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Habilidades Médicas | 2023 ATLS 10 → Principais mudanças e destaques do ATLS 10: – Ressalva para a mobilização manual da coluna cervical; – A intubação orotraqueal (IOT) de sequência rápida agora é chamada IOT assistida por drogas; – Passa a ser recomendado o uso de videolaringoscopia para a IOT; – Lesão da árvore traqueobrônquica passa a ser considerada uma lesão ameaçadora à vida; – Tórax instável passa a ser considerado uma lesão potencialmente ameaçadora à vida; – Descompressão torácica (punção torácica): 5º espaço intercostal na linha axilar média; – A drenagem torácica deve ser feita utilizando drenos de menor calibre, entre 28 e 32 fr; – Indicação do FAST e eFAST; – Profissionais de saúde devem ter parcimônia na associação de pneumotórax com drenagem de tórax imediata; – É recomendado a reposição com até 1 litro de cristalóide; – Punção venosa única com jelco 18; – Uso do ácido tranexâmico; – Transfusão maciça: definido como 10 U de concentrado de hemácias em 24 horas ou 4 unidades em 1 hora. A regra de reposição 3:1 (perdidos/reposto) passar a ser 1:1:1, orientando a transfusão precoce; – Os profissionais devem fazer uso do tromboelastograma para guiar a transfusão e uso do ácido tranexâmico; – Laparoscopia é recomendada no trauma penetrante; – Lavado peritoneal em segundo plano, porém não excluído, devido à adoção crescente do FAST; – Fratura pélvica com choque hipovolêmico possui indicação de arteriografia; – Fórmula de Parkland: volume de reposição = 2 x Peso (Kg) x % SCQ; e manejar pelo débito urinário; – ECG (Glasgow): resposta motora à pressão e não à dor. Pressão deve ser realizada nas regiões supraorbitária ou ungueal; – O novo ATLS passa a adotar a regra Canadense para a retirada do colar cervical: paciente consciente, glasgow = 15 e sem dor, já pode tirar o colar cervical; – No idoso, atenção para o trauma pélvico em que o risco é quatro vezes maior de óbito; – Quando transferir para o tratamento definitivo? Utilize o mnemônico SBAR: Situation, Background, Assessment, Recommendation. → O que não mudou no ATLS 10 e devemos reforçar? – Abordagem rápida – Intervenção precoce – Identificar, abordar e reavaliar • Escala de coma de Glasgow Gabriela de Oliveira | T3 | 8º período 1 Habilidades Médicas | 2023 → Explicação da escala revisada - A publicação original das atualizações da ECG orienta pressão no leito ungueal por 10 segundos (no exemplo, eles utilizam uma caneta para pressionar) para avaliar a resposta ocular. Atenção: os estímulos dolorosos como a fricção do esterno são explicitamente desencorajados. - Locais para estímulo de pressão além do leito ungueal: trapézio e incisura supraorbitária, sendo estes últimos usados na resposta motora - Uma pontuação de 8 ou menos na ECG configura uma definição geralmente aceita de coma ou lesão cerebral grave. Pacientes com lesão cerebral que tenham uma pontuação ECG de 9 a 12 são categorizados como tendo “Lesão moderada” e indivíduos com escore ECG de 13 a 15 são designados como tendo “lesão leve”. - Em 2018, as atualizações da ECG também incluíram as pupilas, porém a nova edição do ATLS não contemplou esta mudança • Paciente grande queimado → Como fazer a avaliação inicial? A queimadura é um tipo especial de trauma devido a peculiaridades no tratamento e possíveis complicações. Há três pontos centrais a serem avaliados: Queimadura O processo começa com a remoção das roupas e limpeza das feridas. O ATLS destaca para você não “arrancar” roupas muito grudadas, e deixar isso para segundo momento no curativo cirúrgico. A retirada inicial é simplesmente para reduzir a queimadura secundária pelas roupas ainda quentes. Se houver asfalto, óleo mineral pode ser útil na remoção! O SF 0,9% é a melhor solução para irrigação e limpeza inicial. Nas lesões químicas, é necessário lavagem exaustiva da lesão e que os cuidadores se protejam para não se queimarem também! Como os álcalis penetram mais profundamente, sua irrigação deve demorar mais (até 8 horas em lesões oculares!). Já as lesões elétricas podem levar a dano muscular profundo, com rabdomiólise e síndrome compartimental, com pouca lesão cutânea aparente. Além disso, há o risco de arritmias! Via Aérea Os seguintes sinais indicam possível lesão por inalação: - Queimadura vibrissas nasais - Queimadura sobrancelhas - Escarro carbonáceo Gabriela de Oliveira | T3 | 8º período 2 Habilidades Médicas | 2023 A via aérea no grande queimado pode sofrer edema importante e se você aguardar os sinais clínicos de estridor e desconforto respiratório, pode ser muito tarde para passar um TOT. Por isso, intubação precoce é a regra. Tenha sempre à mão como plano B o kit de crico, porque a dificuldade mais provável é edema com não passagem do TOT. São indicações adicionais de IOT precoce: - Queimadura > 40-50% superfície corporal (SCQ) - Queimadura facial extensa e/ou profunda - Queimadura mucosa oral - Disfagia - Sonolência Além das lesões por inalação e o edema, pode haver ainda intoxicação por monóxido de carbono. A oximetria não deve ser utilizada nestes pacientes, pois está falsamente normal: colete uma gasometria! O tratamento é a inalação de oxigênio a 100% até o CO ser diluído/exalado, o que leva, em média, 4 a 6 horas. Circulação - O grande queimado apresenta uma resposta inflamatória sistêmica e perda hídrica pela pele queimada. A vasodilatação e a hipovolemia levam então à hipotensão e má perfusão. A hidratação precoce e vigorosa sempre foi um dos pilares do tratamento, mas episódios de hiper-hidratação trouxeram mudanças na versão 2018 do ATLS. - Tradicionalmente, a fórmula de Parkland é a mais utilizada para cálculo da necessidade hídrica e a solução recomendada em adultos é o Ringer Lactato. Mas em 2018, o ATLS recomenda → 2 ml x peso (kg) x %SCQ - Metade desse volume é feito em 8 horas e a outra metade nas 16 horas seguinte. Depois disso, a recomendação é analisar a diurese e usar uma infusão de volume que mantenha débito urinário > 0,5 ml/kg/h. A lesão elétrica é exceção! Como pode haver rabdomiólise, a recomendação é 4 ml x peso (kg) x %SCQ e alvo de diurese clara e > 1-1,5 ml/kg/h. Nas lesões de extremidade, fique atento à síndrome compartimental. São pistas: - Pulso reduzido no Doppler - Enchimento capilar lento - Parestesias - Dor refratária e/ou desproporcional - Dor muscular que piora ao estendê-lo Outra dica é ter pelo menos dois acessos periféricos de 18G ou maiores. É importante conferir se os acessos estão fluindo bem, pois podemos perdê-los à medida que o edema das lesões aumenta. • Transporte do paciente grave com politrauma → O objetivo é minimizar danos iatrogênicos/secundários - Quando um hospital recebe um paciente com politrauma, a prioridade são as avaliações primária e secundária para identificação e correção imediata das lesões com risco de vida. A transferência é necessária quando o tratamento definitivo não puder ser feito no local, sendo mais urgente quanto mais grave a lesão de base. As situações mais comuns são necessidade de: - Tomografia computadorizada - Avaliação com neurocirurgião e/ou cuidados neurocríticos - Cirurgia de urgência - Terapia intensiva Uma vez decidido pela transferência, são necessários alguns procedimentos para garantir um transporte seguro, minimizando danos iatrogênicos/secundários. Essa responsabilidade é do médico que pediu a transferência! Leve em consideração na sua decisão: 1. O quão rápido deve ser o transporte? - Uma lesão de aorta certamente deve chegar em minutos ao hospital de destino, ao passo que uma fratura exposta pode levar poucas horas. Quanto mais rápido, mais provável que você necessite de transporte aéreo. - Não faça exames diagnóstico que não vão mudar a conduta. Como exemplo, se você tem hipotensão com líquido livre abdominal, a decisão é cirúrgica → envie ao destino final sem perder tempo fazendo TC antes do transporte. - As únicas medidas que devem atrasar o transporte são aquelas que visam estabilizar lesões com risco de vida imediato e/ou o alívio da dor. Gabriela de Oliveira | T3 | 8º período 3Habilidades Médicas | 2023 2. Quais transportes estão disponíveis na sua região? - De nada adianta você definir que precisa de transporte aéreo se não houver aeroporto e/ou heliponto em sua região. 3. Há restrições meteorológicas? 4. O tamanho do paciente é adequado ao meio de transporte escolhido? - Helicópteros especialmente oferecem pouco espaço para pessoas grandes e/ou obesas. 5. Qual o suporte necessário durante o transporte? Só suporte básico ou UTI móvel? - Lembre, por exemplo, que as variações da pressão atmosférica no ar podem aumentar um pneumotórax ou uma distensão gástrica Dica importante: na dúvida, aja com precaução: - Monitore ECG, PA e oximetria durante o transporte. - Pacientes muito obesos, com padrão respiratório ruim, uso de álcool ou drogas, são melhor transportados com via aérea protegida: leia-se intubados. - Tenha sempre equipamento para aspiração das vias aéreas. - Considere sonda nasogástrica em pacientes com estômago cheio e/ou distendidos. - Tenha pelo menos dois acessos venosos periféricos calibrosos. - Leve soluções cristaloides e aminas, caso ocorra hipotensão grave. - Mantenha proteção cervical até o exame de imagem excluir lesões. E, por fim, comunicação é fundamental. Envie um registro detalhado de tudo que foi identificado e realizado. O ATLS recomenda o ABC-SBAR, que nada mais é do que informações sobre via aérea, ventilação/oxigenação e circulação, somado ao conhecido SBAR • Diagnóstico de trauma abdominal - Em casos de instabilidade hemodinâmica, a exclusão de hemorragia intra-abdominal é necessária e pode ser realizada com Focused Assessment with Sonography for Trauma (FAST) ou Lavado Peritoneal Diagnóstico (LPD). Esses estudos estão contraindicados quando o paciente tem indicação evidente de laparotomia. Pacientes com os seguintes achados necessitam de avaliação aprofundada para identificar ou excluir lesão abdominal: - Alteração de nível de consciência - Alteração de sensibilidade - Lesão de estruturas adjacentes, como costelas inferiores, pelve e coluna lombar - Perda prolongada de contato com o paciente antecipada, como anestesia geral para lesões extra-abdominais ou estudos radiográficos prolongados - Sinal do cinto de segurança com suspeita de lesão intestinal Quando há suspeita de lesão intra-abdominal, muitos estudos podem fornecer informações úteis. Segue uma tabela com as indicações, vantagens e desvantagens de usar LPD, FAST e CT na avaliação de trauma abdominal Gabriela de Oliveira | T3 | 8º período 4 Habilidades Médicas | 2023 Gabriela de Oliveira | T3 | 8º período 5 Habilidades Médicas | 2023 FAST no ATLS 10 - Quando realizada por pessoas devidamente treinadas, o FAST é um estudo aceito, rápido e confiável para identificar fluídos intraperitoneais. Pode detectar, até mesmo, tamponamento pericárdico (uma das causas não hipovolêmicas de hipotensão). - O FAST inclui o exame de quatro regiões: o saco pericárdico, fossa hepatorrenal, fossa esplenorrenal e pélvis ou bolsa de Douglas. Após fazer uma varredura inicial, os médicos podem realizar repetições simples ou múltiplas para detectar hemoperitônio. Lavado Peritoneal Diagnóstico - O LPD é outro estudo rapidamente realizado pela equipe cirúrgica para identificar hemorragia. É importante lembrar que o exame requer descompressão urinária e gástrica para prevenção de complicações. - A técnica é mais útil em pacientes com alterações hemodinâmicas, com trauma contuso abdominal ou em pacientes com traumas penetrantes com múltiplas trajetórias tangenciais cavitárias ou aparentes. Finalmente, também é indicada em pacientes hemodinamicamente estáveis que requerem avaliação abdominal em ambientes onde FAST e tomografia computadorizada não estão disponíveis → Em locais onde TC e/ou FAST estão disponíveis, LPD raramente é usado porque é invasivo e requer especialidade cirúrgica. Contraindicações relativas ao LPD incluem: - Operações abdominais, obesidade mórbida, cirrose avançada e coagulopatia preexistente. O LPD começa com a introdução de um cateter infraumbilical e aspiração, exceto em pacientes com fraturas pélvicas, quanto é orientada abordagem supra-umbilical. Condições que indicam laparotomia: - Aspiração de conteúdo gastrointestinal, fibras vegetais ou bile através da lavagem cateter; - Aspiração de 10 mL ou mais sangue em pacientes hemodinamicamente instáveis. Caso não se aspire esse volume, são introduzidos 1000 mL de solução cristaloide isotônica aquecida. → Após a completa mistura da solução com o conteúdo abdominal, aspira-se novamente e o material é enviado para análise quantitativa pelo laboratório. Um resultado de mais de 100 mil hemácias, 500 leucócitos ou um Gram positivo para fibras alimentares ou bactérias indicam conduta cirúrgica. Uma lavagem negativa não exclui a necessidade. • Avaliação primária do trauma torácico - O trauma mais comum é a fratura costal e o mais temido a ruptura de aorta ou cardíaca, causando morte iminente. Cerca de 10% dos traumas contusos e 20-30% dos penetrantes necessitam de cirurgia. Para os demais, um clínico emergencista é o suficiente - O ATLS organiza a avaliação do trauma em duas abordagens: a primária, baseada no exame clínico, cujo objetivo é identificar e corrigir lesões de risco imediato à vida; e a secundária, para avaliações também urgentes, mas nas quais há tempo para exames complementares ajudarem. Uma ideia bem interessante do ATLS é que muitos desses conceitos se aplicam a eventos adversos da emergência e terapia intensiva, como o pneumotórax pós-punção, e por isso todo médico que dá plantão deve conhecer - A prioridade da fase primária é manter a oxigenação, o que requer uma via aérea patente, por onde o ar entra, a capacidade de troca gasosa e transporte do oxigênio aos tecidos. A sequência da avaliação primária é: - Via aérea - Respiração (e oxigenação) - Circulação Na tabela abaixo organizamos o que você deve estar atento e o que fazer em cada cenário: Gabriela de Oliveira | T3 | 8º período 6 Habilidades Médicas | 2023 Outra dica: não confie na ausência de cianose. Ela pode ser manifestação tardia, já com parada iminente. A avaliação do trauma torácico, em especial na região esternoclavicular e cervical, pode necessitar da abertura e/ou retirada do colar cervical. Neste caso, lembre-se de manter a posição da cabeça segurando-a pelos lados Gabriela de Oliveira | T3 | 8º período 7 Habilidades Médicas | 2023 • Avaliação secundária de trauma torácico - Deve ser realizado um exame físico mais detalhado, com atenção para sons respiratórios, veia jugular e condição hemodinâmica. Inclua exames complementares, sendo os mais comuns: Simples e não invasivos - Gasometria arterial - Eletrocardiograma - Radiografia de tórax - Ultrassom – De preferência na modalidade eFAST ou POCUS, para olhar pulmão, pleura, cava e coração A depender das condições hemodinâmicas - Tomografia computadorizada A TC é um excelente método de avaliação do paciente politraumatizado e é o padrão ouro para avaliação pleural, do parênquima pulmonar e lesão de grandes vasos. Com os aparelhos multicanais, ficou bem mais rápida, podendo ser feitas em um maior número de pacientes. No ATLS, são 8 doenças a serem buscadas na avaliação secundária: Gabriela de Oliveira | T3 | 8º período 8 Habilidades Médicas | 2023 - Uma dica importante é a avaliação do esterno: se fraturou, é porque o impacto foi muito grande e neste cenário sempre pesquise lesão de órgãos internos! O mesmo raciocínio se aplica às lesões de primeiro ou segundo arco costal. - Nas lesões costais, do quarto ao nono arco é muito comum e a prioridade é a analgesia, pois com dor o paciente respira mal, acumula secreção e faz pneumonia! Já as fraturas do 10º ao 12º arco devem levar ao rastreamento de lesões hepáticas e esplênicas - O enfisema de subcutâneo raramente é um problema, a não ser que acometa a região cervical, onde pode comprimir as vias aéreas. A grande informação é que indica algum vazamento e você deve rastrear lesões de traquéia, pulmão/pleura ou esôfago • Trauma pélvico- O manejo inicial do choque hipovolêmico associado com uma grande ruptura pélvica requer controle rápido da hemorragia e ressuscitação volêmica. O controle da hemorragia é alcançado por meio da estabilização mecânica do anel pélvico e contrapressão externa. - Caso o paciente seja avaliado em um local com poucos recursos para tratamento definitivo do trauma pélvico, deve-se estabilizar a pelve antes da transferência. Há dispositivos específicos para a estabilização, na ausência destes, pode-se utilizar um lençol. Devem-se monitorar cuidadosamente os pacientes com ligantes pélvicos com relação à ulcerações de pele. - A embolização angiográfica é frequentemente empregada na tentativa de cessar a hemorragia arterial relacionada às fraturas pélvicas. Tamponamento pré-peritoneal é um método alternativo para controlar hemorragia pélvica quando a angioembolização é retardada ou indisponível. Este procedimento consiste na realização de uma incisão vertical infra-umbilical com cerca de 10 cm e colocação de três compressas grandes ao longo do bordo superior da pequena bacia, bilateralmente. O tratamento definitivo do trauma pélvico varia, mas o ATLS 10 trouxe um algoritmo de abordagem atualizado (na edição anterior, o tamponamento pélvico pré-peritoneal não era considerado do no algoritmo especificamente): Abordagem inicial do trauma pélvico • Choque e reposição volêmica - O ATLS 10 trouxe algumas inovações no que tange ao manejo de choque circulatório e reposição volêmica. Após a manutenção da via aérea, ventilação e oxigenação (A e B do trauma), a circulação (C) é a sua prioridade. O primeiro passo é avaliar se há má perfusão tecidual, isto é, definir se há choque circulatório. Apesar da pressão arterial ser o parâmetro mais utilizado, pode haver sinais de choque com a PA ainda normal. Por isso, você deve avaliar: - Nível consciência - Frequência cardíaca e respiratória - Pressão arterial e pressão de pulso - Pulsos periféricos - Enchimento capilar - Diurese Gabriela de Oliveira | T3 | 8º período 9 Habilidades Médicas | 2023 Uma vez confirmada a presença de choque, duas ações simultâneas devem ocorrer: 1. Reposição volêmica 2. Reversão da causa do choque – no trauma, o choque hemorrágico é disparadamente mais comum e você deve pensar e tratar como se fosse na ausência de pistas para outras causas. Causas menos comuns de choque no trauma: - Neurológico: no paciente com TRM, mas não no TCE isolado - Obstrutivo: tamponamento e pneumotórax são os fantasmas. Taquicardia com hipotensão e jugulares túrgidas são a principal pista. No caso do PTX, há ainda a ausculta pulmonar assimétrica - Séptico: raro no trauma, a não ser em pacientes nas fases tardias, por infecção de feridas Interrupção do sangramento Quando a perda sanguínea é visível, o cirurgião tem papel fundamental para interromper o sangramento. Nos pacientes sem sangramento externo ativo, é necessário o uso de métodos complementares para saber onde está sangramento e como interromper. O FAST e a TC são os dois métodos mais utilizados Além do controle mecânico do sangramento, é necessário avaliar se há coagulopatia. As provas laboratoriais tradicionais apresentam limitações e o ATLS incentiva o uso do tromboelastograma para avaliação das fases primária (plaquetária) e secundária da coagulação e como guia para a transfusão de hemoderivados. Reposição Volêmica O ATLS recomenda 1 litro de cristaloide ou 20 ml/kg, não havendo detalhes do tipo de cristaloide. A seguir, deve ser reavaliada a perfusão e se há necessidade de novas provas de volume. O acesso recomendado são duas veias periféricas (cubital ou no antebraço), com jelco 18G ou maior. E quando transfundir? Nas fases iniciais, o hematócrito estará falsamente normal. A transfusão empírica, antes da prova cruzada com sangue O negativo, é reservada para emergências, com sangramento maciço e choque tipo IV (veja tabela acima). Quando o paciente necessita de mais de 10 bolsas de hemácia em 24h (ou > 4 bolsas em 1 hora), recomenda-se transfusão empírica de plasma e plaquetas na proporção 1:1:1. O ATLS não recomenda reposição de cálcio empírico, mas frisa para monitorizarmos seu nível sérico e estarmos atentos ao risco de hipotermia • Manejo da via aérea O controle da via aérea é uma das prioridades no atendimento ao politrauma. Os objetivos iniciais são: - Patência da via aérea - Ventilação - Oxigenação - Estabilidade cervical O primeiro passo é avaliar o paciente: uma pessoa acordada, que conversa de modo coerente e com voz preservada, certamente tem via aérea patente, com boa ventilação e oxigenação. Do contrário, é importante estar atento a: - Houve trauma cervical? Na suspeita, mantenha o colar ou, se não for possível, estabilize a coluna. - Trauma de face – se necessária intubação, será uma via aérea difícil. - Trauma torácico, com atenção especial para fratura costal e movimento paradoxal - Nível consciência – Glasgow < 8 indica intubação. - Padrão respiratório – FR, cianose/oximetria, uso musculatura acessória, tiragem, respiração abdominal. O ATLS estimula o uso da oximetria de pulso e da capnografia. - Secreção e/ou sangramento de via aérea. - Estridor – obstrução da via aérea alta. Já a rouquidão e o enfisema de subcutâneo sugerem trauma de laringe. Gabriela de Oliveira | T3 | 8º período 10 Habilidades Médicas | 2023 - Queimadura de face e/ou lesão por inalação – risco de deterioração súbita, devendo considerar intubação para proteção da via aérea antes de sinais clínicos de desconforto respiratório Mantenha pronto também material para aspiração. Nós utilizamos muito as sondas flexíveis, mas o ideal seria ter a beira-leito a sonda de Yankouer, que é semirrígida O segundo passo é determinar como garantir uma via aérea patente, com boa oxigenação e ventilação. O padrão-ouro, no ATLS, é a intubação traqueal. Contudo, em situações específicas, pode ser necessário dispositivo temporário (extraglótico) ou cirúrgico (crico) O mnemônico LEMON (clique na figura para ampliar) é uma forma de predição da via aérea difícil (VAD). Mas mesmo nos pacientes “negativos”, sem critérios do LEMON, esteja preparado para uma dificuldade não prevista. Por isso, no ATLS, é mantida a recomendação de haver pelo menos dois equipamentos diferentes para manuseio da via aérea - Look externally – olhe o paciente. Microstomia, queimadura ou trauma de face, macroglossia são alguns exemplos de dificuldades que podem ser previstas. - Evaluate o 3-3-2: três dedos de abertura oral, três para distância mento-hioide e dois dedos para base da língua-cartilagem tireoide. - Mallampati: com o paciente sentado, peça para abrir a boca e avalie se é possível ver palato, úvula e/ou orofaringe. Quanto melhor a visualização, mais fácil para intubar. - Obstrução: há sinais de obstrução? Esteja atento especialmente para estridor, rouquidão e disfagia. - Neck mobility: mobilidade do pescoço. Colar cervical, irradiação e artrose são “inimigos” do posicionamento e visualização da glote Sequência Rápida de Intubação (SRI): passa a ser chamada de intubação assistida por drogas, mas o passo a passo é o mesmo. Algumas dicas para sequência rápida de intubação orotraqueal na emergência são: - Mantenha oxigenação passiva durante tentativas de intubação. - A ventilação e a oxigenação são prioridades: a maior parte das paradas cardiorrespiratórias ocorrem por hipoxemia. A ventilação com bolsa-máscara-reservatório é a forma tradicional de suporte ventilatório e deve ser realizada no paciente com drive insatisfatório, seja antes de intubar ou entre as tentativas. As cânulas naso e orofaríngeas podem ajudar a desobstruir a via aérea superior, melhorando a passagem do ar para a traqueia e reduzindo a insuflação gástrica. - A pressão cricoide é tema controverso, pois se previne broncoaspiração, por outro lado prejudica passagem do TOT. Alguns autores só recomendam se houver aumento da pressão intra-abdominal, como em grávidas. - Dos hipnóticos, o etomidato é aquele com maior estabilidade cardiovascular. Em pacientes com TCE e convulsão,o midazolam e o propofol têm propriedades anticonvulsivantes. - O ATLS recomenda como bloqueador neuromuscular a succinilcolina, mas você deve considerar o uso de rocurônio caso seu hospital disponha do antídoto, o sugamadex. - O boogie é um dispositivo simples que deve estar sempre próximo a você na laringoscopia, pois pode ser útil quando a visualização da glote é incompleta – Cormack 2 ou 3 E na VAD? A solução depende da dificuldade encontrada. - Dispositivos extraglóticos permitem ventilação mais eficaz que a máscara-bolsa e são de inserção rápida, em especial o tubo laríngeo ou as máscaras semirrígidas. Por outro lado, é necessário treinamento. A aspiração de secreções não é tão boa. Apesar da possibilidade de adaptação à ventilação mecânica, se houver necessidade de altas pressões há risco de vazamento. Gabriela de Oliveira | T3 | 8º período 11 Habilidades Médicas | 2023 - Videolaringoscopia facilita a visualização da glote, mas perde se houver muita secreção e/ou sangramento. Alguns dispositivos são grandes e têm dificuldade em bocas com pequena abertura oral. - Crico: pode ser cirúrgica ou percutânea, é o método de resgate quando tudo falha. Pode ser sua primeira opção no trauma de face, queimadura extensa e/ou edema de glote • Uso de ácido tranexâmico no controle do sangramento - Recentemente foi lançada a décima edição do Advanced Trauma Life Support (ATLS 10) e no capítulo de abordagem inicial, nos deparamos com uma novidade importante, a indicação do uso de ácido tranexâmico no controle de sangramento. Estudos militares europeus e americanos demonstram melhor sobrevida quando o ácido tranexâmico é administrado dentro de 3 horas após a lesão. O TXA é um análogo de lisina sintético que inibe competitivamente a ativação do plasminogênio em plasmina. Foi aprovado pelo Food and Drug Administration (FDA) dos EUA em 1986 para uso a curto prazo como uma injeção para reduzir ou prevenir o sangramento durante a extração dentária em pacientes com hemofilia. A forma oral é aprovada para tratar a menorragia. Todos os outros usos são off-label - O uso do TXA deve ser precoce, dentro de 3 horas do trauma. Além disso, a administração de TXA deve ocorrer em bolus, seguida de uma infusão durante 8 horas - É importante que sejam implementados protocolos claros de uso do TXA para guiar as equipes. - Evidências limitadas sugerem que mais eventos de tromboembolismo venoso ocorrem quando TXA é dado a pacientes que não necessitam de transfusão maciça. Objetivamente, deve-se observar evidências de lesão consistente com hemorragia não compressível (por exemplo, trauma tóraco-abdominal penetrante ou fraturas instáveis da pelve), juntamente com a frequência cardíaca> 120 bpm e pressão arterial sistólica (PAS) <90 mmHg. Pode-se considerar ajustes de sinais vitais para a população geriátrica. - Dada a falta de dados disponíveis, as organizações recomendam que a administração de TXA pré-hospitalar seja monitorada de perto em um registro pré-hospitalar. - Doses repetidas de bolus de TXA devem ser evitadas. - A administração pré-hospitalar de TXA deve ser claramente comunicada ao próximo profissional que irá atender o paciente. Adesivos ou pulseiras aplicadas aos pacientes, podem ser usadas para auxiliar na transferência de informações. - No paciente com hemorragia, controle do sangramento e a ressuscitação continuam a ser a prioridade. O uso de TXA nunca deve substituir técnicas de controle de sangramento, transporte rápido para um centro de trauma, ou a administração de sangue ou plasma Gabriela de Oliveira | T3 | 8º período 12
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