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REGIMES E ORGANIZAÇÕES INTERNACIONAIS AULA 6 Profª Devlin Biezus 2 CONVERSA INICIAL Os regimes internacionais de meio ambiente O objetivo desta aula é analisar as especificidades do meio ambiente na construção de regimes internacionais. Primeiro, é realizado um panorama dos regimes internacionais de meio ambiente. O Tema 2 tem seu conteúdo focado na construção do regime internacional das mudanças climáticas. O Tema 3 aborda as problemáticas do regime internacional de meio ambiente em relação aos países emergentes. O Tema 4 apresenta o conceito de desenvolvimento sustentável e como o seu entendimento é refletido nos regimes estudados. Por fim, o Tema 5 trata da atuação das Organizações Não Governamentais (ONGs) e das corporações no regime de meio ambiente. TEMA 1 – MEIO AMBIENTE E A CRIAÇÃO DE REGIMES INTERNACIONAIS O objetivo deste tema é tratar da formação e do desenvolvimento dos regimes internacionais do meio ambiente. Como demonstrado anteriormente, as questões ambientais entraram nas agendas de segurança estatais após a Guerra Fria, com a expansão do entendimento securitário. Contudo, as políticas voltadas ao meio ambiente começaram a surgir ao final da década de 1970. A estruturação de regimes ambientais pode acontecer por meio de cinco estágios, que, de acordo com Onuki e Agopyan (2020) e Chasek, Downie e Brown (2018), são: 1) a definição da agenda; 2) averiguação; 3) barganha para a criação do regime; 4) a implementação do regime; e 5) a revisão e fortalecimento do regime. Esses estágios não necessariamente acontecem de forma cronológica, podendo haver sobreposições. O primeiro estágio objetiva identificar qual é a questão ambiental a ser endereçada pelo regime. Isso pode depender da magnitude de ameaça da problemática relacionada ao tema, ou pela mobilização de demais atores, como ONGs e organizações internacionais (Onuki; Agopyan, 2020). 3 No segundo estágio, a averiguação, o tema que será investigado pelo regime é tratado de forma mais profunda. Nesta fase, busca-se informações de diversas áreas científicas para formular uma política que tenha coerência e que obtenha consenso (Onuki; Agopyan, 2020). O terceiro estágio, a barganha, representa a articulação política para a formulação da estratégia que irá lidar com a problemática endereçada pelo futuro regime. Nesse contexto, os atores envolvidos negociarão demandas e realizarão concessões para que o regime seja aderido por um número relevante de Estados (Onuki; Agopyan, 2020). O quarto e o quinto estágio, implementação e fortalecimento, acontecem de forma simultânea. Nesses estágios é estabelecida uma convenção para a formalização das diretrizes negociadas. Como forma de fortalecimento, essa convenção pode ser complementada ao longo do tempo, por exemplo, por meio de protocolos ou emendas (Onuki; Agopyan, 2020). Os regimes ambientais existentes tratam de diversas questões relacionadas à temática, de proteção às baleias à mudança climática. Além de serem diversos em suas temáticas, os regimes internacionais de meio ambiente também se modificam ao longo do tempo, podendo se expandir, fortalecer, enfraquecer ou até mesmo modificar seu escopo. Por exemplo, o atual regime de proteção às baleias surgiu na década de 1940 com o objetivo de regular a caça comercial baleeira, mas se modificou, decretando o banimento do comércio de baleias em 1985 (Chasek; Downie; Brown, 2018). Assim como o regime de comércio baleeiro, o regime sobre conservação da biodiversidade também evoluiu ao longo de seu histórico. Até a década de 1970, os tratados que envolviam a proteção da biodiversidade não eram comprometimentos vinculantes. Isso foi modificado em 1973, com a Convenção sobre o Comércio Internacional das Espécies da Fauna e da Flora Selvagens Ameaçadas de Extinção. A principal medida criada por esta convenção foi a aplicação de sanções comerciais para o tráfico de animais ameaçados de extinção (Chasek; Downie; Brown, 2018). O regime sobre a problemática da camada de ozônio é um exemplo de caso que se fortaleceu ao longo de seu desenvolvimento. O regime começou em 1985, com a Convenção de Viena para a Proteção da Camada de Ozônio. No entanto, esta convenção não exigiu que os Estados signatários reduzissem o uso dos produtos químicos que prejudicavam a cobertura de gás ozônio presente 4 na atmosfera terrestre, mas, ao menos, trouxe menções sobre os químicos que poderiam prejudicar a camada de ozônio. Em 1987, o Protocolo de Montreal foi o responsável por exigir reduções de clorofluorcarbonetos (CFCs) as quais aceleravam a redução da camada de ozônio. No final da década de 1980 e início da de 1990, descobertas científicas sobre químicos alternativos que poderiam substituir os CFCs foram um importante passo para o arrefecimento da redução da camada de ozônio. Esse caso é um exemplo de como um regime com regras eficazes permitiu que governos chegassem a uma série de acordos para, de fato, reduzirem os níveis de emissões de CFCs. Como resultado, a produção dessas substâncias foi eliminada (Chasek; Downie; Brown, 2018). O regime relacionado à mudança climática, por sua vez, foi criado em 1992. Seu marco inicial foi o estabelecimento da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (UNFCCC). O objetivo da convenção é de reduzir a concentração de gases de efeito estufa na atmosfera terrestre. Contudo, a UNFCCC não impôs medidas vinculantes ou cronogramas para que as emissões fossem reduzidas. Essas medidas foram criadas em 1997, com o Protocolo de Kyoto (Chasek; Downie; Brown, 2018). Esse apanhado geral ilustra os diversos temas que formam os regimes internacionais ambientais. Alguns desses regimes podem ser considerados bem- sucedidos, como o regime da diminuição da camada de ozônio. Contudo, muitos deles não resolveram completamente as problemáticas ambientais da maneira que se havia proposto. TEMA 2 – O REGIME INTERNACIONAL DE MUDANÇAS CLIMÁTICAS Uma vez apresentados de forma geral os regimes ambientais, esta seção temática tem como foco o regime internacional sobre as mudanças climáticas. Assim, as principais convenções sobre esses temas serão abordadas, bem como seus principais objetivos e desafios. As ações de âmbito global em relação à sustentabilidade e aos recursos ambientais tiveram seu marco inicial em 1972. Neste ano, a Conferência das Nações Unidas sobre o Ambiente Humano foi convocada em Estocolmo. Alguns exemplos das problemáticas tratadas pela conferência foram a discussão da relação entre a eliminação da pobreza e a criação de um ambiente humano 5 saudável, além da questão do uso sustentável dos recursos naturais (Onuki; Agopyan, 2020). O evento produziu uma declaração denominada Manifesto Ambiental, o qual estabeleceu as bases para a agenda ambiental que ganharia mais espaço ao fim da Guerra Fria. A Declaração de Estocolmo representou a primeira ação global sobre o impacto humano no meio ambiente. Seu objetivo foi criar uma perspectiva comum entre os países signatários sobre como abordar os desafios de preservação e melhoramento do ambiente humano. Nesse sentido, a Declaração de Estocolmo apresenta objetivos políticos amplos para lidar com o tema e não traz orientações detalhadas sobre como alcançar tais objetivos (Handl, 2012). Além da declaração, a conferência também criou o órgão do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) (Onuki; Agopyan, 2020). O Pnuma é a principal autoridade internacional em questões ambientais e seus principais objetivos são: monitorar o estado do meio ambiente de forma geral; alertar o sistema internacional caso haja alguma ameaça; e recomendar medidas para lidar com as problemáticas ambientais. Em relação ao regime de mudanças climáticas, a discussãoacerca do tema começou a ganhar maior notoriedade internacional na década de 1980. Em 1998, o Painel Intergovernamental para Mudanças Climáticas (IPCC) foi criado (Onuki; Agopyan, 2020). O painel representa uma fonte científica e confiável de informações ambientais para os governos, que deixa mais claro e preciso o fluxo de informações sobre determinada questão climática. Apesar de o IPCC apresentar as informações com bases científicas, ele não é um centro de desenvolvimento de pesquisas científicas sobre mudanças climáticas. O objetivo do IPCC é identificar consensos e lacunas entre os variados estudos científicos. Seu primeiro relatório foi divulgado em 1990, apontando como o modelo econômico mundial influenciaria o aquecimento global e como essas mudanças climáticas seriam uma grave ameaça (Onuki; Agopyan, 2020). O primeiro relatório do IPCC previu que se os Estados continuassem com o mesmo modelo econômico, a temperatura média global aumentaria de uma forma sem precedentes na história humana (Chasek; Downie; Brown, 2018). 6 A partir do ponto inicial do primeiro relatório do IPCC, Chasek, Downie e Brown (2018, p. 163) dividem o regime de mudanças climáticas em quatro etapas: 1) a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas; 2) o Protocolo de Kyoto; 3) os Acordos de Copenhague; 4) o Acordo de Paris. A primeira etapa conta com a criação da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas. A convenção foi formada em 1992, na cidade do Rio de Janeiro. Em junho de 1992, 154 Estados assinaram a UNFCCC. Seu funcionamento começou em 1994, quando cinquenta Estados ratificaram a convenção (Chasek; Downie; Brown, 2018). As negociações responsáveis pela criação da convenção não alcançaram uma resolução que tratasse de medidas concretas para combater as mudanças climáticas. Isso porque os Estados Unidos haviam vetado qualquer medida vinculante dentro da Convenção-Quadro. Nesse sentido, surgiram negociações sobre protocolos subsequentes à UNFCCC, os quais apresentaram metas objetivas e um caráter vinculante (Chasek; Downie; Brown, 2018). A segunda etapa que forma o regime de mudanças climáticas é o Protocolo de Kyoto. O protocolo foi assinado no Japão em 1997 com o intuito de criar metas vinculantes para os Estados signatários. Essas metas visavam a redução da emissão de gases de efeito estufa, propondo redução de 5,2% entre 2008 e 2012 (Onuki; Agopyan, 2020). O protocolo entrou em vigor em 2005 com a ratificação do quinquagésimo quinto Estado. Os Estados Unidos, um país que conta com altas emissões de gases de efeito estufa, não ratificou o protocolo, argumentando que os compromissos vinculantes não possuíam o mesmo peso para países desenvolvidos e para emergentes (Onuki; Agopyan, 2020). Com o Protocolo de Kyoto, estabeleceu-se uma meta coletiva para a redução dos gases de efeito estufa. O protocolo também criou um mecanismo de flexibilização para os países desenvolvidos. Esse mecanismo é formado por um “mercado de carbono” em que países industrializados, que não alcançarem sua meta, podem comprar “créditos de carbono” de países que conseguirem reduzir suas emissões (Onuki; Agopyan, 2020). A terceira etapa do regime ambiental é formada pelos Acordos de Copenhague. O intuito dos acordos foi fortalecer o regime criado pelo Protocolo 7 de Kyoto e substituí-lo após o fim de sua vigência, em 2012. As negociações começaram em 2005, tendo como principais dificuldades a China, em conjunto com os Estados Unidos, se tornando atores de veto sobre as possíveis metas vinculantes do acordo (Chasek; Downie; Brown, 2018). O resultado foi um acordo não vinculante com metas a longo prazo. O comprometimento dos Estados signatários foi de limitar o aumento da temperatura em 2 ºC. Por fim, a quarta etapa do regime de mudança climática é o Acordo de Paris, assinado em 2015. Contando com a participação de 195 Estados, o objetivo do acordo foi reiterar o comprometimento dos Estados em limitar o aumento da temperatura abaixo de 2 ºC. O acordo pode ser considerado um documento com caráter híbrido, pois há um compromisso vinculante aos Estados para cumprirem o que se foi negociado. Contudo, o cumprimento das metas não é obrigatório. TEMA 3 – REGIMES INTERNACIONAIS DE MUDANÇAS CLIMÁTICAS E OS PAÍSES EMERGENTES Um dos mais intensos debates no regime de mudanças climáticas se dá entre os países desenvolvidos e os em desenvolvimento. Esse debate foi um fator complicador para o desenvolvimento da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, por exemplo. Para compreender esse debate, deve-se ressaltar que as emissões dos gases de efeito estufa possuem diversas fontes. Entre elas, fontes que estão relacionadas ao nível do desenvolvimento econômico dos Estados, como a indústria, a geração de energia elétrica, a agropecuária e os meios de transportes. O principal argumento dos países emergentes é o de que os países desenvolvidos do norte global têm emitido gases de efeito estufa desde a Revolução Industrial e, agora, todo o globo estaria ameaçado pelas mudanças climáticas. Nesse sentido, argumenta-se que os principais emissores seriam historicamente responsáveis pelos problemas ambientais e, portanto, tais países deveriam arcar com o fardo de sanar essas problemáticas (Barros-Platiau, 2010). Por outro lado, países desenvolvidos, representados principalmente pelos Estados Unidos, argumentavam que países emergentes, como China, Brasil e Índia, representavam cerca de 21% das emissões de gás de efeito estufa em 1989 (Chasek; Downie; Brown, 2018). Por isso, defendia-se que esses países também deveriam restringir suas emissões. 8 Esse debate ilustra as percepções entre países com diferenças no nível de desenvolvimento econômico sobre a responsabilidade de emissões de gases de efeito estufa, dando maior complexidade ao desenvolvimento do regime de mudanças climáticas. Assim, como existem Estados em diferentes estágios de desenvolvimento econômico e, consequentemente, diferentes índices de emissões entre eles, desenvolveu-se o princípio de “responsabilidades comuns, mas diferenciadas” (Onuki; Agopyan, 2020). O princípio de “responsabilidades comuns, mas diferenciadas” reflete um consenso político de que a cooperação de todos os Estados seria necessária para lidar com a mudança climática e também de que todos os Estados teriam responsabilidade de agir para lidar com essa questão. Contudo, ao trazer o termo diferenciados, o princípio reflete implicações na adoção e na implementação dos comprometimentos comuns. Tal perspectiva considera elementos como as diferentes capacidades entre os Estados, as contribuições históricas das emissões de gases de efeito estufa e as necessidades específicas para o desenvolvimento (Pauw et al., 2014). As “responsabilidades comuns, mas diferenciadas” se materializaram no Protocolo de Kyoto. O documento dividiu os países signatários em duas partes: os do Anexo I e os do não-Anexo I. Os países membros do Anexo I eram os Estados desenvolvidos e os Estados com a economia em transição para o capitalismo. Já as Partes do Não-Anexo I eram os países em desenvolvimento ou emergentes (Chasek; Downie; Brown, 2018; Pauw et al., 2014). Como o objetivo do Protocolo de Kyoto era reduzir as emissões coletivas dos gases de efeito estufa abaixo de 5,2% do nível de 1990, entre os anos de 2008 e 2012, os Estados tiveram diferentes requerimentos dentro desse mandado coletivo. Por exemplo, a Islândia poderia ter um aumento de até 10% nas suas emissões devido à sua já baixa taxa de emissão. Já a União Europeia e a maioria dos países do leste europeu deveriam reduzir suas emissões em 8%. Segundo os autores Chasek, Downie e Brown (2018), as responsabilidades diferenciadas fizeram com que as metas gerais fossem menos ambiciosas do quese pretendia inicialmente. Essa foi uma das questões que limitou o impacto ambiental do protocolo. Durante as negociações para os Acordos de Copenhague, o grupo dos países em desenvolvimento e dos não desenvolvidos se fragmentou, criando diferentes grupos de acordo com a vulnerabilidade de cada Estado em relação 9 às mudanças climáticas, com as taxas de desenvolvimento econômico, os níveis de emissão dos gases de efeito estufa e a exportação de petróleo. Conforme Chasek, Downie e Brown (2018), entre essas coalizões, estão: o grupo BASIC, formado por Brasil, África do Sul, Índia e China. Esta coalizão tem um importante papel nas negociações porque representa economias crescentes e porque são Estados responsáveis por altas taxas de emissões de gases de efeito estufa; o grupo dos países menos desenvolvidos, com 48 países que se pautam em relação à sua vulnerabilidade e adaptação às mudanças climáticas; o grupo da Aliança dos Pequenos Estados Insulares (AOSIS), formado por 42 ilhas que são as mais vulneráveis em relação ao aumento do nível do mar. Por isso, é um grupo de pressão para que haja uma redução de emissões de gases de efeito estufa; o grupo da Organização de Países Exportadores de Petróleo (OPEP), o qual conta com 12 países que têm o petróleo como um importante insumo da sua economia. Esses países pautam por compensações financeiras devido à redução das emissões; e o grupo Africano, que apoia a diminuição drástica das emissões dos gases de efeito estufa e defende que países em desenvolvimento deveriam receber compensações para mitigar ou adaptar as fontes de suas emissões. Os debates entre países desenvolvidos e em desenvolvimento sobre suas responsabilidades ambientais apresentam uma importante dicotomia no regime internacional de mudanças climáticas. Esse debate compreende que o desenvolvimento econômico e as mudanças que reduzissem os níveis de gases de efeitos estufa seriam contraditórios. Nesse sentido, começou-se a desenvolver uma nova racionalidade, que visava se sobrepor a essa dicotomia. A ideia do desenvolvimento sustentável começou a ganhar maior espaço nos debates, buscando formas de fazer com que o desenvolvimento e o meio ambiente caminhassem juntos. 10 TEMA 4 – O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL NO REGIME INTERNACIONAL DO MEIO AMBIENTE Como demonstrado pelo debate entre países desenvolvidos e emergentes, o desenvolvimento e a proteção ambiental são dicotômicos. A principal tentativa para superar essa contradição foi o conceito de desenvolvimento sustentável. As discussões sobre o desenvolvimento sustentável já aconteciam em paralelo à formação dos regimes internacionais de meio ambiente. Contudo, o termo ganhou mais força a partir da década de 2000, com a iniciativa das Nações Unidas na criação dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM) (Onuki; Agopyan, 2020). Os primeiros esforços em concatenar as questões ambientais com o desenvolvimento aconteceram em 1983. Neste ano, a Assembleia Geral das Nações Unidas estabeleceu uma comissão independente com o objetivo de formular uma agenda de ação que englobasse as duas temáticas. A comissão foi liderada por Gro Harlem Brundtland, que ocupava o cargo de ministra do Meio Ambiente da Noruega (Chasek; Downie; Brown, 2018). Em 1987, a comissão apresentou o relatório “Nosso Futuro Comum”, resultado de 15 audiências públicas realizadas por todo o mundo. O relatório definiu que desenvolvimento sustentável seria um desenvolvimento que atendesse às necessidades do presente, mas sem comprometer as necessidades das futuras gerações (Onuki; Agopyan, 2020; Brundtland, 1987). Nesse sentido, o conceito de desenvolvimento sustentável implicaria em algumas limitações na forma como os recursos naturais seriam utilizados, o que resultaria em uma melhor capacidade da biosfera em absorver os efeitos das atividades humanas (Brundtland, 1987). O relatório também enfatizou a relação entre desenvolvimento econômico e questões ambientais, apontando para a erradicação da pobreza como um ponto fundamental para o desenvolvimento sustentável (Chasek; Downie; Brown, 2018). Ao tratar da erradicação da pobreza, o relatório compreende que o crescimento econômico dos Estados mais pobres deve possuir recursos suficientes para ser sustentado, associando, assim, as questões da desigualdade, do desenvolvimento e do meio ambiente. Em 1992, na Cúpula da Terra, a agenda do desenvolvimento sustentável também esteve presente. Além da Agenda 21, que indicou a iniciativa 11 internacional sobre a necessidade de cooperação ambiental, a cúpula também produziu a Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (Chasek; Downie; Brown, 2018; Onuki; Agopyan, 2020). A declaração institucionalizou alguns princípios originados na Conferência de Estocolmo, afirmando que deveria haver mudanças para reduzir padrões insustentáveis de consumo e de produção. Essas iniciativas podem ser consideradas como um prelúdio à criação dos ODM (Onuki; Agopyan, 2020). Os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio foram apresentados pela Declaração do Milênio em setembro de 2000, contando com oito objetivos que, por sua vez, se estendiam a 18 metas a serem cumpridas até 2015. Ainda foram criados 48 indicadores para a mensuração do andamento dessas metas (Onuki; Agopyan, 2020). O foco dos ODM estava na promoção de desenvolvimento igualitário, buscando a redução da pobreza, da desigualdade de gênero e a garantia da educação básica para todos, para citar alguns exemplos. Os compromissos apresentados pela agenda eram voltados para países em desenvolvimento e países onde há altos índices de extrema pobreza. A participação dos países desenvolvidos aconteceria por meio do financiamento de projetos que visavam cumprir as metas dos ODM (Onuki; Agopyan, 2020). Os financiamentos dos países desenvolvidos aumentaram o número de recursos para a assistência financeira. Em 2004, a quantidade de recursos destinados aos projetos de desenvolvimento era de 80 bilhões de dólares. Em 2014, essa quantidade passou para 135 bilhões de dólares. Entre os principais países financiadores, estavam os Estados Unidos, o Reino Unido, a Alemanha, a França e o Japão (Chasek; Downie; Brown, 2018). Apesar dos esforços internacionais, os ODM foram criticados em diferentes âmbitos. Uma das críticas salientou que os ODM possuíam um escopo limitado, pois os objetivos foram apresentados de forma isolada. Assim, as Nações Unidas não teriam abordado a transversalidade das metas. Outra crítica foi direcionada à questão de que os ODM não lidavam com as causas da pobreza extrema, lidando mais com as consequências desta. Por fim, também se criticou a pouca ênfase na questão ambiental, abordada por apenas um dos objetivos (Onuki; Agopyan, 2020). Em 2012, as Nações Unidas começaram a se articular para desenvolver uma nova agenda que substituiria os ODM. Esse processo começou na cidade do Rio de Janeiro, com a Conferência Rio+20. Em 2015, as Nações Unidas 12 divulgaram os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) (Onuki; Agopyan, 2020). Os ODS consistem em 17 objetivos, tratando de problemáticas como a erradicação da pobreza e da fome, a promoção de saúde e educação, a igualdade de gênero, a garantia de emprego e a redução da desigualdade. Os ODS foram divulgados por meio da Agenda 2030. Além de trazer os 17 objetivos, a agenda também trouxe as 169 metas, as quais abrangem o escopo do desenvolvimento humano e econômico, e da sustentabilidade ambiental (Chasek; Downie; Brown, 2018). Na esfera ambiental, segundo Onuki e Agopyan (2020), os ODS contam com os seguintes objetivos: água limpa e saneamento (objetivo 6); energia acessível limpa (objetivo 7); cidades e comunidades sustentáveis (objetivos 11); consumo e produção sustentáveis (objetivo12); combate às alterações climáticas (objetivo 13). Assim como os ODM, os ODS também foram alvos de crítica, argumentando-se que os 17 objetivos seriam muito amplos e que o cumprimento das 169 metas não seria realista (Chasek; Downie; Brown, 2018). Uma das diferenças em relação ao desenvolvimento dos ODM para o dos ODS foi que o último contou com uma ampla participação da sociedade civil organizada. Esse processo ilustra o entendimento de que o desenvolvimento sustentável não seria alcançado somente pelos esforços governamentais, reconhecendo, assim, que a participação das empresas privadas e da sociedade civil também seria necessária (Chasek; Downie; Brown, 2018). TEMA 5 – ATORES SOCIAIS E O SETOR PRIVADO PERANTE O REGIME INTERNACIONAL DE MEIO AMBIENTE O regime internacional de meio ambiente não é formado apenas pelas atuações dos Estados e das Organizações Internacionais. Seu desenvolvimento e fortalecimento também é muito influenciado, positiva ou negativamente, pelos atores da sociedade civil, como as Organizações Não-Governamentais e o setor privado. Neste tema, serão abordados as principais formas e um exemplo de como esses atores influenciam no regime internacional. As ONGs são grupos organizados, independentes e que não possuem lucros, diferenciando-se, assim, das empresas. As ONGs seriam capazes de 13 influenciar o regime internacional devido a três principais fatores. Primeiro, as ONGs possuem conhecimento especializado sobre o tema discutido pelo regime internacional. Segundo, os objetivos das ONGs podem transcender os interesses nacionais de um Estado. Terceiro, algumas ONGs podem representar os interesses de um grupo eleitorado específico de seu país. Por isso, seriam capazes de mobilizar a atenção dos decisores políticos (Chasek; Downie; Brown, 2018). Conforme Chasek, Downie e Brown (2018), nos países industrializados, as atividades das ONGs que lidam com questões ambientais podem ser classificadas em três categorias: 1) ONGs com filiais internacionais em mais de um país; 2) organizações nacionais que focam nas questões ambientais domésticas; 3) think tanks, ou comunidades epistêmicas, formadas por instituições de pesquisas que publicam estudos e propostas de ação. Entre o primeiro grupo, pode-se destacar a atuação de organizações como o Greenpeace e a World Wildlife Fund (WWF). A segunda categoria inclui grandes organizações ambientais dos Estados Unidos, como o Fundo de Defesa Ambiental e o Conselho de Defesa de Recursos Naturais. Ambas as organizações foram responsáveis por utilizar processos econômicos e legais com o intuito de afetar a política nacional. Por fim, a terceira categoria, think tanks, depende de seu conhecimento técnico e programas de pesquisa para influenciar as políticas ambientais globais (Chasek; Downie; Brown, 2018). Diferentemente das ONGs do norte global, as organizações em países em desenvolvimento estão interligadas, por exemplo, com questões de direitos humanos e justiça distributiva. Ainda, as ONGs do Sul global possuem uma postura mais agressiva em relação às do Norte, realizando críticas sobre o consumismo e o desenvolvimento econômico descontrolado. As pautas dessas organizações enfatizam as problemáticas do uso da terra, do manejo florestal, dos direitos da pesca e da redistribuição de poder sobre os recursos naturais (Chasek; Downie; Brown, 2018). Alguns exemplos dessas organizações são o Green Belt Movement, no Quênia, que visa conscientizar comunidades sobre a conservação ambiental. Entre seus programas, estão atividades ligadas à conservação da biodiversidade, à educação cívica e ambiental, à segurança alimentar e a programas de capacitação para mulheres e meninas (Chasek; Downie; Brown, 2018). 14 Com base nesses diferentes escopos de atividades e atuação, as ONGs podem influenciar o desenvolvimento, a expansão e a implementação do regime internacional de meio ambiente por diversas formas. Alguns exemplos conforme Chasek, Downie e Brown (2018) são: influenciar a agenda ambiental; pressionar por mudanças políticas; monitorar e reportar atividades relacionadas ao regime; promover boicotes; promover ideais para as convenções e negociações. Assim, a atuação das ONGs pode contribuir com o fortalecimento de um regime e até mesmo trazer pautas necessárias para as negociações internacionais. Um segundo ator capaz de influenciar nos regimes internacionais de meio ambiente são as empresas privadas. As corporações frequentemente se opõem às políticas internacionais e nacionais, as quais podem prejudicar ou reduzir seus lucros. Por isso, é muito comum que esses atores se oponham aos regimes de meio ambiente. Para compreender o posicionamento de uma corporação em relação às políticas ambientais, é necessário observar o que essa empresa produz ou em qual nicho ela atua. Se essas políticas prejudicam a corporação, sua ação terá o objetivo de influenciar a criação de regulamentos ambientais fracos. Ao mesmo tempo, algumas corporações podem apoiar as políticas ambientais. Essas empresas podem ter algum interesse de mercado que irá substituir os produtos e processos danosos ao meio ambiente, por exemplo. Há também corporações que não teriam interesses econômicos diretos com a política ambiental, mas que decidem apoiá-la para melhorar sua reputação (Chasek; Downie; Brown, 2018). Empresas podem atuar de diferentes formas para influenciar a formação de um regime ambiental, por exemplo: financiar pesquisas e informações que apoiem seus interesses; realizar campanhas de propaganda que influenciem a opinião pública; persuadir governos individuais para que eles adotem uma posição favorável aos seus interesses; e realizar lobby com as delegações que negociam o regime (Chasek; Downie; Brown, 2018). As corporações podem usar sua influência política doméstica para garantir que governos não adotem políticas ambientais fortes. Esse foi o caso da 15 indústria doméstica dos Estados Unidos, que se opôs ao banimento de resíduos de risco. A indústria metalúrgica persuadiu os oficiais dos Estados Unidos a bloquear esse banimento. Um segundo exemplo é o caso do Japão, que concordou com o banimento dos gases CFCs somente após as principais empresas do país concordarem com a política (Chasek; Downie; Brown, 2018). Um terceiro exemplo, também nos Estados Unidos, é em relação ao Protocolo de Kyoto, quando as principais associações de comércio lançaram campanhas televisivas contra a aprovação do protocolo. O argumento era de que esses controles iriam aumentar o preço da gasolina, do óleo para aquecedores e dos bens de consumo. A campanha contribuiu para que o senado estadunidense reprovasse a ratificação do protocolo (Chasek; Downie; Brown, 2018). NA PRÁTICA Em 2019, a garota sueca Greta Thunberg realizou um discurso na Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas. Em sua fala, Greta demonstra sua decepção com as ações internacionais de regime ambiental. Assista o discurso de Greta Thunberg e relacione sua afirmação de que os resultados das políticas ambientais não são perceptíveis com os desafios do regime internacional de meio ambiente. FINALIZANDO O objetivo desta aula foi apresentar o desenvolvimento do regime internacional de meio ambiente. Em um primeiro momento, apresentou-se de maneira geral o regime de meio ambiente. Em um segundo momento, o foco foi direcionado ao regime de mudanças climáticas e o debate em relação aos países emergentes. Esse debate abriu espaço para a discussão do conceito de desenvolvimento sustentável. Por fim, foi discutido como as ONGs e as corporações podem influenciar o regime internacional de meio ambiente. 16 REFERÊNCIAS BARROS-PLATIAU, A. F. When emergent countries reform global governance of climate change: Brazil underLula. Revista Brasileira de Política Internacional, v. 53, edição especial, p. 73-90, 2010. BRUNDTLAND, G. H. et al. Our common future. New York: [s.n.], 1987. CHASEK, P. S.; DOWNIE, D. L.; BROWN, J. Global Environmental Politics, Dilemmas in World Politics. New York: Routledge, 2018. HANDL, G. Declaration of the United Nations conference on the human environment (Stockholm Declaration), 1972 and the Rio Declaration on Environment and Development, 1992. United Nations Audiovisual Library of International Law, v. 11, 2012. PAUW, P. et al. Different perspectives on differentiated responsibilities: a state- of-the-art review of the notion of common but differentiated responsibilities in international negotiations. Discussion Paper, Bonn, 2014. ONUKI, J.; AGOPYAN, K. K. Organizações Internacionais. Curitiba: Uninter, 2020.
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