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Artigo_110

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Aplicação das medidas protetivas da 
Lei Maria da Penha em favor do 
homem 
 
Iara Boldrini Sandes 
 
Advogada e Professora de Direito Penal 
 
 
Introdução 
Em 07 de agosto de 2006 entrou em vigor a Lei de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher (Lei 
11.340/2006), também conhecida como Lei Maria da Penha[01]. Essa Lei buscou tutelar de forma específica a mulher 
vítima de violência doméstica, familiar e de relacionamento íntimo, em decorrência de vários movimentos em sua 
defesa e por todo o contexto histórico e social de violência na qual ela é vítima, criando mecanismos para coibir e 
prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8º do art. 226 da CF/88, da Convenção 
sobre a Eliminação de Todas as Formas de Violência contra a Mulher, da Convenção Interamericana para Prevenir, 
Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher e de outros tratados internacionais ratificados pela República Federativa 
do Brasil. A Lei dispõe ainda sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher e 
estabelece medidas de assistência e proteção às mulheres em situação de violência doméstica e familiar. 
Reside-se aí a chamada tutela em favor da mulher, não por razão do sexo, e sim em virtude do gênero. 
Entende-se como diferença de gênero aquela decorrente da sociedade e da cultura que coloca a mulher em situação 
de submissão e inferioridade, tornando-a vítima da violência masculina. 
Questiona-se a constitucionalidade da Lei uma vez que fere o Princípio da Isonomia consubstanciado no 
art. 5º, inciso I da CF/88, pois a Lei Maria da Penha visa à proteção exclusiva da mulher que sofre de violência em 
todos os seus aspectos (física, psicológica, sexual, patrimonial e moral). As diferenças de tratamento criadas pela 
sociedade e pela cultura justificam a constitucionalidade da Lei, não ferindo o Princípio da Isonomia que é não somente 
formal, mas também material. 
A Lei elenca um rol de medidas protetivas para assegurar a mulher o direito a uma vida sem violência. 
Contudo, as medidas protetivas da Lei Maria da Penha merecem ser aplicadas as vítimas de violência em 
seu âmbito doméstico, familiar ou de relacionamento íntimo, mesmo que não seja somente a mulher, desde que 
demonstrada situação de risco ou de violência decorrente daquelas modalidades. 
http://jus.com.br/revista/autor/iara-boldrini-sandes
 
Violência de gênero, sujeito passivo e sujeito ativo da Lei Maria a Penha 
Cunha e Pinto [02] explicam que de acordo com a Lei 11.340/2006, entende-se por violência doméstica e 
familiar toda a espécie de agressão (ação ou omissão) dirigida contra a mulher (vítima certa), num determinado 
ambiente (doméstico, familiar ou de intimidade), baseada no gênero, que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, 
sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial. 
Essa Lei trouxe um tratamento jurídico diverso ao do tratamento dado no Código Penal quando a pessoa 
sofre algum tipo de violência, limitando, quanto a sua aplicação, o sujeito passivo (vítima), que é somente a mulher. 
Mas, não se pode deduzir que somente a mulher é potencial vítima de violência doméstica, familiar ou de 
relacionamento íntimo. Também o homem pode sê-lo, conforme se depreende da redação do § 9º do art. 129 do 
Código Penal, que não restringiu o sujeito passivo, abrangendo ambos os sexos [03]. O que a Lei limita são as medidas 
de assistência e proteção, estas sim aplicáveis somente à ofendida (vítima mulher). Nesse caso, a mulher (ofendida) 
passou a contar com a nova Lei, não somente de caráter repressivo, mas, também, preventivo e assistencial, criando 
mecanismos aptos a coibir as modalidades de agressão (violência). [04] 
Dessa forma, a Lei criou mecanismos para coibir as formas de violência em seus âmbitos doméstico, 
familiar ou de relacionamento íntimo, buscando especificamente a tutela da mulher (sujeito passivo), não por razão do 
sexo, e sim em virtude do gênero. A diferença de gênero corresponde aquela que decorre da sociedade, da cultura e 
não especificamente do substrato biológico do ser humano (diferença biológica – sexo - entre homens e mulheres). As 
mudanças da sociedade formam um contexto diverso tanto para o homem quanto para a mulher, definindo-se o 
gênero, gerador da violência machista dos homens sobre as mulheres. 
Souza traduz em sua obra o conceito de sujeito passivo e sujeito ativo, trazendo para esse último duas 
correntes doutrinárias. A Lei, em várias partes de seus dispositivos e especialmente em seu preâmbulo, deixa claro que 
o sujeito passivo reconhecido por ela é apenas a mulher que tenha sido vítima de agressão decorrente de violência 
doméstica, familiar ou de relacionamento íntimo. [05] 
Tanto a mulher que já não mais conviva com a pessoa responsável pela agressão, quanto aquela que 
nunca tenha convivido, mas que tenha mantido ou mantenha uma relação íntima com o agressor ou agressora, desde 
que a violência decorra de alguma dessas relações, podem figurar no pólo passivo, não importando que ocorra 
somente no âmbito doméstico, podendo ser até mesmo fora dele. [06] 
Quanto ao sujeito ativo, há divergências doutrinárias quanto à pessoa que pode figurar como autor nos 
crimes abrangidos por essa Lei. Uma primeira corrente defende que, por se tratar de crime de gênero e cujos fins 
principais estão voltados para a proteção da mulher vítima de violência doméstica, familiar ou de relacionamento 
íntimo, no pólo ativo pode figurar apenas o homem e, quando muito, a mulher que, na forma do § único do art. 5º da 
Lei, mantenha uma relação homoafetiva com a vítima. [07] 
Já a segunda corrente, que é a defendida por Souza [08], entende ser a mais coerente, pois dá menos 
ensejo a possíveis questionamentos quanto à questão da constitucionalidade, já que trata igualmente homens e 
mulheres quando vistos sob a ótica do pólo ativo, resguardando a primazia à mulher apenas enquanto vítima. 
Portanto, essa segunda corrente defende que a ênfase principal da presente Lei não é a questão do 
gênero, tendo o legislador dado prioridade à criação de "mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica e 
familiar contra a mulher", sem importar o gênero do agressor, que tanto pode ser homem, como mulher, desde que 
esteja caracterizado o vínculo de relação doméstica, familiar ou de afetividade. [09] 
Hoje, defendemos uma terceira corrente que trata a Lei como uma Lei de gênero, por isso que existiu para 
proteger a mulher, que é a que mais sofre dentro de um contexto social e cultural, podendo suas medidas protetivas 
ser aplicadas em favor de qualquer pessoa (sujeito passivo) desde que comprovado que a violência teve ocorrência 
dentro de um contexto doméstico, familiar ou de relacionamento íntimo, podendo ser tanto homem quanto mulher. 
Dias [10] prevê a possibilidade de o sujeito passivo não ser necessariamente a mulher quando a Lei prevê 
mais uma majorante ao crime de lesão corporal em sede de violência doméstica (consubstanciado no art. 129, § 11 do 
Código Penal), se o crime for cometido contra pessoa portadora de deficiência. Justifica que seja de qual sexo for o 
deficiente físico (diga-se, homem ou mulher), sendo alvo de lesão corporal, a pena de seu agressor será aumentada de 
um terço. 
Nossa finalidade, diferentemente do posicionamento acima, é em considerar como sujeito passivo tanto 
homem quanto a mulher, independentemente de se tratar de pessoa portadora de deficiência, caminhando de acordo 
com a terceira corrente defendida. 
Atualmente, para dar efetividade a Lei, trazendo-se mais garantias aos sujeitos passivos das relações 
domésticas, familiares e de relacionamento íntimo, é que tanto a doutrina (conforme a nossa terceira corrente adotada), 
jurisprudência e o mais importante, as autoridades competentes, com o poder de execução de suas atividades em prol 
daquele que as necessita, atuam de forma positiva diante das novas necessidades que surgem. 
A Lei 11.340de 2006 surgiu, como uma forma justa e extremamente necessária, para coibir e prevenir a 
mulher (sujeito passivo), vítima de violência no âmbito de suas relações. Só que acontece que, não somente a mulher, 
mas também o homem tornou-se potencial vítima dessa violência, razão pela qual a nomenclatura "sujeito passivo" 
também passou a ser dada a ele, em casos excepcionais, conforme analisaremos. 
 
Constitucionalidade da Lei Maria da Penha 
Referida Lei é questionada sobre a sua constitucionalidade, uma vez que, num primeiro momento, parece 
discriminatória em relação ao homem, tratando a mulher como "eterno" sexo frágil, deixando desprotegido o homem.[11] 
Apesar das várias teses existentes fomentarem a inconstitucionalidade da Lei, não é o que prevalece na 
doutrina. A Lei Maria da Penha teve como finalidade tutelar a mulher que sofre de violência em todos os seus aspectos, 
decorrente de fatores sociais e culturais. Justificando, assim, a sua constitucionalidade. 
Cunha e Pinto [12] pensam que "uma interpretação conforme pode fomentar a sua aplicação, como exigem 
estatísticas que demonstram a situação de verdadeira calamidade pública que assumiu a agressão contra as 
mulheres". 
Dias [13] pensa que para as diferenciações normativas serem consideradas não discriminatórias, é 
indispensável que exista uma justificativa objetiva e razoável [14], não faltando justificativas para que as mulheres 
recebam atenção diferenciada. O modelo conservador da sociedade coloca a mulher em situação de inferioridade e 
submissão tornando-a vítima da violência masculina, pois tais fatos não decorrem de razões de ordem social e cultural, 
se fazendo necessárias equalizações por meio de discriminações positivas, medidas compensatórias que visam 
remediar as desvantagens históricas, conseqüências de um passado discriminatório. [15] 
A Lei deve ser aplicada e interpretada de forma favorável e rápida a prevenção e repressão da violência, 
que decorre da diferença de tratamento que a sociedade e cultura criaram em relação ao homem e a mulher, aos quais 
justificam a constitucionalidade das medidas protetivas previstas na Lei. 
 
A Lei Maria da Penha e o Princípio da Igualdade 
Importante demonstrar o que se entende por Princípio da Isonomia (ou Princípio da Igualdade) e seus 
desmembramentos em igualdade formal e material. Esse Princípio significa dar tratamento igual aos iguais e desigual 
aos desiguais, na medida da sua desigualdade. Contudo, no texto da CF/88, esse Princípio é enunciado com referência 
à Lei em que todos são iguais perante a Lei. A doutrina construiu uma diferença entre a igualdade na lei e a igualdade 
diante da lei. A primeira tendo como destinatário precípuo o legislador, a quem seria vedado valer-se da lei para fazer 
discriminações entre pessoas que mereçam idêntico tratamento; a segunda, dirigida principalmente aos 
intérpretes/aplicadores da Lei, impedir-lhes-ia de concretizar enunciados jurídicos dando tratamento distinto a quem a 
lei encarou como iguais. [16] 
Lenza [17] diz que se deve buscar não somente essa aparente igualdade formal (consagrada no liberalismo 
clássico), mas, principalmente, a igualdade material, na medida em que a lei deverá tratar igualmente os iguais e 
desigualmente os desiguais, na medida de suas desigualdades. Isso porque, no Estado Social que efetiva os direitos 
humanos, imagina-se uma igualdade mais real perante os bens da vida, diversa daquela apenas formalizada perante a 
Lei. 
Toda essa proteção trazida pela Lei Maria da Penha para a mulher não feriria o Princípio da Isonomia, pois 
esse princípio não é somente formal, senão sobretudo material. Em matéria de violência de gênero a mulher é desigual 
em relação ao homem, devendo ser tratada de maneira diferente. Não existe uma discriminação odiosa, não 
justificada, em favor da mulher. Ao contrário, é com as medidas protetivas da Lei que se busca o equilíbrio. Pois a 
mulher, no contexto cultural em que vive, necessita dessa proteção, porque ela é a que mais sofre. [18] 
Seguindo essa idéia, a Lei não fere o Principio da Isonomia expresso no caput do art. 5º da CF/88, pois 
visa proteger as mulheres que sofrem com a violência dentro ou fora de seus lares. Por esse mesmo fundamento a Lei 
não fratura também o disposto no inciso I, do art. 5º da CF/88 que diz que homens e mulheres são iguais em direitos e 
obrigações, porque o tratamento favorável à mulher está legitimado e justificado por um critério de valoração, para 
conferir equilíbrio existencial, social etc. ao gênero feminino. É a igualdade material e não só a formal em abstrato 
perante o texto da Constituição. [19] 
Portanto, a Lei é constitucional porque serve à igualdade de fato e como fator de cumprimento dos termos 
da Constituição, [20] pois resulta de ações afirmativas em favor da mulher vítima que necessitava urgentemente de 
proteção. 
 
Função Constitucional do Estado em assegurar proteção aos membros da família e a Lei Maria da 
Penha 
A Lei foi criada nos termos do art. 226, § 8º da CF/88 que inseriu em seu texto a proteção a família, na 
pessoa de cada um dos que a integram, quanto à criação de mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas 
relações. O caput do artigo em comento diz que a família, base da sociedade "tem especial proteção do Estado", 
incluindo a assistência que o § 8º traz. Há nesse parágrafo uma especificação, quando o texto diz que "o Estado 
assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram". Nesse sentido não é a entidade familiar, 
em si, que o Estado prestará assistência, mas ao marido, à mulher, ou aos filhos, segundo as necessidades de cada 
um, até mesmo em contraposição a outros membros. Esse dispositivo impõe ao Estado coibir a violência no âmbito das 
relações entre os integrantes da família. [21] 
Os componentes da sociedade devem cobrar do Estado a sua atuação efetiva na implementação de 
medidas que promovam a extinção da violência doméstica da sociedade. Sabe-se que a mulher, em especial, pode ser 
vítima de violência em todos os seus aspectos, tanto de pessoas do sexo masculino quanto até mesmo de pessoas do 
mesmo sexo, em nível que ultrapassa de muito as regras da simples correção educacional que recebe de seus pais e, 
também, em muitas vezes, é vítima de seu próprio marido quando constitui uma família. Mas não se pode dizer que 
somente a mulher, desde a infância, subordinando-se a educação dos seus pais e depois quando constitui o 
matrimônio, "subordinando-se" ao seu marido, é que necessita da proteção do Estado quando ameaçada a sua 
integridade, como a Lei dispõe. Mas também o homem está dentre aqueles que integram a família e que, no âmbito de 
suas relações, merece, portanto, total proteção do Estado. 
Silva diz que "em qualquer desses casos é dever do Estado intervir para fazer cessar a violência e punir o 
responsável por sua prática" [22]. 
A função do Estado é assegurar proteção à família, segundo as necessidades dos membros que a 
integram. Nesse diapasão, em alguns Estados, a criação de Varas Especializadas de Violência Doméstica e Familiar 
Contra a Mulher vítima de violência já se encontra em funcionamento, bem como o Ministério Público Estadual. Tudo 
isso para dar efetividade à proteção constitucional que o § 8° do art. 226 da CF/88 prevê. 
Reforçando o posicionamento de constitucionalidade da Lei Maria da Penha com base no art. 226, § 8º da 
CF/88, chega-se a conclusão de que tal dispositivo confere ao Poder Legislativo a possibilidade de criação de uma 
norma específica capaz de garantir as condições de chancelar determinadas situações cautelares a serem providas 
pelo Poder Judiciário. 
O governo passa a atuar no combate a violência contra a mulher, propondo alternativas para essas 
demandas. Alternativas essas não só para as mulheres vítimas de violência e que precisam de proteção, mas também 
para todos os membros que integram a família, respeitando um princípiofundamental de cada indivíduo, que é o 
Princípio da Dignidade da Pessoa Humana. 
Assim, esse dispositivo surgiu para dar efetividade e sustentação à própria existência da legislação editada, 
que é a Lei 11.340/2006. 
O TJ de Minas Gerais proferiu a primeira decisão sobre o assunto, afastando o óbice de 
inconstitucionalidade à análise das medidas protetivas da Lei, aduzindo que a Lei deve ser interpretada afastando-se a 
discriminação criada, não negando vigência à norma por inconstitucionalidade que é facilmente superada pelo só 
afastamento da condição pessoal de mulher nela existente. Basta ao intérprete afastar a condição pessoal de mulher 
em situação de risco doméstico, suscitada na sua criação, para que não haja qualquer inconstitucionalidade possível, 
estendendo-se os efeitos da norma a quaisquer indivíduos que estejam em idêntica situação de violência familiar, ou 
doméstica, sejam eles homens, mulheres ou crianças. A leitura da Lei, sem a discriminação criada, não apresenta 
qualquer mácula de inconstitucionalidade, bastando afastar as disposições qualificadoras de violência doméstica à 
mulher, para violência doméstica a qualquer indivíduo da relação familiar, para que seja plenamente lícita suas 
disposições. Nesse contexto, inexiste a condição de inconstitucionalidade decorrente da discriminação produzida, mas 
tão somente uma imposição inconstitucional que deve ser suplantada pelo intérprete equiparando as condições de 
homem e mulher, de modo a permitir a análise da pretensão que é da competência do Juízo que afastou a incidência 
da norma. 
Decretar a Lei Maria da Penha como inconstitucional, eliminando-a da ordem jurídica, seria retirar direitos 
legitimamente conferidos. Essa não é a função dos tribunais. Assim, deve-se precisamente estender os benefícios da 
Lei aos discriminados que solicitarem perante o Poder Judiciário, caso a caso. 
É claro que, ao decidir sobre a questão da inconstitucionalidade da Lei, a interpretação, análise e 
fundamentação são dadas de forma a abranger as necessidades que surgem. Nesse sentido, cabe a análise do pedido 
do necessitado que a requer, pois o art. 226, § 8º da CF/88 compatibiliza-se e harmoniza-se de forma a propiciar a 
aplicação da Lei tanto para mulheres quanto para homens em situação de risco ou violência decorrente da relação 
familiar. 
Tal inconstitucionalidade não autoriza a conclusão de afastamento da lei do ordenamento jurídico, mas, 
tão-somente, a extensão dos seus efeitos aos discriminados que a solicitarem perante o Poder Judiciário, caso por 
caso. Não sendo possível, portanto, a simples eliminação da norma produzida como elemento para afastar a análise do 
pedido de quaisquer das medidas nela previstas, porque o art. 5º, inciso II, combinado com o art. 21, inciso I e art. 226, 
§ 8º da CF/88, compatibilizam-se e harmonizam-se, propiciando a aplicação indistinta da lei em comento tanto para 
mulheres como para homens em situação de risco ou de violência decorrentes da relação familiar. 
Hoje, com base nas freqüentes decisões proferidas, vê-se a aplicação da referida Lei para aquele que 
necessita, não tratando somente de vítima específica mulher (somente esta como sujeito passivo). 
Portanto, defendemos que o dispositivo constitucional em análise tem como fundamento servir de 
efetivação à constitucionalidade da Lei Maria da Penha, bem como proporcionar a possibilidade de aplicação da Lei em 
favor do homem, ou melhor, dos necessitados na família. 
Possibilidade de aplicação analógica das medidas protetivas da lei em favor do homem 
Nos dizeres de Zaffaroni e Pierangeli [23] "[...] analogia, em direito penal, entende-se completar o texto legal 
de maneira a estendê-lo para proibir o que a lei não proíbe, considerando antijurídico o que a lei justifica, ou reprovável 
o que ela não reprova ou, em geral, punível o que não é por ela penalizado [...]". 
A analogia no Direito Penal é proibida, em virtude do Princípio da Reserva Legal (ou Princípio da 
Legalidade), quando for utilizada de modo a prejudicar o agente (analogiain malam partem), seja ampliando o conteúdo 
dos tipos penais incriminadores, a fim de abranger hipóteses não previstas expressamente pelo legislador, uma vez 
que um fato não definido em Lei como crime estaria sendo considerado como tal. 
No Mato Grosso decidiu-se pela primeira vez a favor da aplicação por analogia das medidas protetivas da 
Lei Maria da Penha em favor de um homem vítima de violência doméstica [24]. 
Constatada alguma analogia fática, nada impede que as medidas protetivas da Lei Maria da Penha seja 
aplicada em favor, nesse caso, ao homem. Se a violência, nas suas modalidades, estiver sendo utilizada, não há 
dúvida que as medidas protetivas da Lei Maria da Penha podem ser aplicadas para favorecer o homem, impondo-se a 
analogia in bonam partem. As medidas protetivas da Lei podem ser aplicadas em favor de qualquer pessoa desde que 
comprove que a violência teve ocorrência dentro de um contexto doméstico, familiar ou de relacionamento íntimo, pois 
tais medidas não têm um caráter efetivamente penal e, sim, cível com abrangência no direito de família e 
administrativo, não alcançando a vedação da analogia no Direito Penal. Não havendo impedimentos que faça que o 
Judiciário não atenda quem está sendo ameaçado ou lesado de seus direitos, fazendo bom uso da Lei e do poder geral 
de cautela. 
De acordo com as decisões surgidas, a aplicação das medidas protetivas da Lei em favor do homem hoje é 
tema discutido em todo o Brasil e interpretado de forma justa e coerente, a partir do momento em que o necessitado de 
proteção do Estado (nesse caso o homem) requer tais medidas e as autoridades competentes as deferem, cumprindo 
o dever constitucional de assegurar assistência a família na pessoa de cada um dos membros necessitados que a 
integre, com os mecanismos possíveis para coibir a violência no âmbito de suas relações. A concessão de tais 
medidas em favor do homem caminha de forma gradativa, percorrendo vários Estados do Brasil. A primeira Sentença 
proferida nesse sentido foi em Cuiabá, Mato Grosso, e, em decorrência dela, no mesmo Estado, surgiu um 
posicionamento jurisprudencial, que caminhou de forma inovadora quando confirma e justifica até uma proteção futura 
para as partes, quando coíbe desde logo com as medidas protetivas da Lei, posteriores e possíveis violências e 
ameaças que possam surgir à vítima. 
Temos decisão nesse sentido em Minas Gerais, parecer do Ministério Público de Santa Catarina, decisão 
do Juiz da mesma localidade, bem como no Espírito Santo e Rio Grande do Sul. Hoje a extensão da aplicação da Lei 
Maria da Penha é bem grande. No Rio Grande do Sul fora aplicada a Lei em favor de dois homens, que mantinham 
uma união homoafetiva. As medidas foram deferidas ao homem, porque sofria ameaças de seu companheiro. 
Vê-se que, com o passar do tempo, a aplicação das medidas protetivas da Lei Maria da Penha em favor do 
homem, que não é o sujeito passivo tutelado pela Lei, torna-se constante, se alastrando por todo o Brasil. 
Na decisão do Espírito Santo, a juíza argumentou que a sua decisão foi tomada com base no poder geral 
de cautela do juiz. "Se ao juiz coubesse uma aplicação fria da lei, sem uma análise do caso concreto, bastaria ele 
lançar o problema para um computador resolve-lo matematicamente", justificou a magistrada. [25] 
Corroboramos com tal entendimento, pois o poder geral de cautela tem como finalidade afastar situações 
periclitantes e perigosas que poderiam por em risco o desenvolvimento ou resultado finalístico do processo no qual se 
busca a satisfação material. Por meio do poder geral de cautela, está o juiz autorizado a deferir medidas protetivas da 
jurisdição, sempre que presentes o fumus boni iuris e opericulum damnum irreparabile, a determinado caso fático, cuja 
previsão específica escapou ao legislador [26]. Ademais, o poder geral de cautela é "norma em branco", da qualnão se 
pode abrir mão para bem de assegurar à efetiva frituosidade da prestação jurisdicional que de depara com casos dos 
mais diversos e amplos, certamente com peculiaridades que, mesmo que o legislador pudesse prever, dificilmente os 
positivaria em face da particularidade, não ensejando interesse normativo a coletividade. 
Na Espanha existe uma Lei sobre violência familiar que gera muito debate e polêmica sobre sua 
constitucionalidade, como a Lei Maria da Penha vigente no Brasil. A Lei prevê penas mais rigorosas para homens que 
agridem mulheres. Já o contrário (mulheres que agridem homens) existe também punição, só que menos rigorosa. Há 
grande discussão acerca da sanção penal em relação aos sexos, que muitos dizem ser discriminatória. Lá, 
diferentemente do Brasil, existe legislação aplicável aos casos de violência contra o homem. 
Na ausência de lei aplicável aqui no Brasil, por que não nos valermos da analogia para tutelarmos os 
necessitados de proteção e assistência? 
A Lei Maria da Penha trouxe medidas inéditas de proteção para a mulher em situação de violência ou sob 
risco de morte. Tais medidas têm natureza cível, com abrangência no direito de família e administrativo, bem como 
natureza penal. As penas pecuniárias, por exemplo, que puniam os agressores com multas ou cestas básicas, foram 
extintas. Dependendo do caso, o sujeito pode ser proibido de se aproximar da mulher e dos filhos. Em outras, a vítima 
pode rever seus bens e cancelar procurações feitas para o agressor e etc.Vemos também que com a entrada da no 
ordenamento jurídico brasileiro, buscou-se a adoção de um regime penal mais gravoso, diante das vedações trazidas 
pela Lei em seus artigos 17 e 41. 
A não aplicação da Lei 9.099/1995 impossibilitou a substituição de penas de caráter pessoal (como, por 
exemplo, de pena privativa de liberdade e algumas penas restritivas de direitos) por pagamento de cesta básica, outras 
de prestação pecuniária e multa, buscando punir de forma efetiva o agressor, afastando todos os institutos 
"despenalizadores", bem como o instituto "descarceirizador" trazidos pela Lei dos Juizados. 
 
Conclusão 
A possibilidade de aplicação analógica das medidas protetivas da Lei Maria da Penha em favor do homem 
tornou-se possível diante da atribuição da analogia in bonam partem, não ferindo, assim, o ius libertati do indivíduo, 
bem como o Princípio da Reserva Legal ou Princípio da Legalidade, pois não se está diante de uma analogia in malam 
partem. Essa aplicação de forma analógica tornou-se possível com base no poder geral de cautela que o juiz tem de 
conceder medidas cautelares inominadas aos necessitados de proteção do Estado, desde que venha a requerê-las. 
Não se pode confundir com a possibilidade de concessão das medidas protetivas cautelares em sede de 
decisão interlocutória proferidas pelos juízes ou até mesmo a possibilidade de concessão das medidas protetivas 
cautelares concedidas pelo Ministério Público com as vedações trazidas pelos artigos 17 e 41 da Lei 11.340/2006. 
As proibições trazidas pelos artigos (diga-se, a não substituição de penas privativas de liberdade – reclusão 
e detenção (artigo 33 do Código Penal), cesta básica, outra de prestação pecuniária e multa) são dirigidas ao Juiz de 
Direito, no momento em que irá proferir a sentença condenatória. Pois, quando se inadmite, por exemplo, o benefício 
da transação penal, evidente que o dispositivo ao qual se comenta refere-se à sentença condenatória em sede de 
audiência, que é completamente diferente quando se trata da concessão ao requerente de medidas protetivas da Lei 
de caráter cível, com abrangência no direito administrativo e no direito de família, concedidas cautelarmente. 
Tais medidas protetivas da Lei possuem um caráter cautelar, pois asseguram a eficácia da prestação 
jurisdicional, afastando situações periclitantes e perigosas que poderiam por em risco a vida da vítima, buscando-se o 
desenvolvimento ou resultado final com as medidas ao qual se busca a satisfação. Conceder tais medidas de proteção 
a mulher, que é a única tutelada expressamente pela Lei, bem como ao homem em situações que requeira do Poder 
Judiciário por ser, naquela ocasião excepcional, vulnerável, é garantir segurança a esses indivíduos, cessando futuras 
ameaças, lesões e até mesmo um homicídio. O que se busca é que por meio do deferimento das medidas de proteção 
da Lei Maria da Penha pelo juiz, a vítima se resguarde do bem maior que ela tem que é a vida. 
Podemos deduzir que a aplicação das medidas protetivas cautelares, em sede de decisão interlocutória em 
favor do homem (que não é o sujeito passivo tutelado pela Lei) não chegam a seguir o procedimento específico 
garantido pela Lei, senão estaríamos diante de uma analogia in malam partem, que é terminantemente proibida pelo 
Direito Penal. Pois, se no curso de um julgamento de um processo principal com a aplicação, por exemplo, de toda a 
Lei Maria da Penha em favor do homem e em desfavor da mulher, mais especificamente, retirando-lhe (à mulher 
ofensora) a possibilidade de composição civil dos danos, transação penal com a possibilidade de cumprimento de 
penas não privativas de liberdade, bem como a suspensão condicional do processo, estaríamos retirando direitos 
conferidos aos crimes de menor potencial ofensivo, com a inserção de um não legitimado de tal tutela, restringindo-lhe 
garantias e prerrogativas conferidas pela Lei 9.099/1995 que seria competente para o julgamento. E não é isso que 
queremos! 
Exceção ao exposto, onde não se aplicaria a Lei 9.099/1995 com todos os seus benefícios a ela inerentes, 
independentemente do sujeito passivo ser homem ou mulher, seria no caso da violência doméstica tratada no art. 129, 
§ 9º do Código Penal, que não limita os sujeitos passivos vítimas de violência doméstica, familiar ou de relacionamento 
íntimo, cominando pena de três meses a três anos. Aí está a impossibilidade de aplicação da Lei 9.099/1995, pois a 
pena máxima cominada é de três anos, vedando a possibilidade de transação penal e composição civil dos danos, que 
somente é cabível para infrações penais com pena máxima não superior a dois anos (art. 61 da Lei 9.099/1995). 
Assim, o sistema protetivo instaurado pela Lei que não trata somente de medidas de natureza penal, 
possuindo também medidas de natureza civil e administrativa, poderão ser aplicadas a todos os demais vulneráveis. 
Sendo que nenhuma norma de conteúdo penal mais gravosa ou que limite as liberdades públicas e os direitos 
fundamentais do indivíduo poderá ser aplicada, sob pena de afronta ao Princípio da Legalidade, que proíbe a aplicação 
da analogia prejudicial ao réu (analogia in malam partem), vedada pelo Direito Penal. 
Portanto, a analogia está sendo empregada de forma não prejudicial ao réu, para dar efetividade ao 
sistema expresso no art. 226, § 8º da CF/88, para melhor atender a vítima (homem) de violência em seu âmbito 
doméstico, familiar ou de relacionamento íntimo, que venha a requerer, garantindo a efetiva proteção do Estado com as 
medidas protetivas que a Lei Maria da Penha traz. 
 
Referência Bibliográfica 
BITENCOURT, Cezar Roberto. Abrangência da Definição de Violência Doméstica. Boletim IBCCRIM, 
Ano XVII, n° 198. Maio de 2009. 
CARPENA, Márcio Louzada. Do Processo Cautelar Moderno. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 162. 
CUNHA, Rogério Sanches. PINTO, Ronaldo Batista. Violência Doméstica. 2. ed. rev. atual. e ampl. São 
Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. 
DIAS, Maria Berenice. A Lei Maria da Penha na Justiça. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. 
GOMES, Luiz Flávio. Lei Maria da Penha: aplicação para situações análogas. Disponível em: 
<www.lfg.com.br>. Acesso em: 27 de abr. de 2009. 
LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 11. ed. São Paulo: Método, 2007. 
MENDES, Gilmar Ferreira. COELHO, Inocêncio Martires. BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de 
Direito Constitucional. 2. ed. rev. e atual.São Paulo: Saraiva, 2008. 
Por analogia: Lei Maria da Penha é aplicada para proteger homem. Disponível em: 
<http://www.conjur.com.br/2008-out-30/lei_maria_penha_aplicada_proteger_homem>. 
SILVA, José Afonso da. Comentário Contextual à Constituição. 4. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 
2007. 
SOUZA, Sérgio Ricardo de. Comentários a Lei de Combate à Violência Contra a Mulher. Curitiba: 
Juruá, 2007. 
ZAFFARONI, Eugênio Raul; PIERANGELI, José Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro: Parte 
geral.5ª. ed. rev. atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. 
 
Notas 
1. A justificativa de se chamar a Lei 11.340/2006 de Lei Maria da Penha é por causa da história dolorosa em que 
protagonizou a farmacêutica Maria da Penha Fernandes. Resumidamente, em 1983, por duas vezes seu marido 
tentou assassiná-la. Na primeira vez por arma de fogo e na segunda por eletrocussão e afogamento. As tentativas 
de homicídio resultaram em lesões irreversíveis a sua saúde, como paraplegia e outras seqüelas. Maria da Penha 
transformou dor em luta, tragédia em solidariedade. Fonte: Comprometa-se. Você tem voz. A violência contra a 
mulher, não. Cartilha da Secretaria de Estado do Trabalho, Assistência e Desenvolvimento Social – SETADES. p. 
08. 
2. CUNHA, Rogério Sanches. PINTO, Ronaldo Batista. Violência Doméstica. 2. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: 
Revista dos Tribunais, 2008. p. 39. 
3. BITENCOURT, Cezar Roberto. Abrangência da Definição de Violência Doméstica. Boletim IBCCRIM, Ano XVII, n° 
198. Maio de 2009. 
4. CUNHA, Rogério Sanches. PINTO, Ronaldo Batista. Op. Cit.. p. 30. 
5. SOUZA, Sérgio Ricardo de. Comentários a Lei de Combate à Violência Contra a Mulher. Curitiba: Juruá, 2007. p. 
46. 
6. SOUZA, Sérgio Ricardo de. Op. Cit. p. 46/47. 
7. SOUZA, Sérgio Ricardo de. Op. Cit. p. 47. 
8. Idem. p.47. 
9. Idem. 
10. DIAS, Maria Berenice. A Lei Maria da Penha na Justiça. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 42. 
11. CUNHA, Rogério Sanches. PINTO, Ronaldo Batista. Op. Cit. p. 31. 
12. Idem. p. 33. 
http://www.conjur.com.br/2008-out-30/lei_maria_penha_aplicada_proteger_homem
13. DIAS, Maria Berenice. Op. Cit. p. 56. 
14. MORAES, Alexandre de, 2005, apud DIAS. Idem. p. 56. Idem. 
15. CUNHA, Rogério Sanches. PINTO, Ronaldo Batista, 2006, apud DIAS. p. 56. 
16. MENDES, Gilmar Ferreira. COELHO, Inocêncio Martires. BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito 
Constitucional. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 157. 
17. LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 11. ed. São Paulo: Método, 2007. p. 701. 
18. GOMES, Luiz Flávio. Op. Cit. 
19. RIBEIRO, Rui Ramos, 2006, apud DIAS. Idem. 
20. GUEDES, Alexandre de Matos, 2006, apud DIAS. Idem. 
21. SILVA, José Afonso da. Comentário Contextual à Constituição. 4. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2007. p. 854. 
22. SILVA, José Afonso da. Op. Cit. p. 854. 
23. ZAFFARONI, Eugênio Raul; PIERANGELI, José Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro: Parte geral.5ª. ed. 
rev. atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p. 168. 
24. Por analogia: Lei Maria da Penha é aplicada para proteger homem. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2008-
out-30/lei_maria_penha_aplicada_proteger_homem>. 
25. Fonte: clipping@tj.es.gov.br. Op. Cit. 
26.CARPENA, Márcio Louzada. Do Processo Cautelar Moderno. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 162. 
 
http://www.conjur.com.br/2008-out-30/lei_maria_penha_aplicada_proteger_homem
http://www.conjur.com.br/2008-out-30/lei_maria_penha_aplicada_proteger_homem
mailto:clipping@tj.es.gov.br

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