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VÍRUS DA IMUNODEFICIÊNCIA HUMANA E SÍNDROME DA IMUNODEFICIÊNCIA ADQUIRIDA O HIV é um vírus RNA de cadeia simples que pertence à família Retroviridae. Existem duas espécies: HIV-1 e HIV-2. A célula-alvo principal do HIV é o linfócito T CD4+ auxiliar, embora outros linfócitos CD4+ (tais como macrófago e células dendríticas) possam ser infectados. O vírus se liga ao CD4 e a outras moléculas da superfície celular para garantir a sua entrada, onde o genoma RNA viral é transcrito de forma reversa no DNA complementar. Esse DNA complementar pode se incorporar ao DNA da célula do hospedeiro. Em pacientes infectados pelo HIV, há a formação de anticorpos contra o vírus, mas estes não têm função protetora. O vírus permanece em silêncio, promove a morte da célula ou produz a fusão sincicial das células, as quais deixam de funcionar normalmente. Uma diminuição no número de células T auxiliares ocorre, resultando em perda da função imunológica. A resposta normal a vírus, fungos e bactérias encapsuladas diminui. Além disso, a infecção dos macrófagos e da micróglia no SNC leva a manifestações neurológicas da doença, embora o mecanismo exato de dano no SNC induzido pelo HIV ainda não seja completamente compreendido. Características Clínicas Os estágios clínicos da infecção pelo HIV incluem uma fase aguda, uma fase crônica (ou período de latência) e AIDS. Fase aguda O paciente pode ser assintomático ou exibir uma síndrome retroviral aguda autolimitante. Essa síndrome desenvolve-se dentro de um a seis semanas após a exposição, em 50% a 70% dos pacientes infectados. Os sintomas lembram aqueles observados na mononucleose infecciosa (linfadenopatia generalizada, faringite, febre, erupção maculopapular, cefaleia, mialgia, artralgia, diarreia, fotofobia e neuropatias periféricas). As alterações orais podem incluir eritema da mucosa e ulcerações focais. Durante essa fase inicial, a infecção pelo HIV geralmente não é considerada, nem investigada e os anticorpos contra o HIV ainda não são detectáveis. Mesmo assim, durante esse período, os pacientes apresentam altas taxas de viremia e são extremamente infecciosos. Uma vez que a infecção está estabelecida, há o desenvolvimento de uma resposta imune, diminuição da viremia e o paciente entra na fase de latência. Fase de Latência Esse período extremamente variável pode durar alguns meses até mais de 15 anos. Os fatores que têm papel de impacto no tempo de latência são: idade do paciente, resposta imunológica do hospedeiro, tipo de exposição, cepas virais e utilização de cART. A maioria dos pacientes é assintomática, mas alguns apresentam linfadenopatia generalizada persistente (LGP). Em alguns casos, antes do desenvolvimento da AIDS, existe um período de febre crônica, perda de peso, diarreia, candidíase oral, herpes-zóster e/ou leucoplasia pilosa oral (LPO). Essa apresentação tem sido denominada complexo relacionado à AIDS (CRA). Fase AIDS Ao longo do tempo, o sistema imune falha no controle do vírus. Ocorre um aumento acentuado da viremia e a contagem de células CD4+ cai, resultando no desenvolvimento da AIDS. A apresentação da fase sintomática é variável e, muitas vezes, é afetada pela exposição anterior da pessoa a diversas infecções crônicas. Em vários casos, a pneumonia causada pelo fungo Pneumocystis jiroveci é uma manifestação característica que leva ao diagnóstico de AIDS. Outras infecções de significância diagnóstica incluem a infecção pelo citomegalovírus (CMV) disseminada, infecções graves pelo vírus do herpes simples (HSV), infecções micobacterianas atípicas, meningite criptocócica e toxoplasmose no sistema nervoso central (SNC). Classificação EC das Manifestações Orais Associadas à Infecção pelo HIV em Adultos segundo ECClearinghouses Lesões Orais e Maxilofaciais Fortemente Associadas à Infecção pelo HIV Candidíase A candidíase é a manifestação intraoral mais comum da infecção pelo HIV e normalmente é o sinal que leva ao diagnóstico inicial. Candidíase pseudomembranosa Candidíase eritematosa Candidíase hiperplásica Queilite angular Alguns estudos mostraram que o desenvolvimento da candidíase pode estar associado mais intimamente com a carga viral do que com a contagem das células CD4+. A candidíase oral pode ser dolorosa e estar associada à redução no paladar e olfato, que pode levar à diminuição da ingestão de alimentos com consequente perda de peso. Imagem: Candidíase Associada ao HIV. Extensas placas brancas removíveis no lado esquerdo da mucosa jugal. O diagnóstico da candidíase é evidente através da sua apresentação clínica, mas pode ser confirmado pela citopatologia ou biopsia. A amostra biopsiada da mucosa envolvida demonstra a cândida implantada na camada de queratina, entretanto a reação inflamatória costuma ser escassa. Imagem: Candidíase Associada ao HIV. Corte histopatológico corado pelo ácido periódico de Schiff (PAS) revelando diversos microrganismos fúngicos implantados na camada superficial de queratina. O tratamento da candidíase nos pacientes com AIDS é difícil. O clotrimazol deve ser o medicamento de eleição para aqueles pacientes que estejam recebendo terapia antirretroviral eficaz, tenham a contagem de células CD4+ superior a 50 células/mm3 e não apresentem sinal de envolvimento esofágico. Leucoplasia Pilosa Oral A presença de LPO em pacientes infectados pelo HIV é um sinal de imunossupressão grave e doença avançada. Clinicamente, a LPO se manifesta como uma placa branca não destacável na mucosa. A maioria dos casos ocorre na borda da língua e varia na aparência entre tênues estrias brancas verticais a áreas leucoplásicas espessas e corrugadas, apresentando uma superfície queratótica e áspera. Em poucos casos, as lesões podem se tornar extensas e recobrir totalmente as superfícies lateral e dorsal da língua. Raramente, a mucosa jugal, palato mole, faringe ou esôfago podem estar envolvidos. Imagem: Leucoplasia Pilosa Oral (LPO) Associada ao HIV. Estrias verticais de queratina ao longo da margem lateral da língua. Histopatologicamente, a LPO apresenta espessa camada de paraqueratina exibindo corrugações ou finas projeções na superfície. O epitélio se encontra acantótico e exibe uma zona em faixa de células levemente coradas e citoplasma abundante (células balonizantes) na porção superior da camada espinhosa. O exame em maior aumento das células epiteliais superficiais revela células dispersas com núcleo claro e um padrão característico de marginação periférica da cromatina, denominado núcleo em colar de pérolas, resultantes da extensa replicação do EBV que desloca a cromatina para a margem nuclear. Não se observam áreas de displasia. A infecção por cândida na camada de paraqueratina pode ser vista, embora a reação inflamatória normal aos fungos em geral esteja ausente. Imagem: Leucoplasia Pilosa Oral (LPO) Associada ao HIV. Mucosa oral exibindo hiperparaqueratose com corrugações na superfície. Imagem: Epitélio oral exibindo hiperparaqueratose e uma faixa de “células balonizantes” na camada espinhosa superior. Em maior aumento se observa células epiteliais, exibindo núcleo em colar de pérolas. Imagem: A avaliação pela imunoperoxidase para o vírus Epstein-Barr (EBV) revelando reação positiva dentro das numerosas células epiteliais. O tratamento da LPO na maioria das vezes não é necessário, embora um leve desconforto ou necessidades estéticas possam demandar intervenção. Medicamentos sistêmicos contra o herpes-vírus produzem rápida resolução, entretanto as recidivas são esperadas com a descontinuidade do tratamento. Sarcoma de Kaposi É uma neoplasia do endotélio vascular causado pelo herpes-vírus humano tipo 8 (HHV-8, herpes-vírus associado ao sarcoma de Kaposi [KSHV]).O SK se manifesta como múltiplas lesões de pele ou mucosa oral, embora também possa ocorrer o envolvimento visceral e de linfonodos. Eventualmente uma lesão única é de início identificada. Nos casos relacionados à AIDS, as lesões cutâneas apresentam predileção pela face e membros inferiores. O palato duro, a gengiva e a língua são os sítios mais afetados. Quando presente no palato ou na gengiva, a neoplasia pode invadir o osso e provocar mobilidade dentária. No início, as lesões são como máculas vermelho- purpúreas ou marrons, cuja diascopia é negativa. Lesões não pigmentadas foram eventualmente relatadas. Com o tempo, as máculas se tornam placas ou nódulos, que podem coalescer e tornar-se uma massa difusa e exofítica. Dor, sangramento e necrose podem necessitar de tratamento. Imagem: Múltiplas máculas púrpuras sobre o lado direito da face. Imagem: Amplas áreas de SK se apresentando como uma superfície plana, acastanhada, e uma alteração de cor em forma de M no palato duro. Imagem: Aumento de volume elevado, vermelho- escuro, na gengiva inferior vestibular anterior, do lado esquerdo. Imagem: Aumento de volume nodular, vermelho- azulado, difuso no palato duro, do lado esquerdo. Imagem: Aumento de volume vermelho-azulado, difuso da gengiva, demonstrando necrose disseminada. As opções de tratamento incluem medicamentos tópicos (alitretinoína gel ou imiquimod creme para as lesões orais), injeção intralesional de quimioterápicos ou agentes imunomoduladores (vimblastina, vincristina, bleomicina e interferon-alfa), radioterapia, excisão cirúrgica, crioterapia (para lesões cutâneas), escleroterapia e laserterapia. Linfadenopatia Generalizada Persistente A LGP consiste em uma linfadenopatia que se apresenta por mais de três meses e envolve dois ou mais sítios extrainguinais. Os locais mais frequentemente envolvidos são os linfonodos cervicais anteriores e posteriores, submandibulares, occipital e axilares. Imagem: Linfonodos cervicais aumentados em um paciente com linfadenopatia generalizada persistente (LGP). O exame histopatológico revela hiperplasia folicular. Linfoma Não Hodgkin O LNH associado ao HIV pode ser classificado da seguinte forma: Linfomas que também ocorrem em pacientes imunocompetentes (em especial o linfoma de Burkitt e o linfoma B difuso de grandes células; raramente o linfoma de zona marginal extranodal do tipo MALT [células linfoides associadas à mucosa], linfoma de célula T periférico e linfoma de células NK/T) Linfomas que ocorrem de forma mais específica em pacientes infectados pelo HIV (linfoma de efusão primária e linfoma plasmablástico) Linfomas que também ocorrem em outras imunodeficiências (casos que se assemelham à doença proliferativa associada ao pós- transplante [PTLD]). Imagem: Aumento de volume de tecido mole ulcerado e eritematoso na gengiva inferoposterior e fundo de vestíbulo, do lado direito. Doença Periodontal Associada ao HIV Três padrões atípicos de doença periodontalfortemente associados à infecção pelo HIV são observados: Eritema linear gengival Gengivite ulcerativa necrotizante (GUN) Periodontite ulcerativa necrotizante (PUN) Esse padrão incomum de gengivite é caracterizado por uma faixa linear de eritema que envolve a gengiva marginal livre e estende-se por 2 a 3 mm em direção apical. Além disso, a mucosa alveolar e a gengiva podem apresentar eritema difuso ou puntiforme em uma grande porcentagem dos casos. A gengivite ulcerativa necrotizante (GUN) representa a ulceração e necrose de uma ou mais papilas interdentais sem perda da inserção periodontal. Os pacientes com GUN apresentam necrose gengival interproximal, sangramento, dor e halitose. Imagem: Gengivite Associada ao HIV. Banda eritematosa envolvendo a gengiva marginal livre. Imagem: Gengivite Ulcerativa Necrosante Associada ao HIV (GUN). Múltiplas papilas interdentais perdidas na gengiva inferior. Observe a candidíase pseudomembranosa difusa da mucosa. A periodontite ulcerativa necrotizante (PUN) se caracteriza pela ulceração gengival e necrose associada à perda rápida e progressiva da inserção periodontal. Edema, dor intensa e hemorragia espontânea são comuns. A presença de bolsas periodontais profundas geralmente não é observada, pois a necrose gengival extensa coincide com a perda do osso alveolar adjacente. A perda de mais de 6 mm de inserção dentro de um período de seis meses não é incomum. Imagem: Periodontite Associada ao HIV. Extensa perda do suporte periodontal sem bolsas profundas. O tratamento da GUN e PUN é baseado em desbridamento, tratamento antimicrobiano, controle da dor, acompanhamento imediato e manutenção a longo prazo. A remoção inicial do tecido necrosado é necessária, combinada à irrigação com iodopovidona. Imagem: Periodontite e Estomatite Necrosante Associada ao HIV. Necrose gengival difusa com extensão para a mucosa alveolar. Imagem: Estomatite Necrosante Associada ao HIV. Necrose massiva do tecido mole e osso da maxila anterior.
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