas deverá ser (1) humor deprimido ou (2) perda de prazer/interesse *Não incluir sintomas que possam ser atribuídos a outra condição médica Humor deprimido na maior parte do dia, quase todos os dias, indicado por relato subjetivo (p. ex., sentimento de tristeza, vazio, desesperança) ou observação feita por terceiros (p. ex., choro fácil). (Nota: em crianças e adolescentes, o humor pode ser irritável) Redução evidente do interesse ou prazer em todas ou quase todas as atividades na maior parte do dia, quase todos os dias (indicado por relato subjetivo ou observação de terceiros) Perda de peso significativa, na ausência de dieta ou ganho de peso (p. ex., alteração de mais de 5% do peso corporal em 1 mês), ou diminuição/aumento do apetite quase todos os dias. (Nota: em crianças, considerarausência de ganho de peso esperado) Insônia ou hipersônia quase todos os dias Agitação ou alentecimento psicomotor na maioria dos dias (observado por terceiros, não bastam sentimentos subjetivos de inquietação ou alentecimento) Fadiga ou perda de energia na maioria dos dias Sentimentos de inutilidade ou culpa excessiva e/ou inadequada (a qual pode ser delirante) na maioria dos dias (não meramente • • B. C. D. E. autorrecriminação ou culpa por estar doente) Capacidade diminuída de pensar e/ou concentrar-se ou indecisão, quase todos os dias (relato subjetivo ou observado por terceiros) Pensamentos recorrentes de morte (não apenas medo de morrer), ideação suicida recorrente sem um plano específico, tentativa de suicídio ou um plano específico para cometer suicídio Os sintomas devem causar estresse significativo ou prejuízo social, ocupacional ou em outra área de funcionamento O episódio não pode ser atribuído a efeitos psicológicos do uso de substância ou de outra condição médica Nota: critérios A-C representam episódio depressivo maior. As respostas a uma perda significativa (p. ex., perda financeira, desastre natural, doença médica séria ou invalidez) podem incluir sentimentos de tristeza intensa, ruminação sobre a perda, insônia, falta de apetite e perda de peso, observados no critério A, podendo assemelhar-se a um episódio depressivo. Embora esses sintomas possam ser compreendidos ou considerados apropriados para a situação de perda, deve-se considerar cuidadosamente a possibilidade da presença de um episódio depressivo maior, somado à resposta normal a uma perda significativa. Esta decisão requer o exercício de julgamento clínico baseado na história do indivíduo e nas normas culturais para a expressão de sofrimento no contexto de perda A ocorrência do episódio depressivo maior não pode ser explicada melhor por transtorno, esquizofrenia, transtorno delirante ou doença inespecífica do espectro da esquizofrenia ou outros transtornos psicóticos Ausência de história prévia de episódio maníaco ou hipomaníaco. Nota: essa exclusão não se aplica aos episódios de mania/hipomania induzidos por substância ou atribuíveis aos efeitos fisiológicos de outra condição médica Adaptado de American Psychiatric Association (2013).13 100% de magenta COMORBIDADES A prevalência de comorbidades psiquiátricas e/ou clínicas em transtornos de humor é alta e está associada a idade de início mais precoce, sintomatologia mais grave, aumento das taxas de suicídio, pior recuperação sintomática e funcional, pior resposta aguda aos tratamentos farmacológico e psicossocial, prejuízo da qualidade de vida, menores taxa de remissão e evolução desfavorável. PSIQUIÁTRICAS No estudo populacional National Comorbidity Survey-Replication (NCS-R), 72% dos pacientes com diagnóstico de depressão maior apresentaram critérios diagnósticos para outros transtornos mentais ao longo da vida, sendo 59,2% transtornos de ansiedade e 24% transtornos por uso de substâncias.2 Além dos transtornos ansiosos e uso de substâncias, transtornos alimentares ou de personalidade estão frequentemente associados a quadros depressivos. Durante os últimos 20 anos, o significado clínico dos sintomas de ansiedade em • • • • • pacientes com TDM tem sido cada vez mais reconhecido. Dada a alta prevalência de ansiedade em pacientes com TDM, o DSM-5 incluiu critérios para um especificador de ansiedade no TDM (ver Quadro 2.2).13 A presença de ansiedade em pacientes com TDM prevê maior morbidade, com aumento da tendência suicida, maior prejuízo funcional, piora da qualidade de saúde e de vida, curso longitudinal mais pobre, maior número de episódios de depressão e pior resposta ao tratamento. Quadro 2.2 Critérios diagnósticos de distimia segundo DSM-5. Presença de pelo menos dois dos seguintes sintomas durante a maioria dos dias, em um episódio depressivo maior ou transtorno depressivo persistente (distimia): Sentimento de tensão Sensação incomum de inquietação Dificuldade de concentração decorrente de preocupação excessiva Medo de que algo terrível possa acontecer Sensação de possibilidade de perda do autocontrole Especificar gravidade atual: Leve: presença de dois sintomas Moderado: presença de três sintomas Moderada a grave: presença de quatro ou cinco sintomas Grave: presença de quatro ou cinco sintomas e agitação motora Nota: ansiedade tem sido observada como uma característica tanto do transtorno bipolar como do transtorno depressivo maior. Altos níveis de ansiedade têm sido associados a maior risco de suicídio, maior duração da doença e menores taxas de resposta ao tratamento. Assim, é importante que sua presença e gravidade sejam identificadas, para melhor planejamento terapêutico Adaptado de American Psychiatric Association (2013).13 A presença de ansiedade em pacientes com TDM prevê maior morbidade, com aumento da tendência suicida, maior prejuízo funcional, piora da qualidade de saúde e de vida, curso longitudinal mais pobre, maior número de episódios de depressão e pior resposta ao tratamento. Substâncias que levam à alteração de humor O uso de substâncias lícitas ou ilícitas (inclusive medicamentos) pode desencadear sintomas semelhantes aos de um episódio depressivo, sendo o quadro, na maioria das vezes, resolvido dentro de até 30 dias após descontinuação do uso. As substâncias mais frequentemente associadas à alteração do humor são: álcool, anfetaminas, ansiolíticos, cocaína, alucinógenos, hipnóticos, inalantes, opioides e sedativos.3 CLÍNICAS A associação entre doenças clínicas e depressão é comum e ocorre principalmente em portadores de doenças crônicas, como diabetes melito, doença cardiovascular, disfunção tireoidiana e distúrbios neurológicos. Por outro lado, sintomas depressivos podem ser secundários a uma condição orgânica, sendo fundamental a abordagem terapêutica da causa de base, além do quadro psiquiátrico.14 A tabela 2.3 lista condições médicas que frequentemente estão associadas a sintomas depressivos. Tabela 2.3 Condições médicas associadas a sintomas depressivos. Condições neurológicas Doença de Alzheimer, acidente vascular cerebral, neoplasia de SNC, trauma cranioencefálico, infecção de SNC, demências, epilepsia, distúrbios extrapiramidais, doença de Huntington, hidrocefalia, migrânea, esclerose múltipla, narcolepsia, doença de Parkinson, paralisia supranuclear progressiva, apneia do sono, doença de Wilson Doenças inflamatórias/autoimunes Artrite reumatoide, síndrome de Sjögren, lúpus eritematoso sistêmico, arterite temporal Doenças endócrinas/metabólicas Distúrbios da adrenal, doença de Cushing, doença de Addison, hiperaldosteronismo, hiperparatireoidismo, hipo/hipertireoidismo, deficiência vitamina B12/folato/tiamina, insuficiência hepática Doenças cardiopulmonares Infecção, infarto agudo do miocárdio, circulação extracorpórea Outros Infecção bacteriana/viral, AIDS, neoplasias/síndrome paraneoplásica, síndrome de Klinefelter, porfirias, doença renal, uremia, anemia, condições pós-operatórias SNC = sistema nervoso central; AIDS = síndrome da imunodeficiência adquirida. Adaptada de Lam et al. (2012) e Gentil et al. (2011).3,14 Doenças clínicas podem contribuir para o desenvolvimento de quadros depressivos por meio de mecanismos diretos (lesão cerebral, hipotireoidismo) ou de mecanismos fisiológicos relacionados com o estresse (ativação do eixo HPA e do sistema imunológico). A hiperfunção do eixo HPA e o aumento dos níveis de citocinas pró-inflamatórias são comuns em condições clínicas, as quais, adicionadas a fatores psicossociais podem contribuir para a associação com os transtornos de humor.15 A presença de doenças clínicas em pacientes com depressão leva a pior prognóstico, por causa de menor adesão ao tratamento, maior morbimortalidade e taxas de mortalidade.15 Por outro lado, a depressão provavelmente aumenta a morbidade das doenças clínicas por meio de mecanismos biológicos, como aumento da atividade do eixo HPA, da estimulação simpática e dos níveisde citocinas pró-inflamatórias. Doenças cardiometabólicas são causa comum de mortalidade prematura no paciente deprimido.16 DIAGNÓSTICOS DIFERENCIAIS O primeiro passo na avaliação de um paciente é diferenciar cuidadosamente o episódio depressivo de casos de tristeza normal. O luto, por exemplo, pode levar a grave sofrimento, mas não está necessariamente associado a sintomas depressivos. Na última atualização do DSM, houve mudança em relação a esse diagnóstico: antes, a duração do luto por mais de 6 meses determinava uma condição patológica. Agora, esse período não é mais um critério determinante. Se houver sintomas depressivos durante mais de 2 semanas, mesmo que após uma perda ou luto, poderá ser feito o diagnóstico de episódio depressivo. O principal diagnóstico diferencial psiquiátrico é a depressão bipolar. É muito comum que pacientes com sintomas depressivos sejam diagnosticados com depressão unipolar quando realmente têm transtorno bipolar ou depressão bipolar, que comumente cursa com depressões recorrentes, mais graves, crônicas e de difícil tratamento. Daí a importância da investigação de episódios prévios de mania e/ou hipomania frente a um quadro de depressão. Uma das principais razões que pode mascarar a verdadeira condição bipolar é que a doença de um paciente pode começar com a depressão unipolar e só mais tarde se manifestar um episódio de hipomania ou mania. SINAIS E SINTOMAS SUGESTIVOS DE DEPRESSÃO BIPOLAR Embora a principal diferença entre a depressão unipolar e transtorno afetivo bipolar (TAB) seja a presença de episódios de hipomania ou mania,17 outros sintomas e características clínicas podem oferecer pistas. As evidências sugerem que as pessoas com depressão bipolar tendem a apresentar mais irritabilidade, ansiedade, agitação e ideação suicida do que aqueles com depressão unipolar. O TAB é menos associado a insônia e queixas somáticas do que a depressão unipolar.18 Também são sugestivos de depressão bipolar o pensamento acelerado, sintomas atípicos (hipersônia e aumento do apetite), despertar precoce, sintomas psicóticos e episódios depressivos altamente recorrentes. Nessas situações, é importante ter uma história objetiva do paciente e investigar o histórico familiar. Outros fatores que podem indicar a necessidade de rastrear episódios maníaco e hipomaníaco são o mau funcionamento por questões interpessoais, mudanças frequentes de emprego e problemas legais. Ataques de raiva frequentes também podem estar presentes no estado misto bipolar.18,19 Episódios maníacos podem ter consequências adversas como doenças sexualmente transmissíveis ou gravidez não planejada, acidentes automobilísticos, engajamento em atividades de risco. A presença de história familiar de • • TAB aumenta o risco em cerca de 20% dos filhos terem a doença. Se ambos os pais são afetados, o risco de um transtorno de humor nos filhos aumenta até cerca de 70%.16 Pacientes com sintomas psicóticos no início do episódio depressivo, idade de início precoce, resistência ou mania induzida pelo antidepressivo, isto é, quando o tratamento com antidepressivos não parece ser eficaz ou, inversamente, se parece ser muito eficaz bem rapidamente, o paciente pode ter distúrbio bipolar não diagnosticado.20 O diagnóstico preciso e precoce do TAB é benéfico para pacientes, suas famílias e para a sociedade, pois reduz o risco de suicídio, o comprometimento funcional de longa duração, a perda de trabalho, o comprometimento das relações familiares, problemas legais, o maior número de internações e os maiores custos com saúde. TRATAMENTO O tratamento do TDM ainda constitui um desafio para clínicos e especialistas, pois cerca de 65% dos pacientes não atingem remissão após a primeira tentativa de tratamento antidepressivo com dose e duração suficientes, e aqueles que o fizerem, muitas vezes têm sintomas residuais. O principal objetivo do tratamento da depressão é alcançar a remissão sintomática e recuperação funcional dos pacientes. Depois de confirmado o diagnóstico de TDM, o tratamento adequado deve ser escolhido com base nas necessidades e características individuais do paciente e, ao mesmo tempo, ser considerada a disponibilidade desse tratamento, custo-eficácia, segurança e dosagem ideais. Além disso, o estabelecimento de uma aliança terapêutica e educação dos pacientes sobre a doença são os primeiros passos no tratamento da depressão. Diferenças robustas na eficácia global entre antidepressivos parecem não existir, mas, pelo perfil de melhor tolerabilidade e segurança superiores, o uso de antidepressivos mais recentes, tais como inibidores seletivos de recaptação de serotonina (ISRS), inibidores de recaptação de serotonina e noradrenalina (IRSN) ou inibidores de recaptação de noradrenalina e dopamina (IRND), são preferidos sobre o uso de inibidores da monoaminoxidase (IMAO) ou antidepressivos tricíclicos (ADT). O conhecimento dos antidepressivos de cada classe, incluindo os perfis de efeitos colaterais, estratégias de dosagem e interações medicamentosas, ajudará na seleção de uma medicação apropriada com base nas necessidades de cada paciente, assim como as estratégias de tratamento naqueles pacientes que não respondem à terapêutica de primeira linha. ETAPAS DO TRATAMENTO Fase aguda (primeiras 12 semanas): a meta é atingir resposta (redução igual ou maior que 50% na pontuação em escalas de avaliação padronizadas, como Escala de Depressão de Hamilton (HAM-D) ou Escala de Depressão de Montgomery (MADRS) ou remissão completa dos sintomas (redução menor ou igual a 7 na HAM-D) Continuação (4 a 9 meses): o objetivo é consolidar a melhora obtida na fase aguda do tratamento evitando recaídas dentro de um mesmo episódio depressivo. Ao final dessa fase, se o paciente permanece bem, é considerado recuperado do episódio atual • Manutenção (após mínimo de 1 ano): o objetivo é evitar que novos episódios ocorram, portanto, a terapia é recomendada para os pacientes com risco de recorrência. Os fatores de risco que indicam necessidade de manutenção do tratamento são: episódios graves (e/ou com sintomas psicóticos), crônicos (duração > 2 anos), comorbidades (clínicas e/ou psiquiátricas), sintomas residuais, episódios frequentes/recorrentes, idosos, refratariedade. A ausência de remissão pode impactar os funcionamentos ocupacional, físico, social e conjugal, gerar aumento da probabilidade de episódios futuros e maior risco de suicídio, além de afetar o bem-estar mental da prole.21 ESCOLHA DO ANTIDEPRESSIVO A escolha do antidepressivo deve ser feita com base na eficácia e outros fatores, como segurança, tolerabilidade, facilidade de uso, comorbidades, interações medicamentosas, subtipo da depressão e custo. É preferível a escolha de medicamento que foi eficaz em episódio depressivo anterior do paciente ou de familiares e cujas reações adversas e efeitos colaterais foram bem tolerados, pois pode haver predisposição genética a responder a um determinado antidepressivo com base no seu mecanismo de ação. Os antidepressivos são classificados com base no seu mecanismo de ação, incluindo bloqueadores de recaptação de neurotransmissores (ISRS, IRSN, IRND e tricíclicos), IMAO e bloqueadores dos receptores de neurotransmissores (antidepressivos com um único mecanismo de ação). Alguns agentes têm vários modos de ação, o que lhes dá um maior potencial de eficácia, mas também um maior risco de efeitos colaterais do que os agentes com um único mecanismo de ação. A Tabela 2.4 lista os antidepressivos e seus mecanismos de ação disponíveis no mercado brasileiro.22 A terapia farmacológica dos episódios agudos e de manutenção da depressão, em linhas gerais, obedece às seguintes etapas, descritas na Figura 2.1. Tabela 2.4 Mecanismos de ação dos antidepressivos. Mecanismo de ação Antidepressivo Dose (mg/dia) ISRS Fluoxetina Fluvoxamina Sertralina Paroxetina Citalopram Escitalopram 20 a 80 50 a 300 50 a 200 20 a 60 20 a 60 10 a 20 IRSN Venlafaxina Desvenlafaxina Duloxetina 75 a 225 50 a 200 60 a 120 Tricíclicos AmitriptilinaClomipramina Nortriptilina Imipramina 75 a 300 75 a 250 50 a 150 75 a 300 ISRN Reboxetina 4 a 12 IMAO Tranilcipromina Moclobemida 30 a 60 300 a 600 IRND Bupropiona 150 a 450 ANASE Mirtazapina 15 a 45 ASIR Trazodona Agomelatina 200 a 600 25 a 50 ISRS = inibidor seletivo da recaptação de serotonina; IRSN = inibidor da recaptação de serotonina e noradrenalina; ISRN = inibidor seletivo da recaptação de noradrenalina; IMAO = inibidores da monoaminoxidase; IRND = inibidor da recaptação de noradrenalina e da dopamina; ANASE = antidepressivo noradrenérgico e serotoninérgico específico; ASIR = antagonistas serotoninérgicos/inibidores da recaptação de serotonina. Adaptada de Cordioli AV (2011).22 Figura 2.1 Algoritmo para tratamento farmacológico dos transtornos depressivos sem sintomas psicóticos. AAP = antipsicótico atípico; T3 = tri- iodotironina. Adaptada de Lam, et al. (2009).23 Figura 2.1 Algoritmo para tratamento farmacológico dos transtornos depressivos sem sintomas psicóticos. AAP = antipsicótico atípico; T3 = tri-iodotironina. Adaptada de Lam, et al. (2009).23 Nos casos de depressão com sintomas psicóticos, o algoritmo anterior não se aplica, sendo recomendada a associação de um antipsicótico ao antidepressivo (Figura 2.2). Embora haja evidências de que eletroconvulsoterapia (ECT) é eficaz em qualquer subtipo de episódio depressivo, este método parece ser especialmente útil em casos de depressão com sintomas psicóticos.24 NOVOS MEDICAMENTOS MULTIMODAIS Os antidepressivos multimodais apresentam diversos mecanismos de ação, exercendo diferentes graus de atividade em vários sistemas das monoaminas, incluindo aqueles regulados pela serotonina, dopamina e glutamato. Vários subtipos de receptores de serotonina, incluindo receptores 5-HT3, 5-HT1A, 5-HT7 e 5-HT1B, parecem modular indiretamente a neurotransmissão de glutamato em determinadas regiões do cérebro. Assim sendo, a ação concomitante nas monoaminas e glutamato tratam tanto o humor deprimido como o comprometimento da cognição. Vilazodona e vortioxetina são exemplos de antidepressivos serotoninérgicos multimodais que modulam diretamente a neurotransmissão de serotonina e indiretamente a transmissão de glutamato. • • Vilazodona: inibe a recaptação de serotonina, inibindo SERT (serotonin transporter), e o agonismo parcial de receptores 5-HT1A. Estudos indicam que esta combinação de mecanismos de ação reduz o início da atividade antidepressiva do medicamento, além de reduzir os efeitos colaterais decorrentes da inibição de recaptação de serotonina (como disfunção sexual) e ter um melhor impacto na redução de sintomas ansiosos.25 Vortioxetina: inibe a recaptação de serotonina, inibindo SERT, além de outras interações com receptores, em subtipos diferentes de receptor de serotonina: 5-HT3, 5-HT1A, 5-HT1D, 5-HT7. Apresenta menos efeitos colaterais e parece ter benefício na melhora de sintomas cognitivos.24 Figura 2.2 Algoritmo para o tratamento de depressão psicótica. Adaptada de Trivedi et al. (2006).26 ISRS/ISRN: inibidores seletivos de receptação de serotonina e de noradrenalina; ECT: eletroconvulsoterapia; TCA: antidepressivo tricíclico; AP = antipsicótico. MONITORAMENTO DA RESPOSTA TERAPÊUTICA Durante o seguimento do paciente, a resposta ao tratamento deve ser monitorada, preferencialmente com base em escalas validadas. Os benefícios dessas escalas incluem a avaliação detalhada dos sintomas e a medição confiável do impacto do tratamento, garantindo que a remissão completa seja alcançada. As escalas de depressão mais utilizadas com essas finalidades são a HAM-D ou MADRS.27 A maioria das diretrizes de tratamento disponíveis para os transtornos depressivos recomenda o uso contínuo de antidepressivos por 4 a 8 semanas com base no início tardio de resposta a esses fármacos. Dados recentes indicam que os antidepressivos começam a exercer seus efeitos dentro das primeiras 2 semanas de tratamento, e a ausência de resposta precoce pode prever um resultado desfavorável ao longo da evolução. Esses resultados sugerem a necessidade de revisitar o tempo de substituição do antidepressivo para não respondedores, em um estágio mais precoce do que sugere a prática atual. Na continuidade do tratamento, a remissão deve ser atingida e o paciente deve retornar ao seu nível pré-mórbido de funcionamento.28 Os pacientes que não respondem integralmente ao tratamento apresentam maior risco de recaída a longo prazo, de cronicidade, suicídio e pior funcionamento ocupacional. A avaliação eficaz para detectar uma resposta inadequada ao antidepressivo e presença de sintomas residuais é um aspecto crítico no tratamento da depressão. PSICOTERAPIA Diferentes tipos de psicoterapia têm sido amplamente utilizados no tratamento dos transtornos depressivos. A terapia cognitivo-comportamental (TCC) e a terapia interpessoal (TIP) apresentam maiores evidências de eficácia até o momento. Os benefícios da TCC em pacientes com quadro depressivo leve a moderado já estão determinados. A TIP é recomendada como tratamento de primeira linha para quadros agudos de episódio depressivo maior, apesar de não haver dados que comprovem sua superioridade em relação à TCC ou a tratamento farmacológico.29 DEPRESSÃO REFRATÁRIA AO TRATAMENTO O TDM é considerado refratário ao tratamento quando são usados pelo menos dois antidepressivos (geralmente de duas classes farmacológicas diferentes) sem que seja obtida uma melhora significativa do paciente. A presença de sintomas residuais de depressão ao final do tratamento agudo aumenta o risco de recorrência, recaída e refratariedade. Pacientes com depressão refratária têm risco 2 vezes maior de hospitalização por motivos médicos e/ou relacionados com depressão, têm mais consultas ambulatoriais e usam mais psicotrópicos (incluindo antidepressivos) do que os pacientes com depressão que tiveram resposta ao tratamento.30 Substituição de antidepressivo A primeira estratégia empregada no tratamento da depressão que não atingiu remissão completa é o aumento da dose do antidepressivo. A substituição por uma classe de antidepressivo diferente ou por um composto diferente da mesma classe também é uma estratégia comum utilizada para tratar a depressão que não respondeu aos antidepressivos de primeira linha. O estudo STAR*D (Sequenced Treatment Alternatives to Relieve Depression),1 demonstrou que cerca de 25% dos pacientes obtiveram remissão após a primeira substituição para outro antidepressivo (seja na mesma classe ou não), mas mudanças subsequentes produziram taxas de remissão de 10 a 15%. Estudo de Souery et al.31 constatou que a substituição por uma classe diferente de antidepressivos em pacientes não respondedores resultou em taxas de remissão semelhantes tanto com a mudança dentro da mesma classe como em classe diferente (19% e 14%, respectivamente). • • • Potencialização de antidepressivo A potencialização preserva os benefícios do antidepressivo usado inicialmente nos respondedores parciais e aumenta seu efeito por meio de mecanismos de ação complementares. Uma das vantagens da potencialização é que ela elimina o período de transição de um antidepressivo para outro e parte da resposta parcial já obtida, por isso pode ter um efeito mais rápido. Essa estratégia normalmente tem como alvo sintomas residuais específicos do paciente, como insônia ou ansiedade e, portanto, as características desses sintomas devem guiar a escolha do tipo de potencialização a ser realizada.32 Lítio: é a estratégia de potencialização que conta com o maior número de estudos publicados até hoje. Crossley e Bauer33 publicaram metanálise recente de 10 estudos randomizados controlados com placebo demonstrando que a potencialização com lítio tem uma taxa de resposta 3 vezes maior que o placebo. O lítio deve ser administrado em regime de titulação rápida em adultos que não apresentam efeitos adversos importantes: o carbonato de lítio é iniciado com uma dose diária de 450 mg, e a dose é aumentada até 900 mg no segundo dia. Este esquema leva a níveis séricosde lítio de 0,5 a 0,7 mmol/l na maioria dos pacientes. O primeiro ajuste da dose pode ser realizado depois de atingido o estado de equilíbrio, isto é, 5 dias após a última mudança de dosagem para que o nível terapêutico seja atingido. A avaliação da resposta do paciente pode ser feita a partir da quarta semana de tratamento. Pacientes tratados com lítio tiveram um risco 88,5% menor de suicídio ou tentativas de suicídio ao longo do tempo.34 Nos pacientes que respondem a essa potencialização, doses eficazes de lítio devem ser mantidas em combinação com o antidepressivo por, pelo menos, 12 meses após a remissão, e em pacientes com depressão recorrente durante período ainda maior Antipsicóticos atípicos: a potencialização de antidepressivos com antipsicóticos atípicos dispõe de uma ampla base de evidência na literatura. O uso desses agentes não deve ser limitado à depressão psicótica ou depressão bipolar. Existem importantes diferenças entre os grupos e apresentam eficácia comprovada a risperidona, olanzapina, aripiprazol e quetiapina.35 A potencialização com antipsicóticos atípicos ainda apresenta várias questões em aberto em relação ao tempo de duração da potencialização e se a eficácia é sustentada durante o tratamento de manutenção. Outra pergunta ainda sem definição clara na literatura é se existem subgrupos de pacientes que obteriam maior benefício com os atípicos, como aqueles com ansiedade comórbida e depressão atípica. Finalmente, a relação custo/benefício em termos de risco de síndrome metabólica e de discinesia tardia também necessitam maior investigação Medicações antiglutamatérgicas: a cetamina é um antagonista não competitivo do receptor NMDA (N-metil-D-aspartato) do glutamato; é usada como anestésico há mais de 40 anos e tem sido estudada como tratamento antidepressivo de ação rápida, em casos de depressão resistente a tratamento. Seu mecanismo de ação tem impacto não • • • apenas no humor, mas também na cognição. As condições de segurança do uso da cetamina vêm sendo avaliadas para determinação dos riscos e benefícios em casos de depressão resistente ao tratamento36 Agentes dopaminérgicos: os psicoestimulantes podem ser usados como agentes de potencialização na depressão refratária, mas uma revisão sistemática revelou apenas um modesto suporte para a sua utilização.37 A modafinila, um psicoestimulante que promove o estado de vigília, demonstrou melhorar sintomas residuais de fadiga e sonolência em pacientes em uso de ISRS.38 O pramipexol, usado na doença de Parkinson, apresenta efeitos antidepressivos em pacientes que não responderam aos ISRS.39 O metilfenidato, usado no tratamento do transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH), não se mostrou eficaz como adjuvante do antidepressivo em adultos com depressão refratária, porém pode ser eficaz nos sintomas residuais como fadiga e sonolência. A lisdexanfetamina, usada no tratamento do TDAH, foi avaliada como tratamento coadjuvante ao escitalopram em adultos (18 a 55 anos de idade) com TDM. A partir da oitava semana de tratamento, o fármaco melhorou os sintomas depressivos quando comparado ao placebo. A estimativa do tamanho de efeito da lisdexanfetamina foi de 0,3, que é comparável com a estimativa do tamanho do efeito da potencialização com antipsicótico atípico40 Hormônio tireoidiano: a potencialização do hormônio da tireoide é de fácil manejo e apresenta poucos efeitos colaterais. Uma metanálise que avaliou o hormônio da tireoide potencializando tricíclicos em pacientes refratários demonstrou evidências de aumento da resposta e diminuição da gravidade dos sintomas depressivos em comparação com indivíduos controle.41 Embora a eficácia do hormônio tireoidiano em pacientes deprimidos com níveis de hormônio estimulante da tireoide (TSH, thyroid-stimulating hormone) normais e função tireoidiana normal ainda seja inconclusiva, essa estratégia deve ser considerada para pacientes refratários aos antidepressivos que apresentem hipotireoidismo ou aqueles com um nível de TSH elevado, mas sem hipotireoidismo clínico42 Buspirona: agentes ansiolíticos, incluindo os benzodiazepínicos, também podem ser usados como estratégia de potencialização de antidepressivos no tratamento da depressão refratária. A buspirona é um agonista parcial do receptor pós-sináptico 5- HT1A. Os pacientes do estudo STAR*D que receberam o citalopram associado a buspirona apresentaram aproximadamente a mesma probabilidade de responder ou remitir que os pacientes que receberam combinação de citalopram e bupropiona.43 Outras opções de potencialização podem ser encontradas na área da medicina complementar e alternativa, como o uso de folato e ômega-3.44 Combinação de antidepressivos A falta de eficácia dos antidepressivos de primeira linha pode ser parcialmente explicada pela sua incapacidade de atuação em determinados sintomas depressivos específicos, inclusive sintomas residuais. Por exemplo, antidepressivos serotoninérgicos reduzem sintomas associados ao aumento de afeto negativo, como culpa, irritabilidade, ansiedade e medo, porém eles podem ter eficácia menor nos sintomas associados à diminuição do afeto positivo, como a perda de prazer, de interesse, de energia e fadiga. Por outro lado, antidepressivos que aumentam as atividades noradrenérgica e dopaminérgica podem melhorar sintomas associados a afeto positivo, mas não atingir remissão completa dos sintomas associados ao afeto negativo. Portanto, é possível reduzir sintomas em pacientes com resistência ao tratamento por meio de estratégias de combinação de antidepressivos com diferentes mecanismos de ação, pois, ao combinar mecanismos que atuam em diferentes sistemas neurotransmissores, é criada uma ação sinérgica que aumenta a atividade neuronal da serotonina, norepinefrina e dopamina.45 A associação de um ISRS com bupropiona, por exemplo, é uma combinação bastante comum no tratamento da depressão refratária, particularmente quando existem efeitos adversos de disfunção sexual, ganho de peso e/ou síndrome amotivacional.46 OUTRAS TERAPÊUTICAS BIOLÓGICAS Outras intervenções terapêuticas que vêm sendo utilizadas no tratamento da depressão são privação de sono, atividade física, fototerapia, estimulação magnética transcraniana, além de procedimentos cirúrgicos, como estimulação do nervo vago ou estimulação cerebral profunda. A ECT geralmente é um tratamento de primeira linha em determinadas circunstâncias clínicas, como em casos de ideação suicida aguda, presença de sintomas psicóticos, depressão resistente ao tratamento, catatonia, intolerância a medicações, estado físico rapidamente deteriorante, gestação ou preferência do paciente. A ECT é eficaz para todos os subtipos de transtorno depressivo maior, incluindo a depressão atípica e a depressão bipolar, podendo ser especialmente eficaz nos casos em que há ideação suicida e em casos de depressão psicótica.27 PROGNÓSTICO O episódio depressivo leve a moderado sem tratamento pode durar 4 a 30 semanas, e o episódio grave pode ter duração média de 6 a 8 meses, e 25% dos pacientes se mantêm sintomáticos por mais de 12 meses. Em torno de 25% dos indivíduos com transtorno depressivo recidivam nos primeiros 6 meses, 58% em 5 anos e 85% dentro de 15 anos após a recuperação. Além disso, pacientes que desenvolveram dois episódios depressivos têm 70% de chance de apresentar um terceiro episódio e, destes, 90% apresentam risco de um novo episódio.3 O tempo de remissão dos sintomas depressivos pode ser considerado um fator prognóstico. A remissão rápida (< 6 semanas de tratamento) é um importante preditor de bom prognóstico a longo prazo, enquanto a falta de resposta adequada ao primeiro antidepressivo já é um preditor de resistência futura ao tratamento.28 São fatores de mau prognóstico, segundo o STAR*D, episódios depressivos longos, comorbidades médicas e psiquiátricas e pior funcionamento e qualidade de vida no início do tratamento, sendo este um grupo menos propenso à remissão completa. Os sintomas 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. residuais, também são
Compartilhar