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1 Luana Mascarenhas Couto 18.2- EBMSP Lúpus Eritematoso Sistêmico (LES) Introdução O LES é uma doença autoimune multissistêmica crônica, cuja característica marcante é o desenvolvimento de focos inflamatórios em vários tecidos e órgãos. A doença evolui com períodos de exacerbações e remissões, comprometendo a pele (dermatite), articulações (artrite), serosas (serosite), glomérulos (glomerulites) e o SNC (cerebrite). O LES tem patogênese centrada na produção de múltiplos autoanticorpos, ou seja, possui uma forte participação humoral. Acredita-se, inclusive, que o LES envolve uma interação entre fatores genéticos e ambientais. - Deficiência de componentes iniciais da cascata do completo; - Deficiência do receptor FC de imunoglobulinas; - Exposição aos raios ultravioletas; - Tabagismo; - Estrogênios: são imunoestimulantes, o que aumenta a atividade dos linfócitos B Logo predomina em mulheres em idade fértil; - Lúpus farmacoinduzido: hidralazina, Isoniazida, fenitoína, metildopa; - Associação entre doenças virais e LES: CMV. Epidemiologia: É uma doença que acomete principalmente mulheres jovens (15-45 anos), durante a idade fértil, mas pode ocorrer em qualquer idade. Manifestações Clínicas O LES pode começar de forma aguda ou insidiosa, mas é por definição, uma doença crônica, remitente e recidivante. Os sintomas constitucionais são bastante frequentes, como mal-estar, fadiga, queda do estado geral, febre, perda ponderal. Os locais mais caracteristicamente envolvidos na LES são: - Pele: as lesões de pele do LES podem ser classificadas como específicas e não específicas, sendo essas primeiras ainda divididas em aguas, subagudas e crônicas. Específicas: Agudas: a lesão mais característica é a erupção malar em asa de borboleta, que muitas vezes é precipitada pela exposição solar. Além da erupção malar, temos a Fotossensibilidade, definida pelo surgimento de erupção cutânea eritematosa logo pós a exposição aos rádios solares; Subagudas: cursa com lesões cutâneas eritematosas descamativas difusas, não ulcerativas, predominando em MMSS e tronco. Além disso, o lúpus subagudo pode se apresentar como erupção papuloescamosa que simula psoríase. Além disso, a erupção lúpica que se desenvolve nas mãos, poupando as articulações interfalangeanas (Sinal de Gottron); Crônicas: a principal lesão cutânea crônica do LES é o lúpus discoide, de modo que esta condição predomina na face, pescoço e couro cabeludo, sendo caracterizada por placas eritematosas, infiltradas e hiperpigmentadas, que evolui com uma cicatriz atrófica, principalmente no centro da lesão. Ademais, outra manifestação crônica do Lúpus é a Paniculite de Kaposi, caracterizada pela presença de nódulos firmes e dolorosos no tecido subcutâneo (causado por vasculite). OBS: O lúpus discoide costuma deixar sequelas cicatriciais, incluindo alopecia irreversível. Além disso, aumenta o risco de carcinoma epidermoide da pele. OBS: A biópsia não é obrigatória em todos os portadores de lúpus, devem-se realizar apenas nos casos atípicos, onde há dúvida diagnóstica. 2 Luana Mascarenhas Couto 18.2- EBMSP Não específicas: Alopécia discoide: é muito comum no LES, sendo geralmente reversível com o controle da atividade da doença; Vasculite cutânea: manifesta-se com lesões purpúrica ou petéquias; Livedo reticular: é caracterizado pela presença de vasoespasmos das arteríolas da derme, resultando em um clássico aspecto escamoteado da pele; Telangectasias; Fenômeno de Raynauld: manifesta-se pela palidez-cianose-rubor nos dígitos; Lúpus bolhoso; Úlceras de mucosas: ocorrem no palato, lábios e vagina, são indolores. - Articulações: quase todos os pacientes com LES apresentam poliartralgia e mialgias. Artrite lúpica: costuma seguir um padrão simétrico, distal e migratório (envolve principalmente mãos, punhos e joelhos), geralmente não envolve deformidades articulares; Artropatia de Jacoud: ocorre uma artrite associada à deformidade, que retorna ao normal transitoriamente quando manipulado (diferentemente da artrite reumatoide); Osteonecrose: deve ser suspeitada em pacientes lúpicos que se apresentam com dores persistentes em poucas topografias articulares; Miopatia/Miosite: pode ser oriunda da própria doença ou devido uso de corticoides e hidroxicloroquina. - Rins: constitui 1 dos 11 critérios utilizados para diagnóstico de lúpus, sendo evidenciado pelo achado de: Proteinúria > 500 mg/24 horas OU > 3 cruzes no EAS E/OU Cilindros celulares no sedimento urinário. Envolve a deposição de imunocomplexos, ativação de complemento e Nefrite Tubulointersticial (NIA). OBS: Classificação histopatológica da Glomerulopatia lúpica: - Membranas serosas: Pulmonares: Pleurite lúpica: dor pleurítica é o mais comum; Derrame pleural: pode ser unilateral ou bilateral, composto por exsudato e glicose normal; Pneumonite: pode cursar com febre, tosse, dispneia, hemoptise e no RX iremos encontrar infiltrado alveolar difuso principalmente em bases; Fibrose pulmonar; Trombose venosa profunda/TEP; Síndrome do pulmão contraído: é uma entidade rara, na qual os pacientes desenvolvem queixas de dispneia com RX com elevação da cúpula diafragmática Deve-se a fraqueza diafragmática pela miosite lúpica. 3 Luana Mascarenhas Couto 18.2- EBMSP Cardíacas: Pericardite: apresenta-se com dor pericárdica e derrame pericárdico; Miocardite: pode-se manifestar-se como taquicardia sinusal ou taquipneia aos esforços, associada ao aumento da área cardíaca e sinais inespecíficos no ECG; Endocardite de Libman-Sacks: é uma forma verrucosa e não bacteriana de endocardite, que acomete principalmente a valva mitral. Coronariopatia: pode provocar IAM. TGI: quando há dor abdominal difusa associada ou não a descompressão dolorosa, deve-se pensar em: Peritonite; Vasculite mesentérica: pode ser complicada por infarto intestinal, evoluindo com perfuração e peritonite generalizada; Pancreatite. - SNC: Psiquiátricas: Disfunção cognitiva; Psicose lúpica (critério diagnóstico da doença): manifesta-se no 1º ano da doença como um quadro de delirium, com estado confusional, ilusões persecutórias, alucinações auditivas ou visuais ESTÁ ASSOCIADA AO ANTI-P. Neurológicas: Cefaleia: é a manifestação típica, podendo ser do tipo enxaqueca ou tensão; AVCI; Meningite asséptica. - Hematológicas: as manifestações hematológicas são frequentes nos pacientes com doença ativa. Anemia normocítica-normocrômica: é causada pela eritropoiese deficitária; Anemia hemolítica autoimune: o mecanismo é a ligação de autoanticorpos antifator RH na membrana das hemácias, estimulando a fagocitose pelos macrófagos; Trombocitopenia leve; Leucopenia autoimune: leucócitos < 4000= critério diagnóstico de LES; Linfopenia: linfócitos < 1500. - Oculares: Ceratoconjuntivite seca (SÍNDROME DE SJOGREN); Episclerite ou esclerite; Vasculite retiniana: pode causar amaurose por isquemia ou hemorragia. Manifestações laboratoriais inespecíficas: Os pacientes com LES podem desenvolver várias alterações laboratoriais, sendo elas: - Anemia: normo-normo; - Aumento de VHS; - Proteína C normal ou pouco elevada; - Hipocomplementenia: redução do CH50, C3 e C4 séricos. Diagnóstico O diagnóstico de LES é baseado nos Critérios de SLICC, de modo que é preciso 4 ou mais dos 17 critérios, sendo pelo menos 1 critério clínico e pelo menos 1 critério imunológico OU baseado em uma biopsia demonstrando nefrite lúpica + positividade para FAN e/ou anti-DNA. 4 Luana Mascarenhas Couto 18.2- EBMSP Manifestações laboratoriais Específicas: - Fator antinuclear(FAN): pode ser usado como teste de triagem, considerado significativo > 1:80 (sensível, porém pouco específico); - Antinucleares: Anti-DNA: é bastante específico para LES, possuindo uma importante relação com a atividade da doença. Anti-SM:é altamente específico para LES, sendo considerado o mais específico da doença; Anti-RNP: altos títulos deste anticorpo estão associado à Doença Mista do tecido conjuntivo; Anti-RO: geralmente apresenta-se em conjunto com o ANTI-LA. Gestante lúpicas com anti-RO positivo têm chance aumentada de terem filho com bloqueio cardíaco congênito ou lúpus neonatal; Anti-LA; Anti-histonas: está associado ao LES induzido por drogas; - Anticitoplasmáticos: Anti-P: estão associados à psicose lúpica e depressão. - Antimembrana celular: Anticorpo antilinfócito: Anti-hemácia: Anti-platqueta: Anti-neuronais. - Antifosfolipídio: é composto por 3 elementos, sendo o marco laboratorial da Síndrome Antifosfolipídeo. Anticoagulante lúpico: Anticardiolipina; Anti-B2-glicoproteína 1. Tratamento do Lúpus O tratamento visa controle dos sintomas, prevenção e/ou redução das complicações e aumento da sobrevida do paciente. Medidas gerais Os portadores de LES precisam: - Repouso relativo: 10 horas de sono por noite, de modo que quanto mais ativa a doença, maior necessidade de repouso, pois pior é a fadiga; - Uso de protetor solar; - Monitorização e controle da PA, glicemia e perfil lipídico: uma vez que possuem um risco cardiovascular aumentado; - Cessar tabagismo. Antimaláricos Os antimaláricos, ou seja, Hidroxicloroquina (até 400 mg/dia ou 5 mg/kg/dia 3x/semana) ou Cloroquina(250-500 mg/dia) são utilizados com bons resultados no controle das manifestações de pele. - Importante realizar exame oftalmológico inicial e depois anual (trimestral de Cloroquina) deve ser realizado, uma vez que a toxicidade retiniana é associada a esses fármacos. AINES Os AINES auxiliam no controle das manifestações musculoesqueléticas e atuam nas serosite. Porém, no menor sinal de Nefrite lúpica, os AINES devem ser interrompidos. Corticoesteroides 5 Luana Mascarenhas Couto 18.2- EBMSP Representam a pedra angular da terapêutica do lúpus, podendo ser usado de maneira tópica ou parenteral. Importante salientar que os pacientes com LES possuem risco aumento para osteoporose, tanto pela baixa exposição ao sol, como pelo uso de corticoides, dessa forma, recomenda- se reposição de cálcio (1500 mg/dia) e vitamina D (800U/dia). Além disso, o uso de bisfosfonatos em dose profilática (Alendronato 35 mg/semana) deve ser utilizado naqueles pacientes que fazem uso de corticoide > 5 mg/dia por mais de 3 meses. Outra medida importante é devido o uso de corticoide em dose de Pulsoterapia que aumenta o risco de Estrongilodíase disseminada, logo se deve utilizar Ivermectina 200 mcg/kg por 2 dias. Citotóxicos/Imunossupresores Drogas como Ciclofosfamida, micofenolato e Azatioprina (possui menos eficácia, devendo-se ser utilizado em casos de intolerância as outras 2 drogas já citadas) são empregadas em associação aos corticoides no tratamento das manifestações mais graves, como as glomerulonefrites. - Efeitos adversos: Ciclofosfamida: cistite hemorrágica, fibrose e transformação neoplásica das células epiteliais da bexiga, toxicidade à medula óssea, azospermia e toxicidade ovariana; Micofenolato: diarreia, supressão medular (anemia, leucopenia e trombocitopenia) e infecções oportunistas; Azatioprina: efeitos parecidos com micofenolato. Belimumab É um anticorpo monoclonal que inibe a atividade do fator estimulador de linfócitos B, citocina envolvida na patogênese do LES. Dose é de 10 mg/kg, IV, a cada 2 semanas nos 3 primeiros ciclos e depois 10 mg/kg IV mensal. Porém, seu uso ainda não é recomendado. Tratamento do LES em cada situação específica Lúpus cutâneo: Lesões bem localizadas devem ser tratadas com corticoesteroides tópicos. Em casos refratários ou se lesão cutânea extensa deve-se associar terapia sistêmica + antimaláricos (Droga de escolha: Hidroxicloroquina 400 mg/dia). Nos casos refratários aos antimaláricos, as opções são Prednisona sistêmica < 0,5 mg/kg/dia Ou talidomida 100-200 mg, VO/dia. Lúpus articular e muscular: As artralgias, artrites e mialgias respondem bem aos AINES, como Ibuprofeno e Diclofenaco. Nos casos refratários pode- se lançar mão da Prednisona em doses baixas/moderadas (7,5 mg/dia até 30 mg/dia) ou iniciar os antimalárico. Serosite lúpica: A pleurite, pericardite e derrames serosos devem ser tratados com AINES ou corticoesteroides em doses anti-inflamatórias (< 0,5 mg/kg/dia). Formas graves: As principais formas de LES graves são: Nefrite, Acometimento do SNC, miocardite, pneumonite, vasculite sistêmica, anemia imuno-hemolítica e trombocitopenia. A base do tratamento envolve a imunossupressão com altas doses de corticoesteroides associados ou não aos citotóxicos: - Corticoesteroides: Prednisona 1-2mg/kg/dia, VO; - Pulsoterapia: Metilprednisolona IV, 1 g/dia 3x/dia; - Citotóxicos: Ciclofosfamida: 1-3 mg/kg/dia, VO; Micofenolato: indução 2-3 g/dia; 1,5-2 g/dia na manutenção; Azatioprina: 2-3 mg/kg/dia. - Lúpus renal: deve-se utilizar: Casos leves: Prednisona 0,5 mg/kg/dia, VO; Casos graves: Prednisona 1-2 mg/kg/dia, VO. Citotóxicos: a abordagem é dividida em: Indução da remissão: a droga de escolha é Ciclofosfamida, em pulsos mensais durante 3 meses. Manutenção da remissão: as drogas de escolhas são Micofenolato ou Azatioprina por 18-24 meses. Controle da HAS e glicemia e da lipemia e da proteinúria, através do uso de IECA ou BRA. - Lúpus do SNC: deve ser tratada com: Prednisona em altas doses ou Pulsoterapia com Metilprednisolona (A psicose que surge devido uso de corticoide surge quando a dose ultrapassa 40 mg/dia nas primeiras semanas de tratamento). Para os fenômenos tromboembólicos deve-se fazer anticoagulação plena com heparina ou Varfarina. 6 Luana Mascarenhas Couto 18.2- EBMSP Lúpus e gravidez: Primeiramente devemos considerar a gravidez e alto risco, por isso, recomenda-se que mulheres com LES só devam engravidar após um período de pelo menos 6 meses de remissão da doença e naquelas com nefrite lúpica devem ser desaconselhadas a engravidar. OBS: Naquelas pacientes que o feto desenvolve BAV congênito deve-se tratar com glicocorticoides com flúor, uma vez que estes resistem ao metabolismo placentário, sendo eles: Betametasona ou Dexametasona. Durante a gravidez, o tratamento dos sinais e sintomas do LES deve ser com AINES, corticoides e Hidroxicloroquina. - Lúpus e contracepção: os contraceptivos orais com estrógenos em doses altas aumentam o risco de exacerbações do LES, porém em baixas doses ( < 35 mcg) podem ser bem tolerados. O DIU deve ser evitado pelo risco de hemorragia e infecção. Já os contraceptivos progestágenos podem ser usados sem restrições. Lúpus farmacoinduzido: São pessoas que produzem manifestações clínicas parecidas com o LES, que apesar de semelhante, possui diversos aspectos clínicos e laboratoriais diferentes. Os 3 principais fármacos envolvidos são: Procainamida, Hidralazina e D-penicilamina. Clinicamente, o lúpus farmacoinduzido não demonstra preferência por sexo ou faixa etária. Além disso, a doença é mais branda, geralmente não acometendo rins ou SNC. Do ponto de vista laboratorial não são encontrados o Anti- DNA dupla hélice e nem o Anti-SM (O FAN é positivo e os anticorpos anti-histonas são presentes). O diagnóstico deve ser suspeitado no paciente que faz uso de uma das drogas citadas por mais de 1 mês e que evolui com quadro de mal-estar, fadiga, mialgia, artralgia, febre, rash e/ou serosite. Além disso, a confirmação diagnóstica é difícil, geralmenterequer a suspensão da droga e observar se há melhora dos sintomas. Ademais, a ausência de autoanticorpos específicos, associado à presença de anti-histona reforça a hipótese. O tratamento envolve a suspensão da droga, podendo ser necessário o uso de AINES ou antimalárico ou corticoide em baixa dose (em pacientes com serosite refratária).
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