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REGIMES E ORGANIZAÇÕES INTERNACIONAIS

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REGIMES E ORGANIZAÇÕES 
INTERNACIONAIS 
AULA 4 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Profª Devlin Biezus 
 
 
2 
CONVERSA INICIAL 
O principal objetivo desta aula é apresentar a evolução do regime 
internacional de comércio. Assim, contextualizamos o surgimento do Acordo 
Geral de Tarifas e Comércios (Gatt) e os fatores que levaram à formação da 
Organização Mundial do Comércio (OMC). O primeiro tema apresenta o 
desenvolvimento do regime internacional de comércio no pós-Segunda Guerra 
Mundial. O segundo tema discute o surgimento do Gatt, suas limitações e o 
contexto que possibilitou o surgimento da OMC. O terceiro tema apresenta o 
papel da OMC no cenário comercial contemporâneo e o quarto tema dá destaque 
à participação das coalizões e dos países em desenvolvimento no âmbito da 
OMC. Por fim, o quinto tema trata da participação brasileira na OMC, enfatizando 
os contenciosos do Brasil perante o Órgão de Solução de Controvérsias. 
TEMA 1 – COMÉRCIO INTERNACIONAL: ABERTURA E PROTECIONISMO 
Para compreender o regime internacional de comércio, também é 
necessário entender as implicações teóricas que regem essas relações 
comerciais. Em uma perspectiva teórica, o regime internacional de comércio é 
fundamentado no argumento de que o comércio entre as nações aumenta a 
interdependência entre elas. Assim, gerando maior disposição para os Estados 
cooperaram entre si. Esse argumento é desenvolvido por duas lógicas: a 
primeira afirma que quanto mais complexas forem as relações comerciais entre 
Estados, menor seria a disposição de estes entrarem em conflito violento um 
contra o outro; a segunda afirma que o papel das instituições seria fundamental 
e o melhor caminho para solucionar conflitos comerciais e gerenciar as relações 
comerciais internacionais, uma vez que a interdependência entre Estados 
tenderia ser cada vez maior e mais complexa (Onuki; Agopyan, 2020). 
As relações comerciais formam uma importante área de relação entre 
unidades políticas, mesmo anteriormente à formação moderna dos Estados. Por 
isso, Herz e Hoffmann (2004, p. 143) consideram que o desenvolvimento do 
comércio internacional funciona de maneira conjunta ao desenvolvimento do 
próprio sistema internacional. Ao longo dos séculos, inúmeros acordos visavam 
a simplificar relações comerciais. Contudo, o regime internacional de comércio 
surgiu no cenário pós-Segunda Guerra Mundial (Herz; Hoffmann, 2004). 
 
 
3 
O marco de início para o regime de comércio internacional é o Acordo de 
Bretton Woods, negociado em 1944, cujo objetivo foi planejar a cooperação 
econômica internacional no pós-Guerra, evitando que os Estados adotassem 
medidas protecionistas – tal como havia acontecido com o comércio 
internacional após a Primeira Guerra Mundial. Decidiu-se que seriam criadas 
dentro do sistema das Nações Unidas três organizações responsáveis por esse 
planejamento: Fundo Monetário Internacional (FMI); Banco Internacional para 
Reconstrução e Desenvolvimento (Bird); e Organização Internacional do 
Comércio (OIC) (Herz; Hoffmann, 2004). 
O principal objetivo do FMI, segundo Bretton Woods, seria “estabelecer e 
supervisionar um sistema internacional de taxas de câmbio fixas para promover 
a estabilidade de moedas, evitando desvalorizações competitivas” (Herz; 
Hoffmann, 2004). Na prática, o FMI ficou responsável por coordenar o novo 
padrão cambial ouro-dólar, fixando uma taxa de 35 dólares por uma onça de 
ouro (Almeida, 2001). Contudo, durante a década de 1970, os Estados Unidos 
romperam unilateralmente com o padrão ouro-dólar e, em 1973, o FMI perdeu 
sua jurisdição acerca das paridades cambiais internacionais (Almeida, 2001). 
Uma segunda função do FMI, reforçada após a década de 1970, é o 
fornecimento de créditos a curto prazo para países com desequilíbrio em suas 
balanças de pagamentos (Herz; Hoffmann, 2004). 
A segunda instituição criada por Bretton Woods, o Bird, atualmente 
denominado Banco Mundial, teria o objetivo de fornecer créditos a longo prazo 
para financiamento de projetos de reconstrução dos países assolados pela 
Segunda Guerra (Herz; Hoffmann, 2004). 
A terceira instituição planejada por Bretton Woods seria a Organização 
Internacional do Comércio (OIC). As negociações para sua criação aconteceram 
em Havana, entre 1947 e 1948. Ao fim da Conferência, a Carta Constituinte da 
OIC foi assinada, mas essa organização não foi criada. Isso porque os Estados 
Unidos não ratificaram a criação da organização perante seu Congresso. Além 
da negociação da criação da OIC, a Conferência de Havana também contou com 
a negociação entre 23 países, dos 50 presentes, sobre a redução de tarifas 
comerciais. O resultado dessas negociações foi o Acordo Geral sobre Tarifas e 
Comércio (Gatt), que entrou em vigor em 1948. O Gatt assumiu o papel de uma 
organização para coordenar a cooperação comercial, mas de forma menos 
institucionalizada do que seria a OIC (Herz; Hoffmann, 2004). 
 
 
4 
O surgimento dessas instituições marca o atual regime internacional de 
comércio, pois ao longo do século XX o comércio internacional deixou de 
majoritariamente regido por acordos bilaterais para ser negociado no âmbito 
multilateral das instituições (Almeida, 2001). Esse regime demonstra diferenças 
entre o cenário protecionista do comércio internacional antes da Segunda Guerra 
e o cenário pós-Segunda Guerra, marcado pelo discurso de livre comércio. 
Nesse ambiente, fatores como barreiras tarifárias e não-tarifárias ganharam um 
importante espaço nas discussões internacionais (Almeida, 2001). 
Devido a esse cenário de crescente complexidade das relações 
comerciais entre Estados, o Gatt se demonstrou inapto para solucionar 
contenciosos que iam além das questões tarifárias. Com o intuito de endereçar 
essas novas questões do comércio internacional, a Organização Mundial do 
Comércio (OMC) foi criada, em 1994, a partir da Rodada Uruguai do Gatt e, 
atualmente, possui 164 membros. 
TEMA 2 – DO ACORDO GERAL DE TARIFAS E COMÉRCIO À ORGANIZAÇÃO 
MUNDIAL DO COMÉRCIO 
Em 1914, a eclosão da Primeira Guerra Mundial interrompeu um período 
de crescimento econômico e de relações comerciais internacionais. Após a 
Grande Guerra, as tarifas para mercadorias estrangeiras dentro dos Estados 
ficaram mais altas em comparação ao período anterior, marcando um cenário 
protecionista no comércio internacional. Esse cenário ficou ainda mais 
exacerbado após a crise econômica de 1929, diminuindo de maneira 
considerável as trocas comerciais entre Estados (Mavroidis et al., 2009). 
Após a Segunda Guerra, buscou-se diminuir tarifas e barreiras comerciais 
para aumentar as trocas internacionais de mercadorias. Como visto, FMI, Bird e 
Gatt foram instituições criadas com objetivo de facilitar e incentivar o comércio 
internacional. Os Estados Unidos foram um importante ator na criação dessas 
organizações, sendo que essa participação pode ser explicada por duas 
narrativas diferentes. A primeira justifica à redução de barreiras comerciais após 
a guerra, é o argumento de que as políticas comerciais liberais e o 
desenvolvimento do comércio seriam essenciais para a fundação de uma 
estrutura de paz no âmbito internacional; crença inclusive compartilhada pelo 
Secretário de Estado dos Estados Unidos, da administração de Franklin D. 
Roosevelt, Cordell Hull (Mavroidis et al., 2009). 
 
 
5 
A segunda interpretação para o surgimento das instituições comerciais e 
financeiras no pós-Segunda Guerra possui viés crítico, pois busca problematizar 
o papel de dominação dos Estados Unidos perante o sistema internacional. Em 
síntese, a interpretação entende os Estados Unidos exerceriam um papel de 
hegemonia ideológica no cenário pós-Segunda Guerra. Isso significa que sua 
liderança seria baseada no poder coercitivo e no papel de demonstrar que é 
benéfica a todos os Estados (Pereira, 2011). Assim, a criação do Gatt e do FMI 
seria um exemplode como essa liderança foi estabelecida. 
Essa contextualização é necessária para compreendermos as 
implicações teóricas do regime de comércio internacional em que surgiu o Gatt. 
Como destacado, o Gatt foi formulado com o intuito de ser um arranjo interino e 
complementar à OIC. Nesse sentido, o Gatt não foi criado para ser uma 
organização, mas um acordo de comércio sobre barreiras tarifárias (Mavroidis et 
al., 2009); funciona como um acordo que trata do comércio de bens. Portanto, 
não abrange com profundidade questões relacionadas ao comércio de serviços 
e propriedade intelectual, por exemplo. 
Dois grandes princípios guiaram as ações do Gatt: o princípio da nação 
mais favorecida e o princípio do tratamento nacional (Carneiro, 2011). O princípio 
da nação mais favorecida indica que qualquer vantagem, ou privilégio, dado por 
uma nação a algum produto originado de outra nação, deverá ser concedido a 
qualquer Estado (Carneiro, 2011). Em um exemplo hipotético, se o Brasil reduz 
barreiras tarifárias da importação de trigo da Argentina, deve aplicar a redução 
também a todos os países que importam trigo do Brasil. O segundo princípio, 
tratamento nacional, significa que deve existir tratamento idêntico entre produtos 
nacionais e importados dentro do mercado doméstico, isto é, a indústria 
doméstica deveria evitar medidas protecionistas, como o aumento de impostos 
sobre produtos importados, e buscar igualar seu mercado doméstico ao 
internacional (Carneiro, 2011). Uma exceção para esse princípio foi negociada 
em 1976, diferenciando o tratamento com países em desenvolvimento. 
Entre 1947 e 1994, o Gatt possuiu oito rodadas de negociação. Essas 
negociações objetivavam reduzir tarifas comercias, medidas antidumping e 
barreiras não tarifárias (Herz; Hoffmann, 2004). Devido à abrangência e 
complexidade nas negociações, elas poderiam perdurar por anos até que os 
Estados chegassem a um consenso. A última rodada do Gatt foi a Rodada 
Uruguai (1986-1994), que já trazia discussões comerciais mais complexas e que 
 
 
6 
até então não eram abrangidas pelo Gatt, como maior ênfase nas barreiras não 
tarifárias, subsídios e produtos agrícolas, propriedade intelectual e produtos 
têxteis (Herz; Hoffmann, 2004). 
Entre esses temas, é importante definir a barreira não tarifária. As 
barreiras não tarifárias podem ser compreendidas como dificuldades impostas 
por um Estado, por meio de leis, regras ou normas, que visam a restringir a 
importação (Nicacio, 2017). Como exemplo, podemos citar regulamentos 
técnicos, medidas fitossanitárias e regras de origem. 
Os problemas que começaram a ser tratados pela Rodada Uruguai 
demonstraram que o Gatt não estava preparado para tais discussões, visto que 
a rodada durou oito anos. Isso esclareceu aos Estados, que faziam parte do Gatt, 
que a eficiência do acordo estaria comprometida caso não houvesse uma 
reforma. Dessa maneira, decidiu-se pela criação da Organização Mundial do 
Comércio (OMC). A partir desse contexto, é possível perceber que a OMC não 
foi criada como ruptura do regime internacional de comércio que havia se 
desenvolvido até o momento, mas, sim, como meio de ampliar esse regime. Com 
isso, todos os acordos negociados anteriormente ao Gatt foram inseridos na 
OMC (Herz; Hoffmann, 2004). 
TEMA 3 – A OMC E A LIBERALIZAÇÃO DO COMÉRCIO INTERNACIONAL 
Como a criação da OMC teve o objetivo de ampliar e melhor 
institucionalizar o Gatt, seu princípio continuou o mesmo: a não discriminação 
comercial entre parceiros, devido à cláusula da nação mais favorecida. Apesar 
de os princípios serem àqueles previamente existentes, a OMC trouxe algumas 
inovações para lidar com negociações comerciais cada vez mais complexas e 
com mais países participantes. 
Os órgãos que formam a OMC são a Conferência Ministerial, o 
Secretariado, o Conselho Geral e os Conselhos Setoriais. O principal órgão é a 
Conferência Ministerial, composta por representantes de todos Estados-
membro. A Conferência Ministerial se reúne a cada dois anos e realiza a tomada 
de decisões por meio do consenso. Todos membros têm direito a um voto, 
diferentemente do processo de votação de organizações como o FMI e o Banco 
Mundial – nessas organizações os membros que dão maior contribuição 
financeira possuem maior poder de veto (Herz; Hoffmann, 2004). Contudo, esse 
princípio do Conselho Ministerial – de “um membro, um voto” – não implica, 
 
 
7 
necessariamente, em um princípio de igualdade entre os Estados-membro. Isso 
porque os países mais desenvolvidos e economicamente mais fortes conseguem 
exercer maior influência sobre os membros mais fracos (Herz; Hoffmann, 2004). 
O Secretariado da organização possui sede em Genebra, na Suíça, e é 
composto por cargos administrativos. A Conferência Ministerial aponta o diretor-
geral do Secretariado, contudo, esse cargo possui apenas poderes 
administrativos, não participando nos processos de negociações ou no processo 
de preparação da agenda (Herz; Hoffmann, 2004). 
O Conselho Geral é o primeiro órgão hierarquicamente abaixo da 
Conferência Ministerial; é composto por representantes de todos os Estados-
membro e entre suas principais funções está a supervisão dos três conselhos 
subordinados: Conselho de Comércio e Mercadorias; Conselho de Comércio e 
Serviços; e Conselho dos Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual 
Relacionados ao Comércio (Carneiro, 2011). Esses Conselhos também 
possuem representantes de todos os Estados-membro da OMC, cada um com 
direito a um voto e decisões tomadas por consenso (Herz; Hoffmann, 2004). 
Durante as negociações, uma prática entre os Estados-membro é a 
formação de coalizões de acordo com interesses ou regiões. Assim, as coalizões 
correspondem aos blocos de integração regional, como Mercosul, Tratado Norte-
Americano de Livre Comércio (Nafta), União Europeia e Associação de Nações 
do Sudeste Asiático (Asean). Alguns exemplos de coalizões formadas devido a 
interesses convergentes são o Grupo Africano, o Grupo dos Países Menos 
Desenvolvidos, os Estados da África, Caribe e Pacífico (ACP), o Grupo Cairns e 
o G-20 (Herz; Hoffmann, 2004). A formação dessas coalizões serve como forma 
de alinhar os interesses dos Estados, podendo apresentar maior poder de 
barganha durante as negociações. 
É possível destacar três principais inovações trazidas pela OMC em 
relação ao Gatt. A primeira é o método de negociação realizado pela 
organização, denominado single undertaking. Isso significa que todos os itens 
das negociações necessitam estar inclusos no final de cada rodada da 
negociação, ou seja, uma rodada só termina depois que todos os pontos estejam 
decididos (Herz; Hoffmann, 2004). 
A segunda inovação trazida pela OMC é o sistema de solução de 
controvérsias, formado pelo Órgão de Solução de Controvérsias, já existente no 
Gatt, e pelo Órgão Permanente de Apelação, criado no âmbito da OMC. A 
 
 
8 
principal mudança em relação à solução de controvérsias do Gatt é que, no 
sistema da OMC, as decisões tomadas pelos órgãos de solução de controvérsias 
são automaticamente vinculantes. Isso significa que o parecer dado pelo órgão 
possui obrigatoriedade jurídica e, sendo assim, todos Estados-membro devem 
cumprir as decisões em boa-fé (Lafer, 1996). A composição do Órgão de Solução 
de Controvérsias é realizada pelos membros do Conselho Geral, sendo sua 
principal responsabilidade a mediação política de qualquer conflito comercial 
entre os membros da OMC (Herz; Hoffmann, 2004). Esse processo é realizado 
por meio de painéis em que, ao final do processo, os mediadores apresentaram 
uma decisão. Diferentemente do que acontecia no Gatt, a parte perdedora pode 
recorrer seu caso ao Órgão de Apelação (Herz; Hoffmann, 2004). 
A terceira inovação que a OMC traz em relação ao Gatt é a criação do 
Órgão de Revisão de Políticas Comerciais, composto pelos membros do 
Conselho Geral e com a responsabilidadede monitorar a política comercial dos 
Estados-membro da OMC – ação realizada por meio de relatórios bianuais, 
quadrienais ou sexenais, dependendo do grau de participação do Estado na 
economia comercial mundial. Esses relatórios são denominados Trade Policy 
Reviews e podem contribuir com o aumento da transparência da política 
comercial dos membros da organização (Herz; Hoffmann, 2004). 
 Apesar de a OMC trazer essas inovações que contribuem na ampliação 
do papel da organização perante o regime de comércio, também é necessário 
salientar algumas críticas direcionadas à atuação da OMC no sistema 
internacional. Há duas principais críticas direcionadas à OMC: a primeira está 
ligada com a relação da organização e as demais Organizações Não 
Governamentais (ONGs). Algumas ONGs, principalmente àquelas que advogam 
de modo contrário aos efeitos da globalização, alegam que há pouca 
transparência entre a OMC e a sociedade civil. Ainda, se argumenta que a 
agenda liberalizante da organização contribui com a desigualdade econômica 
mundial. As ONGs não podem participar dos processos de negociação da OMC, 
mas, devido aos seus protestos, obtiveram acesso às plenárias das 
Conferências Ministeriais (Herz; Hoffmann, 2004). 
A segunda crítica é direcionada ao modo como a OMC enfrenta seus 
impasses nas rodadas de negociações. A polarização entre países 
desenvolvidos e em desenvolvimento é o principal causador desse impasse. Um 
exemplo é a criação do grupo G-21, liderado pelo Brasil, e que tem como objetivo 
 
 
9 
pleitear o fim dos subsídios agrícolas nos países desenvolvidos (Herz; Hoffmann, 
2004). Na próxima seção temática, a atuação dos países em desenvolvimento 
na OMC será analisada com maior profundidade. 
TEMA 4 – O PAPEL DOS PAÍSES EM DESENVOLVIMENTO E DAS COALIZÕES 
NA OMC 
A Rodada de Seattle, realizada em novembro de 1999, marcou um 
importante impasse nas negociações devido aos embates de interesses entre os 
países desenvolvidos e em desenvolvimento. Os Estados-membro não 
conseguiram lançar as negociações devido a esses pontos de discordância 
(Onuki; Agopyan, 2020). 
Apesar de terem se exacerbado no período dos anos 2000, as 
problemáticas entre países norte-sul são datadas desde o surgimento do Gatt. 
O próprio Gatt contou com a maioria de seus membros sendo Estados do norte 
global, visto que os países em desenvolvimento já criticavam o organismo por 
não levar em consideração as peculiaridades de suas economias (Mane, 2005). 
A partir desse contexto, viu-se a necessidade de ampliar as discussões do Gatt 
para que questões políticas comerciais fossem abordadas. Assim, a Parte IV do 
Gatt surgiu como uma forma de lidar com diferentes situações econômicas entre 
norte e sul. A Parte IV do Gatt apresentou cláusulas que endereçavam 
tratamento especial diferenciado para países em desenvolvimento (Mane, 2005). 
No âmbito da OMC, as cláusulas compensatórias para países em 
desenvolvimento foram reduzidas, mesmo havendo mais membros do Sul global 
em comparação ao Gatt. Num contexto de fim da Guerra Fria e expansão do 
liberalismo, o entendimento da OMC era de que o mero desenvolvimento 
comercial seria suficiente para reduzir a desigualdade econômica nas relações 
Norte-Sul (Mane, 2005). Assim, embates que tiveram papel importante em 
Seattle também marcaram a Rodada Doha, iniciada em 2001. Para os países 
em desenvolvimento, a rodada deveria enfatizar negociações nas áreas 
agrícolas e têxteis. Já para os países desenvolvidos, a prioridade era o 
desenvolvimento de uma agenda ampla de negociações (Onuki; Agopyan, 
2020). 
Para que os países em desenvolvimento pudessem negociar com mais 
eficácia, foram realizadas coalizões dentro do âmbito da OMC. Um exemplo 
paradigmático de um caso de sucesso em que uma coalização teve a seu favor, 
 
 
10 
foi a negociação sobre os regulamentos da propriedade intelectual na saúde 
pública. Nessa negociação, os países em desenvolvimento obtiveram sucesso 
ao tratar da quebra de patentes dos medicamentos usados para tratamento do 
HIV. Assim, houve uma garantia de que as quebras de patentes não resultariam 
numa punição comercial nos casos de saúde pública (Onuki; Agopyan, 2020). 
Além da da saúde pública, a agricultura também é um tema que converge 
os interesses dos países em desenvolvimentos e é confrontado pelos países do 
norte global. O Acordo de Agricultura da OMC foi negociado durante a Rodada 
Uruguai (1986-1994), que conta com medidas de auxílio aos produtores 
agrícolas e trata de questões sobre o acesso aos mercados internacionais. O 
acordo também está voltado às barreiras tarifárias existentes sob produtos 
agrícolas, com o intuito de diminuir impasses na regulamentação e os subsídios 
agrícolas (Onuki; Agopyan, 2020). O problema do subsídio agrícola se dá devido 
à distorção que ele pode causar no comércio internacional. Por exemplo, um 
Estado pode dar subsídios ao seu setor agrícola e baratear de forma artificial 
suas commodities, criando vantagem competitiva no mercado internacional. 
O exemplo emblemático de coalizão formada na OMC é o já citado G-20 
das nações em desenvolvimento, criado durante a Reunião Ministerial em 
Cancún, em 2003. Entre os membros, estão Estados como África do Sul, China, 
Índia, Argentina, Brasil e Turquia. A coalização possui um papel importante nas 
negociações, porque foi capaz de defender os interesses dos países em 
desenvolvimento nas negociações comerciais (Onuki; Agopyan, 2020). O tema 
central dos interesses do G-20 é a agricultura, buscando negociar a diminuição 
dos subsídios e das barreiras tarifárias e não tarifárias dos países desenvolvidos. 
Como um dos líderes do G-20, o Brasil busca avançar a problemática do 
acesso aos mercados pelos produtos agrícolas brasileiros dos demais países do 
sul global nas negociações comerciais. Entre outros temas que os países em 
desenvolvimento buscam solucionar, estão os subsídios das exportações e a 
barreira sanitária, que pode ser utilizada como barreira não tarifária para 
exportações dos países em desenvolvimento (Onuki; Agopyan, 2020). 
TEMA 5 – O BRASIL NA OMC: PRINCIPAIS CONTENCIOSOS 
Como demonstrado no tema anterior, a participação dos países em 
desenvolvimento é um aspecto crucial no âmbito da OMC. Por meio da formação 
de coalizões, esses países conseguem barganhar e pautar seus interesses de 
 
 
11 
forma mais eficaz do que tomando ações unilateralmente, e o sistema de 
resolução de controvérsias da OMC permite que os contenciosos comerciais 
sejam solucionados de forma diplomática. Neste tema, trabalharemos alguns 
dos principais contenciosos em que o Brasil fez parte. 
A importância das exportações de commodities na economia brasileira fez 
com que o Brasil fosse um dos membros mais atuantes no Órgão de Solução de 
Controvérsias da OMC, principalmente após a crise financeira de 2008. Isso 
porque após a crise os países desenvolvidos passaram a aumentar as barreiras 
tarifárias e não tarifárias aos produtos brasileiros (Geraldello, 2019). 
A participação ativa do Brasil no Órgão de Solução de Controvérsias está 
relacionada à natureza da política externa do governo de Fernando Henrique 
Cardoso e do governo de Lula, que embora com enfoques diferentes, ambos os 
governos deram prioridade ao multilateralismo frente aos acordos bilaterais. 
Nesse sentido, o Brasil passou a usar do fórum da OMC como meio de denuncia 
às práticas protecionistas assimétricas dos países desenvolvidos (Geraldello, 
2019). Entre 1995 e 2018, o Brasil abriu 32 contenciosos no Órgão de Solução 
de Controvérsias. Entre eles, 16 do setor agropecuário e 13 do setor industrial 
(Geraldello, 2019). Aqui, três casos serão destacados: os contenciosos do suco 
de laranja, do algodão e das patentes dos remédios de tratamento do HIV. 
Durante 1981 e 1982, o Brasil se tornou o maior produtor mundial de 
laranjas e de suco de laranja industrializado. Essa posiçãoveio após a queda da 
produção dos Estados Unidos devido a problemas climáticos. A partir dessa 
década, os Estados Unidos têm usado mecanismos protecionistas para dificultar 
a entrada do suco de laranja brasileiro em seu mercado e criar impasses 
comerciais ao produto brasileiro. Como consequência, o Brasil levou essa 
questão à OMC em dois períodos diferentes: 2002 e 2008 (Geraldello, 2019). 
O principal argumento dos Estados Unidos era de que o Brasil utilizava da 
prática de dumping no caso das exportações do suco de laranja. Essa prática 
ocorre quando um país vende seu produto externamente com valor muito abaixo 
do que é vendido internamente, criando uma competitividade desleal. Em 
contrapartida, o Brasil argumentou que a metodologia que os Estados Unidos 
estavam utilizando para calcular a prática de dumping era controversa 
(Lohbauer; Abrahão, 2011). O resultado desse contencioso veio em 2011, 
ocasião em que o Órgão de Solução de Controvérsias considerou que os 
 
 
12 
Estados Unidos estavam utilizando barreiras comerciais não compatíveis com o 
regime internacional e com as normas da OMC (Geraldello, 2019). 
A disputa do algodão envolveu mais uma vez Brasil e Estados Unidos. Em 
2003, a OMC concedeu um painel ao Brasil em que se questionava a legalidade 
dos subsídios dados aos produtores de algodão estadunidenses (Oliveira, 2007). 
A atuação brasileira se deu pelo Ministério das Relações Exteriores em conjunto 
com produtores brasileiros de algodão – que haviam demandado uma solução 
para essa problemática. O argumento brasileiro foi de que a Lei Agrícola dos 
Estados Unidos criava subsídios distorcendo o comércio internacional da 
commodity. Dessa forma, os Estados Unidos conseguiam uma parcela maior de 
compradores devido ao seu preço baixo (Oliveira, 2007). 
A equipe brasileira buscou provar aos mediadores da OMC que os 
Estados Unidos haviam concedido subsídios de uma quantia em torno de 
US$ 12,9 bilhões aos seus produtores de algodão, num período de quatro anos. 
Assim, um “valor muito além dos US$ 8 bilhões permitidos conforme 
compromissos assumidos durante a Rodada Uruguai” (Oliveira, 2007, p. 22). Em 
2004, a organização emitiu um parecer favorável ao Brasil, anunciando 
ilegalidade nos subsídios estadunidenses. 
Por fim, o contencioso sobre as patentes de remédios para tratamento do 
HIV também envolveu Brasil e Estados Unidos. Nesse caso, o Brasil se opôs aos 
laboratórios farmacêuticos estadunidenses, demandando a quebra das patentes 
dos medicamentos. Essas patentes criavam exclusividade de produção e 
comercialização de tais medicamentos. Dessa forma, o governo brasileiro 
argumentou que as questões de saúde pública deveriam se sobressair às 
questões de lucro dos laboratórios farmacêuticos (Oliveira, 2007). 
O início dessa disputa se deu com uma acusação feita pelos Estados 
Unidos ao Brasil, alegando que o país estaria desrespeitando acordos de 
propriedade intelectual internacionais. Isso ocorreu após a aprovação da lei 
brasileira n. 9.279/1996, que previa o uso de licença compulsória nos casos de 
emergência nacional ou interesse público (Oliveira, 2007). Dessa forma, em 
2001, os Estados Unidos pediram abertura de um painel no Órgão de Solução 
de Controvérsias da OMC. Em junho do mesmo ano, Estados Unidos e Brasil 
chegaram a um acordo considerado como vitória para o Brasil, pois os “Estados 
Unidos admitiram a possibilidade de quebra de patentes em questões de saúde 
pública de países em desenvolvimento” (Oliveira, 2007, p. 17). 
 
 
13 
Apresentar essa discussão é importante para compreender a 
característica multilateral da diplomacia brasileira. Nesse sentido, diante da 
OMC, o Brasil conseguiu pareceres favoráveis em disputas com países 
desenvolvidos e economicamente mais fortes. 
NA PRÁTICA 
O filme Batalha em Seattle, dirigido por Stuart Townsend, mostra o peso 
que os protestos contrários à OMC tiveram politicamente. Tais protestos 
ocorreram em 1999, durante a rodada da organização na cidade de Seattle, nos 
Estados Unidos. Assista ao trailer do filme e relacione pautas sociais e políticas 
tratadas por esses protestos com o papel da OMC na liberalização os comércios 
internacionais. No link <https://www.youtube.com/watch?v=6DTVLCGQmlE>, 
você pode acessar o trailer legendado. 
FINALIZANDO 
Nesta aula, buscamos apresentar a formação do regime internacional de 
comércio. Para isso, o contexto histórico de surgimento das instituições 
comerciais após a Segunda Guerra Mundial foi destacado e as mudanças nesse 
sistema, que culminaram com a formação da OMC, foram explicadas. Além 
disso, enfatizamos o papel dos países em desenvolvimento perante à OMC e a 
formação de coalizões. Por fim, discutimos a participação brasileira na 
organização em relação aos contenciosos. 
 
 
 
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REFERÊNCIAS 
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problemática entre os países do norte e do sul. In.: Âmbito Jurídico, Rio 
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