Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
Matheus dos Santos Correia UniFG – Medicina (Rodízio de Urgência e Emergência) 1 DEFINIÇÃO O trauma abdominal consiste em uma afecção prevalente que resulta em grande morbimortalidade e prejuízo econômico ao paciente e sociedade, tendo em vista a questão da violência urbana e os mecanismos de alta energia causados pelos acidentes automobilísticos. Vale ressaltar que a cavidade abdominopélvica é um potencial reservatório de sangramento não diagnóstico apenas pelo exame físico. TRAUMA ABERTO OU FERIDA ABDOMINAL Os principais causadores desse tipo de trauma são: acidentes de trânsito e quedas de grandes alturas (trauma contuso) e violência urbana (ferimentos por arma de foco e arma branca). Os traumas abertos podem ser causados por arma de fogo ou arma branca, sendo que sua decisão cirúrgica depende dos sinais óbvios: instabilidade hemodinâmica, peritonite e evisceração. Vítimas de arma de fogo apresentam o acometimento do intestino delgado (50%), cólon (40%), fígado (30%) e estruturas vasculares (25%). Neste momento, o cirurgião deve imaginar o trajeto do projétil para poder orientar sua procurar. Em pacientes estáveis podemos utilizar a TC para avaliação. Pacientes vítimas de arma branca apresentam menor probabilidade de lesão das vísceras abdominais, tendo com maior frequência o acometimento do fígado (40%), intestino delgado (30%), diafragma (20%) e cólon (15%). Quando não observamos indicações para laparotomia exploratória podemos lançar mão de exploração manual através da inserção do dedo na Matheus dos Santos Correia UniFG – Medicina (Rodízio de Urgência e Emergência) 2 ferida a fim de determinar a integridade das cavidades. Quando a cavidade abdominal não é violada podemos realizar a sutura da lesão e alta para o paciente. Por outro lado, quando a cavidade é violada ou há dúvida durante sua exploração, podemos observar e realizar o exame físico seriado do paciente. As feridas que acometem a transição toracoabdominal (limite superior linha entre os mamilos e posterior as escápulas) tem como principal estrutura acometida o diafragma o qual pode evoluir com hérnias traumáticas que consiste na evisceração para a cavidade torácica. Vale destacar que o comprometimento do diafragma está diretamente relacionado com fase do ciclo respiratório em que o trauma aconteceu. O melhor exame para visualização de tais lesões é a videolaparoscopia. TRAUMA FECHADO OU CONTUSÃO ABDOMINAL No trauma fechado as vítimas normalmente são submetidas à laparotomia, sendo que os principais órgãos envolvidos nas lesões são: baço, fígado e intestino delgado. Um adendo quanto as estruturas presentes no retroperitônio que podem ser lesionadas a depender da energia envolvida do trauma. Vale destacar que tais estruturas são de difícil acesso o que torna o trauma contuso uma “caixinha de surpresa”. Desse modo, concluímos que o trauma contuso se torna um enorme desafio terapêutico, pois não sabemos qual o grau das lesões através do exame físico. ACHADOS CLÍNICOS O reconhecimento das estruturas abdominais através da topografia se faz necessário durante a avaliação de um paciente vítima de trauma abdominal, pois já podemos suspeitar de possíveis órgãos acometidos. Durante o exame físico do paciente devemos nos atentar para inspeção, pois ela irá demonstrar lesões na pele que indique um mecanismo contuso do trauma, por exemplo, a lesão por cinto de segurança. Durante a palpação a presença de dor abdominal difusal ou localizada já nos direciona para a possibilidade de um órgão afetado. O movimento de defesa à descompressão brusca ou abdômen em tábua demonstra um processo de peritonite. Tais sinais e sintomas configuram o que chamamos de abdômen cirúrgico. • Sinal de Cullen — caracterizado por hematoma periumbilical, sugestivo de hemoperitônio, principalmente retroperitoneal. • Sinal de Laffont — definido por dor referida em ombro direito decorrente de irritação do nervo frênico pelo sangue, é outro sinal indicativo de hemorragia retroperitoneal. • Sinal de Jobert — pode ser útil e caracteriza-se por perda da macicez hepática na percussão. • Sinal de Fothergill — nos casos em que há suspeita de hematomas relacionados ao músculo reto, pode indicar massa na parede abdominal que não cruza a linha média e permanece palpável quando o músculo reto está contraído. Matheus dos Santos Correia UniFG – Medicina (Rodízio de Urgência e Emergência) 3 AVALIAÇÃO PRIMÁRIA DO TRAUMA ABDOMINAL A avaliação primária consiste no reconhecimento do mecanismo do trauma, as forças de lesão, a localização e o estado hemodinâmico do paciente. Por isso, a avaliação de vítimas de acidente automobilístico é necessário coletar as seguintes informações: • Velocidade do veículo; • Tipo de colisão; • Tipo de dispositivo de restrição utilizado; • Assento ocupado pela vítima; • As condições dos demais passageiros; • O tipo de arma; • A distância entre a vítima e o agressor; • Número de lesões; Uma vez que é sabido a cinemática do trauma iremos investigar a extensão da lesão do paciente. Em um contexto de instabilidade hemodinâmica o paciente vai diretamente para a laparotomia exploratória a fim de investigar a causa do choque hipovolêmico. Quando estamos diante de um trauma contuso podemos lançar mão de exame complementares como FAST ou lavado peritoneal diagnóstico. Os pacientes que apresentam um exame físico pouco confiável, devido o rebaixamento do nível de consciência, vítimas de politraumas e pacientes em hipotensão ou choque sem causa aparente são candidatos a tais procedimentos. O lavado peritoneal diagnóstico consiste na inserção de um cateter de diálise na cavidade do peritônio através de uma incisão ao nível da cicatriz umbilical. Para o exame ter resultado positivo devemos ter > 10 mL de sangue no aspirado ou após a infusão de 1000 mL de Ringer Lactato ou 10 mL/Kg na criança de solução aquecida e nos 200 mL aspirado vir resultado de bioquímica 100.000 hemácicas/mm³ ou mais 500 leucócitos/mm³ ou amilase acima de 175 U- dL, ou pesquisa positiva para bile ou Gram. O LPD apresenta uma sensibilidade de 98% para detecção de sangramento intra-abdominal em pacientes hipotensos. Por outro lado, dispomos de um exame de imagem rápido e prático: FAST o qual foi criado para substituir o LPD. Seu principal objetivo é identificar a presença de líquido livre na cavidade abdominal e saco pericárdico. Sua sensibilidade é de 74% e sua especificidade é de 96%. Vale lembrar que o exame pode ser realizado com o paciente instável, devido sua praticidade. Embora seja um exame bom e prático, apresenta limitações para visualização de retroperitônio e só detecta acúmulo de líquidos acima de 250 mL. O FAST utiliza quatro janelas para avaliação: 1- Janela hepatorrenal: a primeira janela observada no exame a qual costuma ser a mais sensível para identificar o acúmulo de líquido. Posicionando o transdutor na altura do 7°- Matheus dos Santos Correia UniFG – Medicina (Rodízio de Urgência e Emergência) 4 9° espaço intercostal em direção a cabeça do paciente visualizamos o espaço de Morrison (espaço entre o rim direito e fígado) e o rim direito. 2- Janela esplenorrenal: segunda janela observada, colocando o transdutor na altura do 5°-7° espaço intercostal em direção a cabeça do paciente. Podemos observar o baço e o rim esquerdo, sendo comum o acúmulo de líquido entre o diafragma e o baço. 3- Janela suprapúbica: coloca-se o transdutor acima do osso púbico para buscar a visualização sagital e transversal das estruturas abdominopélçevicas. Podemos observar a presença de líquido no recesso retovesical (homens) e recesso retouterino ou fundo do saco de Douglas (mulheres). A TC de abdômen com contraste é o principal exame para visualização das lesões com maior poder de detalhamento, entretanto, sem tanta visualização do retroperitônio. Noentanto, o paciente para ser submetido ao exame deve se apresentar estável. Matheus dos Santos Correia UniFG – Medicina (Rodízio de Urgência e Emergência) 5 Matheus dos Santos Correia UniFG – Medicina (Rodízio de Urgência e Emergência) 6 TRAUMA ESPLÊNICO O baço é o órgão mais lesado no traumatismo fechado de abdômen. Podemos suspeitar da lesão através do sinal de Kehr (dor subescabular à esquerda ou na presença de fratura de arcos costais à esquerda). Por se tratar de órgão importante para o sistema imune a sua preservação é fundamental e pode ser realizada a depender do grau de acometimento. Uma vez que encontramos sinais que indiquem a laparotomia exploratória (peritonite, instabilidade hemodinâmica com LPD ou FAST positivo, graus IV e V e coagulopatias) a esplenectomia total é realizada. Um adento importante: pacientes esplenectomizados devem ser submetidos à imunização para prevenção pneumocócicas, meningocócicas e por Haemophillus influezae tipo B. TRAUMA HEPÁTICO O trauma hepático é o mais comum em situações que há perfuração do abdômen, enquanto que na contusão é o segundo. De forma semelhante ao esplênico através do exame de imagem (TC) podemos graduar o nível de lesão do fígado a fim de conduzir para um tratamento conservador ou cirúrgico. Em condições drásticas que não conseguimos identificar a origem do sangue quando estamos diante de uma laparotomia, podemos realizar a Manobra de Pringle (clampleamento do ligamento hepatoduodenal – colédoco, artéria hepática e veia porta). Caso o sangramento cesse confirmamos que a sua origem era arterial. Matheus dos Santos Correia UniFG – Medicina (Rodízio de Urgência e Emergência) 7 TRAUMA DO DUODENO O trauma de duodeno normalmente está relacionado a um trauma contuso na região de abdômen superior, por exemplo, criança que sofreu acidente com bicicleta com o guidão. Geralmente devemos pesquisar através do exame clínico sinais e sintomas de retropneumoperitônio: dor lombar e em flanco com irradiação até escroto e crepitação ao toque retal. Geralmente observamos o aumento dos níveis de amilase. Um sinal radiológico comum do hematoma duodenal é o “empilhamento de moedas” ao exame contrastado. Matheus dos Santos Correia UniFG – Medicina (Rodízio de Urgência e Emergência) 8 TRAUMA DO PÂNCREAS O pâncreas apresenta uma localização retroperitônial, sendo raramente acometido durante um trama, mas devemos suspeitar de sua lesão frente a acidentes automobilísticos e de arma de fogo. Sua contusão acontece quando há compressão do órgão em uma estrutura rígida, como volante ou cinto de segurança. Uma vez lesionado o pâncreas “derrama” suas enzimas no retroperitônio, resultando em um processo inflamatório que acontece mais tardiamente. Como o grande número de pacientes com lesão do pâncreas apresentam outras lesões graves o diagnóstico de lesão pancreática é alcançado através de laparotomia exploratória. Mesmo assim, a TC helicoidal permite uma visualização do órgão, embora sua sensibilidade seja de 60-80%. Observamos ainda a elevação da amilase sérica, mas a mesma não apresenta tanta especificidade. Matheus dos Santos Correia UniFG – Medicina (Rodízio de Urgência e Emergência) 9 O trauma pancreático normalmente é cirúrgico, principalmente o grau III, quando observamos o envolvimento do ducto pancreático principal. Contudo, a presença de estabilidade hemodinâmica autoriza a conservação do órgão. TRAUMA DO TRATO URINÁRIO A lesão de uretra está associada a fraturas pélvicas ou queda de cavaleiro, sendo a masculina a mais acometida pelo seu maior tamanho. A identificação da lesão se dá pela tríade clássica: uretorragia, retenção vesical e globo vesical palpável. O cateterismo vesical é contraindicado frente a presença de lesão na uretra, sendo indicado uma uretografia retrógrada ou cistostomia. O rim é um órgão localizado no retroperitônio, sendo raramente acometido durante um trauma. A suspeição de acometimento renal deriva da presença de hematúria, dor abdominal em região lombar, presença de equimoses em flancos. Os pacientes devem ser avaliados através de uma TC (os estáveis), com contrates em três fases: arterial, venosa e excretora). A lesão de bexiga é a mais frequentes após um trauma fechado, podendo ter ruptura extraperitoneal ou intraperitoneal. As extraperitoneais resultam em perfurações por fragmentos ósseos adjacentes aos ossos fraturados da pelve, enquanto as intra a beixiga está repleta de Matheus dos Santos Correia UniFG – Medicina (Rodízio de Urgência e Emergência) 10 urina. Um dos sinais da lesão de bexiga é a hematúria. O diagnóstico pode ser via cistografia. As lesões intraperitoneais são corrigidas através de sutura, enquanto as extras o tratamento é conservador. FRATURAS PÉLVICAS A fratura de pelve é resultado de forças compressivas externas que podem agir em três direções: anteroposterior, lateral e vertical. Tais forças podem causar fraturas resultando em instabilidade do anel pélvico quando a abertura da sínfise púbica é maior que 2,5 cm. São fraturas denominadas “em livro aberto”. Matheus dos Santos Correia UniFG – Medicina (Rodízio de Urgência e Emergência) 11 TRAUMA VASCULAR A lesões vasculares são divididas em três zonas: - Zona 01: localiza na linha médias, sendo ocasionados por lesões da aorta ou de seus ramos principais. Lesão nessa região é considerada grave, demandando abordagem cirúrgica imediata. - Zona 02: localizada lateralmente próximo a loja renal, estando presentes os vasos renais e seu parênquima. Uma lesão penetrante nessa zona pode ser explorada cirurgicamente, enquanto que uma contusão pode ser analisada através de exame, não devendo ser explorado para não aumentar o volume de sangramento. - Zona 03: corresponde a pelve que normalmente não deve ser explorada cirurgicamente, devido o destamponamento realizado através da compressão com lençol. Matheus dos Santos Correia UniFG – Medicina (Rodízio de Urgência e Emergência) 12 SÍNDOME COMPARTIMENTAL
Compartilhar